❤ Capítulo 5

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Samuel

Passo uma mão no rosto cansado e apoio a outra na perna a fim de frear o balançar nervoso para cima e para baixo. Porra, eu não acredito que isso está acontecendo.

Eu não acredito que o filho da puta do destino quer me foder de novo. Ele adora ser irônico comigo, brincar com meus sentimentos.

É a única vez em quatro anos que não penso em Isabela ou Benjamim, por mais de breves minutos, mas só porque a dor dentro do peito está ocupada com outra pessoa.

Olho para o corpo inerte e magro da minha mãe na cama do hospital e suspiro fundo ao imaginar o que esse dia pode significar para a sua vida.

Já são 41 horas aqui. Chegamos para uma consulta simples e descobrimos uma massa no estômago. Mais tontura, mais vômitos, mais dor. O médico pediu a internação, realizou novos exames e solicitou uma biópsia.

Biópsia. Eu passei a odiar essa palavra.

A massa pode ser maligna. Pode significar um câncer.

Sentindo-me sufocado por essa possibilidade, levanto da poltrona que fiquei a noite toda velando seu sono e caminho até a janela de vidro ampla do quarto. Afasto um pouco a cortina para que os raios do sol invadam meu rosto, para que o ar fresco da manhã me ajude a respirar compassadamente.

"Achei que não era nada demais, coisa da idade".

As palavras que ela disse ontem ecoam na minha mente, trazendo a culpa por não estar mais tão presente como antes.

Eu deveria saber das dores de estômago frequentes, da falta de apetite, das náuseas. Descobri da tontura dias atrás e não insisti que fosse ver o que era antes.

Também deveria ter percebido como emagreceu nas últimas semanas e como há olheiras nos seus olhos grandes e expressivos. Até seu cabelo, que costuma ser sempre pintado e bem cortado, está maior e com alguns fios brancos.

Os sinais estavam todos ali.

Minha obrigação é cuidar dela nessa idade, não o contrário. Dona Creuza fica tão preocupada com minha tristeza sem fim que prefere esconder as coisas de mim.

— Samuel! — Ouço a voz do médico oncologista e me viro lentamente na sua direção. — Podemos conversar um segundo?

Ele está parado na porta com o rosto indecifrável. Engulo em seco, a sentença pode ser dada agora. Já passou o tempo que mencionou ser necessário para o resultado da biópsia ficar pronto.

Hesitante, solto a cortina que ainda estava segurando e velo mais uma vez o sono da minha mãe antes de segui-lo até o corredor.

— O resultado ficou pronto? — A voz sai baixa, amedrontada.

— Saiu. — O homem de meia-idade vacila um pouco e algo dentro de mim se quebra. Eu sei o que vem a seguir. — Sinto muito, Samuel. O tumor é maligno.

Abaixo a cabeça instantaneamente, tentando refrear o turbilhão de emoções que esmaga meu peito. Minhas mãos estão trêmulas no meu cabelo, posso escutar o retumbar do meu coração contra a caixa torácica.

"Benjamim... está sendo acusado de assassinato".

"Ele morreu, Samuel".

"Se é o que você quer, eu vou embora".

Vozes se misturam na minha cabeça, lembrando como a vida me tirou tudo de forma abrupta uma vez: a ligação no meio da noite, a notícia da morte do meu melhor amigo, a partida do único amor que já tive.

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