Capítulo 97

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- Nathália Narrando -

Quando eu li a mensagem várias coisas se passavam pela minha cabeça e não eram coisas boas, eu mandei mensagem pra Gabi e pedi pra ela buscar o Kauã, eu inventei pra ele que a tia queria levar ele em algum lugar e o mesmo aceitou ir de boa. Eu não conseguia falar com a Ju e nem com o Éverton, isso me deixava em um estado que eu não sabia explicar. Eu fui pra favela e ela estava praticamente deserta, cheguei em casa e ela estava toda escura porém escutei barulho de algo quebrando.

- Meu deus - subi cheia de medo mas na hora que eu entrei no quarto fiquei muito aliviada ao ver o Cuíca porém ele estava em um estado que eu nunca tinha visto, tinha várias coisas quebradas pelo chão e ele em bem atordoado - Éverton - falei alto e ele me olhou - O que aconteceu?

- Deu tudo errado nesse caralho - falou com raiva e socou a parede

- Para com isso - me aproximei e vi que a mão dele estava toda cortada

- Me solta - gritou quando eu tentei me aproximar - Me deixa sozinho - falou me empurrando e eu percebi que ele lutava pra segurar o choro

- Não deixo não - falei firme - Me fala o que aconteceu

- O Dg foi preso - soluçou me olhando

- Olha eu sei que deve está sendo difícil mas imagina que aos poucos tudo vai se ajeitar, vocês vão contratar um advogado e lá dentro ele tá protegido de alguma forma - tentei ser o mais positiva mas obviamente não adiantou

- Tudo se ajeitar? Nada vai se ajeitar - falou derramando algumas lágrimas - O meu irmão foi preso e o outro foi morto. Nathália - gritou e ali eu entendi todo o sofrimento dele

- Do que você tá falando? - perguntei baixo

- Conseguiram pegar o Menor, torturaram ele e mataram - chorou mais alto - Eu vi e não pude fazer porra nenhuma porque tentaram me matar e ele mandou eu ir embora. O meu irmão tá morto e a culpa é minha

- A culpa não é sua - falei mais alto e ele jogou um enfeite que ficava no criado mudo na parede - Para, por favor - gritei e eu já estava chorando, o sofrimento dele estava me matando

- Foi minha culpa - se sentou encostado na parede e eu me agachei ao lado dele - E tá doendo mais ainda porque eu sei que poderia ter feito alguma coisa mas eu fui um frouxo do caralho, eu deveria ter ficado e nem que eu morresse junto com ele, mas eu deveria ter ficado

- Não - falei tentando passar a mão no rosto dele e o mesmo virou a cara - Você fez isso porque foi a vontade dele, o último desejo dele foi que você ficasse bem e você vai ficar bem por ele, entendeu? Por ele você vai lutar e viver a vida da melhor forma e sabe porque? O último presente dele pra ti foi você continuar vivo e ele não faria isso se não fosse teu amigo de verdade. Você e o Dg vão chorar mas depois vão lembrar dos bons momentos

- Eu tô sozinho sem eles, perdi os dois de uma vez só - falou baixo - Os meus irmãos

- Não tá sozinho - neguei rápido - Eu sei que eles são seus amigos de infância mas você vários amigos, eles não vão substituir e nem tem como mas você não está sozinho

- Tá doendo - falou e eu aproximei a minha mão do rosto dele e dessa vez ele não se afastou

- Eu sei que tá - falei baixinho - Eu tô aqui com você - fiz carinho no rosto dele e senti as lágrimas descendo sem parar

- É difícil - falou colocando a cabeça no meio das pernas e começou a chorar alto, o choro dele estava me doendo muito

Eu fiquei um tempão sentada ali com ele, eu sabia muito como era essa dor e por mais que eu não gostasse do Menor eu amava o Éverton e ver o sofrimento dele era foda pra mim, eu tive que ne segurar pra não chorar juntinho com ele. Quando ele parou de chorar um pouco consegui convence-lo a tomar um banho e fui dar um jeito no quarto que estava uma zona danada. Assim que eu acabei de arrumar ele saiu do banheiro.

- Eu vou fazer um curativo na sua mão só que você vai ter que ir no posto - falei e ele se sentou na cama

- Não tá doendo - falou e eu entrei no banheiro pegando a caixinha de farmácia

- Agora não, mas amanhã vai - falei e me sentei ao lado dele

- Acho que não - falou baixo e eu abri a caixinha, peguei as coisas e comecei a cuidar dos cortes

- Você socou a parede e o espelho - falei no mesmo tom

- Foi mal - sussurrou

- Sem problemas - falei terminando os curativos e peguei um remédio pra dor na caixinha

- Toma - entreguei o remédio e apontei pra garrafinha de água no criado mudo

- É bizarro - falou de repente

- O que? - perguntei olhando pra ele

- Eu sabia que isso poderia acontecer, e poderia acontecer hoje como rolou ou muito antes - falou tomando o remédio e eu comecei a prestar atenção - Mas no fundo eu acho que não esperava, sem falar que é uma dor absurda

- Mas nunca esperamos - falei simples

- Era pra se esperar, né? - riu sem humor

- Éverton, você pode ver uma pessoa que você ama em cima de uma cama e todos os médicos do mundo falarem que não tem mais jeito, mas quando você ama as esperanças se mantém até o final e isso é completamente normal - falei e ele não respondeu nada - Deita pra descansar, eu sei que é quase impossível mas tenta

- Ta bom - falou se deitando, deixei um beijo no rosto dele e guardei as coisas no banheiro, apaguei a luz do quarto e saí

Peguei o meu celular, respondi algumas mensagens e mandei uma para o Rael, conversei um pouco com ele e pedi pro mesmo dar um pulo aqui em casa. Fiquei sentada na varanda e quando ele entrou se sentou ao meu lado.

- Ele tá péssimo, né? - perguntou baixo e eu confirmei

- É como se eu tivesse revivendo tudo só que de outra posição - falei baixo - E eu não sei o que fazer, sabe? Por que eu sei que nada do que eu falar vai adiantar, a única coisa que ele quer ouvir eu não posso falar, que seria dizer que é tudo mentira, eu sei que a sensação dele que é tiraram o chão

- A gente fica perdido, não sabe como vai ser daqui pra frente e o que fazer, passa um monte de coisa na nossa cabeça, e não são coisas boas - falou dando uma pausa - E se eu pudesse ter feito algo? E se tivéssemos ido para o outro lado?

- É tanto "e se" que da um nó - falei e ele confirmou com a cabeça

- Eu não sei se é assim que ele tá sentindo mas foi assim que eu me senti e ainda me sinto as vezes - confessou - Eu nasci com o Michel praticamente, era tudo ao lado dele, desde os momentos bons aos ruins, era pra ele que eu corria pra contar uma notícia boa ou ruim, e pro Michel era assim também, foi pra mim que ele veio contar que seria pai, ele não sabia o que fazer e eu também não sabia mas eu tinha que dar uma luz pra ele. O Éverton deve estar assim, por mais que as vezes não fizesse sentido ele ter amizade com um cara que vivia zuando ele daquela forma, era o cara que apesar de tudo sempre esteve com ele nos bons e nos maus momentos. De uma vez só se foi um dos melhores amigos e o outro não tá aqui, eles não podem nem se ajudar ou só sofrerem juntos

- Do jeito torto deles se entendiam e se amavam - falei e ele assentiu - E ele salvou a vida do Éverton

- Eu fiquei sabendo disso - me olhou - E eu tenho que te dizer que foi difícil ver o olhar dele e do Dg

- Você se viu neles - constatei

- Eu e os outros - confirmou - E puta que pariu parece que voltou tudo

- Essa vida é muito difícil - bufei e deitei a cabeça no ombro dele

- Nem fala - resmungou - Eu lembrei de algo agora

- Eu imagino - falei sabendo que ele se referia ao momento de quando eu fiquei sabendo da morte do Michel, foi aqui na varanda mesmo que eu desabei

- Esquece isso - pediu fazendo carinho na minha mão

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