Ouça | Sentidos 3 [DEGUSTAÇÃO...

By arifonseca

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Série Sentidos - Livro 3 Histórias independentes O que você faria se tudo à sua volta desmoronasse de repente... More

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❤ Capítulo 1

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By arifonseca

Samuel

4 anos depois

Eu ainda não acordei. Pareço inerte e sem reação desde aquele telefonema.

Há quatro anos estou dentro do pior pesadelo da minha vida. Afogado em lembranças que se tornaram dolorosas, de um passado que nunca mais vai voltar.

Só tento sobreviver a um dia de cada vez. Um maldito dia de cada vez.

Por que será que é tão difícil?

Agacho no chão e toco a grama verde sentindo a brisa fria atingir meu rosto. Automaticamente, vem à mente aquela madrugada onde o vento gelado me acordou. As últimas horas de felicidade antes do abismo se abrir sob meus pés, me empurrando para dentro sem chance de reagir.

Abaixo a cabeça em silêncio, obrigando meu cérebro a não se martirizar mais. Tento pensar em alguma outra coisa, porém tudo, absolutamente tudo, me remete a eles.

Benjamim fez parte da minha rotina desde a primeira infância e Isabela chegou como um furacão na adolescência criando um turbilhão de memórias.

É impossível não recordar, impossível não pensar neles mesmo que esteja exausto dessa rotina sufocante.

— Oi, amigão — falo rouco segundos depois, fitando a lápide de um marfim escuro. — Eu odeio tanto esse dia. Hoje mais que todos os outros, embora o vazio seja idêntico.

Uma lágrima escorre pelo meu rosto e pego um punhado da grama. Sinto a sua maciez e aperto o ramo com mais força, esmagando-o entre os dedos.

Tenho saudade, dor, dúvidas, perguntas, raiva...

Muita raiva de tudo ter acabado tão repentinamente.

Eu não consigo entender a mudança drástica que aconteceu por causa de uma simples ligação.

Seco o rosto com as costas da mão e sento no chão, encostando a cabeça na lápide. Não me preocupo se a terra vai sujar o terno caro que eu visto ou se as pessoas vão de novo ficar me olhando de longe com cara de pena.

"Coitadinho, ele perdeu tudo".

Sim, eu perdi.

Meus melhores amigos, minha alegria.

Encaro o céu nublado que faz nesta terça-feira e constato que tem sido assim todo aniversário de morte dele. Como se Deus também estivesse triste por sua partida precoce, sendo acusado de algo que eu tenho certeza que não cometeu.

— Você faz falta, Ben — murmuro ao vento, desejando que possa me ouvir. — Tudo era pra ser diferente agora, cara.

A essa altura, provavelmente eu já deveria ser pai. Isabela estaria se destacando na polícia e pensando no concurso para delegada. Ela chegaria do trabalho cansada e me encontraria no estúdio com meu amigo e nossa filha.

Uma menininha linda de cabelos dourados e sorriso encantador.

A gente faria farra, daria risada por horas, tocaria até cansar e depois se juntaria na mesa do jantar para comer a deliciosa macarronada à bolonhesa da minha mulher.

Um futuro certo arrancado de mim da pior maneira possível.

Tudo aconteceu tão rápido que mal consegui assimilar.

Isabela saiu para atender a ocorrência e eu corri para a casa dos pais do Benjamim a fim de avisar o que tinha acontecido e garantir sua defesa.

Não pudemos vê-lo nenhuma vez. Isa só viu uma, depois o delegado a afastou do caso por descobrir seu envolvimento com o acusado. Ela disse que ele estava sob efeitos de álcool e drogas, incapaz de conversar. O primeiro sinal de alerta para mim. Ben gostava de beber, contudo, jamais usou nenhum tipo de entorpecente.

A audiência de custódia foi feita logo pela manhã, o que também me causou estranhamento. Geralmente, costuma ser realizada bem mais próxima do tempo limite de 24 horas estipulado pela lei. O advogado comentou que Ben ainda estava muito aéreo no momento da conversa e as provas que já tinham sido colhidas pela Polícia foram determinantes para a decisão da prisão preventiva.

Ele foi encaminhado para um Centro de Detenção Provisória antes do almoço. Um lugar lotado dos mais diferentes tipos de criminosos aguardando julgamento.

Treze horas depois desta decisão, veio a notícia de uma briga e seu estado grave no hospital. Um coma induzido e alto risco de vida. Na madrugada seguinte, eu já não tinha mais meu melhor amigo.

Um dia foi o suficiente para a ruína.

Morto. Cinco letras que eu não engulo, não aceito jamais.

Tudo foi muito estranho, as informações desconexas.

Isabela, por mais que conhecesse ele há anos, não ouviu seu coração desta vez. Escolheu a razão ao invés da emoção.

Respiro fundo e fecho os olhos por um breve segundo, colocando a mão no peito para conter as batidas desenfreadas.

Eu nunca mais gostei dessa sensação.

Agora ela só serve para jogar na minha cara a dor de tudo que perdi.

Olho no espelho retrovisor do carro e ajeito a gravata antes de dar partida. Meu rosto está pálido e as olheiras fundas por causa do choro que eu nunca consigo reprimir quando venho ao cemitério.

Em casa eu até consigo sufocá-las, mas aqui parece tudo tão real. Tão sem volta.

"Deixa de ser patético e para de chorar igual mariquinha, Samuel".

"Vira homem, rapaz! Que cena ridícula".

Lembro das broncas recorrentes do meu pai e desvio o olhar, ligando a chave na ignição. Que se foda se homem não deve chorar, não deve expor seus sentimentos.

Eu não tenho vergonha de sentir. Antes ter um coração despedaçado do que não ter um.

Se eu pudesse, nunca dirigiria a palavra para aquele desgraçado. Sempre me criticou, nunca esteve presente e ainda traiu a minha mãe roubando a sua empresa e trocando-a por uma menina de 20 anos de idade.

Se faço o sacrifício de encará-lo todos os dias no escritório, é por causa de Dona Creuza. A mulher bondosa e altruísta que me gerou não merecia ser apunhalada nas costas desta forma, pelo marido que sempre amou e confiou.

A Mendonça Negócios Imobiliários é uma herança do meu avô materno. Sem irmãos e aptidão para administrá-la, minha mãe deu total liberdade ao Telso para cuidar de tudo. Foi aí seu maior erro.

Ele teve coragem de fazê-la assinar um termo, sem ela saber, é claro, passando toda a sua parte da empresa para o marido traidor. Como nunca mais consegui chegar perto de um violoncelo ou sequer ouvir música desde a morte da Benjamim e a partida da Isabela, resolvi fazer da sua vida um inferno e atender ao que sempre desejou.

Reivindiquei meus direitos de filho, virei administrador e uma pedra no seu sapato dentro da imobiliária. Fico de olho em cada passo que dá, garantindo que não manche ainda mais o nome Mendonça.

Saio do estacionamento do cemitério, que visito com bastante frequência, e sigo pelas ruas do bairro em direção ao trabalho. Perdi a noção do tempo e estou atrasado, daqui a pouco tenho uma reunião importante para negociação de um terreno que será usado para a sede do projeto social de um dos nossos maiores clientes.

Dirijo tão distraído que só percebo o caminho que peguei quando estou passando em frente ao meu antigo apartamento.

Inferno! Bato no volante, irritado.

Tinha que passar aqui justo hoje? Eu evito a todo custo essa rua há quatro anos.

Eu não...

Engulo em seco ao ver perfeitamente na minha frente a imagem de Isabela arrumando a mochila nas costas e fechando o portão. Parece até que estou de volta no passado, de tão real.

Ela ajeita os cabelos dourados atrás da orelha e seca uma lágrima. Para e dá uma olhada demorada para trás, encarando-me devastado no meio da portaria.

Eu não tenho estrutura para essa memória. Depois que perdi Benjamim pensei que nada poderia ser pior, mas o destino tratou de provar que eu estava muito errado.

Só amor não basta. Ele sozinho não sustenta um relacionamento.

Eu amei Isabela da forma mais intensa que um homem pode amar uma mulher. E sei que ela também me amou do mesmo jeito.

Mas esse mesmo sentimento tão bonito foi desbotando aos poucos por causa de brigas e pensamentos diferentes.

— Eu não acredito que você não vai fazer nada, Isabela! É o Benjamim, porra. Nosso Benjamim. Você conhece ele. Conhece sua índole! — grito, atordoado, depois de tentar pela milésima vez fazê-la me escutar.

Passo as mãos no cabelo e jogo a pasta com as informações que estou colhendo sobre sua morte em cima do sofá. Eu odeio brigar com ela, nunca discutimos tanto como nas últimas semanas.

Está difícil fazê-la se lembrar como nosso amigo tinha o coração grande e generoso, apesar de adorar uma aventura de vez em quando. Eu tenho certeza, ele jamais usaria drogas e mataria uma pessoa inocente.

Jamais!

Sei que ela está afastada do caso por causa da proximidade com o acusado, mas poderia tentar mostrar as incongruências ao delegado. Convencê-los a investigar mais. Só queria que ela acreditasse em mim, confiasse nos anos de amizade com Benjamim.

Eu não estou culpando-a jamais, não é esse o problema. O problema é meu amor não acreditar no nosso amigo.

— Eu estou muito triste, Samuel. Ele era importante pra mim também. — Minha noiva se aproxima e toca com carinho meus ombros, deixando um beijo ali. — Mas você está em negação, não quer aceitar a verdade. Benjamim cometeu um erro, foi uma grande fatalidade.

— Eu não quero aceitar? — Afasto-me dela e viro para encarar seus olhos verdes. Cerro os punhos ao redor do corpo para controlar a ira que me domina. — Você que não quer enxergar as falhas desse caso, Isabela. Nunca vi uma audiência de custódia tão rápida, nem esperaram Ben se recuperar pra poder se explicar. Parece que foi feito tudo às pressas para mandá-lo logo ao CDP e calar sua boa pra sempre de seja lá o que aconteceu naquela boate. Cadê o detendo que espancou nosso amigo até a morte? Ninguém sabe de nada, viu nada.

— Estão investigando o que aconteceu aquele dia na cela, meu amor. O preso não ficará impune! — Ela tenta se aproximar de novo, no entanto, dou um passo para trás. — Sobre o assassinato, não tem o que descobrir. As imagens estão lá para provar, a balística, os depoimentos...

— Essa não é a Isabela que eu conheço, que sempre disse que queria ser uma investigadora tão boa quanto Sherlock Holmes — cuspo as palavras, nervoso. — Você não está fazendo nada por medo. Medo de contradizer seu chefe, de contestar aquela porcaria de filmagem com qualidade ruim. Você está pensando na sua carreira, não no Benjamim. Não em nós!

Assim que digo a última frase abaixo a cabeça e inspiro fundo. Droga! Eu não devia estar falando desse jeito com Isa.

Minha noiva fica em silêncio, mas escuto o som abafado das suas lágrimas.

O que está acontecendo com a gente? Por que ela não percebe que está tudo estranho?

A polícia apareceu com uma imagem que mostra o corredor da área vip da boate aquela noite. É o espaço dedicado ao pessoal rico que quer curtir um pouco mais a noitada. Mal dá para ver com nitidez e, para ajudar, não tem som porque a câmera estava com defeito. Que conveniente.

Na filmagem, Benjamim aparece passando pelo corredor cambaleante. Realmente, parece que está um pouco alcoolizado. Ele vira a cabeça para os lados, como se escutasse um barulho estranho, e entra em uma das portas abertas.

Alguns minutos se passam e nada acontece. De repente, ele é visto de novo sendo jogado contra a parede com força. Tem uma arma na mão e atira contra alguém que está do outro lado e não pode ser visto pela imagem.

A garota morta foi encontrada nessa sala, que dá para outros dois quartos privativos. Segundo funcionários da boate, ninguém usava nenhum deles na hora do crime.

Mesmo a balística comprovando que a bala foi da arma que ele segurava, mesmo com a imagem mostrando Benjamim atirando, eu não acredito na sua culpa.

A menina que morreu era modelo, não pesava nem 50 kg. Como teria força para jogar meu amigo de quase 90 kg na parede daquele jeito?

Há muitas pontas soltas nesta história.

— Desculpa. — Sento no sofá e bagunço meu cabelo de novo. Isso está me deixando louco. — Eu não devia ter falado desse jeito, estou desesperado. Não sei mais o que fazer.

— Tudo bem, entendo sua dor e sua raiva. Vamos superar isso, meu amor. — Isabela senta do meu lado e pega minha mão, fungando.

Não gosto de vê-la chorando. Entrelaço nossos dedos, procurando a familiaridade que tanto amo.

— Vamos sim — concordo, sem muita confiança.

É a primeira vez desde que a conheci que não tenho certeza do nosso futuro.

Os desentendimentos não pararam por um longo tempo. Eu não parei de tentar buscar a verdade, mesmo sozinho.

Passamos de noivos apaixonados, prestes a se casar e constituir uma família, para dois estranhos. Adiamos o casamento e cada um ficou na sua casa.

Chegou uma hora que Isa começou a trabalhar mais na delegacia para evitar brigas. Eu preferia não vê-la também a fim de não causar discussões. Com duas pessoas não sendo mais elas mesmas, a rotina caiu pesado no nosso relacionamento.

Quando a gente tentava lembrar como éramos, o carinho tão natural parecia arranhar minha pele.

O abraço era solto, o toque frio.

Não demorou para nós constatarmos que era o fim. Quando apareceu a oportunidade de ser transferida para a capital na mesma DP do seu chefe Alfredo Cruz, que foi promovido para a 1ª classe, eu mesmo sugeri que fosse.

Afinal, era isso que ela queria desde o começo. Eu tentei fingir que Isa escolheu ficar na nossa cidade natal por amor ao lugar, mas a verdade é que ela escolheu por mim.

Estava cansado de vê-la chorando pelos cantos, de olhar para o seu rosto e não nos reconhecer mais como um casal feliz.

Tínhamos amor, mas perdemos a cumplicidade.

Desde que ela passou pelo portão desse apartamento, nunca mais a vi e nem soube dela. Recusei suas ligações, não respondi seus e-mails e não atendi a porta ao me procurar em casa um mês depois da sua partida.

Tentar só ia machucar ainda mais nós dois e eu não queria que as lembranças do que vivemos ficassem em discussões intermináveis.

Eu queria recordar o lado bom da nossa história ao pensar nela, mesmo que isso doa tanto hoje em dia.

Vendi nosso lar reformado, comprei uma quitinete pequena perto da imobiliária e assim tenho sobrevivido.

Ainda não descobri a verdade sobre o que aconteceu com Benjamim, mas não perdi a esperança de honrar a memória do meu melhor amigo.

Eu confio na sua inocência, apesar de tudo. 

Eitaaaaaaa, vocês esperavam que era isso que tinha acontecido?

Percebi nos comentários que a  maioria achava que Isa tinha morrido kkkkk Ela tá vivinha, e vai voltar haha

Estão gostando? Segunda, dia 23, temos mais um. Agora, na visão da Agnes.

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