Ao final do café da manhã, os campistas começaram a se organizar. Uns ficariam arrumando os chalés, outros começariam a planejar suas bigas, enquanto um grupo menor iria realizar as tarefas diárias para não atrasar nada.
Enquanto os semideuses corriam de um lado para o outro, Clara começou a andar em silêncio pelo acampamento. Sua cabeça estava cheia de pensamentos. Queria arranjar um ligar para a construção do chalé, estava pensando no que iria fazer mais tarde, em como encararia Zeus e o julgaria, o que poderia acontecer a ela.
A menina parou ao encarar o bosque, sentindo um leve formigamento na nuca. Atrás de si, o amontoado de chalés se erguia há alguns metros de distância; à sua esquerda, a arena de combate estava vazia e silenciosa como Clara nunca vira antes; ao seu lado direito, a menina podia ouvir as ondas batendo na areia da praia, enquanto à sua frente ela ouvia o rio correr e o som dos insetos vivendo em meios as árvores.
Tudo aquilo encheu Clara com uma sensação de pertença. Ela, finalmente, sentia-se parte daquele lugar, mesmo agora sendo uma olimpiana, Clara sabia, não haveria para ela lar melhor como era o Acampamento Meio-Sangue.
A garota sentou-se e tocou o chão com a ponta dos dedos, sentindo vibrações vindas da terra. Pela primeira vez não sentiu vergonha ou raiva pela sua descendência, não sentiu nenhum medo por ser filha de Gaia, deixou o poder de toda aquela terra e de todo o bosque à sua frente preencherem seu corpo.
Ela podia sentir. Sentia porque Gaia era tão poderosa. Sentia porque a temiam tanto. A terra era poderosa! A natureza tinha uma força bruta e descomunal. Era uma questão de tempo para que o mundo sucumbisse a ela, não a Gaia, mas a uma criação dela, uma criação que se tornara viva, independente e ainda mais forte do que a própria deusa.
Clara sorriu ao sentir aquela energia enchê-la, a sensação era parecia com um abraço, como se a menina estivesse reencontrando uma velha e grande amiga.
- Meditando? – A menina ouviu a voz atrás de si.
Virou o corpo e encontrou Will Solace de pé, com uma prancheta nas mãos.
- Acho que decidi onde vou construir meu chalé. – Clara falou, batendo a terra da parte de trás do short.
- Vai precisar de ajuda? Podemos organizar alguns semideuses, começamos o trabalho amanhã mesmo...
- Obrigada Will, mas não vai precisar. Não quero jogar minhas responsabilidades em cima de vocês.
- Mas, nós já construímos todos os outros, não seria uma novidade.
A menina sorriu, agradecida, colocando a mão no ombro do menino.
- Eu falei que não seria como os outros deuses, não é?
Os olhos de Will marejaram, seu peito se encher de algo que ele reconheceu como orgulho, sentiu uma brisa morna e verão soprar-lhe o rosto como se o beijasse. E sentiu que tudo ao redor deles, todas as árvores, o rio, o mar, o vento e a terra se curvavam à Clara! Todos os elementos a estavam reverenciando. Ele sentiu os próprios joelhos falharem um pouco.
- Tudo bem? – A menina perguntou, o olhar preocupado no rosto.
- Ah, ahn, sim... Eu só... Me distraí um pouco.
- Vai fazer parte da comissão hoje? – Ela perguntou, olhando a prancheta na mão do loiro.
- Ah, sim... Espero que eles tenham arrumado aquele chalé todo, ou vão ouvir mais tarde.
- Pega leve com eles, conselheiro chefe.
Os dois riram, encarando-se logo depois.
- Tem certeza de que não precisa de ajuda? – O semideus perguntou, um sorriso ainda estampado no rosto.
- Tenho. Caso precise, já sei a quem pedir.
A menina o abraçou, sentindo o calor confortável do outro, como se isso fosse uma característica dos filhos de Apolo. Os dois afastaram-se e ela ficou olhando até que o loiro sumisse na multidão de chalés.
Sozinha novamente, a menina olhou para o bosque. O rosto tornou-se sério. Sem saber de onde vinha aquela vontade, a menina fez uma reverência.
- Eu queria pedir permissão para construir meu chalé aqui.
Ela não pôde acredita que realmente receberia uma resposta. As árvores se dobraram em sua direção e ela viu duas figuras caminharem até ela. Uma das meninas tinha a pele levemente esverdeada, ao orelhas pontudas saiam dentre os longos cabelos ondulados e castanhos como troncos de árvores; desenhos verde-escuros decoravam a pele nua de seus braços e pernas com desenhos de folhas delicadas, flores brancas enfeitavam seus cabelos como uma coroa. A outra tinha a pele azulada quase translúcida como água, o corpo estaria nu não fosse pela água corrente, que criava um vestido vivo.
Clara pôs-se de joelhos, reverenciando as duas ninfas recém-chegadas. As criaturas soltaram risadinhas que pareciam bolhas e sininhos de vento, então se aproximaram.
- Não precisa nos reverenciar, minha senhora. – A ninfa verde falou, estendendo a mão para ajudar Clara a se levantar. – Eu sou Melisse e essa é Pegeas. Você é a primeira a falar conosco em muito tempo.
A menina olhava para a criatura, os olhos brilhando em dourado. Pegeas, a náiade, soltou alguns sons borbulhantes.
- Ela está dizendo que estamos honradas em receber seu chalé aqui, na entrada do bosque. Mas em especial, gostaríamos de dizer que está no centro do acampamento, e que isso mostra que seus poderes escolheram o lugar onde se sentem mais confortáveis... No centro de tudo, como você deveria estar desde o início.
As duas tocaram com carinho as bochechas de Clara antes de desaparecerem novamente. A menina sentia o corpo todo tremer.
Caminhou até a nascente do Zéfiro e ajoelhou-se ali. Com as mãos espalmadas, tocou a terra fresca. Concentrou-se, sentindo uma força crescente em seu abdômen, como se algo a puxasse por ali.
El sentia como se fosse um receptáculo, seus poderes lhe diziam o que ela precisava fazer e ela era apenas o meio para que eles agissem. Ela ainda não os controlava, mas sentia que eles a estavam ajudando a trabalhar.
Suas tatuagens acenderam como luzes de Natal. Os olhos ficaram totalmente azul-escuros com pontos brancos muito brilhantes como um céu estrelado.
Troncos de madeira começaram a nascer do chão, grandes e fortes. Madeira começou a formar paredes e uma varanda com escadinhas. Vários troncos mais finos começaram a brotar rapidamente dos troncos, formando a estrutura poderosa de uma casa. Ferro líquido começou a correr pela hera, solidificando-se em alguns pontos e fortalecendo mais ainda a estrutura. Uma armação triangular alta se formou sobre o grande chalé já quase completamente formado.
O rosto da menina se virou em direção a praia, um vento poderosíssimo trouxe areia para o topo do chalé, os olhos de Clara tornaram completamente vermelhos como lava, fazendo com que a areia se queimasse. Água da nascente começou a espirrar, resfriando a mistura e transformando em um telhado de vidro resistente.
A menina sentiu o corpo desfalecer, a força sendo completamente drenada de toda a energia que sentira antes.
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Clara acordou com Tobias e Quíron encarando-a. A luz do sol entregava que o almoço já tinha passado e que os dois deviam ter ido procurar por ela.
- O que aconteceu? – Ela perguntou.
Os dois respiraram aliviados, o menino ajudando-a a levantar com calma.
- Bem criança, você construiu seu chalé. – Quíron falou, indicando, surpreso, a construção a sua frente.
A menina encarou o maior chalé do acampamento. As paredes eram feitas de uma madeira escura, quase preta, hera subia pelas paredes. A varanda era decorada com folhagens e flores-de-âmbar. A porta era dupla, de madeira escura, com entalhes dourados desenhando uma enorme balança. Acima dela, o símbolo de uma estrela em chamas brilhava como se realmente estivesse acesa.
- Eu fiz tudo isso? – Ela perguntou, descrente.
- Aparentemente sim... Imaginamos que demandou de uma força que você ainda não estivesse acostumada, então desmaiou. – Tobias falou, apoiando o peso da menina sobre o ombro.
O menino ajudou Clara a se equilibrar de pé, a garota logo conseguindo se manter sozinha. Ela sorriu, agradecendo, mas sua expressão logo tornou-se séria novamente.
Com passos lentos, a menina subiu as escadas do chalé e abriu a porta com delicadeza.
O lado de dentro estava completamente vazio. Era grande como uma casa. Janelas se espalhavam pelas paredes, mas o que realmente fazia a luz entrar era o teto de vidro transparente. Ao fundo do chalé, a menina podia ver a única coisa que estava pronta: uma pequena lareira, com brasas queimando. Ela sorriu.
Passos atrás de si, indicavam que os outros dois a haviam seguido. Tobias soltou o ar pela boca, estupefato.
- Uau! – Ele deixou escapar.
- Está conectado a tudo. – A menina falou, finalmente entendendo todos os pontos. – Toda a minha essência construiu esse chalé, e estou conectada tanto à terra, quanto ao céu.
Clara caminhou até a lareira e abaixou-se de frente para ela.
- Eu lhe ofereço esse chalé como homenagem, Héstia.
As brasas pareceram queimar um pouco mais vívidas antes de finalmente voltarem ao normal. Os olhos da menina se voltaram para os dois.
- Quero que seja uma casa para os legados. – Ela falou, decidida.
- Os "o-que"? – Tobias falou, o rosto confuso, o olhar pulando da menina para Quíron.
- Legados. Filhos de semideuses com semideuses.
- Como sabe que eles existem criança? – Quíron perguntou, a mão passando pela barba espessa e bem aparada.
- Meus pais ficaram vivos por muito tempo... E poderiam ter tido filhos que seriam tão poderosos quanto eles, se não mais... E eles não podem escolher um chalé pra ficar. Eu os aceito como residentes desse chalé.
O rosto de Quíron pareceu se iluminar, um pequeno sorriso se abrindo em meio a barba.
- Muito benevolente de sua parte. E seus filhos? – O centauro perguntou com voz doce.
- Vão dividir o chalé com eles... Não pretendo ter muitos semideuses meus. – Ela falou, sentindo o rosto corar um pouco.
- Muito bem. Se essa é sua decisão, que assim seja. – O homem falou, deixando o lugar em silêncio, mas com o rosto suave.
A menina levantou-se e andou em direção a Tobias, abraçando-o.
- O que achou?
- É lindo! Lindo de verdade! – Ele falou, ainda olhando os detalhes do lugar.
- Vou precisar de ajuda para decorar... Colocar beliches, deixar ele pronto para os legados e os nossos semideuses. – A menina falou, o olhar percorrendo o espaço vazio.
- Nossos? – Tobias falou, finalmente a encarando com um sorriso nos lábios.
- Achou que eu queria ter filhos com quem? – Ela perguntou, com um sorriso sarcástico no rosto.
Ele a beijou demorada e lentamente, então a olhou nos olhos.
- Assim que estiver pronta, é só me avisar. – Ele falou.
- Mas é claro.