Laços | RABIA

By misandieg

57.4K 5.2K 7.3K

A cidadezinha de Monte Verde sempre foi a casa de Rafaella, mas agora também abrigaria Bianca, recém chegada... More

1| Prólogo
2| se conhecer pra se gostar
3| sombra na tarde da paz
4| só sei falar de você
5| dançar até o dia amanhecer
6| abraçar o sol e fechar os olhos
7| pra lua brilhar em você
8| meus pés saíram do chão
9| vento que passa e que leva
10| quando quer outra mulher
11| não estamos mais como antes
12| me cansei de duvidar
13| quando a distância pesar
15| pra tudo recomeçar
16| olhando o mesmo céu
17| no mar de lamentar
18| se perde aos poucos sem virar carinho
19| uma placa sem estrada
20| nós dois em um só
21| no interior do peito já bateu saudade
22| o nome do teu novo amor
23| acordar do teu lado pra te dizer
24| quando se encontra quem se ama
25| levou embora o meu pesar

14| ser livre pra sentir

2.1K 215 389
By misandieg

Ser livre pra voar
Ser livre pra sentir
O amor que a lua ensinou
Ser livre pra mostrar
Que o céu é logo ali
Ser livre, ser o que sonhou
- Libertar -

1 de Maio, 2020
Monte Verde

Bianca acordou cedo sentindo os olhos pesarem mais do que gostaria. Resquícios da noite mal dormida depois de derramar algumas lágrimas sobre as fotos antigas com sua mãe. Porque ela mentiria? Por qual razão impediria sua própria filha de ver o pai? O que a levou a mentir e esconder a suposta verdade?

Não fazia sentido algum.

Levantou da cama de supetão, vestiu a primeira roupa confortável que encontrou, e decidiu caminhar no sábado pela manhã. Uma coisa que ela não tinha o costume de fazer nunca, mas parecia uma boa ideia naquele dia.

Caminhou pelas ruas em silêncio enquanto tentava ajeitar a cabeça e colocar os pensamentos no lugar. Quis acreditar fielmente em uma coisa: Monica não faria nada de ruim pra Bianca, então se ela afastou Marcelo de si, foi por uma boa razão. Mesmo que não aparente agora, já que a carioca realmente achava o dono do mercadinho um cara legal, no inicio.

— Ei! Bianca! — A carioca saiu de seus devaneios despercebidos quando notou Rafaella saindo de dentro de uma casa térrea; seria aquela a casa de Caon?

— Ah, oi, Rafa! Bom dia... — Disse arrumando os óculos escuros sobre o rosto.

— Bom dia... o que faz por aqui? — Indagou se aproximando um pouco mais. Bianca percebeu as roupas meio surradas e os pés descalços.

— Caminhando, sabe? Aproveitando que eu não trabalho hoje, e, hum... meus projetos já terminaram. — Omitiu a realidade mas de certa forma não mentiu. — E você? — Questionou rapidamente sem dar chances de mais perguntas em sua direção. Não estava afim de responde-las hoje, nem mesmo á Rafaella.

— Essa é a minha casa... a que eu te falei que tinha comprado há alguns anos, tô finalmente me mudando! — Revelou com um sorriso animado que quase contagio Bianca.

— Sério? Nossa, Rafa, que coisa boa! — Disse genuinamente feliz.

— É... quer conhecer? Tô sozinha. — Convidou apontando pra dentro da casa e fazendo uma careta. — Se não quiser tudo bem, eu-

— Quero sim! Muito bonita! — Elogiou sorrindo na direção da mineira e a acompanhando pra dentro da casa.

— Ainda tá meio bagunçada porque tô trazendo algumas coisas e queria pintar algo naquela parede ali, — Mostrou apontando a parte perto da cozinha, dividida com a sala. — só não sei o que.

— A parede é grande, da pra fazer alguma coisa mais abstrata bem legal... — Bianca opinou fitando o espaço e tendo algumas ideias de desenho.

— Você pode tirar o óculos se quiser, viu? — Indicou com um riso baixo e só então Bianca se deu conta que continuava usando os óculos escuros dentro de casa.

— Ah, fiquei tão encantada que nem lembrei... — Disse removendo-o do rosto e torcendo que a mineira não percebesse os olhos inchados.

— Você tá bem?

— Sim! Muito! É que ontem eu bebi um pouco na casa do... hum... Marcelo, — Arranhou o nome na garganta. — e acordei meio de ressaca. — Mentiu. — Mas enfim, você podia fazer um negócio meio azul escuro, como se fossem ondas do mar, acho que combinaria aqui. — Disse passando a mão sob a parede branca.

— Quer fazer pra mim? — Rafa questionou de supetão assustando Bianca.

Eu?

— Você disse que gostava de desenhar... eu não sei desenhar, então você pode fazer o desenho e eu pintar. — Explicou com um sorriso de canto e Bianca não disfarçou sua empolgação.

— É claro! Nossa, desenho sim! — Concordou. — Se não ficar bom eu não me responsabilizo! — Disse jogando as mãos pra cima e arrancando uma gargalhada de Rafaella.

— Vai ficar bom sim...

— Vai fazer mais mudança hoje? Precisa de ajuda?

— Não, não. Eu tô indo na casa da minha mãe buscar mais algumas coisas, mas-

— Quer ajuda? Eu realmente não tenho muito o que fazer hoje... na verdade o Miguel ficou de me avisar quando fosse pra ajudar ele com a mudança dele mas não disse mais nada. — Explicou colocando as mãos no bolso e fitando os olhos verdes.

— Se você insiste... — Respondeu dando de ombros.

Bianca acompanhou Rafaella até a casa de sua mãe e a ajudou a carregar algumas coisas no carro. Por sorte Genilda não estava em casa, o que ajudou bastante na missão de manter seu dia mais calmo; não queria ter que lidar com a delegada que na noite passada tentou de tudo pra fazer seu projeto ser negado.

Se Rafa não fosse tão linda e atraente, talvez Bianca desistisse daquela amizade só pra não correr risco de ver a delegada.

Rafaella notou que Bianca estava um pouco mais quieta do que o normal naquele dia, não sabia porque, mas a carioca pouco fazia perguntas e também não tinha tentado nenhum flerte.

Perto das duas da tarde a publicitária avisou que precisava ajudar Miguel com sua mudança, e por isso se despediu da mineira e saiu, prometendo que marcaria o melhor dia pra desenhar a parede da casa nova.

— E aí, bicha? Tudo bem? — Miguel questionou abrindo a porta pra que a amiga pudesse adentrar a bagunça de sua casa alugada.

— Tudo indo... — Respondeu sem graça.

— Ih, que energia horrível, o que houve? Comeu e não gostou?

— Depois eu te conto, amigo, será que a gente pode fazer tudo isso primeiro? — Disse se referindo a todas as coisas jogadas na sala.

— Tá, vou cobrar, hein?— Aceitou virando-se na direção das caixas. — Os móveis ficam, mas aquelas caixas vão e ainda tem mais algumas coisas pra pegar na cozinha. — Explicou apontando os itens que Bianca podia começar a colocar no seu carro e no de Miguel também.

{...}

— O que eu vou te contar precisa ficar só entre nós, tá? — Bianca pediu pegando duas taças de vidro no armário da cozinha. — Não pode falar nem pra Gizelly.

— Agora eu nem sei se quero saber, tô com medo! — Respondeu fazendo uma careta e servindo o vinho rosé - aquele premiado das Aguas Claras.

Posso não contar também... — Deu de ombros.

— Não, conta, você tá com cara de quem precisa desabafar, botar pra fora. — Incentivou ajeitando-se na banqueta da cozinha e prestando atenção em Bianca, que continuava em pé do outro lado da bancada.

— Ontem, no jantar na casa do Marcelo, ele contou que... que... que é meu pai?! — Revelou como se fosse uma pergunta. Não achava que Marcelo, ou qualquer outro homem além de seu padrasto, fossem dignos de serem chamados de pai por Bianca.

Mari chamar Marcelo de pai porque ele realmente a criou é entendível, mas Bianca nunca poderia faze-lo.

— Que?

— Essa foi a minha reação por um momento... migo, eu realmente não sei o que fazer! — Confessou sentindo a voz embargar.

— Você... sei lá... acha que ele falou a verdade? Acha que tem motivos pra fazer isso? — Miguel questionou sem saber realmente como consolar alguém em um momento como esse.

Qual a probabilidade de alguém crescer sem um pai e depois, completando quase vinte e quatro anos, descobrir seu lado paterno biológico? Poucas.

— Eu acho que sim, mas eu tô com muita raiva! Raiva por ele saber desde o primeiro dia que eu era eu e não dizer nada! Ódio por ter me abandonado desde criança e ainda dizer que a minha mãe mandou que fizesse isso...

Bianca relatou á Miguel todos os detalhes da conversa que teve com Marcelo na noite passada.

— Ai Bia, eu nem sei o que te dizer, de verdade, mas... sei lá, ele é uma pessoa boa, você mesma sempre disse isso! — Miguel encorajou. — Tipo, você pode não querer chama-lo de pai, ou sequer considera-lo isso, mas será que não tem alguma razão por trás disso tudo?

— Razão? Meu Deus, migo! Ele disse que minha mãe ordenou que ele ficasse longe até que eu tivesse vinte anos, e isso faz três, quase quatro anos, já... ele não falou porque não quis!

— Você que sabe, Bianca, só... pensa nisso! — Incentivou.

Miguel odiava guardar magoas pois tinha certeza que isso fazia duzentas vezes mais mal pra quem as guardava do que para o culpado, propriamente dito. Já tinha sido ferido emocionalmente algumas vezes, e é óbvio que o perdão nem sempre vem fácil, mas ele é, inevitavelmente, a melhor saída. O rapaz queria a mesma coisa pra Bianca.

Guardar pra si os problemas era ruim, mas pelo menos já tinha conseguido fazer Bianca desabafar; agora só faltava fazer a carioca mudar de ideia sobre esse rancor.

Marcelo estava errado, isso era óbvio mesmo sem saber a história toda, mas não mudava o fato: Bianca não precisava desse sentimento dentro de si.

{...}

3 de Maio, 2020.
Monte Verde

Bianca já estava sentada em sua mesa, como fazia todos os dias durante a semana, esperando o resto do departamento chegar para o inicio do expediente. Era a ultima semana da demo do tour, e por isso já tinha finalizado todo o formato corrigido e enviado a Sérgio, que curiosamente ainda não havia chegado na vinícola.

— Bianca, trago péssimas noticias pra você! — Era Caon, o chato, adentrando o andar vazio. Aonde estava Gizelly em momentos como esse, em que era realmente necessária?

Depois do final de semana inquietante que teve, ver a cara feia do pequeno polegar como primeira coisa na segunda-feira era definitivamente um gatilho pra sair presa da cidade.

— O que foi? Já aviso que eu tô num dia péssimo então olha bem como vai falar comigo! — Avisou de ante mão achando seu gesto louvável.

Hum... não passou bem o final de semana? Se quiser, meu numero tá no site da vinícola, pode ligar e eu tenho certeza que o seu humor melhora na hora! — Alfinetou sorrindo de forma sugestiva, mas Bianca só pode sentir nojo. — Rafaella que o diga!

E aí Bianca perdeu a pouca paciência que tinha naquela segunda feira.

— Você não tem respeito, não, é? Seu filho da puta! Precisa ficar gritando aos quatro cantos isso? Eu não quero saber, ninguém quer saber e tenho certeza que a Rafaella não ficaria feliz em saber que você espalha isso por aí! — Disse erguendo-se na mesa e tentando soar no mínimo intimidadora, mas sabia que não tinha altura para tanto.

— Ué, falei só pra você... porque se incomodou tanto? — Questionou cerrando os olhos e Bianca quis vomitar ali mesmo.

— Porque essa é uma atitude ridícula e só você não percebe! Você não daria conta de metade minha em sua cama, e eu tenho certeza que a Rafaella pensa o mesmo! — Debochou cruzando os braços abaixo dos seios.

— Ah é? Então porque já é a segunda vez que eu passo a noite com ela?

— Cala a boca, porra! — Bianca gritou alterada. — Se você veio aqui pra falar isso, pode ir embora, eu realmente não quero saber. — Afirmou gesticulando a direção da saída.

— Esse nem era o tópico principal, mas se já se irritou com isso, espera ver o resto! — Disse piscando o olho e colocando a mão direita no bolso da calça social. — Seu projeto foi negado! Sérgio acabou de avisar! — Contou com um sorriso no rosto mostrando o celular que antes estava no bolso.

— O que? — Bianca indagou com a voz baixa.

Como assim o projeto tinha sido negado? Bianca trabalhou dias e noites nisso, dedicou cada segundo, pensou em tudo; ele não tinha uma falha sequer. Tudo estava pensado, desde as atrações até o patrocínio. Até os banheiros já tinham sido pensados!

E porque Caon sabia disso antes dela? Tudo bem, não importa agora.

— Negado! Negativo! Não! Sem chances! O prefeito disse que Monte Verde não tem condições de sediar um evento como esse. — Afirmou cruzando os braços e queimando Bianca com os olhos.

É óbvio que o diretor do financeiro tinha ficado feliz com a noticia.

— Eu vou falar com o Sérgio agora! — Disse dando a volta na mesa.

— Nada disso! — Caon a parou com o braço impedindo seu caminhar. — Meu tio não vai aparecer por aqui hoje. — Afirmou.

— Seu tio? Que? — Indagou confusa.

— Ele é meu tio, não sabia? Não vem ao caso, né? Já te dei informações desnecessárias demais hoje, você mesma disse! — Caçoou se afastando da carioca. — Pode jogar os papéis do festival fora, e outra, — Observou antes de sair. — aposte suas fichas nesse tour novo, e torça pra dar certo, senão é demissão na certa, sabe, né? — Ameaçou e Bianca quis voar no pescoço do homem, mas contou várias vezes até dez, e quando ele se retirou, Bianca jogou-se na cadeira e respirou fundo.

Não queria acreditar na informação vinda de Caon, mas sabia que ele provavelmente não mentiria. Será que seria chato pedir um feedback pelo menos? Além de simplesmente "a cidade não consegue comportar esse evento"?

Depois de recuperar-se do baque inicial, Bianca discou o numero da recepção; Gabi saberia do paradeiro de Sérgio.

Melinzinha? Escuta, sabe do Sérgio? Ele realmente não vem hoje? — Questionou quando escutou a voz da amiga na linha.

— Bom dia, Bia... não, infelizmente o seu Sérgio avisou mais cedo que não se sentia bem. — Revelou simples.

— Hum...

— E eu até ofereceria pra você ligar pra ele, mas ele foi categórico em dizer que não queria ligações de trabalho hoje.

— Ah é? — Bianca estranhou. Então porque ele tinha falado pra Caon sobre o projeto negado? Só porque era seu sobrinho? E o profissionalismo?

Que tivesse falado a Bianca, que era a principal ligada a iniciativa.

— Tudo bem, Gabi, bom dia pra você! — Desejou sorrindo antes de desligar o celular.

{...}

5 de Maio, 2020.
Monte Verde

Rafaella despertou ansiosa na quarta-feira. Poderia culpar sua ansiedade única e exclusivamente por ser dia de pagamento de funcionários, mas isso sequer passou por sua cabeça quando pos os pés pra fora do colchão. Na verdade, a única coisa que pensou naquele momento foi o encontro com Bianca a noite, para pintarem a parede da sala.

Tinha sido surpreendida pela mensagem de Bianca logo na segunda-feira de manhã se oferecendo pra fazer o desenho das ondas na quarta a noite. Obviamente que aceitou, afinal, já estava fixa há quatro dias na casa nova, e a parede vazia estava incomodando.

Talvez não a parede em si, mas o fato de que aquela parede era um pretexto para ver Bianca.

Onde estava com a cabeça? Porque estava ansiosa pra ver Bianca?

Passou o dia todo martelando como seria o encontro; será que Bianca falaria algo? Será que já estaria flertando com ela novamente?

Bom, da ultima vez que se viram a carioca não falou muito e também não fez piadas; e Rafa sentiu falta.

Pra sua sorte o dia passou rápido e a noite chegou junto das batidas de  Bianca em sua porta, Rafa respirou fundo e entregou suas expectativas ás energias.

— Boa noite, Bia! — Rafa cumprimentou deixando a carioca adentrar a casa com uma mochila nas costas.

— Oi, Rafa, tudo bem? — Questionou antes de deixar um beijo na bochecha da mineira e avançar pra perto da parede. Levou alguns segundos até Rafaella se recuperar da surpresa pelo beijo na bochecha. — Como foi seu dia? — Deu continuidade ao assunto largando a mochila perto da parede e retirando um estojo de dentro dela.

— Foi bom... normal, acho. — Respondeu ainda atordoada. — Dia de pagamento de funcionários...

— Ah sim! Meu salário caiu na conta hoje cedo também! — Bianca respondeu dando de ombros e Rafaella pode sentir una certa tensão no ar.

Bianca estava tensa.

— Bia, você tá legal mesmo? — Rafa perguntou tocando o ombro da carioca, que fitava a parede pensando por onde começar.

— Eu? Muito bem! Muito legal! — Assegurou. — Porque?

— Sei lá, você parece tensa... deve ser coisa da minha cabeça. — Rafa desconversou desviando o olhar quando Bianca a fitou.

Estava sentindo a pele arrepiar e esquentar só de ter o olhar ávido de Bianca sobre si.

— Coloca uma musica e eu já vou começar a desenhar aqui! — Avisou pegando um lápis de grafite mais grosso e esboçando leve sobre a parede branca.

Puta responsabilidade.

Bianca desenhou o movimento das ondas na melhor de suas habilidades. Gostava de desenhar como puro hobby, e nunca chegou a imaginar que faria algo assim pra alguém tão... pra Rafaella; se corrigiu mentalmente.

Insistia em deixar os pensamentos voarem quando se relacionavam a mineira.

Mas ainda não tinha superado a revelação de Caon na segunda (e na verdade nada relacionado aquele dia).

A publicitaria estava vivendo no automático desde segunda-feira. Estava jogando a merda pra debaixo do tapete e fingindo que nada estava acontecendo; mas no final da noite sempre desabava chorando sob o colo de Miguel.

— Vamos pintar? — Rafa convidou largando dois potes de tinta sob o papel de jornal já esticado no chão perto da parede.

— Tem certeza que quer me incluir nessa? Eu não tenho habilidade...

— Não tem problema! Vamos! — Assegurou entregando um pincel nas mãos de Bianca. — Pinta essas partes de azul, — Apontou pra uma região do desenho. — e depois fazemos os contornos com o branco...

A carioca assentiu e se pôs a pintar.

— Bia... eu sinto muito pelo projeto... — Rafa imaginou que agora seria um bom momento pra confessar que sabia, por Genilda, que o projeto tinha sido recusado. Talvez por isso Bianca estivesse tão pra baixo? — Você sabe que a ideia era genial, é só que-

A cidade não tem estrutura! — Interrompeu com a voz debochada. — Essa frase ta rodando a minha cabeça desde segunda...

— Não era isso que eu ia dizer, mas isso também... você é genial, Bia, não deixa isso te abater...

— Não abateu!

— Abateu sim, da pra ver! — Rafa rebateu rapidamente e Bianca revirou os olhos.

— Outras coisas aconteceram... mas eu não quero falar sobre! — Disse antes que os olhos marejassem e acabasse trazendo a tona aquele assunto que não queria.

— Tá bom! Não tá mais aqui quem falou! — Rafa assegurou levando as mãos ao alto.

As duas seguiram pintando a parede, com Rafa coordenando e pintando muito mais. Toda a habilidade que Bianca tinha com o lápis, faltava com o pincel. Rafaella atingia todas as voltas e cantos de forma esplendorosa, enquanto a carioca parecia uma criança do berçário tendo sua primeira aula de artes.

— Nossa... ficou mais bonito do que eu imaginei. — Bianca confessou quando as duas afastaram-se da parede pra ver a obra quase final. Apenas alguns retoques depois de seco e o mural estaria pronto.

— Ficou, né? Eu tô apaixonada... combinou direitinho com tudo! — Rafa disse realizada observando que a cor do sofá combinava com a pintura. Mais que isso ainda, seu novo estado de espirito combinada com aquilo.

Livre como o mar.

— Acho que o meu trabalho por aqui está encerrado! — Disse fitando as mãos sujas de tinta seca.

— Quer ficar? Podemos jantar, ou... não sei... — Rafa começou a frase mas não soube onde termina-la, por isso sorriu amarelo e negou com a cabeça envergonhada.

— Obrigada, Rafa, mas eu já tenho um filhote em casa pra alimentar, o Miguel. — Brincou pela primeira vez na noite e a mineira sorriu.

— Tudo bem então... obrigada, viu? De verdade. — Agradeceu desviando o olhar de Bianca para fitar a parede azul.

— Que isso, Rafa... a honra foi toda minha, e eu nem vou cobrar pelo meu serviço profissional! — Disse sorrindo. — Ficou lindo mesmo, modéstia a parte...

Bianca parou de admirar o trabalho pra juntar suas coisas, pendurar a mochila nas costas, e preparar pra voltar pra casa.

— Então tá, te vejo por aí! — Bianca falou parando em frente ao portão.

Incrivelmente a carioca tinha sobrevivido algumas horas ao lado de Rafaella sem: (1) perguntar do chato do Cauê, Caio, Caon, sabe-se lá; (2) dar em cima da mineira descaradamente; (3) chorar.

Só vitórias.

— Bi, eu sei que você não tá bem e não quer falar porque, então eu aprecio muito você ter vindo mesmo assim... obrigada! — Agradeceu mais uma vez com aquele sorriso lindo que deixava Bianca doida.

Já tinha ultrapassado os níveis de cadelinha por mulher bonita. Agora tinha um nível de cadelice especial para Rafaella Kalimann.

— Tá tudo bem, Rafa... foi bom desopilar. — Assegurou sorrindo fraco.

Diferente das vitórias de Bianca naquela noite, Rafa não controlou o único impulso que temia ter quando estivesse dividindo o mesmo espaço tempo que Bianca. O impulso de beija-la.

Movimentando-se rapidamente a mineira grudou os lábios nos de Bianca em um selinho rápido e logo de afastou com medo da reação.

— Rafa, não faz isso... — Bianca pediu com os olhos ainda fechado, a boca entreaberta, e puxando a cintura da mineira pra mais próxima. — Não me beija se não for levar até o final. — Concluiu antes de juntar os lábios novamente num beijo faminto.

Bianca esqueceu de tudo enquanto beijava Rafaella, até mesmo seu próprio nome ficou esquecido por um tempo; era como se a mineira conseguisse fazer a carioca simplesmente relaxar com um beijo. Imaginava o que aconteceria com um pouco mais.

Rafaella, por outro lado, lembrou de muita coisa. Lembrou da ansiedade que sentiu o dia todo na expectativa de ver Bianca. Lembrou que era a segunda vez que beijava Bianca, e não era como beijar Caon, ou Daniel, era um beijo que fazia seu corpo arrepiar e as sensações aguçarem.

Era uma sensação diferente, e já estava muito óbvio que isso se explicava pelo simples fato de Bianca ser uma mulher.

Explicava também porque se sentiu atraída logo de cara pela filha do dono do mercado.

Rafa estava se redescobrindo.

Bianca deu alguns passos a frente até encostar Rafaella contra a grade que rodeava a casa da mineira. Encaixou-se entre as duas pernas da mineira e sorriu quando o beijo parou devido a uma arfada da morena de olhos verdes.

Não pararia agora, não queria parar.

Levou as mãos até o rosto da mineira, deixando as mãos se perderam nos cabelos desgrenhados logo em seguida.

— Bianca... — Rafa praticamente gemeu quando a coxa da carioca fez pressão sob sua intimidade coberta.

— Desculpa! — Bianca pediu se afastando quando a realidade tomou conta de si. Estava beijando Rafaella afoitamente, no meio da rua.

— Eu quis isso, Bia, por Deus, eu queria isso desde o Rio de Janeiro. — Confessou puxando Bianca pra perto pela mão e a envolvendo num abraço. Repousou a cabeça no ombro da carioca e sentiu cada mínimo gesto da mesma até entrelaçar sua cintura.

Bianca não respondeu, mas o coração acelerado após ouvir a confissão provavelmente foi resposta suficiente a Rafaella. Era impossível que a mineira não estivesse sentindo o batimento acelerado de seu peito durante aquele abraço.

— Eu acho que você devia jantar comigo sexta-feira... lá em casa. — Bianca convidou separando-se do abraço e sorrindo torto na direção da mineira.

Há muito tempo que Bianca não chamava ninguém pra sair, quanto mais alguém que ela tinha possíveis sentimentos. Bom, sentimentos talvez seja uma palavra muito forte, mas uma atração transcendental?!

— Com o Miguel junto?

— Não. Só eu e você. — Assegurou transmitindo completamente a ideia desejada. Não era um jantar entre amigas.

— Eu vou. — Rafa aceitou com um sorriso largo no rosto.

— Vai?

— Sim! Se me prometer que até lá vai estar melhor de humor. — Pediu Rafaella enquanto fazia um carinho delicado na bochecha de Bianca.

— É óbvio que sim! — Bianca assegurou levando a cabeça pra frente e deixando um selinho nos lábios de Rafaella. Tão macios, pensou.

— Se cuida... — Rafaella disse soltando a mão de Bianca enquanto a mesma se dirigia até o carro.

Talvez esse fosse o primeiro gesto de carinho explicito entre elas.

Bianca sabia que essa era a distração - não tão distraída - que precisava pra esquecer por um tempo o que rondava sua "família".

Do dia pra noite havia ganhado um pai e uma irmã e ainda não sabia como reagir a isso, portanto concentraria suas forças e energias em conhecer Rafaella melhor, coisa que estava querendo fazer desde o primeiro dia na cidade.

7 de Maio, 2020.
Monte Verde

— Tá, mas uma pergunta importante... — Gizelly começou fitando Rafaella diretamente nos olhos. — A piriquita deu oi?

— Que? — Rafaella perguntou quase cuspindo o café que tinha acabado de tomar.

Era sexta-feira, Gizelly estava de folga, e Manoela querendo contar de seu encontro, por acaso, com Mariana Gonzalez na noite anterior. Rafaella, como também precisava de alguns conselhos, chamou as amigas pra um café da manhã.

Já tinham coberto todos os tópicos, só faltava falar do beijo com Bianca na quarta-feira. E Gizelly também precisava ser informada do episódio no Rio de Janeiro, episódio esse que Manoela já sabia.

— Deu oi, ! Piscou? Disse "hellou" em vinte línguas diferentes ou não?

— Meu Deus, Titchela! — Manoela exclamou levando as mãos a cabeça e rindo sem graça, completamente com vergonha. Isso que a pergunta nem foi direcionada a si.

— Eu tô falando sério, Manoela Gavassi! Se a piriquita deu oi, então é porque ela gosta da fruta! — Gizelly explicou gesticulando. — O mesmo vale pra você, baixinha!

— Não tem outra expressão pra usar? A piriquita deu oi é tão... estranho. — Rafa comentou tentando se esquivar de responder aquela pergunta.

— Mas é o que ela faz, uai! Essa cidade tá lotada de gays e lésbicas, eu amo! — Gizelly comemorou feliz. — Agora responde, deu ou não?

Não dei. — Rafa pontuou simples.

— Eu não perguntei sobre isso, Rafaella, mas já que informou, uma pena...

— Ela deve tá confusa, Gi. — Manu opinou alisando o braço da amiga mineira sentada ao seu lado.

Confusa? Beijou a minha chefinha duas vezes, Manu! E ainda combinou de jantar com ela hoje, sabe o que vai rolar, não é? Muito se-

— Por Deus, Gizelly! Ela deu oi, deu muito oi, gritou, exclamou, cantou! Em português, em espanhol, em francês, todas as línguas! Perguntou até se tava tudo bem! — Rafaella interrompeu a capixaba falando tudo muito rapidamente e depois cobrindo o rosto com a mão; claramente envergonhada. — Agora da pra gente voltar ao foco?

— Qual era mesmo? Eu nem lembro, desculpa. — Manu pediu encolhendo os ombros.

— Vou jantar com ela hoje... — Rafa relembrou brincando com as frutas no prato. — Na casa dela...

— Corta as unhas, isso é muito importante! — Gizelly aconselhou de maneira engraçada e Manoela riu alto. — Limpa embaixo também.

— Gizelly! — A mineira repreendeu.

— Eu tô falando sério, meu Deus, tudo aqui é proibido falar! — A capixaba argumentou cruzando os braços. — Com todo respeito, Rafa, mas foi você que pediu conselhos. — Disse levantando a mão e fazendo a mineira revirar os olhos.

— Só seja você mesma, Rafa! — Manu aconselhou colocando a mão sob a da morena de olhos verdes.

— Ai, que papo chato, caramba! — Gizelly exclamou batendo a mão na mesa. — Vai dar tudo certo, boazuda, a chefinha vai saber o que fazer. — Pontuou sorrindo sugestiva. — Agora, Manu, a festa em Uberlândia hoje a noite ainda tá de pé, né?

— Claro que sim, Titchela! — Manu confirmou batendo palmas animada.

— Tô triste de perder isso, — Rafa choramingou com um sorriso triste. — faz muito tempo que eu não vejo a Manuzinha ficando doida...

— Ah, para, Rafaella, tem um monte de gente que queria tá no teu lugar... — Gizelly retrucou fazendo careta. — e nem é só por ser a chefinha, mas só por ter uma foda-

— Gizelly! — Dessa vez foi a vez de Manoela repreender a capixaba. — Tem muita gente que queria estar no lugar da Bianca também, olha essa mulher, — Apontou na direção da mineira. — é um monumento, mesmo sendo cabeçuda! — Caçoou batendo a mão com Gizelly e assistindo a morena revirar os olhos.

— Da pra gente parar de falar da minha vida sexual?

Ela existe? — A capixaba brincou antes que Rafaella rolasse os olhos.

Hora ou outra ficaria cega de tanto revira-los.

— Mudando de assunto! A Mari vai? — Rafa perguntou fitando Manoela.

— Foi ela que chamou, Rafa! Será que eu devo ficar nervosa? — Indagou franzindo as sobrancelhas.

Manoela tinha encontrado Mariana na academia na noite passada. Faziam anos que não se viam, mas infelizmente (ou felizmente) a reação ainda era a mesma: nenhuma das duas sabia o que falar ou fazer. Guiada pelo impulso, Mariana avisou sobre a boate que iria com uma amiga na sexta a noite; indiscretamente convidou a baixinha e suas amigas.

— Não, para, Manu... é bom ela ter chamado! — Rafa encorajou agora virando o olhar pro celular parado sobre a mesa.

Nova notificação.

Bianca:
Rafa, desculpa, tive um imprevisto e não vou poder jantar com você hoje... coisa do trabalho, mas tá tudo bem. Marcamos outro dia, ok?

Rafa travou e subitamente sentiu sua excitação e alegria sumir. Bianca parecia estar tratando isso como um jantar de negócios, como se fossem se reunir pra falar da economia internacional ou qualquer coisa do tipo, mas não. Não era pra ser nada disso, era um... encontro?

Rafa:
Espero que esteja tudo bem!

A mineira decidiu ser o mais sucinta possível. Sua personalidade não a deixaria ser mais sensível do que isso; estava realmente... decepcionada?! Chateada?! Triste?!

— O que rolou, Rafa? Do nada fechou a cara... — Manu observou fitando a mineira de forma curiosa.

— A Bianca remarcou o jantar hoje... remarcou não, cancelou. — Rafaella revelou ainda fitando a conversa no WhatsApp e esperando que a carioca falasse mais algo, mas a mensagem foi visualizada e nada mais aconteceu.

— Ué...

— Ela disse: "marcamos outro dia, ok?"... porque isso soa tão frio? — Questionou coçando a nuca e fitando as duas amigas em busca de opiniões e conselhos.

— Sugere o dia, doida! — Manu incentivou.

— Não! Eu, hein, não gostei da forma como ela falou... — Rafa confessou bloqueando a tela e jogando o celular na mesa. — Não quero mais saber!

— Poxa, então vamos pra festa com a gente! — Manoela novamente tentou achar uma saída.

Gizelly observava a cena de forma confusa. Era realmente estranho ver Bianca cancelando algo na sexta a noite, a carioca raramente tirava a noite pra trabalhar. E a capixaba também não sabia de nada importante a ser resolvido de ultima hora.

Bianca estava realmente pra baixo desde que o projeto foi negado, e se seu sexto sentido não falhasse, mais alguma coisa estava acontecendo com a carioca, só não sabia o que. Depois de desmarcar com Rafaella, ficou muito evidente pra capixaba que algo de errado não estava certo.

Ela e Miguel também viviam de segredinhos, coisa que era entendível, levando em conta que agora moravam juntos, mas era diferente.

— Eu vou! — Rafa confirmou sorrindo de lado, não satisfeita com o plano B, mas melhor ter um do que morrer com o plano A.

Enquanto Bianca se amarrava nos nós do passado, Rafaella parecia se desprender cada vez mais dos empecilhos que a distanciavam de sua liberdade. Aos poucos começava a se olhar com outra perspectiva, sem restrições.

Já passava da hora de ser a mulher livre que sempre esteve presa dentro de si.

_____

Roi xuxus... faz tempo né?

Foi mal todo atraso aí, é que me atirei de cabeça num projetinho novo com uma autora fofa, por incentivo de umas leitoras, e me empolguei; mas não vou mais largar a mão de laços não, volto em breve!

A pergunta que não quer calar: vocês tão prontos pra descobrir toda a verdade relacionada a Bianca e ao pacto? Tá mais próximo do que imaginam!

Spoiler: 💘⛈💥👩‍❤️‍👩🧶

Continue Reading

You'll Also Like

634 50 8
Anitta uma mulher q acabou de ser presa por roubar dinheiro de um banco nos EUA e muitas coisas irão acontecer mas será q terá um final feliz? É isso...
172K 15.2K 54
A arquiteta e a publicitária não se conheciam, não possuíam amigos em comum ou sequer frequentavam os mesmos lugares. As chances de suas rotinas se c...
22.5K 2.9K 36
-:: 𝐋𝐎𝐕𝐄 𝐋𝐈𝐕𝐄𝐒 𝐍𝐄𝐗𝐓 𝐃𝐎𝐎𝐑 :: | 𝒃𝒆𝒎 𝒗𝒊𝒏𝒅𝒐𝒔. 𝐅𝐀𝐍𝐅𝐈𝐂 - 𝐒𝐩𝐫𝐨𝐮𝐬𝐞𝐡𝐚𝐫𝐭. Para o meu ex namorado, uma filha seria o...
88.3K 9.2K 64
Rafaella planejou passar um longo tempo em outro país, estudando e trabalhando, depois de 2 anos, a mineira veio para o Brasil ver a família e amigos...