D E A T H (DEGUSTAÇÃO)

By loreenf

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A morte sempre esteve ao lado de Sadie Foster. Quando bebê, ela levara seus pais. Quando criança, seu melhor... More

D E A T H
epígrafe
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By loreenf

Os pingos de chuva molhavam meus cabelos e minha pele. Minhas roupas e meus sapatos.

Estava gelado. Era como se várias agulhas estivessem caindo do céu e furando minha pele. Eu queria entrar no casarão e me enfiar debaixo dos cobertores, mas eu não poderia desistir de tudo só por causa de uma chuva.

Nós combinamos.

Ele prometeu que viria.

Onde você está, Chase?

A noite estava escura. A luz da lua era a única coisa que iluminava a rua, já que a tempestade fez com que toda a energia de Coolley acabasse. Os trovões eram tão estrondosos que eu me encolhia a cada um deles. A mochila em minhas costas já pesava, e o frio estava quase me congelando. Meus cabelos molhados caíam sobre meu rosto toda vez que eu abaixava a cabeça para olhar meus sapatos e o vestido quadriculado em meu corpo.

Ele estava demorando, mas eu tinha certeza de que ele viria.

Ele nunca me deixaria.

Ele prometeu.

As grades do grande portão me separavam da rua. Poucos carros passavam de cinco em cinco minutos. Eles eram dirigidos com cuidado pela curva que ficava bem em frente ao grande casarão.

O orfanato Coolley abrigava trinta e cinco crianças deixadas pela família, ou que ficaram sozinhas no mundo.

Eu era uma destas crianças que ficaram sozinhas no mundo.

Não há um dia que passe sem que a diretora esfregue isso em minha cara.

Os Foster's. A família marcada pela morte.

Meus avós morreram em um incêndio na casa onde moravam. Pelo menos foi o que ela me disse. A casa era um pouco mais isolada da cidade, e só perceberam que ela estava ardendo em chamas quando viram a fumaça subir pelo céu escuro. Minha mãe estava grávida de mim. Disseram que depois da morte deles, ela desenvolveu hipertensão gestacional. Eu não sei exatamente o que isso significa, mas sei que fez minha mãe também ser tirada de mim.

Quando eu nasci, Elisabeth Foster morreu. Complicações no parto. Disseram que sua pressão subiu muito e ficou difícil reverter.

E apesar de ninguém se lembrar do meu aniversário, eu sabia que ele era exatamente no mesmo dia e exatamente na mesma hora em que minha mãe morreu.

Éramos só eu, minha irmã mais velha e meu pai. Nós íamos embora desta cidade, íamos para longe e nunca mais voltar.

Um caminhão bateu em nosso carro, na rodovia principal.

Eu fui a única sobrevivente.

— Sadie!

Levantei minha cabeça e meus olhos encontraram o garoto correndo em minha direção, pela calçada da rua.

Meu corpo instantaneamente relaxou e eu pude respirar melhor.

Eu sabia que ele viria.

Eu abri um sorriso largo saí do meu esconderijo, atrás da árvore. Corri até o portão e agarrei suas grades.

— Chase...

O garoto parou a minha frente. Seus cabelos negros estavam caindo sobre sua testa, grudando-se a ela. Ele estava completamente encharcado, assim como eu. Seus olhos verdes tinham um brilho preocupado, enquanto ele tocava minhas mãos presas às grades.

Chase era dois anos mais velho que eu, e ele já esteve do outro lado do portão. Ele já foi um órfão. Era o único que se preocupava comigo, o único que me defendia e o único que me fazia companhia. Contudo, Chase era tão encantador, que Blake e Lea Anderson não se importaram com sua idade já avançada, e o adotaram mesmo assim.

Meu melhor amigo se foi, assim como todas as pessoas em minha vida, mas ele vinha me visitar todos as noites.

Escondido, é claro.

Seus pais adotivos não gostavam que ele tivesse contato comigo, afinal, a maldição dos Foster's se tornou conhecida pela cidade e eles não queriam que algo de ruim acontecesse à seu filho.

E eu não os culpo. A cidade inteira acreditava nisso, e talvez, se eu estivesse do outro lado do portão, também acreditaria.

— Desculpe a demora. Minha mãe não parava de falar sobre a minha nova escola e...

— Tá tudo bem, Chase. Você está aqui agora. Só quero sair desse lugar.

Chase sabia tudo o que acontecia aqui no orfanato. Eu tive uma trégua durante o período que ele esteve aqui, mas logo que ele soube que seria adotado, nós percebemos que tudo voltaria.

Então combinamos. Nós esperaríamos um mês depois de sua adoção, e nos encontraríamos a noite, no portão principal.

Eu iria fugir.

Sei que uma garota de dez anos e um garoto de doze não teriam chance nenhuma. Mas eu precisava tentar, e Chase precisava me ajudar.

E eu nem precisei dizer. Chase sempre sabia quando eu precisava que ele fosse "meu herói", como ele mesmo se nomeou.

O garoto levou sua mão até o zíper de sua jaqueta cinza, com o logo da NASA no peito, e o arrastou para baixo. Tirou ela de seu corpo, e segurando com apenas uma mão, esticou seu braço pelo buraco entre as grades, colocando o moletom sobre meus ombros.

— Não sei se vai fazer alguma diferença...— ele disse, abaixando levemente a cabeça. Eu sabia que aquele era um gesto seu de timidez.

Conhecia Chese como a palma da minha mão.

Eu sorri em agradecimento.

— Ok. Eu assisti um documentário policial outro dia, e eles disseram como ladrões conseguem entrar nas casas — informou, enfiando sua mão no bolso da frente de sua calça e tirando um grampo de lá.— E minha mãe tem muitos desses. Eu vou tentar ser rápido.

Chase se ajoelhou na altura das correntes e segurou o cadeado em suas mãos. Eu puxei a jaqueta para me cobrir melhor, enquanto encarava todos os lados, preocupada com a possibilidade de sermos pegos.

Chase tinha a expressão concentrada, enquanto trabalhava no cadeado.

— Rápido, Chase...

— Calma, pequena. Vai dar tudo certo.

Eu assenti, tentando acreditar em suas palavras e relaxando um pouco mais ao ouvir o apelido.

Mas não durou muito.

Senti uma mão agarrar fortemente meu pulso, e fui puxada bruscamente para trás.

— Achou que ia se livrar de mim, pestinha?

O desespero atingiu meu corpo inteiro. Eu me virei para a pessoa, e encarei a mulher alta de cabelos escuros encharcados. A diretora Charlotte Collins tinha um sorriso diabólico nos lábios e os olhos perversos brilhando em minha direção.

— Diretora Collins, por favor! A culpa é minha!— escutei Chase gritar.

Eu voltei meus olhos para meu melhor amigo. Ele parecia estar mais desesperado que eu.

— Diretora, por favor...— eu disse, tentando me livrar de seu aperto.— Você não gosta de mim. Por que não me deixa ir?!

Minha voz saiu abafada pelo som da tempestade, que havia aumentado, mas ela escutou.

Ela escutou porque sorriu.

— Eu já sabia do seu planinho há uma semana, Sadie...— ela murmurou, apertando mais ainda meu pulso.— Tatum me contou.

É claro que contou.

Minhas lágrimas começaram a se misturar com as gotas da chuva.

— Eu queria dar um pouquinho de esperança pra você, só para arrancá-la depois.

— Diretora Collins, escuta...— Chase disse.— Sadie precisa sair daqui. Você não entende. O...

— Acha que eu não sei, Chase?— perguntou, voltando seu olhar para meu amigo.

O garoto franziu as sobrancelhas.

Eu franzi as sobrancelhas.

— O quê...?— perguntei em um sussurro.

Charlotte sorriu.

— Eu sei de tudo, querida... — afirmou lentamente.— tudo.

Eu neguei com a cabeça diversas vezes.

Não era possível.

Todos os sons se tornaram apenas murmúrios distantes. Tudo se abafou. Eu sabia que Chase e Charlotte discutiam. Sabia que a chuva ainda caía e que os trovões ainda estrondavam.

Um zumbido entrou em meus ouvidos.

Eu queria chorar. Eu queria gritar.

Eu queria matar.

Queria matar Charlotte.

Infelizmente meus pés se prenderam no lugar e eu não conseguia me mexer. Não consegui mover um músculo sequer por segundos, que mais pareceram horas eternas, quando escutei meu nome.

A voz abafada de Chase chamava por mim, e ecoava em minha cabeça.

— Sadie!

Eu saí do transe e encarei meu amigo, enquanto o aperto de Collins aumentava.

— Sadie, me escuta, eu vou falar com meu pai. Vou contar tudo para ele. Vou te tirar daqui.

— Duvido que ele queira ajudar — Collins disse, começando a me puxar em direção à casa.

Não.

Não.

Não.

Eu puxei meu braço e consegui me desprender do aperto de Charlotte, correndo até o grande portão. Chase enfiou as mãos para o lado de dentro e segurou fortemente as minhas.

— Chase, por favor, me tira daqui. Por favor...

— Eu não vou descansar enquanto não ver você longe daqui, Sadie. Mesmo que isso signifique ficar longe de você.

Eu olhei dentro dos olhos do meu melhor amigo, tremendo. Eu estava apavorada. Desesperada.

— Se despeçam, crianças. Vou pessoalmente até os Anderson informar suas fugidas na calada da noite, Chase. Duvido que eles irão deixar isso acontecer novamente — Charlotte murmurou atrás de mim.

Voltei a encarar o verde dos olhos de Chase, agora, tão temerosos quanto os meus.

— Não desiste de mim, por favor.

Chase segurou meu rosto com as duas mãos.

— Eu nunca desistiria de você, pequena.

Eu assenti freneticamente, porque sabia que era verdade.

— Até as estrelas?— perguntou.

Eu sorri em meio as lágrimas.

— Até as estrelas.

Eu mal terminei de pronunciar as palavras, quando fui puxada novamente.

— Já chega dessa melação toda — Charlotte proferiu me puxando com agressividade, me fazendo cair e gemer de dor quando meu joelho atingiu uma pedra pontuda.

— Não machuca ela!— Chase gritou, dando passos para trás.— Eu vou falar com meus pais agora mesmo!

Vi quando Chase se virou e correu alguns metros.

E, desta vez, não foi o barulho dos trovões que me fez estremecer. Foi o barulho da freada. Da buzina. Da lataria do carro batendo contra o corpo de Chase.

Tudo virou nada.

Charlotte parou de me puxar.

Eu petrifiquei no lugar.

Observei o motorista saindo do carro e colocando as mãos na cabeça, encarando o corpo ensanguentado de Chase jogado no chão.

Dor.

Eu, que ainda estava caída no chão pela queda, me sentei lentamente enquanto tentava me convencer de que a cena em minha frente era uma mentira. Era uma alucinação.

Mas não era.

Eu senti vontade de vomitar.

No entanto, não foi vômito que saiu pela minha boca.

Foi um grito.

— CHAAAAAAAAAAASE!

Eu me sentei rapidamente, ofegante e soltando murmúrios de medo. Atordoada, olhei para todos os lados. A imagem do quarto da casa do prefeito me fez respirar fundo. Ele estava escuro, a varanda estava aberta e a cortina flutuava para lá e para cá, enquanto algumas lágrimas quentes e silenciosas escorriam por meu rosto.

Um sonho.

Um pesadelo.

Uma lembrança em forma de pesadelo.

Toda a dor daquela noite não parece ter bastado. Ela sempre voltava, e voltava e voltava, me torturando em doses homeopáticas.

— Sadie?

Olhei para o lado, na segunda cama do quarto. Robin acendia a lâmpada do abajur e colocava seu óculos de grau.

Me apressei em secar meu rosto.

— Está tudo bem? Você está pálida... — ela murmurou com a voz de sono, mas com um tom de preocupação.

— Está... — eu murmurei, com a voz fraca. — Está tudo bem. Volte a dormir, Allen.

Robin assentiu, ainda receosa, e apagou a luz. A escuridão voltou. Esperei que ela estivesse de olhos fechados para me levantar, com as mãos tremendo e um nó na garganta, e caminhar até o armário em que arrumamos nossas coisas durante a tarde. Alcancei minha mala de mão, no alto, e a puxei. Abri o zíper e tirei o que queria de lá de dentro.

Caminhei para o banheiro e tranquei a porta. A luz do poste do lado de fora era tudo o que eu precisava para enxergar as coisas ali. Eu entrei na banheira vazia e me sentei. Encostei as costas e encarei o que tinha em minhas mãos.

A jaqueta cinza com o logo da NASA no peito.

Eu enterrei meu rosto naquela jaqueta e abafei meus soluços, que ecoaram pelo resto da noite.

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