Laços | RABIA

By misandieg

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A cidadezinha de Monte Verde sempre foi a casa de Rafaella, mas agora também abrigaria Bianca, recém chegada... More

1| Prólogo
2| se conhecer pra se gostar
3| sombra na tarde da paz
4| só sei falar de você
5| dançar até o dia amanhecer
6| abraçar o sol e fechar os olhos
7| pra lua brilhar em você
8| meus pés saíram do chão
9| vento que passa e que leva
10| quando quer outra mulher
11| não estamos mais como antes
12| me cansei de duvidar
13| quando a distância pesar
14| ser livre pra sentir
15| pra tudo recomeçar
16| olhando o mesmo céu
17| no mar de lamentar
18| se perde aos poucos sem virar carinho
19| uma placa sem estrada
20| nós dois em um só
21| no interior do peito já bateu saudade
22| o nome do teu novo amor
23| acordar do teu lado pra te dizer
24| quando se encontra quem se ama

25| levou embora o meu pesar

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By misandieg

Quando vi, já veio sim
Tomou parte de mim
Levou embora o meu pesar
Teu ver me encanta, enfim
- Outrória -

3 de Fevereiro, 2021
Monte Verde

Bianca adentrou a sala da casa de Gizelly e sorriu ao perceber tantos rostos conhecidos por ali. Ainda não tinha visto alguns deles, e então era muito gratificante poder ve-los pelo menos por algumas horas antes de retornar aos Estados Unidos.

Viu Ana, de longe, conversando com Miguel; Gabi Melim pegando bebida com Gizelly; alguns ex colegas de trabalho reunidos em um canto; e até Mari Saad estava presente, conversando com Rafaella. Bia acelerou o passo e se aproximou das duas mulheres.

— Boa noite! — Desejou causando um susto em Mariana, que virou-se com um sorriso no rosto pra cumprimentar Bianca.

Desde que conversaram e se resolveram, as coisas tinham ficado melhores, mas essa era a primeira vez que se viam pessoalmente desde tudo.

— Oi, Bia! — Respondeu simpática. — Você tá linda! — Elogiou fitando o rosto da carioca, que iluminou-se num sorriso.

— Obrigada, Mari, você também ta linda... Rafa, oi. — Disse um pouco sem jeito coçando a nuca.

— Tudo bem? A Gizelly tava preocupada que você faltaria a própria festa de despedida. — Confessou com um sorriso torto que deixou Bianca perdida por alguns segundos.

Se fechasse os olhos Bianca ainda conseguiria se recordar vividamente dos momentos que passou com Rafaella. Conseguia sentir a respiração descompassada da mineira antes do beijo no Rio de Janeiro. Conseguia escutar o gemido sôfrego quando a chupou pela primeira vez em sua casa no ano passado. Conseguia refazer cada detalhe dos beijos que deram.

— Ah, ela tá sempre preocupada com alguma coisa, né? Convenhamos! — Respondeu rindo. — Vou falar com ela, vejo vocês depois. — Avisou antes de sair dali e ir ao encontro da capixaba.

Bianca conversou com alguns outros amigos e conhecidos depois de assegurar a Gizelly que estava por ali e que a festa estava ótima. A carioca tinha sentido um pouco de falta de Monte Verde, e a festa de despedida organizada pela amiga com apoio de outros só provou que o carinho que encontrava naquela cidade do interior era sem igual. Modesto poderia até tentar se equiparar com qualidade de vida e benefícios, mas o acolhimento e sentimento de casa Bianca só encontraria no Brasil.

— Então... pronta pra voltar pra casa? — Rafaella indagou se aproximando de Bianca, que estava no jardim olhando o céu estrelado.

— Ah... não sei, talvez?! O que é casa? — Indagou pensativa conseguindo uma risada sem humor vinda da mineira.

— Começou a estudar filosofia na Califórnia? Da onde vieram esses questionamentos? — Perguntou com um meio sorriso.

— Não, mas acho que comecei a me questionar... porque eu faço as coisas que faço?

— Como assim?

— Você não acha que tem muita coisa inexplicável no mundo? O que faz uma pessoa se apaixonar, por exemplo? Porque você gosta do que gosta? Porque se interessa pelo que se interessa? — Bianca questionou-se entrando em um looping inexplicável na própria cabeça.

— Parece que você ta me perguntando porque o céu é azul... eu não sei, acho que tem coisas que foram feitas pra não terem explicações. — Rafa respondeu certeira. — Vai dizer que também acha que existem universos paralelos ao nosso?

— Não, não, ainda não cheguei nesse nível de loucura... eu penso nisso as vezes... mas você me perguntou se eu to pronta pra voltar pra casa! Isso! A resposta é: não sei! Eu não sei nem se considero Modesto a minha casa... — Confessou um pouco confusa.

— Mesmo? — Rafa respondeu surpresa. — Achei que você tivesse amigos por lá, e a Gizelly falou que você tava gostando...

— Sim! Eu gosto, mas não sei se é casa... parece muito temporário, entende? — Disse conseguindo uma confirmação vinda de Rafaella. — Pra ser sincera eu não sinto que me encaixo em nenhum lugar; nem lá e nem aqui.

— Será que não é uma crise existencial de meia idade? Acontece muito quando as pessoas envelhecem! — Rafaella caçoou divertida, conseguindo um sorriso largo de Bianca.

Talvez?! Eu tenho menos de vinte e cinco, mas talvez já esteja tendo isso mesmo. — Concordou brincalhona. — Você falou com a sua mãe? Sobre o hospital? — Indagou coçando a nuca e fitando a mineira, que deixou transparecer um sorriso tímido.

— Sim... ela ficou bem surpresa também, com a ideia, mas ficou feliz. Quando o hospital tiver pronto vai ser o encerramento de um grande ciclo... tipo de anos, entendeu?

— Eu entendo, acredite! — Riu sem humor. — É bom, né? Parece que a gente fica anos e anos buscando algo até que em algum momento encontramos... aí a gente se surpreende, se assusta, e volta ao "normal". — Refletiu fazendo Rafaella segurar a risada.

— Você tá bebada, Bianca?

— Não! Eu to falando sério! Poxa, Rafa, me leva a sério vai... — Pediu manhosa fazendo a mineira se aproximar um pouco mais até que ficassem frente a frente.

— Eu tô levando a sério, Bia...

— Mesmo? Não parece! — Argumentou virando o rosto e franzindo o cenho; ato que Rafaella achou extremamente fofo.

— Lembra aquela vez no Rio que a gente dançou lá na Urca? — Indagou Rafaella com um meio sorriso.

— Sim?! Porque?

— Nada... eu só tenho saudade. — Revelou fechando os olhos e respirando fundo.

— De mim, da Urca, do Rio, daquele ano, ou de tudo?

— Tudo, mas especialmente saudade de você. — Confessou abrindo os olhos verdes e fitando os castanhos claros de Bianca.

A carioca, que antes estava em transe pensando nas milhares de teorias e momentos que viveu, e daquele papo meio sem saída com Rafaella, subitamente voltou os pés ao chão e percebeu onde se encontrava.

O momento de continuar a escrever aquela história!

Um novo capitulo, sim!

Por mais clichê que fosse, a casa de Bianca era qualquer lugar onde pudesse fitar os olhos verdes de Rafaella e se sentir em casa. Se lembrava bem tinha até uma musica sertaneja de Matheus e Kauan que falava sobre isso... Rafa gostava dessa musica!

"É só deitar no seu colo para me sentir em casa, outra vez"

É. Bianca estava em casa.

— Será que a Gizelly fica braba se eu for embora da festa e te levar junto? — Bianca questionou sorrindo de lado.

— Hum... eu acho que não. — Afirmou sorrindo largo, fazendo Bianca inclinar o corpo pra frente e deixar um selinho nos lábios da mineira. — Vamos lá pra casa... — Rafaella sugeriu entrelaçando os dedos com os de Bianca.

— Tem certeza? Se não quiser eu posso te convidar pro quartinho de hospedes da casa da Gizelly. — Bianca brincou apontando a casa ao fundo, mas Rafa negou sorrindo. — A gente pode ter uma conversa antes, seila, não sei... é estranho? Você quer conversar sobre?

— Não. — Rafa disse certeira. — Não quero conversar ainda... vamos curtir, Bia, você vai embora amanhã, ainda temos tempo.

— Ta bom. — Bianca acatou a ideia sendo puxada para dentro da casa pela mulher que a conhecia bem.

É óbvio que se preocupava. Se preocupava com a situação em Modesto, com seu futuro, com suas decisões, com Rafaella, com a vida após esse momento, com o dia seguinte. Principalmente com o dia seguinte.

Sabe quando você simplesmente sabe? Você olha pra pessoa e sabe que tem alguma coisa ali que te faz ficar. Tem algo ali que inconscientemente te guia na direção certa. As coisas que você não se imaginava fazendo, agora você faz. Na verdade você fez a primeira vez com a maior facilidade, e todo aquele medo que sentia agora tá esquecido por aí. A lista enorme de prioridades mudou, agora a prioridade maior não é só o seu bem estar; tem o bem estar daquela outra pessoa também.

A trajetória é importante. As vezes você começa algo e entende logo no principio que é temporário, que tem data de validade; já em outras situações você imagina o futuro junto daquela pessoa logo no primeiro encontro. Parece uma coisa tão simples e certa se imaginar andando de mãos dadas na calçada com aquela pessoa, é fácil, parece fácil, e você tem quase certeza que vai acontecer.

Mas ai você encontra os desafios, e as resistências. Não é tão fácil não.

Será que de fato almas gêmeas estão destinadas a se encontrarem mas não a ficarem juntas? Será mesmo que o resto da sua vida não vai ser passado do lado da sua alma gêmea mas sim de alguém que veio logo depois?

O timing precisa estar certo.

Bianca entendia muito de timing, é um conceito importante no marketing. Pra lançar uma campanha, uma nova marca, ou qualquer coisa que precise do apoio do publico o timing é extremamente necessário. Você acha que uma nova casa de festas vai fazer sucesso durante uma pandemia? Acha que uma exclusiva loja de roupas de inverno vai fazer sucesso no auge do verão? Tudo isso é timing. A casa de festas pode ser a melhor existente, e a loja de roupas pode ter casacos de qualidade única, mas nada disso importa se o timing não estiver certo.

Se não for o timing certo de encontrar a alma gêmea então não, vocês provavelmente não ficarão juntos. Pelo menos não agora.

Bianca tinha medo que o timing não estivesse certo novamente. O dia seguinte estava logo ali, apenas há algumas horas, e Bianca ainda não sabia se o timing estava certo.

Mas Rafa queria ignorar a existência do dia seguinte, por enquanto, e Bianca obedeceria esse desejo.

{...}

Assim que ambas alcançaram a sala da casa de Rafaella, Bianca não esperou mais nenhum minuto para unir os corpos e beijar a mineira. A carioca trilhou os beijos pelo pescoço da mulher logo em seguida; sentiu o cheiro do perfume de Rafa e mais uma vez se sentiu em casa.

Rafaella, por sua vez, incentivava os beijos da carioca forçando o rosto da mesma contra seu pescoço e rosto. Finalmente estava sentindo aqueles beijos novamente. Os beijos da mulher mais linda que já viu, da mulher que mais a marcou, da mulher que mais sentiu falta durante os meses.

A relação com Bianca não se perdia nos dias, não precisava de calendário, e se em algum momento o assunto acabasse, quando se encontrassem novamente as coisas voltariam ao normal.

— Vai, Bia, continua. — Pediu quando a carioca cessou os beijos.

— Ta com pressa? — Indagou sorrindo safada.

— Sim! Muita pressa, Bianca, eu tô há meses sem te ver... — Respondeu direta aproveitando a pouca distancia pra tirar a própria blusa e revelar o sutiã amarelo rendado que constrastava com a pele bronzeada.

Bianca sentiu o rosto travar, mas gostou da sensação. Fazia tempo que não se sentia tão impactada com uma mulher sem blusa a sua frente.

A ultima vez tinha sido Rafaella também, muito provavelmente.

— Sofá ou cama? — Perguntou enlaçando a cintura da mineira novamente e deixando alguns beijos no colo da mesma.

— Cama, meu quarto, vem! — Chamou se desvencilhando dos braços da carioca e a guiando até a ultima porta do corredor, onde ficava seu quarto.

Bianca sentiu Rafaella diversas vezes, e a mineira fez o mesmo com a carioca. O tempo parou do lado de fora, ou passou ainda mais rápido. Quando se deram conta, abraçadas embaixo dos cobertores no ar condicionado, o dia já clareava. A publicitária não queria perder os braços de Rafaella a abraçando por trás, e também não queria virar-se para olhar o rosto bonito e sentir vontade de chorar.

Rafaella estava extremamente calma, e Bianca pode notar isso pela respiração tranquila que alcançava suas costas e nuca. As mãos também passeavam suavemente pelos braços e cintura da carioca em um carinho leve.

— Ta pensando o que? — Bianca quis saber falando baixinho.

— Em como a Califórnia é longe de Monte Verde... — Respondeu com a voz também baixa.

— É longe de São Paulo também. — Disse fazendo referencia a mudança de Rafa que se aproximava.

— Sim, verdade.

— Mas sabe que São Paulo é perto de São Paulo, né? A cidade é enorme mas é perto... — Divagou fazendo Rafaella franzir o cenho em confusão e rir baixinho.

— Ainda bebada, Bia?

— Tô bem pouquinho bebada. — Respondeu rindo. — Mentira, nem tô bebada. Eu tô falando sério.

— Sim, São Paulo é perto de São Paulo porque é o mesmo lugar. — Falou como se tivesse contando um segredo á Bianca.

— Uhum... e eu e tu vamos estar lá, pertinho. A Califórnia vai continuar sendo longe de Monte Verde, mas eu não vou ligar mais.

— Que? — Rafa indagou confusa desprendendo-se do corpo de Bianca e assistindo-a virar o corpo. — Como assim? Você em São Paulo?

— Sim! Eu em São Paulo... me valoriza, viu? Carioca se mudar pra São Paulo é foda, não tem uma praia naquele lugar!

— Aqui também não tem, doida. — Disse escondendo o sorriso largo.

— Sim, mas aqui tem cachoeira, já é melhor... lá tem lixo, pichação, um monte de gente apressada... mas tem você. — Declarou passando o polegar nas bochechas da mineira e sorrindo.

— Você vai voltar?

— Vou. Ta na nossa hora, amor. — Afirmou confiante.

— Vai trabalhar a onde?

— Não sei?! Se o mercado tiver bom em uma empresa que queria me contratar, se não tiver tão bom eu começo como estagiaria servindo cafézinho por aí. — Constatou dando de ombros.

— Que loucura, Bianca! Não faz isso!

— Ah qual é , Rafa! Namora comigo, casa comigo, fica comigo, seila! — Pediu recebendo uma gargalhada alta da mineira. — É sério! Quer casar comigo? — Rafa negou sorrindo. — Ah — Suspirou. — Quer namorar então?

— Não... — Rafa negou novamente com um sorriso no rosto.

— Então só fica comigo? Vamos morar juntas, construir uma casinha, uma vida juntas e vamos vivendo! — Sugeriu animada.

— Eu acho que você tem que pensar melhor nisso tudo, mas eu aceito. — Disse rindo e recebendo Bianca para um beijo.

— Meudeus eu vou casar! — Brincou sentando-se na cama e abrindo os braços. — Alo mãe! Vou casar! — Riu fechando os olhos e gritando para o teto.

— Para, Bia, não é casamento! — Rafa repreendeu ainda sorrindo.

— É sim, morar junto é casamento! Meudeus, eu vou casar com uma mulher linda! — Elogiou fazendo cócegas na barriga de Rafaella e rindo.

— Do nada você voltou e decidiu por pra fora toda emoção que segurou por anos por aí? — Rafa debochou deitando-se de lado e apoiando o rosto nas mãos.

— Sim, esse negócio de sapatão emocionada tarda mas não falha, Rafaella, chegou minha hora, amanhã mesmo to adotando o gato pra gente! — Caçoou rindo feliz.

— Bia, e a passagem de volta pra Califórnia? E tudo que ta lá?

— Eu vou lá, vou buscar tudo, vou resolver tudo em uma semana e volto, volto bem rápido pra cuidar do nosso gato, tu não vai ser mãe solteira! — Explicou brincando e Rafa riu revirando os olhos.

— É sério? Vai mesmo largar? Bia, se a gente decidir que vai ficar juntas, de verdade, você não precisa largar nada, nem eu... a gente vai dando nosso jeito, se encontrando por aí. — Sugeriu dando de ombros.

— Sim, teria essa possibilidade, mas eu posso apostar no imprevisível, e eu acho que vale a pena... tô sentindo dentro de mim, Rafa. — Confessou escondendo o rosto no pescoço da mineira que a acolheu ali.

— Então eu tô casada também. — Entrou na brincadeira de Bianca, que deixou alguns beijos no pescoço da mineira.

— Alô dona Genilda, vamos casar! Sogrinha to chegando! — Zoou fazendo Rafa dar um tapa leve em suas costas. — Ah qual é, ela gosta de mim, tu sabe!

— Agora gosta...

— Claro, conheceu coisa pior! — Disse fazendo referencia a Luana. Mesmo que não conhecesse muito da garota, Gizelly já tinha contado que Genilda não gostava muito dela. Na verdade poucas pessoas gostavam dela.

— Para, não era tão ruim!

— Ei, sem defender ex. — Pediu levantando o rosto e deixando um selinho nos lábios de Rafa. — Vai dar tudo certo. — Determinou com um sorriso largo no rosto.

— Vai dar tudo certo.

Havia um longo caminho pela frente, mas enfrentariam juntas. Sem medo do que poderia acontecer.

{...}

15 de Julho, 2021
Monte Verde

A euforia daquela tarde de inverno em Monte Verde não era nada comparada ao que Rafaella sentia enquanto assistia Bianca dirigir pela estrada que levava ao hospital. Sabia que a carioca também estava animada para aquele dia, mas estava tentando não demonstrar justamente pra não deixar Rafaella nervosa. Acontece que naquele dia aconteceria a cerimonia oficial de abertura do Hospital J. Freitas, o primeiro de Monte Verde. Financiado em uma parceria entre a prefeitura e o fundo privado, que veio anonimamente de Bianca; poucas pessoas sabiam quem tinha doado aquele valor exorbitante que fez o sonho de Rafaella se tornar real.

— Seu pai estaria muito orgulhoso, e muito feliz, Rafa. — Bianca garantiu ainda focada nas ruas, mas segurando a mão da mineira.

— Eu sei, ele deve tá muito feliz mesmo. — Concordou feliz.

— Sabe que eu e você temos um encontro hoje depois disso, né? — Bianca questionou desviando o olhar rapidamente e conseguindo ver o sorriso bobo de Rafaella.

— Eu sei! Mal posso esperar! — Afirmou beijando a mão de Bianca que estava ligada a sua. — É aqui em Monte Verde? — Indagou e Bianca deu de ombros sem responder. — Fala, Bia! Uma dica, vai!

— Sem dicas, mas vamos começar logo depois da inauguração... — Assegurou olhando a mineira de canto de olho. — eu juro que você vai amar! — Falou fazendo Rafaella revirar os olhos sorrindo.

Bianca e Rafaella tinham dirigido de São Paulo até Monte Verde 2 dias atrás para acompanhar a inauguração e rever alguns amigos, como Gizelly, que continuava trabalhando na vinícola agora sob direção de uma sulista. A capixaba não hesitou em contar todas as fofocas e acontecimentos da cidade desde que ambas foram morar na cidade paulistana. Eram muitos rolês e relacionamentos para que Bianca e Rafa pudessem se envolver e entender. 

Logo que retornou da Califórnia, depois de encerrar sua passagem rápida pela cidade estadunidense, Bianca procurou alguns empregos na area de marketing mas não achou nada que realmente despertasse seu interesse. Surpreendentemente encontrou com Mariana Saad algum tempo depois e ambas decidiram trabalhar em uma ideia de negócio que envolvia cosméticos de acesso fácil e barato para todos os públicos. Ainda estavam bem no começo do plano de negócios, mas estavam felizes e realizadas; isso foi o suficiente.

Rafaella abriu a cafeteria em São Paulo e antes que pudesse pensar em reformular o modelo mais "casa", o estabelecimento já estava cheio e pronto para expandir mais. O modelo da mineira se diferenciava de outras grandes cafeterias paulistas, e por isso conseguiu se destacar. Estudantes universitários se reuniam ali o tempo todo para estudar; empresas faziam reuniões mensais informais ali a tarde; um casal de velhinhos, dona Irene e seu João, passavam por lá quase todas as tardes.

A vida estava indo bem, e as coisas tinham realmente dado certo.

Quando Bianca decidiu largar o emprego por "impulso", a carioca não pensou que as coisas dariam tão certo. O "impulso" que a guiou nem deveria ser chamado assim, foi na verdade um instinto que levou a tomar essa decisão, nada foi impulsivo, foi apenas um sentimento de certeza.

Quando chegaram ao lugar onde seria a cerimonia de abertura, Bianca pode avistar de longe algum de seus amigos que já se encontravam por ali. Havia também dezenas de pessoas com jalecos brancos conversando entre si. Rafaella, ao seu lado, deixou uma lágrima solitária escorrer no rosto, mas sem borrar a maquiagem.

— Meu amor... — Bianca sussurrou abraçando a mais alta. — Fica feliz, não gosto de ver você triste. — Pediu fazendo biquinho e conseguindo um sorriso fraco de Rafaella.

— Não tô triste... juro! Só... emocionada! Isso tá muito lindo, Bianca, obrigada! — Agradeceu se aconchegando ao abraço da carioca e permitindo-se derrubar mais algumas lágrimas.

— Vem, vamos ver! — Chamou puxando a mineira pela mão e se aproximando do palanque onde a prefeita e a diretora discursariam.

Bianca e Rafa conversaram com a prefeita Paula, com Laura, a nova juíza da cidade no lugar de Sebastião, e com a doutora Ananda, presidente do hospital. Todas estavam felizes e animadas com a nova inauguração, que certamente traria muitos frutos para a cidade.

— Olha, sinceramente, espero que tenha comida na confraternização da prefeitura... pra ficar horas nesse sol aqui ouvindo discurso, o mínimo é uma recompensa! — Gizelly resmungou sentada ao lado de Bianca enquanto a prefeita falava da importância do hospital para a cidade, e principalmente a contribuição de Juarez Freitas no passado.

— Respeita a sua conterrânea, Gizelly, a prefeita ta falando! — Rafaella resmungou inclinando o corpo sob o de Bianca para poder falar com a mulher.

— Hum. — Reclamou baixinho. — Gosto muito da prefeita mas isso podia tá mais animado, sabe?

— É a inauguração de um hospital, Gi, você esperava o que? — Bianca respondeu segurando o riso para que Rafa não percebesse. — Por falar nisso, você não deveria tá trabalhando?

— Deveria, mas a dona deu folga pra todo mundo especificamente hoje... dizem que ela tá pegando a doutora e queria tá presente na cerimonia... — Explicou dando de ombros e olhando ao redor.

— Dizem?! Você não sabe? — Indagou surpresa por sua amiga não saber de pelo menos uma fofoca de Monte Verde.

— Ela é muito reservada, Bianca, não da um pio, só sei que é de Porto Alegre e é isso! Nem a idade ela falou, Bianca! — Gizelly disse indignada. — Ela quer matar os fofoqueiros de plantão!

— Então como sabe que ela tá com a doutora? — Questionou baixando o tom de voz uma vez que Rafaella a olhou braba.

— Alguém lá da vinícola viu as duas juntas na cachoeira, e no dia seguinte passeando entre as parreiras da sede... enfim! Isso não é importante, vamos focar na comida da cerimonia! — Desconversou mudando o foco e Bianca riu negando com a cabeça.

— Eu espero que tenha muita comida, mas eu e a Rafa já temos um encontro, não vamos pra prefeitura... — Bianca respondeu.

— Serio? Encontro com quem? Vão fazer troca de casais?

— Não, Gizelly! — Exclamou tentando não aumentar o tom de voz. — Meudeus! Encontro eu e ela, ela e eu, só nós duas. — Corrigiu fazendo a capixaba revirar os olhos.

Grude!

Bianca não tornou a responder, apenas prestou atenção no final do discurso da prefeita e o inicio do discurso da médica presidente.

Depois de alguns minutos a cerimonia foi concluída e o hospital, finalmente, inaugurado. Rafaella derrubou mais algumas lágrimas enquanto abraçava pessoas conhecidas, e sempre que podia tornava a agradecer Bianca, que já não sabia mais como responder a tantos "obrigadas".

— Bianca!

— Dona Genilda! — A carioca cumprimentou abraçando a sogra. — Tudo bem? Como estão as coisas na delegacia?

— Muito calmas, está tudo indo bem... quero me aposentar em breve, sabe? Gabriel vai ficar no meu lugar.

— Mesmo? Ele nem me falou nada. — Bianca se surpreendeu.

— Eu pedi que não falasse nada ainda, vou falar com a Rafaella. — Afirmou apreensiva.

— Ah, a Rafa vai ficar muito feliz pela senhora, dona Genilda! Ela tá muito emocionada hoje, mas vamos ficar até depois de amanhã aqui, certamente terá tempo de conversar com ela. — Tentou acalmar a sogra, que sorriu em agradecimento.

Bianca ficou mais algum tempo conversando com dona Genilda até se despedir para conversar com Ana e Gabi. Rafaella, do outro lado, escutava a prefeita falar sobre seus próximos passos quanto ao desenvolvimento da cidade.

Depois de muito assunto, Bianca conseguiu convencer Rafaella a abandonar a cerimonia e partir para o encontro que tinha organizado para ambas.

— Será que agora eu já posso ficar sabendo?

— Não! Você já vai ver, Rafa, calma. — Pediu ainda concentrada na estrada. Para Bianca, era surpreendente que Rafaella ainda não tivesse percebido onde aqueles caminhos a levariam.

— A vinícola, Bianca?! — Rafaella pareceu surpresa quando percebeu os grandes portões da vinícola das Aguas Claras.

— Sim! Tem um lugar que você precisa conhecer! É lindo, você vai amar! — Disse empolgada enquanto estacionava o carro na vaga costumeira de quando trabalhava naquele lugar.

— E como que você conseguiu acesso livre aqui se ela tá fechada? — Indagou entrelaçando as mãos com as de Bianca e deixando-se ser guiada por entre as grandes parreiras de uva.

— Eu vendi a vinícola pessoalmente pra Julia, tu acha que eu não conseguiria um favorzinho? — Disse debochada.

— Favorzinho que deve ter tido alto custo, né?

— E isso importa? Meu bem, eu ganhei em dólares por meses! — Zoou fazendo Rafaella revirar os olhos e empurra-la pelos ombros.

As duas continuaram andando pelo grande campo verde enquanto o sol começava a baixar no horizonte. Depois de alguns minutos e com as pernas quase cansadas, Bianca avistou a pequena casinha de madeira que ficava em frente a um lago. Aquele lugar havia sido construído por Sérgio pouco tempo antes de seu falecimento, e Julia o reformou transformando-o em um chalé.

Era perfeito para que Bianca fizesse uma noite especial para Rafaella.

Não tinha pedido de casamento, nem juras de amor eterno, era apenas uma oportunidade de renovarem o amor que sentiam fazia tempo.

— Isso é lindíssimo! — Elogiou quando conseguiu ver o pequeno chalé por dentro. — Muito fofo!

— Sim, e é muito aconchegante... topa passar a noite aqui comigo hoje? — Pediu segurando as mãos da mineira que sorriu assentindo antes de deixar um selinho nos lábios da carioca.

— Tem alguma coisa com você que eu não toparia?

— Olha, quando eu te pedi em casamento você disse não... — Debochou beijando o rosto de Rafaella, que riu.

— Foi diferente, se um dia você pedir serio e bonitinho, eu juro que aceito.

— Ah, é mesmo? — Bianca disse se distanciando e fazendo menção de se ajoelhar.

— Não, para, Bia, era brincadeira. — Pediu tentando puxar a publicitaria.

— Calma, Rafa, vou só amarrar seus tenis. — Respondeu rindo e arrancando uma gargalhada alta da mineira.

— Idiota!

— Para! Você me ama, e sabe disso!

— Sim, nunca neguei, mas agora foi idiota. — Disse revirando os olhos e abraçando o corpo da carioca.

— Era uma brincadeira, mas a gente vai casar, no futuro! — Assegurou. — Vem, vamos tomar um bainho e depois jantar! — Chamou puxando Rafaella para o banheiro e já despindo a namorada.

Depois de um banho demorado entre muitas caricias e declarações, Bianca e Rafaella se vestiram com roupas confortáveis e partiram pra parte externa do chalé. Assim que Rafa pôs os pés na grama, a mesma pode avistar algumas pequenas velas cobrindo o gramado verde perto do lago. No meio de todas as velas uma mesa para dois lugares se destacava.

Bianca novamente guiou a mineira por entre as velas até que chegassem na "ilha" onde estava o jantar e uma caixinha de tamanho médio.

— Senta, amor. — Bianca pediu à namorada, que concordou atordoada.

— Pra que tudo isso, Bia? — Perguntou confusa.

— Ué, precisa de razão pra surpreender você? — Disse sorrindo de lado. — Brincadeira... bom, na verdade nem tanto. Eu só queria te surpreender, sabe? Sair da rotina, mudar um pouco... Gostou?

— Óbvio que eu gostei né, amor! Que pergunta?! Isso é lindo demais, e eu amo qualquer momento que a gente passa juntas... mesmo que seja em casa comendo pizza. — Afirmou convicta. — Eu te amo demais, Bia!

— Eu te amo muito, amor! E é por isso que eu quero te dar isso aqui, — Disse entregando a caixinha nas mãos de Rafaella. — eu juro que não é um anel de casamento. — Assegurou diante do olhar curioso da mineira, que riu em seguida.

— Eu não me importaria se fosse. — Afirmou fazendo o coração de Bianca acelerar. Talvez tivesse que armar um pedido de casamento em breve.

Lentamente a mineira abriu a caixinha e revelou um colar com um pingente simples em formato de trevo da sorte.

— Gostou? É simples mas queria te dar alguma coisa especial! — Disse dando de ombros. — Eu não sei se você sabe, provavelmente não, mas hoje faz um ano e três meses que a gente se beijou, a primeira vez...

— Depois da noite na Lapa. — Rafa completou sorrindo enquanto fitava o colar. — Passou tão rápido...

— Sim! O tempo voou, e muita coisa aconteceu... — Bianca relembrou. — E eu nunca tive tão feliz, Rafa. — Revelou sorridente.

— Eu tô muito feliz também, Bia! Muito!

Diante do atestado de felicidade, Rafa e Bianca aproveitaram aquela noite como se ela fosse a primeira. Como se fosse a primeira vez que se beijaram na Lapa; ou como se fosse a primeira vez que transaram; ou a primeira vez que entrelaçaram as mãos e saíram juntas; ou como na primeira vez que dividiram o colchão na casa que não era nem de uma, nem de outra, era das duas.

O relacionamento de ambas era repleto de primeiras vezes.

Rafaella viu o mar pela primeira vez na companhia de Bianca, no ano passado.

Bianca experimentou um amor inexplicável pela primeira vez com Rafaella, desde o ano passado.

Rafaella se libertou das amarras e pode, pela primeira vez, se aventurar em coisas diferentes.

Bianca mudou de vida radicalmente, algumas vezes, e se sentiu livre pra criar.

É difícil falar de presente e de futuro. E o passado? Será que Bianca e Rafaella se conheceriam se o pai da carioca não tivesse largado a familia há anos atrás?

Não é um agradecimento a todas as coisas ruins que sua mãe teve que enfrentar, mas sim uma reflexão.

Será que se conheceriam se Rafaella não tivesse largado tudo e investido num destino diferente da cafeteria de seu pai?

Talvez não. Talvez sim.

No presente, as coisas estavam indo bem. No futuro, também serão ótimas.

Diante de uma história conturbada, Rafa e Bia conseguiram se encontrar e construir juntas um futuro repleto de felicidade e coisas novas. Novas aventuras. Novos lugares. Vida nova.

Bianca estava feliz. Rafaella estava feliz.

Se no futuro as coisas ruíssem, Rafaella e Bianca dariam um jeito de reconstruir.

Os laços entre ambas as faziam felizes.

FIM

_______

Gente,

Foi uma honra estar aqui com vocês. Obrigada por todas as vizualizações, comentários e votos, eu sou grata demais!

Laços acabou, mas ainda preciso concluir Segredos, né? E quem sabe The Queens?

Esse capítulo eu dedico a meu amorzinho ❤️ ela pediu e eu corri pra escrever.

Me contem o que acharam do final, e da fic num todo.

Até breve,

Julia (não, meu nome não é jotinha)

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