Arrumo a mochila no ombro e paro em frente à entrada do colégio.
Meu corpo está doendo. Estou cansado, com sono, dor de cabeça e febre. Mas eu tenho que fazer isso. Tenho que encarar ele, me explicar, tentar reverter toda essa situação. O Namjoon tem que sair do caminho, ou vai continuar contaminando a cabeça dela de bobagens. É o único jeito de conseguir a Dahyun de volta.
Avisto Taehyung no meio de um grupinho de jogadores no pátio. Chamo sua atenção com um aceno e ele retribui, sorridente. Se despede dos meninos e vem correndo até mim.
— Jungkook?! Onde você estava, seu imbecil? — me abraça. O empurro para trás. Que grude — Por que está de óculos escuros e máscara?
Eu sei da gravidade do problema que me meti. A Dahyun é irmã dele. Desde que a conhecemos, seus olhos de águia ficavam em cima de nós, garantindo que não iríamos fazer gracinhas com ela. E bom, eu fiz algumas...
Namjoon deve ter vontade de me quebrar ao meio e eu gostaria de conversar antes de apanhar. Por isso, me disfarcei, mas acabou sendo útil já que estou doente.
— Estou resfriado — o garoto semicerra os olhos.
Ele retira os óculos do meu rosto e abre a boca, espantado. Devo estar parecendo um zumbi, com três quilos de olheira.
— Caralho, você está horrível — bufo, arrancando de sua mão e o colocando novamente. — Como ficou doente? Esses dias não fez tanto frio, só choveu no dia... da festa.
Aquele dia vai sempre ficar marcado na minha memória. O tapa, suas palavras, o ar se esvaindo de meus pulmões, o meu desespero vendo-a se afastando cada vez mais, e o fio que nos conecta me enforcando.
Foi como me senti. Como ainda me sinto.
— Eu lembro muito bem que te levei para minha casa. Você estava tremendo. Chorou por uns minutos e depois só deitou e dormiu feito um bebê carente. Tenho certeza que não foi dar rolê na chuva.
Sorrio fechado por baixo da máscara. Quem deitou e dormiu igual um trator, foi ele. Sou um bom ator.
Combinei com Taehyung antes da festa que iria permanecer sóbrio para não falar merda na hora da declaração — além do mais, eu estava de carro. Porém, acabei mudando os planos e o Tae se encarregou de nos levar para casa.
Eu bebi, não como a Dahyun, mas já estava meio balançado. E quando estou assim, passo a noite inteira acordado. Mandei mensagens para ela de madrugada e nada. Mandei de dia, após andar de um lado para o outro preocupado e nada.
Nada de receber, nada de respostas, nada de retornar minhas ligações. Então, eu simplesmente saí na chuva e...
— Fui até a casa dela — ele berra um "O quê?". — Queria checar se ela havia chegado bem, não tive escolha.
— Você foi dirigindo? — encolho os ombros. — Jeon Jungkook, por acaso você tem merda nessa cabeça?! — grita. — Poderia ter se acidentado, porra!
Reviro os olhos. Foi rapidinho e deu tudo certo, quem nunca dirigiu bêbado afinal?
Deixo o garoto reclamando e vou andando pelo pátio. Percebo olhares sobre mim. Espero que o Namjoon não brote aqui.
— Vocês conversaram pelo menos? — Taehyung me alcança.
Lembro de estacionar o carro de qualquer jeito no portão da garota. Chovia forte, o céu estava nublado. Pensei em tocar a campainha, mas, com certeza, levaria uma sapatada na cara. E jogar pedrinhas na janela, seria pior.
Andei ao redor da casa, até ter uma visão boa da sacada de seu quarto; cortinas abertas, luz apagada. Atravessei a rua e sentei na calçada. Dali, foi possível ver sua cama no centro, e bastou uma mexida no cobertor, para eu saber que tinha chegado segura. Meio stalker, mas foi a opção que encontrei.
Não sei quanto tempo fiquei olhando, só sei que a chuva parou. Repassei na minha cabeça nossos momentos juntos e tentei entender o porquê de o universo não querer que eu seja feliz. Por que tudo sempre dá errado na minha vida?
E aí, eu recebi uma ligação da Yerim. Ela disse que o Jimin levou Dahyun para casa e a consolou. Não tive raiva. Na verdade, me senti agradecido por ela não ter virado a noite sozinha, triste e me odiando.
Ele é alguém que tem capacidade de cuidar dela.
Voltei para casa do Tae e ele ainda dormia como uma pedra. Minhas roupas ficaram encharcadas, tomei um banho quente e deitei. O alívio de saber que ela estava bem, me permitiu pegar no sono. Infelizmente, os efeitos das horinhas que passei tomando chuva, vieram.
— Não, ela estava dormindo... Só precisava me certificar de que a garota que eu amo não havia sido sequestrada no meio da noite, entende?
Ele ri.
Duas meninas barram nosso caminho. Têm um jeitinho tímido, reconheci das minhas aulas de inglês. Sempre cochichando pelos cantos quando passo.
— Jungkook oppa, você está bem? — a mais alta pergunta, com um tom claro de preocupação. — Faltou nas aulas esses últimos dias...
Quantas vezes escuto essa pergunta por dia?
— Estou sim, obrigado — curvo a cabeça minimamente e continuo o caminho até o início do corredor.
Taehyung me segue, cutucando meu ombro e tagarelando o porquê de eu não ter a repreendido. Viro e coloco o dedo entre sua sua boca, o silenciando.
— Vou participar do treino hoje — ele nega.
— Não! Você está doente, é melhor descansar, Koo.
— Não te perguntei — ele bufa. — Preciso falar com o Namjoon, minha prioridade é essa.
Tae pega o celular do bolso e digita alguma coisa. Ele encosta no ouvido, me encarando.
— Estou ligando para funerária. Prefere um enterro estilo festinha animada ou deprê e triste?
Insuportável. Como eu o aguento há dez anos?
— Tem que trabalhar mais nessas piadinhas sem graça, cara — dou um tapinha em seu ombro.
— E quem disse que foi piada?
Travo o maxilar. Sei do que o Namjoon é capaz, principalmente quando envolve sua família. Ninguém sabe da história toda, apenas Taehyung e Yoongi — os únicos que me ouviram.
Eu que sou o agressivo do grupo. Antigamente, para mim, calar alguém se baseava numa boa dose de dor, não tinha conversinha. Namjoon trata as coisas de um modo completamente distinto. Ele não é flor que se cheire, mas se mantém controlado e na linha.
Espero, de verdade, que isso se repita hoje. Senão, estarei cavando minha própria cova.
ᴛ ᴇ x ᴛ ᴍ ᴇ
No final da aula, me encontrei com Yoongi para irmos juntos para quadra de basquete. Ele reclamou que fiz falta nos treinos e que o jogador reserva — colocado no meu lugar — mal sabia passar a bola.
Fui muito bem recebido pelos meninos do time e pelo treinador, que ainda elogiou a minha "força de vontade para vir treinar doente". Talvez seja egoísmo da minha parte, mas só estou aqui por mim. Para provar a ele que não sou culpado.
Num canto da quadra, me observando com olhos frios, Namjoon permanece. Ele estampava aquele sorriso bonito com as covinhas, foi só eu chegar, para o clima mudar.
E ele não deixou barato. Acredito que eu tenha levado mais de dez empurrões seus no meio do jogo, indo direto com a cara no chão. Chamaram sua atenção diversas vezes para maneirar, e ele ignorava. Já tenho um joelho e os cotovelos ralados e nós nem conversamos ainda. Maravilha.
Depois de ter sido feito de saco de pancadas por duas horas, nós fomos dispensados. Enquanto tomava banho no vestiário, notei uns hematomas na minha barriga. Sem problemas, né? Vai valer a pena no final, quando eu puder ficar em paz com ela.
— Tem certeza? — Taehyung encosta no armário, olhando eu vestir meu moletom. — É sério! Estou com medo da reação dele — cochicha.
Eu também.
Fecho a portinha e olho em volta. A maioria dos jogadores estão aqui, ele não iria querer armar barraco, iria...? Vamos apenas discutir a situação como dois adultos. É isso.
Vou até Namjoon, que arruma as roupas dentro de seu armário. Paro há alguns passos de distância e ele percebe minha presença. Solta um suspiro irritado.
— O que você quer?! Já não fodeu o suficiente a vida da minha irmã?
— Eu queria me desculpar... Mesmo não sendo verdade o que ela viu, eu juro — ele ri. — A Amber tentou me beijar, e a Dahyun chegou bem na hora, Namjoon. Ela queria que aquilo acontecesse! Não fiz de propósito, foi um mal entendido!
Ele bate a portinha com certa intensidade. O barulho faz com que chame a atenção de alguns meninos próximos. Yoongi e Taehyung assistem tudo.
— Por que eu deveria acreditar, Jungkook? Vejo como trata as garotas depois da sua regra idiota! — abaixo a cabeça. — Não quero que ela goste de você e seja jogada fora como lixo quando o "senhor descolado" cansar dela.
— Não vou fazer isso com ela, Namjoon.
— Ah, não? — sorri sínico. — Te conheço há anos, Jeon. Nunca, em uma única vez, se importou com os sentimentos dos outros. Duvido que seja diferente com ela.
Até agora, não entendo o que exatamente tem de "diferente". Ela não tem medo de falar o que pensa e nem em como isso pode ferir o ego de um babaca ignorante — no caso, eu. E nós viramos amigos por conta dessa sinceridade.
Dahyun é o tipo de garota que me daria um belo de um fora se eu a cantasse numa festa. Tratei nossa amizade como um desafio. Aos meus olhos era inaceitável. Por que ela não tem interesse em mim?
Na verdade, eu que tinha. Sempre tive.
— É diferente, porque dessa vez, eu me apaixonei. Eu... me apaixonei pela Dahyun, Nam — ele franze o cenho.
— Você, o quê? Jungkook, para de brincar, porra! — o garoto diminui o espaço entre nós. Continuo parado, sem desviar de seus olhos.
— Estou apaixonado pela sua irmã desde a primeira vez que a vi na sorveteria! Quero que fique claro que não irei desistir de ficar com ela. E nem tente me impedir.
E, como já previa, sinto a dor da minha "ameaça" quando um soco é desferido em cheio no meu rosto. Tamanha é a força, que chego a cair no chão. Os meninos seguram Namjoon, o resto começa a formar uma rodinha para ver a confusão.
Passo a língua no canto da boca, sentindo gosto de sangue. Fecho os olhos, segurando a maldita vontade de chorar feito um bebê novamente.
— Não se atreva você a tentar ficar perto dela, seu filho da puta! Muito menos de mim. Você é um merda — cospe cada palavra.
Permaneço paralisado, sem conseguir olhar para os rostos que me observam. As vozes soam como um eco, longe e perdidas na minha mente. O ar fica pesado, parace mais difícil respirar.
Ouço a voz de Taehyung abafada tentando acalmar Namjoon. Um par de tênis brancos param na minha frente.
— Jungkook! Jungkook, você está bem? Jungkook, olha para mim! — o garoto ergue minha cabeça.
— Me solta — tiro sua mão do meu rosto.
Não o respondo, apenas levanto meio atordoado e saio apressado do vestiário. Cruzo a quadra e agacho já do lado de fora. O tempo está totalmente diferente de dois dias atrás; quente e ensolarado.
O que eu devo fazer agora? Mesmo que ela aceite, mesmo que nós fiquemos juntos, nunca dará certo com o Namjoon enchendo o saco.
Por que não pode ser um sonho? Um sonho em que eu acorde, encontre os meninos na sorveteria e conheça Dahyun de outra maneira. Sem todos esses meus problemas nas costas. Só Jeon Jungkook, um garoto de 17 anos que gosta de fotografia e videogame. Um garoto normal que pode cuidar dela.
— Jungkook? — a menina me encara confusa. — O que aconteceu aí?
— Eu me fodendo, nada novo — forço um sorriso. — Tinha razão sobre a Amber... Ela deu um jeito de estragar tudo e agora o Namjoon me odeia.
Soomin senta ao meu lado e vira meu rosto. Ela tira um pano rosado de dentro da mochila e encosta levemente no machucado.
— Você não precisa da permissão do Namjoon, gatinho. Ele é pai dela por acaso? — ela aperta mais. Faço uma careta. — Se depender dele, vocês nunca terão nada. Para de se lamentar e reage!
Eu não sou burro, pensei em ir diretamente explicar a ela, mas de que adianta? Não quero me esconder, quero que todos saibam por quem sou apaixonado. Quero poder abraçar e beijá-la sem me preocupar com a possibilidade de Namjoon descobrir. Eu só quero fazê-la feliz.
— Ele vai me matar.
— Você ama ela? — assinto. — Então, aí está sua resposta para qualquer dúvida que ainda tiver. Se a ama, não importa o risco.
Odeio como sempre têm razão. Parece até que eu sou o que não enxerga as verdades dançando na minha cara. Eu a amo. Essa é a única certeza que tenho e que continuará até o fim.
— Obrigado, Soomin... Você realmente me ajudou — ela sorri e guarda o paninho na mochila.
Toco o lugar do soco, não está mais sangrando.
— Vai logo, Jungkook!
Respiro fundo. Aceno para garota e saio praticamente correndo para fora da escola. Dessa vez, vou contar tudo e esperar que ela acredite. Que me dê uma segunda chance.
Eu não tenho mais nada a perder.
• ♡︎ •
namjoon: a
vcs: é aquele ditado né, "cortem a cabeça"
agora vai, minha gente!! conversinha e chá de lágrimas com a dahyun no próximo, simbora 🙌🏻