DOOMED | jjk + pjm

By namari_nya

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[CONCLUÍDA] Jeon Jungkook é um gumiho, espírito de raposa vivo há mais de mil anos com a habilidade de assumi... More

[avisos prévios e personagens - atualizado]
[1] Dicentra spectabilis
[2] Ferida aberta
[3] Promessa
[4] Afeto
[5] A lista (reescrito)
[6] Desistente
[7] Segredos
[8] Queda
[9] Confiança
[10] Monstro
[11] Perdedor
[12] Beijo
[13] Egoísta
[14] Canarinho
[15] Paraíso
[16] Visitante
[17] Ausência
[18] Confissões
[20] Dourado
[21] Perdão
[22] Planos
[23] Paciência
[24] Fuga
[25] Rumores
[26] Futuro
Bônus: Felicidade
Epílogo: ∞
Agradecimentos: por Raposinha e Namari;
Doomed completa como original!

[19] Condenado

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By namari_nya


AVISO DE GATILHO: BRIGA!!!! KKKKKK ferimentos, sangue e etc, além de altas dores no coração, e por isso peço perdão desde já.

Publiquei uma playlist nos avisos hoje com as músicas que ajudaram a escrever, ou que se encaixam com o que aconteceu/vai acontecer. Quem quiser pode dar uma olhada lá :)

Enquanto escrevia não me dei conta de como o capítulo acabou ficando bastante digno da definição de 'angústia', mas quando fui fazer a última revisão... é. Me desculpem KKKKK

Boa sorte e divirtam-se.

Doomed, do inglês: significa condenado, sentenciado, uma alma desafortunada possivelmente fadada a ter um destino infeliz. Um ser que acredita ser incapaz de escapar do próprio destino.

Porém até mesmo quando há muita certeza sobre o que a vida reserva, o Destino sempre pode surpreender até aquele que acredita ser a mais infeliz das criaturas.

(Nota da Beta: é domado mesmo, gente, o Jungkook é arriado os quatro pneus pelo Jimin, a Marina que tá inventando moda) {Nota da autora: KKKKKKKKKKKKKKK, bom, não é completamente mentira né, todo mundo sabe que o Jungoo é uma raposinha apaixonada 🥺}

***

Manhã do dia 14 de 15.

A tal caipirinha parece ter derrubado Jimin.

Depois das sete da manhã, entro na cabana para esperá-lo deitado no sofá. Meia hora se passa, espio a cama, mas Jimin sequer se mexeu. Impaciente, caminho de um lado ao outro da sala e tento pensar em algo para me distrair, acabo pegando o celular e abrindo um aplicativo qualquer de jogos. Depois de quase uma hora não há sinal de movimento do semideus. Às onze da manhã começo a ficar um pouquinho ansioso demais.

Idade nem sempre tem a ver com maturidade, às vezes sou um bom exemplo disso.

Caminho até a cozinha sem me preocupar em fazer barulho na esperança de que Jimin acorde, mas não o faz, então decido começar o café da manhã. Ligo o liquidificador para misturar a massa da panqueca, faço barulhos quando separo os utensílios de metal, bato a frigideira em cima do granito da bancada, derrubo um recipiente metálico propositalmente, e nada. Sequer um movimento vindo do Canarinho.

Frustrado, deixo a massa da panqueca preparada e a frigideira em cima do balcão, melhor esperar ele acordar. Caminho até a cama e observo Jimin deitado de lado em um sono profundo. Seus olhinhos estão inchados tanto de dormir quanto pelo choro da noite anterior, e até dormindo sobre as próprias mãos ele faz um biquinho.

Resignado, sento no chão e apoio as costas na madeira lateral da cama, com a nuca agora virada para Jimin. Passo a mão em meus cabelos, fechando os olhos e deixando a cabeça pender para frente.

"Sinto que meu coração deveria estar batendo".

A frase se repete de novo e de novo em minha mente, tudo o que quero é que Jimin acorde e finalmente possamos falar sobre isso.

Surpreendentemente, menos de um minuto depois que sento no chão ao lado da cama, ouço um barulhinho parecido com um ronronar logo atrás de mim. Viro o rosto e vejo Jimin se espreguiçando da forma mais adorável que pode fazer, esticando os braços de olhos fechados, beicinho ainda presente.

— Bom dia, Canarinho.

Ele se esforça para abrir os olhos e pisca várias vezes.

— Jungoo... — esfrega o rosto com uma das mãos. — Minha cabeça vai explodir. — fala rouco e manhoso o suficiente para me fazer sorrir e levantar do chão para sentar na cama.

— Eu disse que o drinque era perigoso, você deveria ter maneirado.

— Hm... — dá um grunhido e se vira para o outro lado afundando a cabeça no travesseiro. — Preciso dormir mais.

— Jimin... — me inclino para olhá-lo, mas ele oculta o rosto com a mão. — Você precisa levantar. Precisamos conversar.

Jimin então tira a mão do rosto e me olha de canto rapidamente. Vira para mim e assente em silêncio.

— Que horas são?

— Acho que já passa do meio dia. — respondo e indico a cozinha com a cabeça. — Vá tomar um banho para tirar esse cheiro de álcool do corpo e vou preparar um bom café da manhã para curar sua ressaca, ok? A massa das panquecas já está pronta.

Jimin sorri fraquinho e logo se levanta para pegar as roupas no armário. Assim que o faz, sigo para onde deixei o café da manhã previamente separado para alimentá-lo. Olho para trás antes que ele entre no banheiro e noto que para na porta de costas para mim com a mão na maçaneta por uns segundos. Está hesitante. Espero, pensando que talvez se vire, porém ele entra no banheiro e fecha a porta.

Então sigo fazendo o café da manhã enquanto pondero sobre como começar a falar aquilo que tanto tenho adiado.

Estava ansioso então fiz três tipos diferentes de panquecas, fazendo uma extra grande de espinafre especialmente para o ressacado, e também suco de laranja direto da fruta.

Vinte minutos depois Jimin sai completamente vestido e com uma aparência bem melhor exceto pelos olhos que ainda entregam o choro da noite anterior.

Ele senta à mesa de jantar aparentando surpresa ao ver todas as coisas que preparei e coloquei nela, o que me deixa até orgulhoso do meu trabalho. Em cima da superfície de madeira estão dispostos os três tipos de panquecas em pratos separados, o suco de laranja dentro de uma jarra, algumas frutas e cereais em uma tigela e um pote de mel para acompanhar qualquer uma das opções.

— Panquecas verdes? De quê?

— Espinafre. São boas, juro.

Ele sorri e coloca a maior delas em seu prato, indicando outro com a cabeça.

— E as roxas?

— Mirtilo, as outras são de massa tradicional. — respondo e pego as duas caixinhas de leite de banana na geladeira, colocando uma em sua frente e já destacando o canudinho de papel da minha para beber. Quero esperar pelo menos que coma um pouco. — Ainda está com dor de cabeça?

Ele franze o nariz e faz uma careta.

— Sim, mas acho que com essas panquecas isso estará resolvido. — ri cortando um pedaço grande da massa e colocando ele na boca. — Está ótimo! — fala de boca cheia e com animação.

Finalmente me acomodo na cadeira e o observo enquanto tomo meu leite de banana aos pouquinhos.

— Brasileiros são loucos, não acha, Jungoo? — fala encarando o prato enquanto corta mais um pedaço. — Aquele drinque era muito forte, acho que jamais conseguirei tomar algo assim de novo. Você estava certo em tentar me parar, realmente exagerei. Acho que sequer lembro de algumas partes da noite. — diz e dá uma risada nervosa no final, mas largo a caixinha, cruzo os braços e estreito os olhos.

Será que ele sempre foi tão ruim assim em mentir?

— Ah é? Do que você se lembra?

— De rir bastante. — continua sem me olhar. — De você bêbado e tropeçando nos meus pés. — dá de ombros. — Acho que é a última lembrança que tenho da noite. — fala e coloca o último pedaço grande de panqueca na boca.

Inclino meu corpo para frente e apóio meus braços na mesa, o que faz com que Jimin olhe para os lados um pouco nervoso enquanto mastiga, sempre evitando meu rosto.

— Certo, agora diga isso olhando em meus olhos.

Minhas palavras parecem pesar nele porque fecha os olhos por um breve momento e engole em seco.

Sem resposta e finalmente confirmando que ele não consegue mentir enquanto olha para mim, continuo falando.

— Sei que está me enrolando, Jimin. Precisamos conversar sobre as coisas que você disse ontem.

O semideus lentamente pega uma panqueca de mirtilo em seguida e a coloca em seu prato. Sem me olhar, ele corta a massa, leva o pedaço até a boca e mastiga devagar murmurando uma concordância.

— Eu sei. — tapa a boca com a mão para falar. — Acho que falei algumas coisas estranhas...

— Sim, falou. Disse que seu coração deveria estar batendo.

O semideus, ainda sem erguer o rosto, concentradíssimo em encarar o restante de sua panqueca no prato, larga os talheres e ainda parece ter medo de me olhar.

Então meu celular começa a tocar.

Reviro os olhos, mas pego o aparelho em meu bolso de qualquer forma por pensar que pode ser Taehyung, e de fato é ele.

— Jimin, essa é uma ligação muito importante, acho que vai ser rápida. Termine de comer, volto logo. — não espero resposta e saio pela porta da varanda.

Atendo assim que me afasto o suficiente para que Jimin não ouça.

— Taehyung, conseguiu?

Sim, Kookoo. Estou voltando de Jeju hoje, chegarei à noite.

— Certo, mas o que descobriu? Há alguma outra forma de libertar Dalnim?

Silêncio na linha e ouço só um suspiro longo.

— Taehyung?

Tem algo que preciso investigar antes de afirmar qualquer coisa sobre isso, tirarei a dúvida assim que chegar em Daegu. Acha que pode me encontrar mais tarde?

— O eclipse é amanhã, não pode falar por telefone?

Sim, o eclipse é amanhã. Começa na virada da noite de hoje à 00:13 e termina às 04:07. Ainda assim, prefiro falar com você pessoalmente.

— Parece bem à par da situação... — olho para a cabana e continuo me afastando em direção ao portão. — A mãe dele está viva, Taehyung?

Eu... — hesita antes de continuar. — Acredito que não esteja. Mas recomendo que não diga nada ao Jimin por enquanto, só até eu conseguir confirmar o que preciso.

— Odeio quando banca o misterioso.

É pelo seu bem.

Ao longe vejo Jimin caminhando até o balcão da cozinha enquanto toma o leite de banana.

— Não aguento mais essa agonia, Taehyung. Preciso dizer a ele que o amo, e se Dalnim está morta, é importante que eu conte a ele também. Isso muda tudo.

Eu sei, Kookoo. Vai demorar só mais um pouco. E... — mais uma vez parece inseguro quanto a falar o que quer. — Não confie tanto assim no Jimin.

— O quê? Por quê? — paro logo em frente ao portão dos fundos do terreno com uma sensação estranha. Não pelo que Taehyung acaba de dizer, mas porque há algo diferente na paisagem em minha frente.

Tenho impressão de que ele está escondendo coisas de você.

Mal ouço o que diz porque o silêncio excessivo entre as árvores me incomoda. Não há barulhos de grilos ou cigarras, até o farfalhar das folhas parece distante. Um silêncio suspeito e mórbido toma conta da floresta. É exatamente assim que o ambiente costuma ficar quando predadores estão à espreita.

Atravesso o portão na direção das árvores com o telefone ainda no ouvido.

— Sim... Apresse-se e me ligue. Preciso desligar.

Encerro a ligação sem ouvir a resposta.

— Jungoo?! — ouço Jimin me chamar ao longe, contudo não me viro.

Farejo o ar. Há um cheiro diferente, não pertencente à Dodong. Nunca senti antes.

Dou mais um passo à frente e assim que o faço, percebo algo rápido vindo em minha direção pelo lado direito, mas não consigo desviar.

A colisão é bruta e caio de lado no chão. Levanto tentando me afastar, mas algo corta minha perna. E arde. Muito.

Não consigo ver o que ou quem é, mas ele me agarra pela perna e aparentemente com bastante força, me atira contra uma árvore. Bato de frente no tronco e caio de costas no chão coberto por folhas. Antes que consiga levantar ele está em cima de mim e os lados do meu corpo ficam presos entre as pernas do agressor. Tenho um relance dele, um homem com cheiro de gato e cabelos loiros.

Ele é extremamente rápido e ágil, então tenta desferir um golpe veloz contra meu rosto, mas uso meu antebraço para bloqueá-lo e sinto minha carne rasgar e arder mais uma vez. Ele está com alguma arma na mão, porém não consigo vê-la, só tenho certeza de que não é aço normal.

Tento me arrastar para longe, porém ele não deixa, então permito que me puxe até eu encontrar uma brecha. Consigo agarrar seu braço cravando minhas garras, agora de fora por me sentir ameaçado, em sua carne. Assim que tensiono meus músculos para jogá-lo longe, ele agilmente desfere mais um golpe contra meu rosto antes de ser lançado, deixando um corte vertical que faz sangue jorrar em meu olho. O líquido viscoso e quente acaba bloqueando minha visão no olho esquerdo. Não parece veneno, então por que arde tanto?

Sem esse ser que ainda não consigo definir em cima de mim, me apoio nos joelhos e nas mãos para tentar respirar e ver se consigo me curar, mas não. Meu braço, minha perna e meu rosto ardem como se a lâmina fosse feita de ferro em brasa. Tento levantar, mas a dor faz meu estômago embrulhar. Ouço uma movimentação ao lado, entretanto o sangue permanece obstruindo minha visão, ainda que eu limpe ele com a parte de trás da mão. Não sei que tipo de ferimento causei no atacante ou com que intensidade vai revidar, mas sei que minha única chance é tentar correr para dentro do terreno. Olho para meu pulso com dificuldade: sem pulseira. Espero que Jimin tenha visto o que aconteceu, então me deixará entrar.

Tento me erguer uma última vez unindo todas as minhas forças, mas ouço passos vindo do lado oposto ao que o homem que me atacou se encontra.

Jimin.

Ele está correndo em nossa direção, já saiu dos limites do terreno.

— Jimin, volte! — vocifero e finalmente consigo forças para me erguer e encarar o estranho, me colocando entre os dois.

Ele tem cabelos loiros amarrados em um coque, e usa o que parecem ser vestes tradicionais de famílias reais. Seu braço pinga sangue e ele o segura com o braço bom, me olhando com raiva. As vestes semelhantes a um hanbok utilizado por nobres está manchadas de vermelho do lado direito. Ele segura sua pequena soqueira com lâmina na mão esquerda e exala ódio. Assume uma posição de ataque, então me preparo para usar uma estratégia não muito recomendada. Assim que investe contra mim, apesar de saber que vai arder, faço uso das vantagens de ser imortal e me deixo ser atingido na mão para poder desarmá-lo. Consigo às custas de um ferimento na palma e jogo o objeto longe. Sou capaz também de cortar sua barriga com minhas garras no processo, então ele cai no chão de barriga para baixo. Entretanto, a dor que o corte na mão me causa se soma com as outras e cambaleio para o lado, indo ao chão mais uma vez.

Antes que consiga me erguer ouço passos rápidos se aproximando. Jimin se ajoelha ao meu lado por um breve momento e segura meu rosto entre as mãos, mas logo se afasta em direção ao agressor.

— Jimin, o que está fazendo?

Ele não responde, apenas se aproxima do homem no chão que geme de dor.

A cena é estranha.

O homem em agonia, assim que nota Jimin em sua frente, ergue sua mão como se tentasse tocá-lo.

— Jimin, por favor, me escute... — ele diz para o semideus e une as sobrancelhas quase como se implorasse.

Mas Jimin não dá chance para que fale. Curiosamente ele passa o polegar na testa do invasor, murmura alguma coisa e aquele que antes parecia suplicar cai desacordado.

— O que você fez? — Pergunto respirando com dificuldade e tentando me erguer do chão.

Jimin logo vem até mim apressado.

— Ele realmente acertou você. — examina a ferida em meu braço, na minha palma, depois segura meu rosto. — Ele usa obsidiana de fogo de dragão. Acho que consigo fechar esse ferimento, não sei se você ficará com cicatrizes como a que Namjoon deixou no seu braço, talvez não se eu te curar logo. Eu só... — olha para trás e de novo para mim. — Vou levar você para dentro e venho buscar ele.

— Não vou deixar você sozinho aqui fora. Além disso, estou bem. — me levanto inicialmente dispensando sua ajuda, mas dou um grunhido de dor que me entrega, então aceito o auxílio que dispõe a mim com o próprio braço. — Quem é?

— É... O Yoongi... — responde sem jeito.

Tiro a mão de seu ombro e respirando fundo, dando meu melhor para não deixar minha agonia pelos ferimentos transparecer, caminho até o corpo adormecido de Yoongi e passo o braço dele em volta de meus ombros, o segurando pela cintura.

— Onde quer levá-lo?

— Para o porão. Preciso chamar alguém para buscá-lo e curar esses ferimentos.

Por mim não precisava curar nada.

— Alguém? Quem? — pergunto enquanto caminho na direção do terreno e Jimin vem até nós depois de recolher a arma que seu ex usou para me atacar, me auxiliando a carregar Yoongi ao servir de apoio do outro lado.

Apesar de não cheirar como um humano, a aparência do ex amante de Jimin é bastante comum. Tenho certeza que não é daqui, pelo menos não de nenhuma floresta da Coreia. Tenho impressão de que vem de um lugar frio.

— Hobi virá. Ele tem como levar Yoongi para outro lugar em segurança.

— E como fez isso? O fez dormir... — pergunto quando nos aproximamos da cerca.

— É um encantamento. Consigo induzir o sono ou mantê-lo.

— Desde quando?

— Sei fazer isso há um ano. — responde baixinho. — Depois que fugi dele. — indica Yoongi com a cabeça.

Atravessamos o portão e rapidamente chegamos no alçapão do porão.

A mesma sensação esquisita que crescia em meu peito enquanto eu falava com Taehyung parece voltar a crescer, então deixo que ela me consuma e a desconfiança parece tomar um bom lugar em minha mente. A voz de Taehyung se repete.

"Não confie nele tanto assim".

— Já usou esse encantamento em mim?

No caminho de abrir a porta do alçapão, Jimin se vira surpreso com o questionamento.

— Por que essa pergunta agora?

— Responda, sim ou não?

O semideus revira os olhos parecendo impaciente.

— Jungkook, podemos conversar depois de largar ele no porão?

— Claro. — falo mau humorado e num último esforço, guiado pela força da irritação, seguro o homem desacordado no colo e abro a porta do alçapão com o pé, sem paciência alguma. Desço as escadas e coloco ele no sofá. O semideus vem atrás de mim e logo usa seu inquebrável fio dourado para prender os braços e as pernas do homem desacordado.

— Vamos subir, vou cuidar de seus ferimentos, depois cuido dele e peço para Hobi vir buscá-lo. — Jimin pisa no primeiro degrau da escada para subir, mas não me movo.

— Por que ele está aqui? Como encontrou você? — pergunto ainda encarando o homem adormecido.

— Não sei... Vamos, Jungoo. Está sangrando, venha.

— Não tem curiosidade? — viro a cabeça para encarar o semideus.

Jimin pressiona os lábios uns contra os outros em insatisfação antes de responder.

— Não, não acho que importe agora. Vamos, Jungkook. — fala com um pouco menos de paciência.

Ele vira para a porta e dá passos decididos. Olho uma última vez para Yoongi e sigo Jimin para fora do alçapão. Ele me faz sentar na varanda enquanto pega algo dentro da cabana. Volta com uma caixa pequena, gaze e uma pasta com ervas, então senta em minha frente.

— Vou passar isso para estancar o sangramento. — diz passando a gaze com um líquido que apenas soma mais um tipo de ardência à minha pele, tanto no rosto quanto no braço e na mão, mas trinco os dentes para não deixar transparecer a dor. — essa pasta deve ajudar um pouco...

Usa uma colher para pegar o que parece ser uma receita com ervas e passa em meus ferimentos, inclusive no da perna que ele não vê até que eu mostre.

— Isso vai dar um alívio por enquanto. Vou chamar Hoseok para vir buscá-lo.

— Hoseok é o Hobi? O kirin?

— Isso. — olha para mim preocupado. — Espere um segundo, ok? Está ardendo?

— Não mais.

Mentira. Ainda arde bastante.

— Um segundinho. — dá uma corrida para dentro da cabana, provavelmente para pegar o celular.

Minha perna parece um pouco melhor, o corte na panturrilha foi superficial e não incomoda quando piso no chão com firmeza. Porém, quando encosto no meu rosto para tentar sentir o corte no olho, acabo tirando a pasta e volta a sangrar. O sangue mais uma vez obstrui minha visão, então tiro minha própria camisa e tento estancá-lo com o tecido.

Olho para trás e vejo Jimin sentado no sofá com o telefone no ouvido.

Curioso que ele não queira fazer perguntas ao invasor. Curioso também que a ligação dele tenha que ser feita longe de mim.

Assim como a minha tinha que ser feita longe dele.

Tento ser silencioso ao levantar e rapidamente me encaminho para o alçapão mais uma vez.

Por que ele quer Yoongi longe tão rápido?

Ao descer as escadas, vejo que o homem loiro com cheiro de gato já retomou a consciência. Ele me olha, faz um barulho de desprezo com a boca e revira os olhos.

— Veio me intimidar com seus músculos, raposa?

Solto um riso baixo caminhando até ele e me agachando logo à sua frente, apoiando meu braço livre em minha própria perna.

— Por que está aqui?

— Não te interessa. — responde ácido.

— Como encontrou Jimin?

Ele revira os olhos e repousa eles em mim como se estivesse entediado.

— Com esse interrogatório presumo que você seja o novo brinquedinho dele.

Estreito os olhos e trinco os dentes.

— Então me atacou por ciúmes, é? — tento provocar. — Me atacar e ser ríspido comigo não são coisas que ajudam a sua situação atual.

— Não ligo para a sua opinião. — cospe sangue no chão em minha frente e me olha com raiva. — O que ele prometeu a você? Poder? Dinheiro? Um reino?

— Também não acho que seja da sua conta. — respondo e ele ri baixo.

— Ele disse que precisava fazer ele amar, não é? Aí está. — arqueia as sobrancelhas — Ele não é capaz de amar, não importa o que aconteça. Ele é uma criatura perversa que só usa os outros para conseguir o que quer. Ele me fez cair em uma maldição e agora tudo em que consigo pensar é nele e seu coração, em como quero os dois, e se não posso tê-los ninguém mais terá.

A fala sai agourenta, até mesmo um brilho doentio parece presente nos olhos de Yoongi.

Jimin estava certo, isso definitivamente não é amor.

Amaldiçoado ou não, não posso deixar ele falar assim do Canarinho. E a droga da obsidiana doeu.

— Sabe... — me aproximo e seguro seu rosto entre meu indicador e meu polegar com força. — Lamento que ele não tenha conseguido amar você, mas aconselho que cuide dessa sua língua e pense muito bem antes de usá-la para falar de Jimin de novo.

Yoongi estreita os olhos sem perder o ar de quem está achando graça da situação.

— Você já está apaixonado, não está? A raposinha está cega do que acha ser amor, assim como eu. Mas adivinha só? Não é amor, é uma maldição, sei disso agora. Assim que ele souber que você está apaixonado, vai inventar alguma desculpa e descartar você. Fugirá e você vai ficar como eu, procurando ele por todos os cantos. — água se acumula no canto dos olhos raivosos. — É o que acontece por nós tentarmos despertar um amor para fins egoístas, ainda mais sendo ludibriados por uma criatura que não merece ter o que quer. Eu e você estamos condenados a sofrer, raposa, somos o passado e o futuro um do outro.

— Eu não sou como você. — falo quase como um rosnado e finalmente tiro a camiseta de cima de minha ferida apesar de não conseguir abrir o olho, apertando ainda mais a mandíbula dele entre meus dedos e prestes a quebrar seus ossos enquanto aproximo nossos rostos, ele parece ainda mais irritado, só que agora também há um pouco de medo em seu olhar. — E se abrir essa boca para falar de Jimin dessa forma mais uma vez, não serei tão misericordioso como ele e seu sono não será temporário.

Solto Yoongi ficando de pé e ele permanece sentado no sofá, curvado. Levanta o olhar até o meu com ódio nos olhos.

— Ele disse a você que libertaria a mãe, não disse? — Yoongi balança a cabeça devagar — Foi o que me disse também... Pensei que raposas fossem mais espertas.

Nessa hora o alçapão abre e chama a nossa atenção.

— O que está fazendo aqui? — Jimin desce os degraus e me olha assustado, mais assustado ainda quando nota que Yoongi está desperto.

— Um gumiho, Jimin? Foi o melhor que conseguiu para me substituir? — Yoongi pergunta com desprezo, então me abaixo um pouco e enfio minha mão na ferida ainda aberta causada por minhas garras pouco antes, fazendo mais sangue sair e ele gritar de dor.

Não sinto pena, meus ferimentos ainda ardem e tenho certeza que ele é bastante resistente. Acho que a raiva e a dor me deixaram sádico.

Jimin se assusta e vem em nossa direção.

— Está louco, Jungkook? — o Canarinho se aproxima, mas me coloco entre os dois.

— Não acho sensato que se aproxime dele. — falo e Jimin alterna o olhar entre nós dois com receio.

— Eu pretendia curá-lo... — fala baixinho e olha para mim de novo.

Espio o invasor de esguelha enquanto ele ainda tenta recuperar o ar por causa do meu golpe.

— Ele é um ser sobrenatural? — me dirijo a Jimin mais uma vez.

— Sim... É um príncipe xamã descendente de tigres da Sibéria...

— Então ele vai se virar. — rapidamente limpo o sangue de Yoongi de meus dedos com minha camiseta e saio do local puxando Jimin pela mão.

Subimos os degraus de pedra e caminhamos rápido até a varanda enquanto penso na última frase de Yoongi com uma sensação ruim crescendo em meu interior.

— Por que foi falar com ele? — pergunta quando finalmente chegamos no piso de madeira, ficando de frente para mim.

— Alguém precisava tentar descobrir porquê e como ele está aqui, não acha?

— Não importa o motivo. Hobi levará ele embora, tentará acalmar o coração de Yoongi e quebrar a maldição. De qualquer forma, quando eu morrer isso acabará, toda a magia causada por mim vai cessar.

Pronto, esse é o meu limite.

— Jimin — respondo bastante sério e talvez soando um pouco irritado — não vai haver um — faço aspas no ar. — "quando você morrer".

Jimin me olha esquisito como se suspeitasse de minhas palavras, uma expressão incrédula no rosto.

— Do que está falando? — pergunta baixo e extremamente sério.

— Acho que você ouviu perfeitamente bem. — respondo mais irritado do que gostaria, mas algo chama minha atenção pela visão periférica.

Há um vulto no portão aos fundos do terreno. Inicialmente parece um humano, mas quando se aproxima, uma névoa alaranjada surge e uma criatura para na frente do portão. Jimin acena e a criatura entra a passos ritmados.

A visão é paralisante por ser extremamente singular e bela.

Primeiro penso que o ser está pegando fogo, mas logo noto que não é o caso. O que parece fogo é algo que se assemelha a crinas de um cavalo, uma labareda alaranjada em plumas que está se agitando em toda a extensão das costas do animal, até sua cauda longa e parecida com a de um réptil se não tivesse plumas de fogo até o seu final. Ele tem o porte de um cavalo, mas é bem mais esguio, pernas longas e corpo bem mais fino.

O kirin se aproxima e finalmente consigo vê-lo com clareza. A cabeça lembra a de um dragão, mas seu focinho é afunilado e os olhos são verdes e cintilantes. Acima das pequenas orelhas dracônicas saem, de cada lado, dois chifres dourados. Eles são finos e sutilmente retorcidos, semelhantes aos de um veado, porém com menos ramificações e mais estreitos. Há escamas de tons que vão do amarelo ao laranja por toda extensão de seu corpo.

O gracioso animal vem até mim movendo seus cascos sem fazer som algum, como se não tocasse o chão. Tenho que dar um passo para trás por causa do calor e quando me olha por um breve momento posso jurar que vejo desprezo em seu olhar. Jimin rapidamente vai até o alçapão para abrir a porta e quando a criatura passa por mim, sinto o calor das plumas flamejantes.

Não demora muito até que ele saia com Yoongi desacordado e pendurado em seu dorso.

Jimin se aproxima de mim hesitante enquanto o kirin caminha para longe.

— Hobi quer falar comigo... logo volto para terminar de curar seu olho. Pelo que vejo está bem melhor. — diz baixo e encara o chão.

— O que ele quer falar de tão importante agora? — ainda não consigo conter meu nervosismo e irritação.

— Tem a ver com o que conversamos ontem... — responde baixo e me olha temeroso. — Volto logo, ok?

Ele parece angustiado.

Dando uma última olhada para o kirin concordo um pouco relutante.

— Certo. Não demore.

Assente ainda sem me olhar direito e vira de costas para seguir até o kirin.

Observo enquanto os dois caminham juntos até o portão dos fundos e só então registro o quão sujas minhas mãos e meus braços estão. Sangue e terra.

Entro na cabana, vou até a pia do banheiro para me lavar e noto que as feridas já estão curando, mesmo que mais devagar do que o comum por terem sido causadas por lâminas forjadas com fogo de dragão, a tão famosa e rara obsidiana. Só depois de lavar os braços eu presto atenção em meu rosto. Há um rasgo vertical que atravessa o lado esquerdo desde acima da sobrancelha até o meio da maçã do rosto, mas não atingiu meu olho, apenas torna difícil abri-lo. A ferida ainda está aberta, mas não parece sangrar mais. Pela origem da lâmina, rara e carregada com magia antiga, acho até possível que eu fique com uma cicatriz.

Jogo a camisa no chão do banheiro, apoio as mãos na pia e encaro o ralo.

O que Taehyung me disse, e agora o que o ex de Jimin falou... Aos poucos sinto o receio se juntando à agonia dentro de mim. Respiro fundo algumas vezes tentando guardar o sentimento de volta, mas não é possível.

Estou sendo enganado? Esse tempo todo?

Achava possível no início, mas não agora... Acho bastante difícil de acreditar.

Porém, tanto as palavras de Taehyung quanto as de Yoongi fazem o meu estômago embrulhar. Quero sufocar a desconfiança porque caso eu deixe que ela tome forma e saia de mim, não sei em que esse sentimento esquisito pode se transformar.

Saio do banheiro e vou até o armário pegar uma camiseta limpa, mas quando me vejo no espelho ao lado do armário constato que mesmo lavando as mãos o resto de meu corpo continua sujo. Levo meus olhos ao interior do roupeiro onde estão as nossas roupas. Um lado para cada um, mas sempre organizado por cores, tal como Jimin gosta e como fez questão de arrumar desde o dia em que dormimos juntos pela primeira vez, o dia em que percebi o quão apaixonado estava...

Já desistindo de me vestir, me sento na cama e aguardo um pouco.

Ele está demorando...

Resolvo levantar e assim que paro no batente da porta que dá para a varanda externa, vejo a figura pequena e solitária de Jimin caminhando lentamente na minha direção. Ele encara o chão e parece bastante distraído.

Assim que está mais próximo, ergue o olhar para mim e para.

— O que ele disse? — ansioso dou um passo adiante, mas Jimin me olha da cabeça aos pés e volta a caminhar até alcançar o deck.

— Você está completamente sujo. — constata com a voz baixa parando em minha frente — Venha, vou lavar seus cabelos. Vou terminar de curar você também.

— Jimin... O que houve? — pego sua mão na minha e ele engole em seco.

— Me deixe cuidar de você primeiro, Jungoo. Espere só mais alguns minutos. Estou... — a incerteza do olhar que não consegue mais se unir ao meu me deixa incomodado.

Talvez eu também precise de mais um tempo para pensar no que quero dizer primeiro. É possível que não sejam mais as mesmas coisas que eu pretendia dizer ontem.

— Tudo bem. Ao banho, então. — dou um aperto em sua mão e ele dá um sorriso fraco para mim, porém é estranho. Não é um sorriso afetuoso.

Enquanto abro as torneiras e espero a banheira encher, o Canarinho traz seu kit alternativo de primeiros socorros e coloca no chão ao lado. Tiro minhas roupas, entro na banheira e Jimin pega um banquinho de madeira que se encontra ao lado da pia, sentando do lado de fora.

— Me dê sua mão. — fala pegando um pano e colocando um líquido de odor bastante forte nele. Me lembra de quando ele foi até minha casa para me salvar do veneno do Cão de Guarda.

Instintivamente recuo lembrando da vez em que desmaiei.

— Se não me deixar passar, não vai curar. Deixe de ser medroso. — faz um biquinho e se estica sendo bem sucedido em pegar minha mão.

— Já foi cortado por obsidiana? Ou teve ferimentos graves? — resmungo enquanto deixo que passe o pano não conseguindo evitar as caretas.

— Não. — responde e dá de ombros, esticando meu braço e passando a substância na ferida que ainda está aberta nele.

— Então nunca passaram esse negócio em seus ferimentos, passaram? Ai! — exclamo assim que começa a passar o líquido nos cortes perto do olho.

— Tenho certeza que não é tão ruim assim. — reviro os olhos enquanto ele termina e coloca o pano no chão. — Agora o toque final para garantirmos que não fique com nenhuma cicatriz muito grande. Sente-se com as costas apoiadas na banheira. Vou lavar seus cabelos.

— Esse é o toque final?

— Não. O toque final é uma música. — arrasta o banquinho para sentar atrás de mim. — Mergulhe.

Como Jimin parece focado no frasco de shampoo, mergulho na água e depois disso suas mãos espalham o produto cuidadosamente. As mãos pequenas massageiam meu couro cabeludo com delicadeza enquanto murmura uma música, nessa hora noto as feridas no braço fechando como se diversas linhas formassem uma trama para cobrir a pele ferida e isso acontece mais rápido do que da última vez que vi Jimin usando seus poderes de cura com o coelho. Sinto a ardência em meu rosto sumir e levo a mão até ele, constatando que há uma cicatriz, ainda que bastante fina. Jimin então pega um chuveiro móvel no suporte da banheira, pede que eu incline minha cabeça para trás para tirar o resto de espuma e o jato de água morna toca o topo dela, o som da sua voz e o seu toque em meus cabelos, como sempre, me deixando extremamente confortável e relaxado.

Assim que termina, se afasta da banheira. De forma rápida limpo o resto do meu corpo e pego uma das toalhas que estende para mim. O semideus pede que eu me sente no banquinho, então me seco sem muita atenção, fazendo o que me foi pedido enquanto Jimin seca meu cabelo com uma toalha menor.

— O que ele disse para deixar você tão quieto e distraído? — pergunto esperando que me olhe.

Contrariando minhas expectativas, Jimin fecha os olhos e vira de costas para mim.

— É um pouco difícil de dizer. — se afasta para pendurar a toalha no suporte metálico da parede.

Levanto e ele permanece de costas para mim, pego então uma de suas mãos.

— O que ele disse?

Lentamente vira de frente para mim encarando o chão.

— Nos enganamos sobre os requisitos para que meu coração surja.

— Falta alguma coisa?

— Não da minha parte.

Inclino um pouco o rosto sem entender, por que ele soa tão magoado?

— Como assim? — indago e tento me aproximar, mas ele solta minha mão e se vira para sair do banheiro.

— Vista-se, Jungkook.

A esse ponto já sei que ele usa "Jungkook" quando não está confortável ou feliz comigo. Bom, dane-se, cansei de ser enrolado e de adiar coisas importantes. Droga, estamos há horas do eclipse e não posso mais perder tempo. Avanço para segurar sua mão mais uma vez antes que se afaste.

— Não, primeiro explique sobre o que está falando, Jimin. Pare de se esquivar, estou cansado de perguntas sem respostas.

Ele dá um grunhido impaciente antes de responder e vira de frente para mim.

— Aparentemente há uma profecia sobre meu coração. E os requisitos dela são impossíveis de serem preenchidos por nós. É isso. Não há coração.

— Que requisitos são esses?

— Por que você sempre faz perguntas tão difíceis de responder, Jungkook?! — fala mais alto e ríspido que o normal, desvinculando a mão da minha e saindo do banheiro rapidamente.

O sigo e assim que o vejo novamente está na frente do armário removendo minhas roupas dele e colocando elas dentro de minha mochila com pressa.

— O que está fazendo? — me aproximo separando as roupas que pretendo vestir das que ele já largou em cima da cama.

— Arrumando suas coisas, você precisa ir embora. — continua o que está fazendo até tudo o que tenho não estar mais no armário, e sim amontoado em cima da mochila.

Essa atitude...

— Jimin, não vou deixar que me expulse. — falo sério e ele dá uma risada debochada.

— Não há coração, Jungkook, desculpe desapontar você, mas agora não há motivo para que continue aqui.

— Tenho mais um motivo para querer estar aqui. — encho meu peito para dizer o que quero há tanto tempo — Não ouviu o que eu disse antes? Você não vai morrer, Jimin. Não tenho mais interesse em me tornar humano, com coração ou sem coração, quero ficar aqui. Com você.

Minhas palavras parecem fazer a expressão cética e debochada em seu rosto se intensificar.

— Ah é? Desde quando perdeu a vontade de virar humano? Agora vai dizer que está apaixonado por mim?

Não gosto desse Jimin em minha frente agora, mais amargurado do que jamais o vi antes. Mesmo assim, não vou parar.

— Mudei de ideia quando você me convenceu de que não sou um monstro. Jimin... — me aproximo e ficamos a alguns passos de distância — Não é possível que não tenha notado... Não quero coração, quero ficar ao seu lado mesmo depois do eclipse.

Estranhamente ele ainda parece furioso.

— Mentiras não farão meu coração bater. — fala como se cuspisse as palavras em mim.

— Realmente acha que é uma mentira? Jimin, eu te a-

— Pare! — me interrompe com tanto ódio que meu peito dói. — Minta qualquer coisa, menos isso. Sabe como profecias são poderosas? Como não podem ser burladas pois são feitas pelo próprio Destino? Ele controla tudo, dita as regras e não há escapatória, Jungkook. Se estivesse falando a verdade, meu coração já estaria batendo. Amor recíproco é necessário para que eu possa recuperar meu coração, e é por isso que ele não voltou.

— Nesse caso, Jimin, acho que não é por isso. — fico a dois passos de distância dele. — Se realmente acha que seu coração deveria estar batendo, sua profecia está errada, posso garantir.

Meu celular começa a tocar e nós dois nos viramos para o som que vem do banheiro. Rapidamente vou pegá-lo na calça que usei durante a tarde para ver o que eu já esperava: o número de Taehyung na tela.

Tento lutar para frear a minha desconfiança sobre o que meu amigo quer me contar.

Porém, talvez eu já saiba o real motivo de ele ter me dito para não confiar tanto assim em Jimin.

Apenas a reação de Jimin será capaz de acabar com a minha desconfiança.

— Taehyung está me ligando. — volto a encará-lo. — Pedi a ele que descobrisse um jeito de libertar sua mãe há alguns dias, ele foi a Jeju e disse que voltaria hoje. Disse que me ligaria quando chegasse para me contar o que descobriu.

O sentimento de quando nossos medos se confirmam é bastante difícil de descrever, mas parece que algo dentro de mim congelou. Sentir grandes decepções é quase físico de tanto que dói no emocional. Sinto como se minha pele desprendesse do meu corpo em um arrepio de desgosto.

As feições de Jimin transitam da raiva para o receio. Talvez até mesmo para o desespero. O semideus olha para meu celular e para mim e vejo seus olhos marejados.

Nenhuma pergunta sai de seus lábios, e para mim esse silêncio diz muito.

A desconfiança não irá diminuir. Ela está desabrochando e se tornando uma certeza dolorosa.

Tiro a toalha vestindo rapidamente as roupas que separei. Jimin me observa ainda parecendo atordoado, então respiro fundo e fico frente a frente com o semideus.

— Digamos que eu esteja indo para lá agora, o que ele vai me contar, Jimin?

Engole em seco e seus olhos estão levemente arregalados. Parece um animal amedrontado pego de surpresa por um predador no meio da noite.

— Você já sabia. — declaro baixo, quase como um sussurro.

Jimin abaixa os olhos e sua expressão endurece. Dou mais um passo em sua direção e abaixo um pouco o rosto procurando o seu olhar sem sucesso.

— Era isso que tinha medo que eu descobrisse? Por isso acha que eu odiaria você?

— Saia. — fala entre dentes.

— Não. Por que mentiu? Por que não contou que sabia que ela estava morta?

Ele então se estica para pegar a chave do carro em cima da cabeceira, joga ela para mim, que acabo pegando-a por reflexo, vira de costas e murmura em um choro baixo.

— Saia daqui.

E antes que possa tentar tocá-lo ou falar qualquer coisa, estou do lado de fora do terreno.

Sem a maldita pulseira, mas com a chave na mão.

— Jimin! — grito sem receber resposta. — Me deixe entrar!

Mais uma vez meu celular toca. Excelente timing, Kim Taehyung.

Jungkook, preciso que venha aqui.

— Acho que já imagino o que vai me dizer. — respondo ainda na frente do portão e encarando a cabana.

Realmente acho que não, Jungkook. — fala cauteloso. — Preciso que venha aqui. Isso é sério, não pode esperar.

— A mãe dele está morta e ele sabia, não é?

Sim. Porém, não é só isso. Venha rápido.

— Acho que se eu insistir mais um pouco, talvez ele me deixe entrar e explique...

Nesse momento é mais importante que você venha aqui. Se quiser voltar à Dodong depois do que eu tenho a contar para você, volte, mas preciso de você aqui.

A urgência na voz de Taehyung me alerta, então apenas confirmo, desligo, e dando uma última olhada para a cabana, me lembro repentinamente do meu último sonho com a deusa da Lua.

"Perdoe-o".

É isso que quer que eu perdoe, Dalnim? O fato de que seu filho usou você para me enganar por algum motivo?

Por que ele mentiu sobre isso esse tempo todo?

Fecho os olhos e viro para a floresta, caminhando em direção ao carro e me perguntando o que mais Taehyung pode ter para me dizer.

***

Estaciono o hyundai na garagem de Taehyung de qualquer jeito e saio com pressa atravessando o corredor que leva ao hall de entrada.

Caminho a passos rápidos e quando encontro meu amigo, Taehyung me recebe com uma expressão de exaustão e um braço enfaixado.

Automaticamente minha raiva dos últimos acontecimentos dão lugar à preocupação.

— O que aconteceu com você? — me aproximo e ele dá uma risada fraca.

Paro em sua frente e pego o braço enfaixado com manchas de sangue nas ataduras, mas ele me afasta gentilmente.

— Está tudo bem, Kookoo. É só uma queimadura leve. Logo estarei bem. Vamos sentar.

Coloca a mão nas minhas costas e me guia até a sala de estar com seus grandes sofás acinzentados e macios, tapete persa no centro, esculturas de mármore com detalhes dourados e plantas folhosas e grandes nos cantos. Completamente contrastante com o próprio cômodo, Taehyung parece estar em seu pior estado. Além do machucado no braço, suas roupas parecem desalinhadas e a expressão é de quem passou a noite em claro.

— Tem uma cicatriz no seu olho? — me pergunta curioso e percebo então o quão abatido ele realmente parece.

— Taehyung, você não parece bem. O que aconteceu? — questiono ignorando o que disse.

— A história é um pouco longa... — suspira e se atira em uma poltrona em minha frente. — Prefiro começar pelo que interessa a você. — sorri com a boca fechada, os olhos preocupados. — Você está certo, Jungkook, a mãe de Jimin está morta e ele sabia disso desde o começo do acordo de vocês. Acredito que desde sempre. Ela morreu no dia em que o coração de Jimin foi roubado, sacrificou o próprio para mantê-lo vivo. Jimin pretendia enganar você para conseguir um coração e fugir, pois esse é o único jeito que ele tem de se libertar de Samjoko. Porém... Há algo mais que precisa saber. É por isso que preciso de você aqui. Tem uma decisão a tomar.

— Do que está falando?

— Agora chega a parte que é um pouco minha culpa... Me envolvi com um kirin do fogo. — ergue o braço machucado para mim. — Hoseok.

— O amigo de Jimin?

— Sim. Achei que tínhamos nos encontrado ao acaso e que ele tinha interesse genuíno em mim. Porém acredito que os acontecimentos de hoje foram a prova de que isso era apenas uma ilusão minha. — dá um sorriso amargo. — Lembra da noite em que veio me entregar a sua pérola? — concordo e ele suspira. — Era Hoseok que estava aqui. Ouviu parte da nossa conversa e soube que a joia estava comigo. Eu não fazia ideia do quê ou exatamente de quem ele era, só sabia que era um ser sobrenatural que tinha interesse em mim. Porém, depois daquele dia ele sumiu. Apareceu aqui hoje.

— Hoje? Por quê?

— Tentou roubar a sua pérola pouco antes de eu ligar para você.

Solto uma risada curta e balanço a cabeça.

— Não estou entendendo...

— Hoje, no horário que o eclipse começa, Samjoko fará um ritual para se fundir à Yeouji juntamente com a energia do coração de Jimin.

— O quê? Mas... — Demoro um pouco, mas assim que noto o quão sério meu amigo está e junto às informações em minha mente, balanço minha cabeça incrédulo e me inclino para frente — Samjoko irá matá-lo?

— Sim. Por isso Hoseok tentou roubar sua yeowoo guseul. O próprio Samjoko estava atrás dela sem sequer saber que é sua. Você é o gumiho vivo mais antigo agora graças a Yeonjun, já que ele tem matado muitos de vocês. Sua pérola é a mais poderosa que existe, Jungkook. Você é poderoso, e por isso essa jóia aguentou tudo pelo que passou. Tenho certeza de que Hoseok sabia de tudo isso, do contrário não teria cometido um ato tão desesperado como invadir minha casa. Tentou roubá-la para usá-la no lugar de despertar um coração em Jimin. Hobi é bom em encantamentos, ele descobriu que isso é possível e pretendia usar o eclipse para transferir a energia de sua pérola para Jimin, da mesma forma que Samjoko usaria para se fundir com a Yeouji. Então... — fecha os olhos antes de continuar — Sem a pérola e sem coração, Jimin pode estar morto depois da 00:13.

Sinto minha respiração acelerar junto com meus batimentos.

Não tenho dúvidas do que preciso fazer.

Há momentos em que devemos parar, dar um passo para trás e ponderar sobre nossas opções, principalmente se são decisões que podem gerar consequências drásticas.

Bom, hoje eu digo foda-se para isso.

Checo meu celular, ainda são seis da tarde. Levo pouco mais de meia hora para chegar em Dodong, há tempo.

— Onde está minha pérola, Taehyung? — ergo a cabeça para encará-lo.

Sem tirar os olhos dos meus, o melhor amigo que tive em minha vida toda me encara com uma seriedade inédita e seu olhar.

— Jungkook, pense bem no que irá fazer. Depois que sua pérola for usada, não tem volta.

— Onde está? — com o coração na mão de vê-lo tão assertivo, me levanto e me aproximo com a mão estendida.

— Você vai morrer se transferir o poder dela para ele. Está ciente disso? Não é possível dar vida a ele sem que a sua sirva como sacrifício.

— Não me importo. — me aproximo e vejo a dor na expressão de meu amigo. — Se essa é a única forma de mantê-lo vivo, Taehyung, irei arriscar. Onde está?

Com as sobrancelhas unidas em uma expressão de preocupação, ele coloca a mão no bolso e entrega um pequeno saquinho aveludado e vermelho em minhas mãos, amarrado por um fio de cetim dourado. Abro e a deixo rolar para minha palma.

O preto e vermelho agora são nítidos e cintilantes, a pérola é leve e me dá uma sensação de tranquilidade quando a tenho em minhas mãos. Está com a energia certa.

Assim que nossos olhares se encontram de novo, a expressão de dor é mais acentuada ainda por olhos marejados, nariz vermelhos e lábios tremendo.

Jamais imaginei que veria um ser sempre tão forte, tão devastado em minha frente.

— Obrigado, Taetae. Me desculpe por ter metido você no meio disso. Você é meu irmão, mesmo que não seja de sangue. — ele concorda de cabeça baixa. Recoloco a pérola no saquinho e o guardo em meu bolso.

Me aproximo do meu amigo que sempre cuidou de mim, sempre me apoiou e repetidas vezes se arriscou para me ajudar e a tristeza que encontro em seu rosto faz meu peito doer. Envolvo Taehyung em meus braços e ele corresponde num aperto forte, segurando minha camiseta em sua mão com um aperto angustiante.

Engulo em seco com dificuldade.

Este é um abraço de despedida.

Quebramos o enlaço e ele esconde o rosto virando-o para o lado oposto ao meu como se sequer aguentasse me olhar de novo.

— Amo você, Taehyung. Me desculpe, nunca quis te deixar sozinho neste mundo, mas não tenho dúvidas quanto à minha decisão.

— Eu sei. — diz encarando o chão de um dos cantos da sala. — Eu já sabia desde o momento em que você entrou pelo corredor. — a voz sai rouca, entrecortada. — Faça o que tiver que fazer, Kookoo.

— Obrigado. — toco em seu ombro e ele vira o rosto ligeiramente expondo sua bochecha já molhada, mas escolho não dizer mais nada. — Se cuide.

Começo a me afastar ainda de frente observando meu grande amigo parado no centro de sua ostensiva sala de estar, em meio a estátuas grandes e caras, sofás enormes e luxuosos.

Ele, sempre tão imponente e de presença tão marcante, sempre irradiando boas energias com sua gentileza, repetidas vezes tentando me fazer rir e me animar em meus piores momentos, agora parece extremamente pequeno e frágil quando deixa seu corpo dar um espasmo silencioso e se curva de costas para mim.

Me afasto com um nó na garganta enquanto junto ao eco dos meus passos no porcelanato frio, ouço o lamento baixo e doloroso de um dos seres que mais amo nesse mundo preencher os corredores brancos pelos quais nunca mais passarei.

***

Com a pérola em mãos atravesso a floresta já tomada pela escuridão. O sol já se pôs e em algum lugar consigo ouvir trovões seguidos dos breves clarões que invadem o céu. Pelo visto uma tempestade se aproxima.

Condizente com o que acontece dentro de mim agora.

Assim que me prostro na frente do portão da cabana vejo que minha mochila está encostada na cerca do lado de fora. Decido ignorar e vejo que a luz interna da cabana está acesa.

— Jimin! — grito e vejo vultos, mas ninguém sai. — Jimin! Preciso falar com você!

Ainda assim, nem sinal de porta abrindo. A demora me irrita.

Tudo me irrita agora.

— Sei que você é um mentiroso, mas não pensei que fosse um covarde! — grito mais uma vez e minha voz é seguida por um trovão.

Parece que os céus estão alinhados com os meus sentimentos.

Segundos depois Jimin escancara a porta da frente parecendo lívido e com a mandíbula tensionada. Pelos olhos inchados sei que estava chorando de novo.

— O que quer aqui? Já não sabe o quão mentiroso e desprezível eu sou? — fala irritado, completamente na defensiva e indica minhas coisas com um movimento da cabeça. — Pode pegar suas coisas e ir embora.

— É isso que pensa de si, Jimin? É por isso que é tão difícil para você aceitar o que eu disse mais cedo? Por se achar desprezível?

O semideus então leva os olhos ao chão e consigo notar que as lágrimas, mais uma vez, estão prestes a cair.

— Pode não acreditar em mim, Jimin, e pode ter mentido para mim desde o começo, mesmo assim o que sinto não muda. Mesmo que você seja um ótimo mentiroso, que tenha me manipulado e me usado para conseguir o que queria. — cerro meus dentes por um momento com uma sensação estranha crescendo em meu âmago. — Mesmo que tenha feito tudo isso, imagino que em algum momento você tenha se arrependido. Por isso disse o que disse ontem à noite, me pedindo desculpas sem que eu entendesse o porquê. Por isso está tão frustrado de não ter um coração batendo, já que não há mãe para libertar, presumo que estivesse ao menos um pouco preocupado com o nosso acordo e com o que eu pensaria. Tudo aquilo ontem era medo de me desapontar, não era? E hoje, quando me expulsou, foi medo que eu o odiasse por descobrir a verdade, não foi? — Jimin então fecha os olhos e lágrimas começam a descer por suas bochechas. — Quer fugir? Quer ser livre? Não aguenta mais essa prisão que sua vida se tornou? Não culpo você por isso. — digo e ele ergue o olhar até encontrar o meu. — Culpo você pelas mentiras, pela manipulação e por ter escondido tantas coisas de mim desde o momento em que nos conhecemos, mas não o culpo por querer viver. Sei o que Samjoko pretende fazer, e sei que só tem até o eclipse. Jimin... Você não é descartável, Samjoko errou tremendamente quando disse que era. — vejo alguém sair da cabana e reconheço o amigo de Jimin pelo cheiro, já agora na forma humana. Jogo o saquinho de veludo com pérola para Jimin que pega a bolsinha no ar. O semideus olha para ela, a abre, e volta a olhar para mim com os olhos arregalados. Então me dirijo ao kirin. — É isso o que queria, não era? Garanta que ele use, Hoseok. Faça o que for preciso.

— Você vai morrer se eu usar. — Jimin soa indignado.

— Eu me sacrificaria por você, Jimin. Você já deveria ter percebido isso. — começo a me virar na direção das árvores, mas antes nos olhamos uma última vez — Eu te amo, então por favor, sobreviva.

Fecho os olhos quando digo a última palavra e não espero resposta.

Dou meia volta e sinto minhas pálpebras e meu nariz ardendo ao seguir para a floresta, caminhando entre as árvores, ouvindo mais um trovão e sentindo as primeiras gotas à medida que caminho sem rumo, cada vez mais rápido.

Antes que perceba, estou correndo entre os troncos de árvores, com pesadas gotas de chuva caindo sobre mim, gotas que tocam o solo e deixam o cheiro de terra úmida tomar meu olfato. Gotas que se misturam às lágrimas de raiva que caem de meus olhos enquanto corro tanto que meu corpo, já exausto de não dormir nem comer direito, chega a doer.

Até que paro. Paro quando a dor maior não é mais a física, e sim aquela que faz as lágrimas irromperem e o peito doer desconsoladamente. Com as mãos apoiadas nos joelhos, tento respirar em meio à chuva intensa que mal permite que ouça minha própria respiração, até que lentamente levanto meu olhar e me deparo com um token do passado.

Dicentra spectabilis.

A árvore do coração sangrento, logo em minha frente.

Minha garganta dói.

Caminho na direção da pequena e delicada árvore e nesse momento eu volto a sentir ódio de tudo.

Ódio de mim, ódio da natureza, ódio de Yeonjun, de Samjoko e ódio do maldito Destino e de suas profecias.

Ódio de Jimin?

Consigo sentir ódio de Jimin agora?

Até mesmo nesse momento me parece ser inconcebível...

Como? Como eu não consigo odiar alguém que me enganou por tanto tempo?

Ainda assim sinto algo. Mágoa? Uma diferente da que eu sentia antes. Agora não é por achar que não me ama, e sim por ele achar que era uma boa ideia esconder tantas coisas de mim.

Fui um belo de um idiota, não fui?

Olho para a árvore e resolvo me aproximar. Começo a arrancar as flores, as folhas, a quebrar galhos, a atingir árvores próximas com minhas garras que surgem por causa da raiva, tudo para destruí-la, tudo para destruir o que me lembra de meus erros passados e minha falta de percepção.

Machuca quando penso em tudo o que aconteceu sem que eu pudesse fazer nada para impedir.

Despedaçando as pequenas flores a mágoa toma conta de mim e sem perceber, em meio à agitação e aos movimentos rápidos, me transformo em uma raposa.

Com a respiração pesada baixo o focinho e com ele virado para o chão, noto que minhas patas estão em cima de galhos quebrados e pequenos corações despedaçados. Meus pelos estão úmidos pela chuva.

Elevo meu focinho ao céu sem conseguir conter a agonia dentro de mim.

Já ouviu o choro de uma raposa?

Nosso lamento é agoniante, é um som estridente e pode se assemelhar muito a um grito doloroso.

Meu choro é uma mistura de dor e tristeza.

Dói ser enganado.

Ainda mais quando sobre uma coisa não restam dúvidas: ele me ama.

Ele admitiu mais de uma vez que seu coração deveria estar batendo, principalmente quando me olhou ressentido e disse que pela parte dele, não faltava amor. Percebi também no medo e na vergonha que ele sentiu hoje, e olhando para trás eu não me surpreendo tanto assim. Ele me ama, e provavelmente se deixou amar justamente por pensar que não teria outra chance, sabia que o eclipse era o limite para a própria vida. Ele me falou, não falou? Que depois do eclipse nunca mais seria capaz de amar? Não mentiu sobre isso.

Apesar de tudo, meu amor por ele permanece aqui dentro de mim. E fico feliz de ter falado isso a Jimin, de deixá-lo saber que é amado. Aquela criatura é tão amada por mim...

Tenho certeza que falta de amor recíproco não é o motivo pelo qual o coração de Jimin não está batendo, só não há mais tempo para descobrir o que faltou.

Se sou a única chance que ele tem, preciso que ele aceite minha proposta e sobreviva. Preciso que ele use a pérola e seja livre, que viva a vida que sempre quis. Se sou a única chance que ele tem, partirei em paz.

Talvez Yoongi estivesse certo no final das contas, somos seres condenados.

Sinto minhas patas traseiras e dianteiras prestes a ceder, eu só quero deitar aqui e esperar a hora em que finalmente partirei. Farei isso com o coração tranquilo sabendo que de alguma forma acompanharei Jimin e que minha energia sempre estará com ele.

Solto um choro baixo, um ganido curto e agudo ainda encarando as flores despedaçadas com o focinho baixo.

Até escutar um barulho atrás de mim encoberto pelo som das pesadas gotas caindo das árvores.

O cheiro de terra molhada e a umidade mascaram outros odores, meu olfato costuma ficar confuso em dias de chuva. Não sei se foi minha distração pelos sentimentos intensos, mas não percebi o cheiro do ódio até que a olhei nos olhos.

Jangmi.

Assim que a vejo mais um relâmpago toma os céus, seguido de uma trovoada alta e intensa.

— Jungkook! — grita furiosa a alguns metros de mim, caminhando entre árvores a passos pesados, sua voz distorcida pela raiva. — Você é irmão dele!

Recuo e tento me transformar em humano novamente sem sucesso. A raiva e o receio parecem ter me bloqueado, tirando a concentração necessária para que eu volte à forma humana. Jangmi continua se aproximando e logo consigo prestar atenção em sua aparência, o que acentua minha preocupação.

Os cabelos estão eriçados, a pele está extremamente pálida e veias arroxeadas estão marcadas nos braços e pernas aparentes, garras longas e afiadas se projetam no lugar das unhas. Os olhos são totalmente tomados de vermelho sem uma íris definida, tem apenas pupilas verticais pretas no centro.

Prestes a se transformar em uma besta preenchida por ódio.

Quero perguntar o que ela quer dizer, mas deixo apenas um rosnado e um gougorar saírem enquanto ainda recuo.

— Vocês trabalham juntos, não trabalham? Seu irmãozinho e você? — grita com uma voz gutural e para a poucos passos de mim. Ela se abaixa e me preparo para me esquivar, está prestes a pular em minha direção a qualquer momento. — Mataram sua família por poder, mataram outros gumiho porque queriam ser os mais poderosos, mataram meu amor para fazer suas pérolas serem mais fortes. Vocês são a escória! Me dê sua pérola!

O quê?!

Ela pula em minha direção antes que eu consiga fazer sentido do que disse. No processo seu corpo parece explodir quando as caudas magenta surgem flamejantes, as cores vibrantes da pelagem substituindo a palidez da pele humana, seus dentes afiados e olhos completamente vermelhos com pupilas verticais e fixos em mim quando a transformação se completa.

Ódio tem bastante poder, mas quando ele é caótico e destrutivo esse poder não é tão eficaz assim contra alguém bem mais experiente.

Por pouco escapo da primeira mordida de Jangmi. Sua mandíbula se fecha a centímetros da pata dianteira, salto para o lado e com minha pata rasgo parte de seu rosto, acertando o olho em cheio. As caudas da gumiho, ao contrário das minhas, são frenéticas e descontroladas enquanto batem em troncos de árvores, os deixando com queimaduras e os destruindo em pedaços. Ela cai no chão com o ferimento que deixo em seu rosto, mas seu olho bom continua me encarando com fúria.

Sou bem mais velho e bem mais experiente, consigo ganhar essa briga e confesso que estou com um excesso de raiva e energia acumulados e essas são coisas que ajudam em momentos assim. Mas não quero ferir Jangmi gravemente. Gostaria de saber do que está falando e o que ouviu, mas não importa, não é? Tudo o que importa é que minha pérola está com Jimin. Pelo menos agora sei que ela não está mais atrás dele, e sim, de mim. Isso significa que quando ele fugir, provavelmente estará seguro.

O melhor agora é enrolar ela até que Jimin finalmente absorva a pérola e fuja.

Procuro qualquer coisa que possa servir para pará-la, qualquer lugar no qual possa prendê-la. Olho para a direita e consigo pensar em uma opção.

O sangue escorre pelo focinho de Jangmi, mas ela apenas sacode a cabeça, rosna e investe contra mim mais uma vez. Agora com um plano em mente, consigo saltar a tempo de escapar de seus dentes afiados mais uma vez e usá-la de apoio para pular por cima da gumiho. Parando atrás dela, envolvo seu pescoço com a minha mandíbula e uso toda minha força para jogá-la contra uma árvore, me afastando e me posicionando estrategicamente. Jangmi bate com as costas no tronco e cai no chão, mas consegue se levantar mais uma vez, ainda que um pouco zonza, e salta para mim.

Exatamente como eu esperava que fizesse.

A gumiho descontrolada pula para me atacar e desvio, mais uma vez pegando seu pescoço entre meus dentes e a jogando para o lado na direção de um barranco. Ela rola se misturando com folhas e terra e batendo em um tronco de árvore aos pés do pequeno morro e caindo desacordada. Ao ver isso, solto o ar pelo focinho e sento com a respiração um pouco ofegante.

Levo o olhar até a árvore de corações destruída mais uma vez e vou até ela.

Caminho em círculos em cima dos corações despedaçados e quando considero que estou em uma posição confortável, deito e me aninho, escondendo minha face embaixo de minhas caudas para proteger o rosto da fina garoa que agora cai na floresta.

Estou cansado.

Acho que esse é o jeito que o universo arrumou de tentar equilibrar a felicidade que tive nos últimos dias ao lado dele. A vida está tentando tirar de mim toda a paz que Jimin trouxe para meu coração.

Não posso negar que ele fez isso, não é?

As mentiras não apagam os sentimentos. Só fazem as lembranças serem um pouquinho mais dolorosas. Fazem com que eu me sinta um verdadeiro imbecil por ter me preocupado tanto em ajudar a mãe dele, por me sentir culpado de ter sentimentos egoístas e mantê-los para mim.

Acho que não adianta muito questionar os "e se..." neste momento.

Tudo o que tenho agora são minhas memórias.

Não consigo impedir que elas passem em minha cabeça enquanto trovões ressoam ao longe. Todos os beijos, brincadeiras, provocações, carinhos, abraços, danças, banhos... Tudo se tornou uma recordação que agora me causa angústia. Quando que se tornou real para ele? Quando que passou a me amar? Sequer considerou me contar a verdade?

Ontem foi a última vez que nos beijamos, a última vez que deslizei minhas mãos sobre suas curvas e seu corpo molhado enquanto me sentia o mais poderoso dos seres, fazendo com que ele revirasse os olhos e se contorcesse de prazer por causa das sensações que eu conseguia dá-lo. Jimin fazia com que eu sentisse que eu próprio era parte da realeza.

Mais cedo foi a última vez que suas mãos lavaram meus cabelos, foi a última vez que ouvi sua voz ecoando nos ladrilhos do banheiro da cabana.

Há pouco foi a última vez que senti seu cheiro doce e cítrico.

Dói saber que nunca mais deitarei em seu peito para escutá-lo cantarolar antes de dormir, porque ainda que não tivesse um, o coração ausente não era falta de amor.

Um relâmpago toma os céus e não demora para que outro trovão ressoe. Sinto a garoa calma em meus pelos e me sacudo brevemente para tirar o excesso de água.

Só quero que Jimin viva. Só isso.

Que horas será que são? Ele vai esperar até o eclipse começar?

Finalmente removo minhas caudas de meu rosto e olho para o céu.

Tem algo reluzindo logo acima. Parece muito com um pássaro dourado.

Samjoko? Está vindo? Será que Jimin conseguiu?

Mas eu ainda estou vivo...

Levanto com o focinho erguido e o pássaro plana em círculos.

Por instinto, farejo o ar.

Estou alucinando?

— Jungoo!

Me viro na direção do chamado e ao longe vejo uma forma entre as árvores.

A única coisa que consigo pensar é que esta é uma ilusão ótica e auditiva, então fico erguido em minhas quatro patas e tento entender se ele é real, não desviando os olhos da figura que caminha até mim.

Pisco várias vezes, mas não restam dúvidas, ele está aqui. Ele e o kirin do fogo, que está parado um pouco mais distante.

Algo dentro de mim se acalma ao vê-lo.

Enquanto se aproxima parecendo um pouco hesitante, com as roupas e cabelos molhados e acompanhado por seu aroma de tangerina, vou deixando que meu corpo se transforme novamente em sua forma humana ao caminhar em sua direção.

Assim que não há mais nenhuma árvore entre nós, vejo que carrega algo embaixo de seu braço e uma mochila nas costas. Para próximo de mim e noto ser a minha mochila e uma planta. O cróton.

— Jimin, o que está fazendo aqui? Samjoko... — olho para o pássaro dourado sobrevoando o local em que estamos.

— É o Chim Chim. — me responde parando a alguns passos e largando a planta no chão. — Ele deu uma mudadinha.

— O que está fazendo? — ele mexe dentro da mochila que trouxe consigo.

— Você está nu, Jungkook. — ri baixo e faz com que eu olhe para meu próprio corpo. As minhas roupas devem ter se desfeito durante minha transformação, nem me passou pela cabeça tentar criar peças de roupa com ilusões. Jimin me estende uma muda e aceito me vestindo rapidamente sem tirar os olhos do semideus.

— O que está acontecendo?

— Jungkook. — se aproxima hesitante. — Preciso ir a um lugar agora, é urgente, você acha que podemos nos encontrar em sua casa? Sei que devo explicações...

— Na minha casa? Onde está indo? — respondo ainda um pouco confuso, olhando de Jimin para o kirin, meu coração batendo tão alto que mal consigo organizar meus pensamentos, conter minha angústia.

— Se me esperar, prometo qu-

— Esperar? Você não tem sequer um minuto para me dizer o que está acontecendo antes de fazer seja lá o que? Para onde vai agora? Você não tem mais tempo, Jimin!

Pelos olhos espantados que me encaram agora, sei que minha irritação só não transpareceu, mas se exacerbou. Infelizmente não consigo refreá-la. Minha voz continua saindo, e minhas batidas parecem mais desreguladas, mescladas com o som de trovões distantes e ritmados que soam em algum lugar.

— Estou cansado de esperar, por causa de conversas importantes serem adiadas repetidas vezes, as coisas chegaram ao ponto em que estão, Jimin. Não pode ser completamente sincero comigo nem agora?

Sem me responder, me encara sério por alguns segundos com os olhos levemente arregalados, mas logo parece se recompor e assume uma expressão mais amena. Minha rispidez certamente o acertou de maneira a fazê-lo se segurar para não recuar.

— Serei, só não tenho tempo agora, a explicação para tudo não é curta e nem simples. Antes que eu me esqueça, aqui. — Jimin me alcança a bolsinha aveludada e vermelha. Entrega ela em minhas mãos e noto que não está vazia. — Preciso ir, resolverei tudo rápido e irei até você. — diz me entregando a mochila e logo em seguida a planta, aceito ambas porque ainda não consigo processar exatamente o que está acontecendo. — Por favor, se for paciente, prometo que explicarei tudo. Não podemos ficar aqui agora, precisamos ir. Precisa sair de Dodong também.

— Então... — olho para a bolsinha em minha mão e depois para ele. — Você não precisa disso? Por que está me devolvendo?

— Porque já tenho o que preciso. — ele então me dá um olhar angustiante e se afasta.

Ainda que eu dê um passo em sua direção e abra a boca para protestar, ele se vira e começa a correr até o kirin.

Tento acompanhá-lo no começo, mas desisto porque um detalhe chama minha atenção e faz com que eu tente prestar atenção ao meu entorno. Fico parado no lugar e observo Jimin montar na quimera.

O semideus olha em minha direção uma última vez antes de partir nas costas da criatura.

Os dois galopam rapidamente para o meio da floresta e o pássaro dourado os acompanha, logo sumindo de meu campo de visão.

Enquanto Jimin se afasta, os sons que pensei serem os trovões e meu próprio coração se afastam junto com ele.

Talvez meu cansaço tenha afetado a minha percepção.

Acho que, na verdade, o som que ouvi vinha de dentro de Jimin. Um som que jamais escutei vindo dele antes.

ME DESCULPEM!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! MAS EU AVISEI E A FIC TEM A TAG DE >>>ANGST<<< ENTÃO NÃO TENTEM ME MATAR, POR FAVOR ;_____;

Doomed bateu 6k e eu nem acredito, muito obrigada mesmo por vocês estarem me acompanhando, espero que esteja sendo agradável apesar da dor no coração ;__;

AMO VOCÊS, ATÉ O PRÓXIMO!!!!!

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