ALONE

By brunasunshine

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o que você faria se acordasse no mar? sem nome e sem lembranças, Sol tenta se adaptar à nova vida depois de a... More

❋ prologue ❋
❋ 001
❋ 002
❋ 003
❋ 004
❋ 005
❋ 006
❋ 007
❋ 008
❋ 009
❋ 010
❋ 011

❋ 012

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By brunasunshine

Acordo com uma movimentação inquieta ao meu lado.

– Juniper, o que cê tá fazendo? – digo, ainda sem abrir os olhos.

– Escrevendo. – ela diz e, antes que eu pudesse voltar a dormir, ela cutuca meu ombro. – Não volta a dormir. To curiosa.

– Curiosa com o que? – pergunto, finalmente abrindo os olhos e me arrependendo logo em seguida pela claridade.

– Que que houve ontem, afinal? – ela disse e enterrei minha cabeça no travesseiro, deixando claro que não queria responder. – Anda, me fala. Você sabe que eu não te julgo por nada!

Me levantei da cama, tentando organizar meus pensamentos.

– Então... Eu só não... Não sei porque beijei o amigo de vocês. Não deveria nem ter ido na festa. – digo, tapando meu rosto com as minhas mãos – Que vergonha.

– Por que você tá se reprovando tanto, Sol? – ela perguntou – Já te contei que na Grécia beijei várias meninas desconhecidas em uma festa? E sabe o pior? Eu caí na piscina. Isso sim foi vergonhoso.

Soltei uma risada ao imaginar a situação.

– Você só tá se conhecendo e tá tudo bem com isso. Não tem nada de errado em se divertir e fazer o que tem vontade, tá bom? – ela se levantou da cama e me deu um abraço aconchegante. – Você já não é mais aquela menina perdida que apareceu na ilha. Agora você tem um nome. Uma família. Só falta descobrir quem você é, lá no fundo.

– Ah Juniper, eu adoraria funcionar tão bem como você! – digo e ela solta uma risada. – Mas, de verdade, vou levar essas palavras comigo. E eu te juro que vocês são a melhor nova família que eu poderia pedir.

Ela sorri e me abraça novamente. Apesar de sempre me perguntar sobre meu pai e minha mãe, eu nunca cheguei a considerar a ideia de que eu poderia ter tido uma irmã. Mas, sem nem perceber, eu acabei ganhando uma quase irmã maravilhosa.

E ela também sempre tinha razão. Por isso eu sabia que aquela menina inocente perdida em uma ilha já não existia mais.
Eu não estava perdida, de forma alguma, mas ainda procurava me achar. Porque a ideia de que eu era uma pessoa completamente diferente com uma vida completamente diferente me assustava. Porque eu tinha medo de descobrir esse alguém que implorava pra sair de mim.

E porque eu tinha medo de me desprender totalmente do meu passado, seja lá qual fosse. Uma parte de mim ainda ansiava com todas as forças descobrir sobre quem eu era, sobre meus pais e sobre minha vida antes de tudo isso acontecer.

Outra parte queria não pensar nisso e esquecer que um dia fui outro alguém. Mas era impossível, porque eu sabia que em alguém lugar do mundo alguém sentia minha falta. Meus pais? Minha família?

– Mamãe disse que quer sair com a gente. – Juniper disse, me tirando dos meus pensamentos. – É uma viagem rápida de barco pra uma ilha vizinha.

– De barco?– pergunto, tentando me imaginar em um barco outra vez. Eu já estive no mar que era um dos maiores medos mas mesmo assim estar novamente em um barco iria me lembrar daquele momento, daquele dia.

– É, mas se você não quiser nós podemos ficar aqui. – ela disse, se sentando ao meu lado na cama– A minha mãe disse que seria legal experimentar novos ares, já que essa ilha é meio restrita às vezes... Mas você que sabe.

– Tá.

– Tá pra vamos ou tá pra vamos ficar aqui?

– Pra vamos, Juniper. – respondi, rindo. – Eu só não posso garantir que vou me sentir bem o passeio inteiro. Mas vou tentar, juro.

– Vou confiar, viu. – ela disse, se levantando da cama e pegando algo em seu armário. – Enquanto você tava dormindo eu separei uma roupa. Sua cara, né?

Ela jogou um vestido na cama e assim que o peguei pude perceber como era lindo. Era amarelo com algumas flores bordadas na saia, com as mangas caídas no ombro e com um tecido leve, o que me agradava.

Tomei um banho rápido e logo em seguida coloquei o vestido. Aproveitei pra pentear meu cabelo que ultimamente mais parecia um ninho de rato, já que eu quase não penteava e o vento misturado com a maresia não ajudava muito. Coloquei também um casaco fino, já que apesar de estar quente lá fora parecia também estar com um ventinho.

Antes de sair do quarto me dei a liberdade de me olhar rapidamente no espelho. Não era uma coisa que eu fazia com muita frequência, somente quando Juniper me falava pra fazer. Eu acho que lá no fundo não gostava muito de ver essa pessoa no espelho.

Mas, dessa vez e por vontade própria, eu encarei esse reflexo que já não parecia ser alguma pessoa desconhecida. Parecia ser realmente eu. E eu fiquei feliz em me ver assim, confortável na minha própria pele.

– Sol, tá tudo bem? – Perol perguntou, se apoiando no portal. – Se estiver pronta, podemos ir.

– Sim, tudo bem. – eu disse, dando um leve sorriso. E, pra falar a verdade, eu até que estava bem. Eu não sentia medo de ir pro barco mas sim das possíveis reações que eu poderia ter estando lá.

– Que bom. Vamos estar do seu lado o tempo todo, tá bom?

Eu sorri novamente e segui com ela para a escada. Eu me sentia muito feliz de ter uma figura tão próxima da figura materna como Perol era pra mim. Saímos da casa e fomos andando até o cais, onde um pequeno grupo de pessoas aguardava.

Depois de cerca de 10 minutos, todos começaram a subir no barco. Foi aí, vendo as pessoas se aconchegando nos pequenos bancos do barco, que eu me dei conta de que isso realmente estava acontecendo. Até então eu distraia a minha mente com pensamentos positivos e sequer me deixei pensar muito sobre o fato de que eu estaria em um barco. Um barco no mar. No meio do mar. Com ondas. Talvez o meu medo em si, naquele momento, não fosse do mar. Mas e se o barco afundasse? E se balançasse muito?

A sereia que me salvou já não estava mais viva pra me salvar novamente e, sinceramente, não confiava de que Nonahir faria isso por mim. E, se o barco afundasse, o que aconteceria com todos que estão comigo? Como eles iriam se salvar? Como eu poderia...

– Sol? – a voz de Charlie me despertou dos pensamentos negativos que tomavam conta da minha cabeça. – Vamos?

– Vamos. – eu disse isso, mas claramente minha expressão dizia o contrário. Olhei ao redor, percebendo que todos já estavam acomodados no barco menos nós dois. Juniper e Perol me encaravam, preocupadas.

Eu estava com medo. E não seria fácil admitir isso com facilidade porque, de tantas coisas que fiz e vivi, sentir medo de estar em um barco parecia me fazer a pessoa mais fraca e medrosa do mundo.

– Nós podemos ficar se você...

– Vamos. – eu não o deixei terminar a frase porque também não queria que eles evitassem sair por minha causa. A situação já era ruim. Não queria piorar.

Ele subiu no barco primeiro e me ajudou a subir também. Nos sentamos ao lado de Juniper e, naqueles poucos minutinhos onde o barco ainda estava parado, fiquei tranquila. Não era tão ruim.

Até que o barco começou a se mexer.

– Eu to com medo. – eu disse, quase como se as palavras saíssem involuntariamente da minha boca.

– Medo de que, Sol? – Juniper disse, segurando minha mão.

– Do barco afundar. – eu disse e ela deu uma leve risada. Olhei pra ela confusa. Por que isso era engraçado?

– Juniper! – Charlie exclamou, dando um leve empurrão nela. – Ela realmente tá assustada, não tá vendo?

– Desculpa! Não é por mal, Sol. – ela disse, enquanto se ajeitava no banco pra olhar mais diretamente para o meu rosto. – É que é super difícil de um barco assim afundar. Além do mais, ali tem vários coletes salva-vidas!

– E é normal ter um pouquinho de medo. Quando eu era pequeno odiava andar de barco. – Charlie disse.

– Ele dizia que via mulheres-peixe na água. Sereias. – ela disse, em um tom mais baixo para que os outros não ouvissem. Eu me lembrava muito bem do dia em que queimaram uma suposta sereia e como elas eram completamente demonizadas pela população da ilha. – Eu sempre acreditei nele.

– Eu não sei o que era realmente. Só sei que me dava medo. – ele disse, enquanto olhava para as águas. – De qualquer forma, isso não me impediu de vir aqui. Com o tempo eu passei a gostar muito.

– Eu não sei se vou me acostumar. Duvido que comece a gostar, também. – eu disse, começando a me sentir um pouco nauseada por causa do balanço do barco.

– Então eu vou fazer uma promessa. – Charlie disse, levantando seu dedo mindinho. – Toda vez que você pisar em um barco, eu vou estar junto. Vou fazer o máximo pra que você não sinta medo.

Eu sorri e ele fez o mesmo. Selei a promessa com o meu dedo mindinho.

– Eu não garanto que vá estar junto também. Mas também vou fazer o máximo pra você não sentir medo. – Juniper disse, me puxando para um breve e reconfortante abraço.

– Eu amo ter vocês perto de mim. – eu disse, de coração. Eu ainda não estava certa do que era amar alguém. Afinal, eu até então não tinha referências minhas do que era o amor. Eu não me lembrava se tinha uma mãe, então como saberia se o que sentia pela ideia de ter uma mãe era amor?
Mas de uma coisa eu tinha certeza: essa família, que me acolheu com tanto cuidado, tinha um lugar especial no meu coração. Eu sentia por eles muito carinho e admiração.

Perol era como a mãe que eu sonhava em conhecer. Juniper parecia uma irmã mais velha que me aconselhava e acolhia sempre que eu precisava. Charlie era um amigo que me fazia sentir algo diferente e especial.

É claro, sentimentos são complexos e abstratos demais para que eu entendesse exatamente o que sentia.

Depois de quase uma hora, o barco finalmente parou. Eu já não sentia tanto medo, apesar do enjoo ter permanecido. Me fiquei em olhar pra água. Imaginei as mulheres-peixe nadando e se divertindo naquele grande espelho azul. Imaginei os golfinhos, os tubarões, as tartarugas. O mar era lindo e eu me sentia muito feliz de finalmente poder entender isso.

Saímos do barco, eu ainda um pouco desorientada, e fomos andando até uma pequena pracinha cercada de pequenas árvores e bancos de madeira.

Eu observava com atenção o que acontecia por ali. Algumas crianças corriam e se divertiam jogando moedas na pequena fonte que ficava no centro da praça. Um vendedor de pipocas jogava os grãos de milho para os pombos, que formavam um grande grupo desesperado por alimento.

Eu também sentia um cheiro muito proeminente de peixe, que vinha da feirinha ao lado da praça. Alguns vendedores ali tinham todos os tipos de peixes e, apesar de entender que era um costume local, eu não sentia a menor vontade de me alimentar desses animais. Eu não me animava com a ideia de comer qualquer animal, pra falar a verdade, mas comer peixes era ainda um pouco mais estranho pra mim. Principalmente porque os seres que mais me ajudaram eram parentes próximos de peixes...

Ainda enquanto andava e observava os arredores, algo alto que cortava o céu me chamou a atenção:

O topo de uma igreja.

Apesar de nunca ter entrado em uma, eu sabia da existência de igrejas. Existia uma na ilha que eu morava, mas essa era diferente. Parecia bem mais antiga. Uma curiosidade cresceu dentro de mim...

– Tudo bem se eu for ali, na igreja? – digo, apontando.

– Quer que eu vá junto? – Charles pergunta e, apesar de adorar sua companhia, eu sentia a necessidade de andar um pouco sozinha.

– Não precisa. Vou só dar uma olhada, encontro vocês aqui nessa praça daqui uns 30 minutos, tá bom?

– Só não desaparece. – Juniper disse, soltando umas risadinhas de leve.

– Pode deixar, Juniper. – digo, sorrindo.

Caminhei até a igreja, observando as ruas e tudo que consegui captar. Alguns cachorros e crianças brincavam, jogando bolas e correndo uns atrás dos outros.

Subi as escadas de pedra que davam para duas enormes portas de madeira, com símbolos que eu não conhecia esculpidos nela.

Entrei na igreja, em silêncio, mesmo que o barulho dos meus sapatos no chão de mármore chamasse um pouco a atenção. Assim que levantei meu olhar, percebi a beleza do local onde eu estava.

No altar que se estendia pelo corredor de bancos, esculturas impecáveis cresciam junto com as paredes. Pinturas ricas em detalhes se estendiam por todas as superfícies da igreja, incluindo o teto que era preenchido pelas obras.

Algumas pessoas estavam sentadas nos bancos, rezando. Mas uma única menina estava de pé, olhando para o teto. Sua pele era marrom e seu cabelo estava preso em duas tranças que caiam até um pouco mais abaixo de seu ombro. Caminhei até o seu lado.

– Eu venho aqui todos os dias e ainda me surpreendo com os detalhes dessa pintura. Nunca vou entrar aqui e não me admirar com esse teto.

Demorei pra responder porque não sabia se ela estava falando realmente comigo. Mas não havia mais ninguém perto e parecia rude da minha parte deixar o silêncio no ar.

– É lindo. Imagino como deve ter sido pra pintar tudo isso.

-Eu não. – ela riu baixinho e olhou pra mim. Pude reparar no seu rosto e aquela era uma das faces mais bonitas que eu já havia visto. Seu rosto era redondo e seus olhos eram amendoados e grandes, com a íris de uma cor tão escura que sua pupila se perdia. – Você parece com alguém... Ah é. A menina encontrada no mar.

– Como sabe...

– Apareceu nos noticiários daqui. Somos praticamente vizinhas de ilha, sabia? – ela disse, rindo.

Eu ri e olhei para o lado, observando as pessoas rezarem. Talvez não seja o ideal continuar a conversa aqui mas adoraria poder conversar um pouco mais com ela.

– Vem cá.– ela pega minha mão e me leva para um corredor perto do altar.– É a primeira vez que vejo alguém novo em, sei lá, anos. Meu pai é pastor e eu tenho praticamente passe livre pra todos os esconderijos da igreja. Quer ir?

– Eu só não posso demorar muito, a minha... família tá me esperando. – aquela foi a primeira vez que eu mencionei eles como minha família. Eu ainda me acostumava com o termo mas não sabia do que mais poderia chamá-los. – Qual é o seu nome, aliás?

– Maisie. – ela disse, puxando de dentro da sua jardineira jeans um colar com chaves. – Eu prometo que vai ser rápido!

Eu concordei e a segui conforme entrava no estreito corredor onde várias portas se apresentavam, sempre fechadas e com um aviso de "não entre". As paredes pareciam novas, como se tivessem sido renovadas faz pouco tempo. Mas conforme começávamos a avançar nos corredores percebi que a atmosfera do lugar se transformava em algo mais antigo e menos conservado. As pedras tomavam conta de quase toda a parede, se não por pequenas modificações pra manter a estrutura, eu imaginava. Me perguntava por quanto tempo essas paredes estavam de pé e também por quanto tempo mais elas aguentariam.

– Mas você já descobriu da onde veio? – Maisie perguntou enquanto brincava com as chaves. – Meu pai disse que seria praticamente impossível descobrir já que não encontraram nenhuma pista. A menos que você recupere sua memória, né?

– É. Eu já desisti de procurar também e minha memória parece bloqueada, sabe? Mas tudo bem. Já me acostumei com a vida na ilha e até tenho um novo nome, Sol.

– Boa escolha. – ela disse, parando na frente de uma escada de pedra que levava para o subsolo. Uma fraca porta de madeira havia sido colocada ali, provavelmente pra evitar que curiosos entrassem. Também tinha sido pendurada uma placa de "Não entre".

Maisie desceu as escadas e eu a segui.

– Aqui é uma cripta. Tem pessoas importantes. Mortas. – ela disse, pegando uma chave específica do seu colar e colocando na fechadura. – Mas vou te falar sobre alguém especial que dizem que tá aqui.

Ela abriu a porta e entrou, puxando delicadamente meu braço. Entrando na cripta senti um nervoso que nunca havia sentido antes. No escuro, a única segurança que eu tinha era a pele de Maisie encostando na minha. Um cheiro forte, que sequer sei descrever o que lembrava, tomava o ambiente.

Ouço um pequeno "click" e uma pequena luz se acende, suficiente pra iluminar o centro do ambiente. Era um local bonito, o que me deixou um pouco surpresa. Algumas pilastras trabalhadas se estendiam até o teto, sustentando todo o lugar. No meio existia uma espécie de túmulo com algumas escrituras que eu não reconhecia. Nas paredes várias placas com nomes que, se meu palpite estivesse certo, também eram túmulos.

– Instalaram as luzes faz alguns anos. Só o pessoal da limpeza vem aqui pra manter o lugar menos assustador. – ela disse, olhando pra mim e logo depois olhando para a placa na nossa frente. – É galês, caso esteja se perguntando.

– Ah. Aqui é legal... eu acho. Nunca fui numa cripta antes.

– Eu não te trouxe pra cá só pra te mostrar um monte de gente morta, ta?

Ela se direcionou até uma das paredes de túmulo. E apontou para uma placa que dizia algo na língua que eu não me era familiar. Galês, como ela tinha dito.

– Já ouviu a lenda de Liban, né? Dizem que ela está enterrada bem ali. Meu pai diz que não encontraram nada quando reabriram há alguns anos atrás. Mas, hoje em dia, ninguém tem coragem de confirmar se é verdade.

– Então... Tem uma sereia enterrada aqui? Achei que ela tivesse sido queimada.

– Depende de quem conta a história. Aqui ela foi adorada por muitos anos e por isso tomaram posse do corpo e enterraram. Mas muitas outras pessoas alegam ter visto seu corpo sendo queimado. Dizem ainda que viram sua alma. – ela diz, séria. – Mas eu não vim te mostrar isso. Tenho ainda uma outra coisa super secreta.

Do seu colar ela tira uma pequena chave, já bem antiga pela sua aparência. Ela se agachou ao lado dos túmulos onde se projetava um vaso médio com uma planta artificial e, afastando o ornamento, ela chamou minha atenção para uma pequena porta de madeira. Maisie colocou a chave na fechadura, girando e abrindo a pequena porta que rangia com o movimento.

Ela engatinhou, entrando no cômodo que se projetava do outro lado. Mais um "click" e uma luz foi acesa.

– Vem. – ela disse, estendendo a mão. Segurei e fui levemente puxada para o cômodo. Levantei, ainda um pouco confusa, e me deparei com uma figura que se estendia na nossa frente.

Lá estava ela.

– Essa é...

– Sim. A Sereia. – ela andava ao redor da estátua, encostando na ponta de uma cauda delicadamente esculpida. – Não se sabe desde quando mas parece que ela é mantida aqui faz tempo. Quando meus pais se casaram minha mãe implorou pra escondê-la antes que alguém quisesse destruí-la. Você sabe, uma mulher que foi abençoada por uma Deusa? Não iria durar muito tempo até que alguém inventasse de acusá-la de tudo que é ruim. Então eles renovaram esse cômodo e esconderam a estátua aqui.

Eu entendia muito bem o que ela falava. Porque, apesar de serem ilhas muito próximas, as pessoas de onde eu morava criaram um verdadeiro horror com toda a história dessa sereia. Ao invés de ser adorada ela foi odiada e reprimida, assim como as outras sereias.

Me aproximei com cuidado da estátua. Olhei detalhe por detalhe. Cada escama parecia ter sido esculpida com tanto cuidado e seu rosto carregava uma feição delicada e quase que despreocupada. Era tão incrível e parecia tão... Real. Apesar de ter vivido na água salgada ela não carregava as mesmas feições animalescas e quase ameaçadoras que Nonahir carregava. Seu rosto era humano, como o meu. Talvez, exatamente, porque ela foi humana. Nascida na terra e abençoada com uma cauda.

– Tem mais uma coisa. – ela diz e a observo caminhar até a parte de trás da estátua, se abaixando e levantando uma tábua do chão. Dali ela tirou uma tiara, muito parecida com a que a Lorelei fez pra mim, mas essa feita com pequenas conchas e algas secas. – Dizem que era dela. Eu não sei... É muito fácil fazer uma, na verdade. Mas essa parece meio antiga ou, sei lá, especial. Toma, sente só a energia dela.

Ela me entrega a coroa e rapidamente sinto um arrepio percorrer meu corpo todo. Eu não sabia ao certo o que era aquilo, mas a coroa realmente parecia ter uma energia diferente e... Especial. De fato ela era, se aquela realmente fosse a coroa de Liban.

– Minha mãe também foi nascida no mar. – ela disse e olho pra ela, surpresa. Sua mãe era uma sereia? Me perguntei enquanto esperava ela falar. – Eu nunca contei isso pra ninguém porque sabia que não iriam acreditar. Mas você vai porque foi tocada pelo mar.

Tocada pelo mar? No caso, por que fui encontrada lá? Ou será que ela sabia que... Não, provavelmente não.

– Maisie, ela era... Como Liban?

– Não! Não existem só sereias, sabe? O oceano é muito mais vasto. – ela disse, se sentando no chão de madeira que rangia a cada movimento que fazíamos. – Selkies.

Ela disse e rapidamente reconheci a palavra. Selkies... Se bem me lembrava de um livro que vi na biblioteca era uma lenda de focas que se despiam de suas peles, revelando corpos humanos, e dançavam a luz da lua. Era uma lenda muito bonita, na verdade.

– Ela tinha 15 anos quando sua pele foi roubada pelo meu avô. Ele a levou pra casa e tratou como se fosse um animal sem dono. E o tempo passou. – ela disse e eu podia perceber certa tristeza em sua voz. – Ela se adaptou. Se casou com meu pai e ele prometeu que, se um dia encontrasse sua pele, entregaria de volta pra ela. E ele encontrou, na antiga casa do meu falecido avô. Ela me abraçou, abraçou ele e, com um sorriso enorme, voltou pro mar.

– E você nunca mais chegou a vê-la? – eu perguntei, imaginando que em algum momento ela voltaria.

– Eu já vi uma foca. Quero dizer, já vi muitas focas. Mas uma em especial sempre aparece pra mim e eu gosto de pensar que é ela.

– Seus olhos parecem com os olhos de uma foca. – eu disse e ela riu. Pensei comigo mesmo que esse era o motivo para seus olhos não parecerem olhos humanos.

– Ah, Sol, que bom poder falar disso finalmente.– ela disse e, olhando o relógio no seu pulso, se levantou e fiz o mesmo. – Falei que seria rápido, não falei? Tá na hora da gente voltar. Eu não sei se você tem um celular mas vou te deixar com meu número, tá? Assim a gente pode continuar conversando, mesmo em ilhas diferentes.

Concordei e sorri. Era ótimo saber que essa viagem tinha me dado um presente tão grande como um nova amizade. Principalmente, uma amizade quase humana e que podia entender tudo o que eu vivia.

•••

– Um minuto adiantada! – Juniper disse, rindo, enquanto eu desacelerava o passo. Provavelmente ter ido correndo até o ponto de encontro não foi uma boa ideia.

– Tava fazendo o que, Sol? – Perol perguntou. Ela carregava duas bolsas que pareciam estar cheias de cerâmicas.

– Conversando! Conheci uma menina. Ela até me passou o número de telefone, posso salvar no celular de algum de vocês?

– Salva no meu! Mas já tá na hora da gente te dar um celular, né mãe? Pelo menos pra gente manter contato quando você sumir... – ela disse e deu uma risada nervosa.

Pra falar a verdade, eu não gostava tanto quando eles compravam coisas pra mim. Odiava ter que ser tão dependente assim. Mas realmente um celular seria de bom uso, principalmente porque me desespero um pouquinho em imaginar que eu posso me perder na ilha.

O resto do dia foi como um bom sonho. Eu não me lembro exatamente de tudo, mas sei que ficamos até depois do almoço andando pelas ruas, entrando em lojinhas e conversando sobre coisas aleatórias. Foi ótimo passar um dia assim porque, apesar de tudo, eu sequer me preocupei com o fato de não ter minha memória.

Até mesmo a volta de barco foi mais tranquila. Claro, eu ainda sentia enjoo e um pouco de nervosismo, mas olhar para o mar me deixou mais relaxada.
Passamos todo o tempo da volta observando o sol se pôr na linha do oceano. A mistura das cores no céu, que se refletiam e se transformavam nas ondas, trazia um certo aconchego para dentro de mim.

E olhar para o meu lado e ver essas três pessoas tão próximas de mim, mesmo que poucos meses atrás fôssemos desconhecidos, também me fazia sentir mais querida e sentir que eu tinha um lugar ali.

Eu realmente era alguém e tinha um novo lugar no mundo.

~nota da autora
gente, foram 8 meses de atraso pra postar esse capítulo mas antes tarde do que nunca, né?
Saibam que eu nunca vou abandonar essa história, porque ela tem um lugar muito especial no meu coraçãozinho. Talvez, por esse motivo, eu me esforce tanto pra postar um capítulo sem erros e bem desenvolvido!! Quero que vocês realmente sintam que fazem parte dessa história e que sintam o que cada um dos personagens quer transmitir.
Ah, eu ficaria mega agradecida se vocês comentassem o que acharam!! Eu amo de verdade ver as reações de vocês, isso me alegra de uma forma muito grande e me dar muito ânimo pra escrever.
Beijinhos ❤️

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