"Viver não é esperar a tempestade passar. É aprender a dançar na chuva." (Autor Desconhecido)
Olhei no celular e respirei profundamente, estava muito frustrada, pois, só tinha se passado três minutos desde a última vez que o tinha olhado. Estava com uma ansiedade que não conseguia controlar, queria que as horas passassem logo, que a aula acabasse de vez, para que eu pudesse ir embora.
— Décima primeira. — Olho para a minha colega e ela estava rindo.
— Não entendi. — Disfarço.
— Essa é décima primeira vez que olha no seu celular em dez minutos. —Fala olhando para mim com especulação.
— Quero ir embora, não estou bem. — O que de fato não era mentira.
Estava com a barriga doendo, a ansiedade estava me matando.
— Falta meia hora, Vivi, pode ir embora. Eu te envio por mensagem sobre a história da vez. Eu aposto com você que a professora vai terminar a aula falando do ex-marido dela.
Eu ri, lembrando que essa professora era acostumada a falar da sua vida pessoal sempre no finalzinho da aula, isso tudo para o tempo passar mais rápido.
— Vai logo, sua boba! — Incentiva.
Mordo os lábios apreensiva. Odiava perder aula, mas dessa vez estava muito tentada com a oferta de não ouvir as histórias da professora Sônia. Olhei para frente e a professora falava coisa com coisa. Da aula dela se tirássemos trinta por cento de aproveitamento era lucro.
— Então eu vou embora, só não se esquece de me mandar o resumo da aula. — A lembro.
— Deixa comigo.
Junto o meu material e despeço da minha colega e da professora. Tinha cinco minutos que o Adrian mandou mensagem avisando que já estava no estacionamento. Conforme ia descendo a escada eu sentia as batidas desenfreadas do meu coração.
Eu havia passado algumas noites acordada pensando nele. Se eu fosse pensar em termos racionais, era loucura o que estava fazendo. Nós dois parecíamos muito diferentes um do outro, e eu estava em uma fase que consumia todo o meu tempo. Mas de alguma forma Adrian me fez sentir bem, isso aguçou minha curiosidade de querer conhecê-lo melhor, e descobrir o motivo de ele provocar essas palpitações no meu peito, que faz anos que não sentia.
Tomei coragem e segui para o caminho que ele falou que estaria. Adrian estava em pé encostado na porta do carro. Com os braços cruzados no peito e de roupa informal, parecia tão à vontade. Tão lindo. Que senti o estomago retorcer.
Respira Vivian.
— Oi. — O cumprimentei.
Aproximei dele e automaticamente dei um beijo em sua face, era algo costumeiro do meu cotidiano, cumprimentava meus amigos dessa forma todos os dias. Adrian me surpreendeu ao virar o rosto e nossos lábios se encontraram. Foi um beijo casto, sem muito envolvimento carnal. Mas o aperto da sua mão em minha cintura provocou arrepios no meu corpo.
— Oi. — Ele responde e se afasta da porta, ainda me segurando.
— Desculpe se o fiz esperar muito. — De maneira discreta me afastei e ele soltou minha cintura.
— Você vale toda a espera do mundo.
Eu sorri. E foi nesse momento que eu decidir proteger o meu coração, não podia correr o risco de me apaixonar.
Não por ele.
Eu não tinha esse direito, não enquanto minha vida estava em uma corda bamba.
— Então! aonde vamos? — perguntou.
— Estou ao seu dispor. — Brinco com ele e me arrependo de imediato. Pois vi um brilho em seus olhos que me fez recuar um passo para trás. Não por medo dele, mas por instinto mesmo.
— Olha o que fala. Posso levar a sério suas palavras.
— Adrian, eu...
— Eu entendi, Vivian. Estava brincando também. Podemos ir a algum lugar próximo a sua casa.
— Seria ótimo. — Respondo aliviada por ter me livrado desse momento constrangedor.
— Então vamos.
Já dentro do carro com som ligado bem baixinho ele começou a perguntar sobre o restante do meu dia. Até esse momento eu tinha bloqueado da cabeça tudo o que dizia respeito à consulta com o meu médico. Eu já sabia do meu estado, e não queria ficar lembrando sempre que eu precisava da cirurgia para poder viver. Já estava sofrendo o suficiente com a espera que isso levaria.
Eu não tinha outra opção. Somente o tempo seria meu aliado nessa luta contra o câncer.
— Não via a hora de chegar à noite, só para te ver. — Diz enquanto da seta para virar uma esquina.
— Eu também. — Confessei.
Não tinha o porquê mentir, eu fiquei o dia todo pensando nele. E ainda tinha minha mãe que me mandava mensagem só para lembrar-me de ser educada, e não se esquecer de convidá-lo para um almoço no domingo.
Raridade
Anderson Freire
Não consigo ir além do teu olhar. Tudo que consigo é imaginar. A riqueza que existe dentro de você.
O ouro eu consigo só admirar, mas te olhando eu posso a Deus adorar
Sua alma é um bem que nunca envelhecerá
O pecado não consegue esconder A marca de Jesus que existe em você
O que você fez ou deixou de fazer
Não mudou o início: Deus escolheu você
Sua raridade não está naquilo que você possui ou que sabe fazer.
Isso é mistério de Deus com você.
Você é um espelho Que reflete a imagem do Senhor Não chore se o mundo ainda não notou Já é o bastante Deus reconhecer o seu valor. Você é precioso, mais raro que o ouro puro de orfir Se você desistiu, Deus não vai desistir Ele está aqui pra te levantar Se o mundo te fizer cair...
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Ele ia mudar de estação quando peço pra ele deixar acabar a música. Cantarolo baixinho sentindo as letras da música trazer paz para mim.
—Você é uma mulher religiosa, Vivian? — Pergunta sem me olhar, compenetrado no trânsito.
Não sou religiosa, mas a crença que tenho em Deus é muito grande e agora ainda mais, por que eu preciso encontrar forças em algum lugar pra poder enfrentar essa enfermidade. O carro para no sinal vermelho e ele me olha.
— Não sou de ir à Igreja com frequência, mas tenho muita fé em meu coração. E você Adrian, é religioso?
Depois de alguns segundo que mais pareceram horas, ele me responde com a voz bem calma.
—Não acredito em Deus, se é isso o que está me perguntando. — Confessa.
Como assim não acredita em Deus? Fico chocada, petrificada com essa revelação. Ele era ateu.
—Tem algum motivo que fez com que desacreditasse nele? — Pergunto sem deixar transparecer minha incredulidade em sua confissão.
—Não gosto de tocar nesse assunto, talvez um dia eu te conte. Mas adianto que é sobre a morte da minha esposa e filha.
Um silêncio bem pesado se instaurou no carro. Mexer em coisas do passado só mostra que feridas pode até estar cicatrizadas, mas nem sempre curadas.
— Eu peço desculpa pela pergunta indelicada. Mas quero que saiba que cada um tem o direito de escolher seus próprios caminhos, jamais te julgaria por isso.
— Obrigado. Estamos quase chegando perto da sua casa, quer que eu leve direto para lá, ou podemos ir para onde desejar.
— Não, podemos ir naquela lanchonete da última vez. — Falo rindo.
— Aquele dia fiquei bem assustado, você parecia sofrer com uma dor terrível.
— É enxaqueca, ela é minha companheira já tem um tempo. — Justifico sem olha-lo.
— Está se tratando?
— Sim.
Ele chega à pequena lanchonete, e eu agradeço mentalmente, odiava falar sobre essa doença, ela me trazia muito medo. Medo de não viver aquilo que tanto sonhei. Adrian estaciona o carro e assim que desliga o motor desce rapidamente, dando a volta e abrindo a porta para mim.
— Não vale isso, hein! — Falo descontraída e saio do carro.
— O quê?
— Nada. — Mudo de assunto.
— Fala, Vivian. O que não vale? — Insiste, eu mordo o lábio para me penitenciar por falar demais.
— É só uma brincadeira, eu te disse para não se apaixonar por mim, mas com esse cavalheirismo todo, é bem perigo eu cair de quatro por você. — Rio da minha resposta.
— Iria adorar ter você de quatro por mim.
Meu sorriso morre rapidamente e ele gargalha da cara de assombro que eu fiz.
— Adrian... — Sentia minha face arder de vergonha.
— Não! Sério isso?! Você está vermelha.
— Você me fez ficar assim. — Retruco ruborizando ainda mais.
— Só respondi com sinceridade, você que levou minha resposta para o duplo sentindo.
— Hum, sei!
— Fica linda ruborizada, faz muito tempo que não vejo uma mulher ficar com vergonha por uma simples brincadeira.
Ele coloca a mão nas minhas costas e me conduz para a lanchonete. Procuramos a mesma mesa do último encontro, mas estava ocupada. Sentamos próximo à entrada e rapidamente fomos atendidos pelo meu amigo de longos anos.
— Vivi, como você está?
— Oi, Nando-. Bem e você?
— Ótimo também. Vai querer o que hoje?
— Só um suco de maracujá. — Peço, eu não estava com fome e minha barriga não estava ajudando muito.
— E o senhor? — Ele pergunta virando para o Adrian.
— O mesmo que o dela.
— Volto em cinco minutos. — Nando se afasta rindo para um casal que acabara de chegar.
— Ele é sempre assim? — Adrian aponta para o Nando.
— Sim, ele é bem extrovertido mesmo. — Respondo sua pergunta com um sorriso.
— Percebi. — Senti certa antipatia em seu tom ao falar sobre o Nando, mas relevei e lembrei dos rascunhos que tinha feito mais cedo.
— Tenho uma coisa pra te mostrar.
Pego meu celular e procuro nas imagens a foto que tirei.
— Eu tomei liberdade e fiz um esboço da cabana. Mas claro que irei fazer aquilo que me pedir.
Entrego o celular a ele que olha com bastante interesse. Fico apreensiva enquanto aguardo ansiosa ele ver as fotos. Adrian entrega o meu celular e eu o coloco em cima da mesa.
— Você tirou essa ideia de algum lugar? — Pergunta.
— Não, a imagem dela veio a minha cabeça e eu passei para o papel, mas logico que terei que ver onde vai ser construído. O que você tem em mente? O que fiz aí é apenas para você ver um pouco do meu trabalho.
— Eu quero o seu toque nesse projeto. Quero que faça tudo como se fosse para você, um lugar onde seria o seu porto para passar um final de semana, lua de mel. Algo que seria especial para você.
— Eu... mas a cabana será sua. Tem que ter o seu toque nela.
— Mas eu quero apenas o seu toque, Vivian. Irei apenas acompanhar o andamento.
— Adrian...
Ia retrucá-lo, mas Nando escolheu esse exato momento para trazer o nosso suco.
— Prontinho, precisando de algo é só chamar, Vivi.
— Obrigada, Nando.
Tomo um gole do meu suco para ganhar tempo e digerir essa ideia louca que Adrian me falou.
— O que me diz?
— Eu não sei, sempre faço meus projetos baseando em tudo o que o cliente me passa.
— É só você imaginar que será sua, faça o projeto e depois me mostra. Eu confio no seu gosto. — Fala depositando sua confiança em mim.
— Vou dar o meu melhor. — falei sincera.
— Sei que sim. Afinal, eu contratei a melhor.
Um largo sorriso saiu dos meus lábios. E mais uma vez minha barriga deu um rebuliço dentro de mim. Tomamos nosso suco e ficamos conversando, a hora voa quando estou com ele. E só percebi que já estava tarde quando meu celular vibra, e na tela aparece a mensagem do meu pai dizendo que já estava no ponto de ônibus me aguardando.
— É o meu pai, ele está me esperando no ponto de ônibus. Esqueci de avisa-lo que estaria com um amigo. — Aviso ele.
— Então vamos.
Adrian vai até o caixa para pagar enquanto eu o aguardava na saída. Mandei uma mensagem para o meu dizendo que já estava chegando, para o meu alivio Adrian não demorou e ambos saímos em direção ao seu carro.
Esperando-o abrir a porta do carro eu fui surpreendida quando ele me puxou para o seu braço.
— Adrian?
— É só um beijo.
Mal suas palavras saíram e eu me vi sendo levada para uma sensação de emoção que ainda não tinha experimentado. Invertendo a posição eu fiquei prensada entre ele e a porta. Pude sentir toda a extensão da sua ereção em minha barriga.
Para aprofundar o beijo ele segurou minha nuca, me fazendo soltar um gemido. Eu estava derretendo nos seus braços, e fiquei excitada quando sua mão desceu lentamente pelas minhas costas e depois passou pela minha barriga subindo vagarosamente, quase chegando ao meu seio. Tomei um susto, pois além de ele estar indo rápido demais, nós estávamos em um lugar público. Afastei-me dele, mesmo meu corpo protestando, estava bem molhada e querendo tudo o que o seu beijo prometia.
— Preciso ir, meu pai vai ficar preocupado. — Falo com a voz trêmula.
Estava ofegante e muito perdida nesse mar de emoções que seus beijos me faziam sentir.
— Tudo bem, eu te deixo no ponto que o seu pai está.
Ele arrodeia o carro e entra logo em seguida, faço o mesmo e me acomodo. Olhei para o Adrian e ele parecia aborrecido.
— Pode tirar esse olhar preocupado do seu lindo rosto. Não estou aborrecido, não com você. É que beijar você me fez ficar com os pensamentos bem controversos. — Fala colocando o carro em movimento.
— Que tipo de pensamentos? — Pergunto e logo depois indico o ponto de ônibus que meu pai estaria.
Minha casa fica a poucas quadras da lanchonete e não avisar o meu pai que iria para casa com o Adrian nos fará andar um pouco a mais.
— Um bem impróprio. Mas basta olhar para minha calça e você verá com os seus próprios olhos.
Não olhei. Não por falta de vontade, por que eu tinha muita, e sim por que meu corpo era bem traiçoeiro. E eu queria ir com calma.
— Entregue.
Eu olhei para o ponto e meu pai estava sentado com os olhos fechados, parecia bem cansado.
Adrian pareceu ler os meus pensamentos.
— Seu pai parece cansado.
— Essa rotina é bem cansativa mesmo, mas está acabando, menos de oito meses eu realizo o nosso sonho. — Sorrio com a expectativa de finalmente terminar minha faculdade.
— Posso te buscar amanhã novamente?
— Vai ficar cansativo para você, Adrian.
— Já disse que você vale todo o sacrifício.
— Então eu te aguardo.
Ia saindo do carro quando sua mão me segurou.
— Eu vou no seu tempo, Vivian. Mas, isso não significa que não agirei no meu.
Dessa vez foi um beijo mais casto, Saio do carro rapidamente e caminho sem olhar para trás. Por sorte meu pai ainda estava com os olhos fechados.
Respiro e me acalmo, só depois o chamo.
— Pai! Vamos?
— Oi filha. Cochilei que nem vi.
O meu peito apertou de ver o quanto ele me protegia. Eu amava esse homem com o todo o meu coração.
— Está quase acabando meu velho.
— Graças a Deus.
Fomos andando abraçados para nossa abençoada casa.
Amanhã eu o veria de novo. E suas últimas palavras ficaram martelando em minha cabeça por várias horas.