Capítulo 91

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- Nathália Narrando -

Eu fiquei duas semanas no apartamento e nesse meio tempo o Éverton ainda não tinha voltado para o morro, conversando com a minha irmã eu fiquei sabendo que tinha tido mais um tiroteio no morro mas felizmente foi rápido e dessa vezes não teve feridos. O Novinho já tinha ido para casa e estava praticamente recuperado, preciso nem falar que cheio de fogo pra ficar trocando tiro com a polícia. Hoje eu decidi voltar pro morro, quando cheguei com o Kauã fui pra casa da minha mãe e almocei com ela e as minhas irmãs já que a Gabi estava por lá, fiquei um bom tempo lá mas fui pra casa da minha sogra, o Kauã estava cheio de saudades dela e da tia. Assim que chegamos ele foi logo mimado pela vó e subiu pra perturbar a minha cunhada.

- Que foi? - perguntei quando percebi ela me observando

- Vamos pra igreja comigo? - perguntou e eu assenti, eu não frequentava igreja só que sempre quando ela me chamava eu ia

- Quer me falar algo? - perguntei e ela negou

- Só acho que você precisa ir pra acalmar o coração - falou simples

- Eu vou então - falei e ela sorriu

- Esses dias eu orei muito pelas crianças, eu sei que não é certo o que eles fazem mas eu conheço desde sempre - falou e eu larguei o celular, ela só se referia aos meninos como crianças - E por Deus eu não quero que aconteça o mesmo que aconteceu com o meu filho

- É o meu maior medo - confessei - Eles são novos demais e vivem com a vida em risco

- Acho que só Deus sabe a falta que o meu filho faz, Nat, eu sei que ele não tá mais aqui e que não vai voltar mas todo dia eu ainda tenho uma esperança boba que ele vai entrar de tarde me gritando igual sempre fazia, sabe? - falou e eu senti os meus olhos se enchendo de lágrimas, todo dia de tarde ele vinha até a casa da minha sogra tomar café, um hábito que foi passando pro Kauã - E em meio a tanta saudade que eu sinto dele eu sinto tanta pena

- Pena? - perguntei e ela limpou o rosto

- Pena - confirmou - Eu sei que se ele foi é porque estava na hora dele, mas vai colocar isso na cabeça de uma mãe, impossível. Michel morreu muito cedo, perdeu muita coisa, sabe? Era pra ele tá aqui com a gente, vendo o nosso menino descobrindo o mundo e se descobrindo, era pra ele ajudar nos primeiros passos do Kauã como jogador e tantas outras coisas. Por isso eu sinto pena, essa vida deles é muito ruim, eles vão embora de uma hora pra outra e nem aproveita nada ou pelo menos o que deveria aproveitar.

- As vezes eu me pego pensando como seria se o Michel ainda tivesse aqui - falei baixo - Com certeza tudo estaria tão diferente, acho que seria até mais fácil, e meu Deus eu já senti raiva dele por ter deixado a gente, senti raiva de mim por ter me apaixonado e tido um filho - senti as lágrimas escorrendo e limpei - Mas no minuto seguinte eu vejo que passei os melhores anos da minha vida com ele e a coisa mais importante da minha vida foi ele que me deu.

- E você acha que eu não? Já senti raiva por ele não ter me escutado e mais raiva ainda de mim pela surra ou até pelos conselhos não terem sido suficientes. Mas acho que no fundo infelizmente esse era o destino do Michel - limpou o rosto - Por isso que eu oro tanto por eles e peço todos dias pro Kauã não sonhar em desviar o caminho

- Eu não sei se aguentaria - admiti - Já acho tão difícil educar ele nessa vida

- É muito difícil mesmo - concordou - Eu sinto que vocês serão muito felizes mais do que são

- Tomara - ri fraco - Espero que tudo isso passe logo

- Vai passar - falou baixo - Sabe o menino Éverton? Ele é um menino bom, vai viver muito ainda, por algum motivo que eu não sei ele tem algo livrando ele de todo mal, como se fosse um escudo - falou pensativa e com o olhar meio vago - Eu não sei o que é e nem quero saber, só sei que isso é algo bom

- Talvez seja a mãe e a avó dele - sugeri - Elas dão tanto banho nele pra fechar o corpo

- Na dúvida é melhor continuar - falou e sorriu

- Verdade - falei rindo e encerramos o assunto quando o Kauã desceu

- A tia Nanda tá ficando doida - falou e a minha sogra riu - Ela tá pirando com os doces da festa

- Já falei que vou dar umas porrada nela pra parar de frescura - minha sogra falou e eu ri, a Nanda iria se casar com um rapaz que ela namorava desde quando o Michel era vivo - É uma indecisão que nunca vi

- Ela não quer um docinho de morango só porque ela não gosta de morango, eu falei pra ela que não é só ela que vai comer as coisas - falou se sentando ao lado da avó - E eu gosto de morango

- Ela é maluca - falei rindo e ela desceu

- Tão falando mal de mim? - se sentou ao meu lado

- Vai ter docinho de morango sim porque o Kauã gosta - minha sogra falou firme

- Fofoqueiro - jogou uma almofada nele

- E você é doida - retrucou rindo

- Abusado - Nanda riu e eu só neguei com a cabeça

- Vó, faz aquele bolo de milho? - pediu e a minha sogra se levantou na hora

- Vou fazer bem gostoso - falou beijando a testa dele

- Que? Eu tô pedindo há 1 semana - Nanda falou indignada

- Você é doida - Kauã deu de ombros

- Vem, Kauã - minha sogra chamou e ele se levantou indo com ela pra cozinha

- E o boy? - Nanda perguntou me olhando

- Tá lá na outra favela - falei e ela deitou a cabeça no meu ombro - Conversei com o Rael e eles tão tudo intocado

- Sem previsão de volta? - perguntou e eu dei de ombros

- Segundo o Rael o plano é voltar ainda essa semana, por causa dessas chuvas a polícia não tá ligando muito - contei

- Você vai na minha despedida? - perguntou incerta

- Lógico que eu vou - falei e ela respirou aliviada

- Fiquei com medo de você não queer ir pela operação e tal - falou e eu neguei

- Infelizmente eu só posso orar e torcer pra caralho pra nada acontecer com eles, né? E eu vou estar com você lá porque eu sei que é momento muito importante pra ti e precisamos de um pouco de alegria depois desses dias tensos - falei e ela sorriu

- Deixa eu te mostrar as coisas - falou animada e pegou o celular

- Me mostra logo - pedi curiosa

Nathália Onde histórias criam vida. Descubra agora