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Sinto meu corpo sendo carregado, saber que eu não estou flutuando é de extremo alívio. Olho para o lado e vejo o mar.

Do outro, vejo uma mulher sentada no banco do barco. Seus olhos cansados e o cabelo preso em um rabo de cavalo. Ela segura minha mão e consigo ouvir ela rezando baixinho.

Eu me encontro enrolada em uma toalha branca, mas mesmo assim sinto um frio congelante. Tremo tanto que mal consigo sentir meus braços.

—Chegamos! — uma voz masculina grita da cabine.

O barco para. Recebo ajuda para descer e logo vejo alguns paramédicos, que me colocam em uma maca e suponho que me levarão para o hospital.

Não sinto nenhuma dor forte, mas todo o meu corpo parece estar em crise.

Fecho meus olhos em meio ao balanço da ambulância. Será difícil, mas eu preciso descansar.

Abro os olhos e já estou no hospital, uma enfermeira entra no quarto, carregando alguns biscoitos e um suco.

— Olá! Que bom que já acordou! Fizemos alguns exames em você, daqui a pouquinho chegam alguns policiais para te fazer perguntas. Enquanto isso pode comer esses biscoitinhos, acabaram de sair do forno.

Coloco um pedaço na boca e sinto o primeiro gosto desde que cheguei na ilha. Na verdade, o primeiro foi a água salgada do mar que havia engolido.

Escuto alguns passos pesados e apressados. Bastante apressados. Dois homens entram no quarto, provavelmente os policiais que a enfermeira disse.

—Boa tarde, somos os policias e gostaríamos que você respondesse algumas perguntas. — eles falam—Você se lembra de algo? —um deles pergunta enquanto o outro anota.

—Não. —eles fazem uma expressão de decepção. Não os culpo, essa resposta anula qualquer outro tipo de pergunta.

A enfermeira entra na sala com um relatório. Ela o entrega para os homens.

—O raio x não mostrou nada anormal. Ela tem uma pequena fratura na perna, quase curada. De resto alguns arranhões na barriga e um corte profundo no braço esquerdo, já cicatrizando. O vestido que ela estava usando no momento tinha algumas poucas manchas de sangue, que parecem antigas. Vou entregar pra vocês analisarem, está na recepção. Já sabem o que aconteceu com ela?

—Ainda não, mas mandamos mergulhadores para procurar vestígios de algum acidente de barco nos arredores da ilha. A memoria dela tem prazo de volta?

—Com o tempo, sim. Nada que possa ser acelerado. Podemos libera-la hoje mesmo.

—E a fratura?

—Não a impede de andar. Não há motivo para prende-la aqui.

—Tudo bem então, Claire. Vamos leva-la para uma casa de familia voluntaria, já que não sabemos se tem algum conhecido por aqui... Sabe quantos anos ela tem?

—Não é possível dizer com certeza mas em torno de 16 e 18 anos.

Fico escutando atentamente, na esperança de que alguma memória volte e eu possa ajudá-los a descobrir quem sou. Mas nada acontece e continuo me sentindo uma completa estranha.

Coloco uma roupa que a enfermeira me entrega, já que os policiais falaram que eu vou ficar na casa de uma família. Entro no carro e eles me levam para uma casa grande, com uma praia privada. O que, na verdade, me deixa um pouco nervosa. Não quero chegar tão perto do mar.

—Você vai ficar na casa de uma moça chamada Perol. Não precisa se preocupar com o tempo, ela vai te acolher até descobrirmos o que realmente aconteceu com você.—o homem que está no banco do motorista diz, tentando me acalmar. É bem evidente que eu estou nervosa.

Saímos do carro e ele bate na porta da casa. Uma moça de cabelo castanho abre, com um sorriso grande no rosto.

—Essa é a menina, Perol. —ele se vira para mim e me entrega um cartãozinho.—Caso lembre de algo, pode ligar. — afirmo com a cabeça e o vejo indo embora.

Eu e Perol entramos e começo a andar, observando todos os detalhes do interior da casa simples, mas aparentemente muito aconchegante. A sala é pequena, divide o espaço com uma mesa de jantar e uma cozinha americana. Na frente do sofá, uma lareira, e ao lado uma escada que leva para o andar superior.

Em cima da lareira, vi fotos de uma menina de cabelos negros e um garoto de cabelos castanhos. Deduzi que eram seus filhos.

—Não é a casa mais luxuosa da ilha, mas espero que se sinta bem. Você vai ficar no quarto da minha filha que está de viagem. Lá tem algumas roupas, mas podemos comprar novas se quiser. Aliás, se lembra do seu nome?

Balanço a cabeça, negando.

—Não importa, então. Vou te deixar com a tarefa de escolher um nome, pode ser?

Dou um sorriso. Ela vai até a cozinha e eu continuo olhando as fotos, mas sou interrompida pelo som da porta da sala batendo.

Um garoto jovem entra, carregando uma mochila. Percebo que é o mesmo da foto. Ele carrega um semblante cansado mas tenta disfarça-lo ao me ver.

—Oi. —ele acena com uma tentativa de sorriso e eu aceno de volta.

—Chegou na hora certa, Charles! —Perol disse saindo da cozinha e o abraçando. —Esse é meu filho, ele vai te mostrar a ilha, mas antes queria que você conhecesse seu quarto. Pode trocar de roupa, se quiser. Essas roupas de hospital devem ser muito desconfortáveis, né?

Ela me acompanha até o quarto, no andar de cima e me deixa sozinha lá.

O quarto é grande, paredes brancas com uma cama de casal. Mas a primeira coisa que reparo é a janela de frente para praia.

O mar.

Chego mais perto da janela aberta e respiro fundo, sinto o cheiro de maresia e escuto o barulho das ondas na tentativa de relaxar um pouco, olho para o armário e pego um vestido qualquer e me tranco no banheiro. Já não ouço mais o barulho do mar.

Ligo o chuveiro quente, meu segundo contato com água. Não é ameaçador e nem me deixa com medo, na verdade é muito relaxante. Fecho meus olhos enquanto deixo a agua cair por todo meu corpo e tento organizar os pensamentos.

Tudo parece tão confuso.

Termino o banho e coloco o vestido, olho para o espelho grande que tem no banheiro e posso ver, pela primeira vez, meu rosto. Olho para meus olhos verdes e para meu cabelo loiro, cheio de ondas. Também olho para meu corpo, cheio de marcas e machucados feios. Agradeço mentalmente pelo vestido disfarçar um pouco meu corpo quase esquelético.

No espelho vejo uma completa desconhecida.

Fecho meus olhos e tento me concentrar em outra coisa.  Saio do quarto e desço as escadas, chegando na sala.

—Vamos?—Charles pergunta, prontamente se levantando do sofá.

Saímos da casa e andamos pelo centro. Olho a praça, a igreja, pessoas correndo e se divertindo. Famílias felizes.

Como está começando a escurecer acredito que vamos voltar para a casa, mas andamos até uma pequena ladeira que leva para uma área com algumas árvores. Noto uma grande quantidade de pessoas.

—Chegamos. —Charles fala.

ALONEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora