O refeitório mantinha uma atmosfera sombria quando entrei, parecia que todos tiveram pesadelos nesta noite ou que uma tempestade horrível havia caído durante a madrugada, de modo que ninguém conseguiu pregar os olhos ao se deparar a cada minuto com os barulhos estrondosos que vinham do alto.
Tudo estava muito estranho.
- O que está rolando? - apontei com o queixo para as pessoas sentadas nas mesas, que se mantinham conversando baixinho ou até mesmo caladas.
Me acomodei ao lado de Bryn, colocando a bandeja do meu café da manhã na mesa.
Ela sorriu sem graça.
- Parece que o nosso corredor não foi o único a ser visitado ontem à noite.
Engulo o seco, achando aquilo pior do que uma possível tempestade.
- Vocês sabem o que aconteceu? - perguntei para os garotos a minha frente, que assentiram lentamente.
- O Coronel puniu dois caras do nosso corredor por estarem ligados a briga que teve com as garotas do corredor de vocês. - Jackson responde, sem muito ânimo.
- Pelo o que fiquei sabendo, houve mais gente envolvida nisso. - Bryn comentou e os dois assentiram novamente.
- De acordo com as minhas fontes, essa confusão deu início quando um garoto azul passou a espalhar boatos de como a menina que ele estava pegando era ruim de cama e que transar com uma cadela seria bem melhor. - Benjamin falou, levantando um dedo.
- Nossa, que filho da...
- A garota ficou furiosa por ficar famosa por esse motivo tão... sujo e chamou as amigas para dar uma lição no azul e, bom... ele não estava sozinho quando elas o encontraram - Benjamin terminou de contar o que sabia, de uma maneira fria e sem emoção alguma, totalmente no automático, enquanto seu olhar estava fixo em sua garrafa de suco.
- Ele teve o que mereceu, soube que foi levado às pressas para a ala de enfermaria quando tudo isso acabou - Bryn falou, não tão diferente de como Benjamin havia se pronunciado.
Depois de um tempo, todos calados, Bryn bateu as mãos na mesa, chamando a nossa atenção para a mesma que olhava para mim.
- E aí? Como foi o seu primeiro dia de treino? - perguntou para encerrar aquele assunto e os meninos lhe lançaram um sorriso de gratidão.
Respirei fundo, tentando me recompor, sabendo que aquele assunto já teve seu devido fim, então falei:
- Você sabia quem era o ajudante do Frank, não sabia?
Ela assobiou, com um sorriso no rosto.
- Talvez...
Bati em seu ombro com o meu, fazendo-a rir.
- Qual é, não deve ter sido tão ruim assim - ela acena com a cabeça para frente e eu sigo o seu olhar, encontrando Jasper sentado, em sua mesa de sempre. - Ele parece bem feliz.
Verdade.
Se a maioria das pessoas estavam cabisbaixa e com um rosto nada bom, Jasper estava totalmente o oposto, não se importando com a tristeza que lhe cercava em outras mesas.
Ele esbanjava seus dentes brancos a todo momento, por seja lá qual fosse o motivo e não parava de brincar com os seus amigos, fazendo menção de que iria batê-los.
Fiquei o encarando por alguns minutos, por mais tempo do que eu realmente queria admitir, descendo meu olhar sobre suas singelas covinhas e no modo como fechava os olhos, enquanto ria despreocupadamente e... fui pega no flagra, mas me mantive firme, achando que se eu desviasse pareceria mais suspeita do que realmente era.
Talvez por perceber que alguém o encarava, seus olhos se encontraram com os meus rapidamente e o vejo arquear a sobrancelha, de um modo divertido. Reviro os olhos, mas ainda pairo os meus nos seus novamente, a tempo de vê-lo me dar língua, o respondi levantando o dedo do meio, o que o fez soltar uma gargalhada enquanto eu tentava esconder o sorriso em meu rosto.
Os seus amigos se viraram para ver com quem, agora, estava a atenção do seu amado líder e eu desviei o olhar, encarando os garotos a minha frente e Bryn ao meu lado, que se entreolharam, reparando naquela cena.
- Parece que vocês se divertiram - a ouço dizer em um tom malicioso e, dessa vez, quem gargalhou foi eu.
Gargalhei como se não houvesse o amanhã, até que as lágrimas começaram a se acumular no canto de meus olhos.
Eles me encararam como se eu fosse uma louca descontrolada, esperando que eu terminasse o meu mini-ataque de riso.
- Claro que nos divertimos, ele principalmente, por me fazer dar cem voltas correndo naquela droga e olha que foi só o aquecimento - digo em um tom debochado, arrancando uma espécie de risada deles.
- Não é atoa que ele é o auxiliar do Frank - Jackson fala de boca cheia e só neste momento, percebo que ainda não havia tocado em minha comida, mas logo trato de resolver isso, ficando com as bochechas cheias, como esquilos que guardavam suas nozes.
- Acredite, Frank é mil vezes bem pior que isso! - Bryn bateu em meus ombros de leve, mas não a respondi, apenas me concentrei em pôr mais comida em minha boca.
Não sabia que estava com tanta fome assim até dar a primeira mordida, parecia até que todo o meu corpo vibrou de alegria por um pouco de carboidrato entrar pela minha garganta e estacionar em meu estômago.
Conversamos calmamente e de vez em outra, me pegava espiando a mesa dos vermelhos, mas depois de alguns minutos resolvo parar de fazer isso, me achando muito ridícula por querer que Jasper olhasse para cá de novo. Pra mim.
As portas do refeitório são abertas com uma ferocidade, ocasionando um barulho estridente quando se chocam contra a parede e eu podia jurar que havia rachado o reboco branco.
Nos entreolhamos, de olhos arregalados, após perceber quem havia entrado de uma forma brusca e chamativa.
Pressionei os lábios um no outro, segurando a risada ao encarar novamente aquela cena.
O refeitório se encontrou em breves segundos de silêncio, para absorver o que seus olhos captavam e então Bryn soltou uma gargalhada alta, o que desencadeou várias outras em seguida, como se a dela fosse um gatilho o qual foi apertado e a risada de todos os outros a acompanhou junto.
Em instantes, aquela atmosfera sombria e pegajosa que rondava o local foi dispersa, com gargalhadas e pessoas se debatendo umas contra as outras, tentando controlar o volume de suas vozes.
Minha mente vagou novamente para o momento em que decidíamos o que iríamos fazer:
- O plano é o seguinte: vocês se lembram do último evento em que trouxeram várias caixas de tintas? - Benjamin começou a ditar seu plano.
Sentia as minhas mãos soarem enquanto os dois assentiram. Então ele prosseguiu:
- Eu ainda tenho boa parte delas e tem uma em especial que é a minha preferida, uma tinta azul que se não colocar luvas, ela pode ficar na pele por quase uma semana e-
- Sim! Vamos fazer isso! Perfeito! Vai ser um bom lembrete para ele nunca mais maltratar um dos nossos. - Bryn se agitou ao seu lado, o interrompendo, o que fez o domador do ar bufar por isso, mas manteve um sorriso no rosto.
- Vamos colocar nos frascos de sabonete, shampoo ou loções que ele possa usar em seu corpo. Assim, quando ele sair do banho, vai ser um completo azul por fora, mas por dentro, um vermelho com a moral ferida. - Benjamin terminou de falar, como se fosse um gênio, o que me fez soltar uma risadinha.
Definitivamente ele não tinha aquela cabeça à toa.
Confesso que esperava que fôssemos para luta, mas o vermelho já deve ter se acostumado em levar alguns socos, porém, ficar inteiramente azul deve ser coisa nova para o foguento. Sorri de lado, me animando com a ideia.
No jantar daquele dia, eu e Bryn ficamos com a missão de localizar o nosso alvo e quando ele apareceu, Benjamin e Jackson assentiram, marcando bem o seu rosto enquanto soltavam risadas maquiavélicas.
Comemoramos silenciosamente, batendo nas mãos uns dos outros ao nos depararmos com o garoto de macacão vermelho estar completamente azul.
A tinta era incrivelmente forte, fazendo com que o branco de seus olhos se ressaltassem e o deixasse ainda mais ridículo.
- Vocês são incríveis! - digo, olhando para os dois a minha frente, que deram de ombros, com um sorriso vitorioso estampado em seus rostos.
A nossa vítima estava incrivelmente furiosa por aparecer daquela maneira na frente de todos, mas ele teria longos dias da semana para se acostumar com aquilo.
Ele se aproximou da mesa dos azuis, como um animal selvagem e bateu na frente da comida de Quincy, imediatamente todos se calaram, para prestigiar o que viria a seguir.
Isso, definitivamente, foi melhor do que o esperado.
Mastigava lentamente, imaginando ser pipoca no lugar do grande pão que segurava e no momento em que a líder dos azuis se levantou, ela o empurrou para longe.
- Você está ficando louco?! - gritou ela, tentando limpar o leite que derramou em toda a sua roupa.
- Você é quem está! Olha o que seus cachorrinhos fizeram comigo! - apontou para si mesmo, falando em um tom arrogante.
Ela simplesmente riu, de forma debochada e cuspiu na cara do vermelho.
Ela. Cuspiu. Nele.
Fiquei boquiaberta.
- Vá para o inferno! - O empurrou novamente, fazendo com que ele desse alguns passos para trás.
Por mais que os dois estivessem em ponto de socarem um ao outro, um sorriso invadiu os meus lábios e o olhar de Jasper se encontrou com o meu por breves segundos. Ele também se lembrou.
- Quem você pensa que é?! - vociferou, com a raiva transbordando em cada palavra ao dar os passos que faltavam para agarrar o braço de Quincy.
- Eu serei o seu pior pesadelo, caso não me solte.
- Cacete... - Bryn murmurou ao meu lado, com um sorriso enorme em seus lábios.
Naquela altura, Jasper já havia se levantado para apartar uma possível briga de um dos seus com a líder dos azuis.
O vermelho inflou as narinas, respirando pesadamente. Jasper chegou ao seu lado, colocando a mão no ombro do garoto inteiramente azul.
- Solta ela, Tan - a sua voz não era nada mais que uma ordem.
- Não.
Jasper olhou para Quincy, que nem piscava ao retribuir a selvageria ao fitar o garoto que apertava o seu braço.
Ela prometia uma morte lenta e dolorosa se ele continuasse com aquilo, até mesmo quem era cego poderia perceber isso.
- Agora, Tanner. - Jasper falou novamente e qualquer um notaria que ele não queria machucar o garoto que, possivelmente, poderia ser o seu amigo.
Então tudo aconteceu em câmera lenta, Tanner largou o braço de Quincy, mas somente para pegar o isqueiro em seu bolso e fazer com que seus braços ficassem totalmente em chamas.
Quincy evidenciou surpresa em seu rosto com aquele gesto rápido do vermelho, mas Jasper fechou totalmente a sua expressão, pronto para acabar com aquele show.
E tudo parou. O fogo se apagou. O vermelho caiu inconsciente no chão, como um inválido. Prendi a respiração, tentando assimilar o que havia acontecido bem diante dos meus olhos, em questão de segundos.
Todos encarávamos um único ponto naquele refeitório, ou melhor, uma única pessoa.
Roucker.
Roucker havia feito aquilo, sem dúvidas. Ele havia sugado o ar, o sufocando e apagando não só o fogo do vermelho, mas a consciência do garoto. Tudo isso em um piscar de olhos.
Dono de um imenso poder, concluo.
- Cacete... - Bryn murmurou novamente, encarando Roucker em pé, ainda em sua mesa, mas totalmente voltado para a briga que acontecia.
Jasper e Roucker se encaravam, sérios. Sérios demais, o que me fazia se perguntar se eles tinham algum problema um com o outro.
Pareciam estar tendo uma conversa silenciosa através daquela troca de olhar intensa, uma conversa que talvez acabasse em violência.
Engulo o seco.
Por fim, Jasper dá as costas a Roucker, pegando o vermelho caído e o jogando por cima dos ombros, como um saco de batatas e saindo daquele refeitório sem olhar para trás.
Roucker, por outro lado, deixa que um sorriso discreto nascesse no canto de seus lábios e se senta novamente em sua mesa, acompanhado dos seus amigos que conheci no outro dia. Todos eles sem nenhuma sombra de divertimento como Roucker esbanjava.
Quincy estava uma pilha de nervos e saiu às pressas do refeitório para limpar o leite derramado em seu macacão.
- Que tal o nossos lema ser: os injustiçados fazendo justiça? - Benjamin falou, depois de um tempo de tudo ter se acalmado e bebeu o último gole do seu suco.
- Você não pode estar falando sério - Bryn debochou e ele sorriu.
- Não, claro que não estou.
Jackson soltou uma risadinha, me encarando. Sim, ele estava falando sério, parecia me dizer.
Assenti, compreendendo, impossibilitada de dizer qualquer palavra, ainda em choque pelo espetáculo de sangue que quase ocorreu em nossa frente, mas Bryn e os garotos pareceram se divertir tanto quanto era possível naquele local rodeado de olhares atentos. Com certeza iriam comemorar mais tarde, quando estivéssemos a sós.
- É muito bom ficar com vocês, mas eu tenho que ir para a minha tortura diária e creio eu que vocês também. - Bryn se levantou em um bater de coração e os garotos fizeram uma careta, concordando.
Mordi o lábio inferior, sabendo que ficaria sozinha a partir de agora.
- Olha, se quiser, você pode ficar vendo o treino.
Sinto o seu toque em meu ombro e eu lhe lanço um sorriso, agradecida. Então abri a boca para falar:
- Não se preocupe, vou ficar bem.
- Nos vemos no almoço, então.
Se despediram com um aceno e eu tratei de acabar com o meu café da manhã, sem pressa, repassando milhares de vezes a cena de Roucker e Jasper se encarando, como se fossem capazes de ter acabado com uma briga, só para iniciar outra.
Após pensar bastante sobre tudo, cheguei a única conclusão que explicava aquela afronta dos dois líderes:
Eles se odiavam.
OoOoOoO
Será se foi tortura da minha parte acabar logo nessa parte? KSKSKS NÃO ME MATEM!
O que vocês acham da teoria da Aja? Será se ela está certa ou um pouco equivocada? HAHAHA! Cenas pros próximo capítulos...
Até segunda-feira! Terá capítulo novinho, irei lançá-lo por volta das 15H ou 16H! Fiquem atentas! Beijão ❤
Não esqueçam de votar e de comentar, isso me inspira muito!