O Que o Espelho Diz - A Rainh...

By MeewyWu

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Capa Atual: Foto de Alice Alinari, instagram: alice_alinari A Rainha da Beleza: O que o Espelho Diz. Bethany... More

Epígrafe
Prólogo
I - Alianças Diferentes
II - Um fantasma no Palácio
III - O Conselho Real
IV - Informação Vazada
V - Palácio de Verão e Vidro
VI - Chuva de Cristais
VII - Vidro Embaçado
VIII - Protetora de Paris
IX - Cavaleiro de Prata
X - Teia de Veludo Vermelho
XI - Carvão e Metal
XII - Ilusões Refletidas
XIV - Retinta
XV - Sonhos de Marfim
XVI - Espadas de Madeira
XVII - Floresta de Esmeraldas
XVIII - Penas Prateadas
XIX - Corpos e Fantasmas
XX - Rios de Sangue
XXI - Palácio de Ferro
XXII - Cartas à Morte
XXIII - A espada vermelha
XXIV - Claro como Cristal
XXV - Coroa de Ossos
XXVI - Sapatos Brilhantes
XXVII - Segredo Americano
XXVIII - Posição Política
XXIX - Arte da Guerra
XXX - O Que o Espelho Diz
Epílogo
O Que o Espelho Diz - Por Meewy Wu
AESTHETICS

XIII - Prismas

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By MeewyWu

Já era noite outra vez quando eu acordei, jogando o corpo para fora da placa de madeira para vomitar qualquer coisa que estivesse em meu organismo. Fui atingida por dor e tontura, antes de duas mãos me segurarem, e a voz da mulher que estava cuidando de mim falou coisas que eu não entendia em um tom reprovador.

Percebi, naquele rápido movimento, que a placa não estava em contado direito com o chão. Havia um suporte de madeira suportando uma superfície acolchoada onde a placa havia sido colocada sobre. Parecia mais confortável que aquela placa dura, pensei, quando a mulher negra me colocava deitada de novo.

Eu sentia vontade de brigar comigo mesma. Eu deveria agradecer por estar viva, ao invés de pensar em qualquer conforto. Do que adiantaria, quando eu mal sabia o que aquelas pessoas que diziam ter me salvado fariam comigo.

Alguém seria capaz de ser tão cruel, a ponto de tirar alguém da morte e cuidar de sua saúde antes de fazer algo pior? Eu queria dizer a mim mesma que não, mas eu não era tola – o mundo tinha milhares de anos de história para provar que sim, pessoas eram capazes disso e de coisas piores.

-Bruxa maldita – grunhiu a mulher, enquanto limpava minha boca e me entregava um pote com água – Enxague a boca.

A água estava fria, mas não foi à temperatura que deixou a sensação gelada na minha boca. Havia outras coisas ali, talvez menta ou hortelã. O cheiro era de limão, e tinha algo adocicado no fundo. Cuspi de volta do mesmo pote. Ela tirou das minhas mãos, pegando um balde e limpando o chão.

-Mesmo quando crianças, ela sempre gostou de coisas que pudessem machucar os outros – a mulher grunhiu, parecia estar falando sozinha e não comigo, então apenas segui deitada, ignorando o cheiro do meu próprio vomito. Fechei os olhos, me concentrado apenas em não vomitar outra vez. Eu duvidava que meu corpo tivesse qualquer coisa para vomitar – As cinzas de minha avó devem até hoje se arrepender de ter ensinado qualquer coisa aquela...

-Está tudo bem aqui? – uma segunda voz de mulher perguntou. Abri os olhos, olhando para a entrada da cabana.

Ela era a mulher mais alta que eu já vira, talvez a pessoa mais alta que eu já vira. E tão fina, ombros e quadris estreitos, braços e pernas longos, e um rosto quase pontudo, com um nariz igualmente pequeno. O pescoço parecia fino demais para suportar o peso dos cabelos longos e encaracolados, que batiam nos joelhos dela.

A pele dela era quente, não cinzenta como da mulher que me cuidava ou azulada como a de Kambami. Era mais como a de Nisha, chocolate derretido, como se tivesse absorvido um pouco de fogo dentro de si e ele a iluminasse de dentro para fora em nuances avermelhadas.

-Olá, Senhorita – ela sorriu para mim, quando viu que eu a encarava.

-O... – tentei responder, mas minha garganta me traiu. Como eu podia ter gritado tanto, ao ponto de deixa-la naquele estado, e não lembrar?

-Não fale, deve estar melhor em um ou dois dias e então poderemos conversar – ela ergueu uma mão, olhando para a mulher cinzenta – Cléo?

-É o mesmo veneno de sempre – a mulher, Cléo, respondeu – Roxanna não tem com quem aprender nada novo, isso eu posso garantir. Não é o Dragão que vai conseguir livros como estes para ela.

A alta passou os olhos pelas prateleiras – Não, imagino que não – ela voltou os olhos para mim – Ela precisa de um banho. Quer que eu mande alguma das garotas ajudar?

Cléo bufou – Quando ajudam?

-Vou pedir que Uzuri venha – foi tudo que a primeira falou, sorrindo calmamente enquanto saia. Cléo terminou de limpar, e começou a olhar de um lado para o outro, arrumando coisas.

-Deve ser constrangedor para você, ficar tão exposta – ela falou dando um olhar atencioso para mim – Pode ficar com sua roupa de baixo, se preferir. Mas estão fedendo a suor e veneno tanto quanto seu corpo e cabelo.

-Eles estão trazendo a banheira – falou uma garota entrando na tenda, deveria ter a idade de Sabrine Venezza talvez. Olhos de corsa, grandes e redondos, e um nariz proeminente. Bochechas cheias em um rosto pequeno, e lábios pequenos e grossos.

Não devia ficar na altura do meu ombro, pensei, enquanto soltava dois baldes cheios de água que carregava nos braços gordos. Ela também tinha aquele brilho quente da outra mulher, mas parecia ter absorvido apenas o sol, e não o próprio fogo.

E ela me olhava da mesma forma que Isabel Venezza me olhará na primeira vez que me viu. Ela não me queria ali.

Dois homens entraram com uma grande estrutura de madeira, redonda. Um deles havia ajudado a me carregar e o outro era quase tão parecido e se movia tão rápido que não consegui achar traços para diferencia-los. Eles entraram e saíram e entraram e saíram enchendo de água a estrutura, até saírem uma última vez.

Dentro da água estranhamente morna, deixei que Cléo tirasse as ultimas peças de roupa intima e me encolhi, enquanto a garota colocava algo no meu cabelo. Cléo jogou um liquido verde na água, que começou a reagir formando espuma.

-Está dissipando o veneno – Cléo explicou – É inofensivo. Você não deve suar mais. Talvez vomite mais algumas vezes, e não se assuste se seu ciclo chegar mais cedo ou se seu nariz sangrar. Seu corpo vai expelir esta droga por todos os lados. Uzuri pegue alguma roupa para ela enquanto eu troco os curativos. Nada que abafe o ferimento.

A menina saiu, pisando duro. Cléo se colocou sob meu braço, me ajudando a levantar sem que eu forçasse o lado ferido. Eu ainda estava ajoelhada na banheira, quando ela ordenou – Urine.

Pisquei surpresa. Ela continuou – É mais fácil, do que levar você desta tenda até o banheiro. Apenas faça.

Eu fiz, antes dela acabar de me erguer e me levar para cama outra vez. A garota havia retirado à placa de madeira, e agora ela havia me colocado sobre um amontoado de almofadas quadradas dispostas umas ao lado das outras, como um quebra cabeça. Não era tão macio quanto imaginei, mas era melhor do que eu vinha tendo.

Ela cobriu meus quadris com o lençol branco, antes de começar a mexer no ferimento. Ignorei a curiosidade quando a dor começou a dançar pelo meu corpo, nos lugares mais inusitados em efeito ao ponto na minha cintura onde ela mexia.

-Uzuri mandou entregar isto – o rapaz albino entrou, com um monte de tecidos amassados. O desinteresse dele, diante ao meu peito exposto e nu, quase me incapacitou de sentir qualquer vergonha daquela situação. Ou talvez, fosse apenas à dor que exigia minha total atenção naquele momento.

-Deixe ai – Cléo mandou claramente irritada – Obrigada Gelo. – Ele saiu. Ela seguiu cuidadosamente limpando o ferimento. Em seguida, me ajudou a me vestir. A roupa que a menina havia mandado era preta e de material elástico e justo. A blusa não tinha mangas, e só bastava para cobrir meus seios. As calças ficavam logo abaixo do meu joelho.

Ainda sim, pensei, ficaram justos demais em mim para que fossem dela.

-Eu vou senta-la, para arrumar seu cabelo – Cléo me avisou, segundos antes de me erguer – Acho que não me apresentei direito, meu nome é Cleópatra. Cléo.

-Be... – comecei a tossir antes de acabar a primeira sílaba. Suspirei frustrada.

-Está tudo bem, vou fazer algo para sua garganta depois de terminar – ela dividiu meu cabelo em duas partes, e senti as mãos dela se movendo em meu couro cabeludo. Apenas fiquei em silêncio enquanto ela passava para a outra lateral da minha cabeça. Quando as tranças acabaram, ela se afastou e começou a preparar algo. Segui sentada, sem saber o quanto doeria me deitar novamente, mas também sem querer estar deitada por mais tempo.

O cheiro forte e doce subiu da bebida, quando ela colocou uma tigela quente em minhas mãos. Tinha a consistência de mel, embora não tivesse cheiro de nada parecido com mel. Bebi um gole, sentindo alivio na minha garganta imediatamente. Bebi tudo, duas vezes, e por fim consegui uma palavra sem falhas – Obrigada.

-E ela fala – sorriu Cléo – Não exagere, vai levar alguns dias para que recupere totalmente as palavras. Mas preciso saber seu nome.

Pisquei. Ela não sabia? Eles não sabiam quem eu era?

-Sabemos que é do palácio – ela falou, se afastando com a tigela – E sabemos que a filha do Dragão estava irritada, pois você não é quem eles queriam. Mas quem é você?

Pisquei. – Bethany – Kambami sabia quem eu era, sabia que eu era noiva de Fox.

-Então é verdade – ela suspirou, apoiando o quadril em uma mesa e olhando para mim com um terror sufocado – A noiva do príncipe.

-Quem são... – parei por um minuto, para engolir a saliva, mas não precisei terminar a frase.

-Pessoas que vão acabar com problemas – foi o que ela falou – Guarde suas perguntas para Abba. – minha expressão deve ter entregado a confusão que senti – A mulher que esteve aqui mais cedo. Precisa de mais alguma coisa? Quer se deitar novamente?

Neguei, observando ela olhar entre as prateleiras, procurando algo. Ela pegou um livro de capa vermelha, e se sentou em uma cadeira confortável, olhando para mim desconfiada – Gosta de histórias? – assenti, e então ela deu um sorriso zombeteiro – A paz seria mais fácil de ser conquistada, se os brancos soubessem manter suas armas guardadas e bocas fechadas.

E então, ela abriu o livro e começou a ler em voz alta.

Passaram-se três dias até que eu conseguisse caminhar quase sem nenhuma ajuda, e sem que a dor parecesse prestes a cortar meu corpo ao meio. Três dias preenchidos de sonos longos que tomavam boa parte do tempo em que o sol estava no céu, momentos de solidão e companhias silenciosas.

Cléo era a única constantemente por perto. Uzuri e Gelo apareciam uma ou duas vezes por dia, para ajuda-la, e então sumiam, sempre carregando ordens para pessoas que eu não conhecera para conectar os nomes aos rostos. As conversas veladas me faziam entender que Cléo havia proibido o resto do grupo a se aproximar.

-Como aprendeu a fazer tudo isso? – perguntei, quando consegui cruzar da cama até a pequena mesa e Cléo retirou seu apoio para que eu me sentasse.

-Minha avó me ensinou – ela falou, moendo folhas e derramando o liquido verde delas em outro recipiente – Ela achava que era melhor aprender as artes da cura do que as artes da guerra.

-Mas ela ensinou o veneno que Roxanna me deu – lembrei um pouco confusa – Não parece muito curativo.

-Meu pai era o que seu povo chama de rebelde – ela falou cuidadosamente me analisando - Minha mão o mesmo. Morreu cedo, em um incêndio grande demais para que ela controlasse ou fugisse.

Pisquei. Algo na minha cabeça tentava me lembrar de ficar calma, mas havia um fundo assustado e primordial que queria apenas correr independente de todas as complicações que havia nessa resolução.

-Minha avó ensinava o que sabia aqueles que queriam aprender. Roxanna era uma das favoritas de meu pai, filha do primeiro no comando dele. Aquele veneno que ela lhe deu mata sem dor, lenta e delirantemente. – ela respirou fundo, de repente a testa estava suada – Minha avó dava para os prisioneiros, antes de serem torturados. Na dose certa, eles nem sentiriam dor. Não foi o seu caso...

-Não, eu posso garantir que dor foi tudo que eu senti por muito tempo – falei, sentindo meu abdômen se contrair e todas as partes doloridas serem puxadas juntas, como se para confirmar aquele pensamento.

-Roxanna era boa, mas não a melhor – ela sorriu para si mesma – Minha avó morreu. Ou foi o que meu pai disse. Depois disto, Roxanna não se mostrou tão útil quanto ele esperava. Sem minha avó, ficou encurralada. Eu viajei com ele por uma década e meia a mais, roubando livros e anotando o que descobria. Foi um dia, colhendo plantas, que encontrei um dos homens de Abba. Estava fazendo um reconhecimento de área e me contou sobre o grupo dela. Um grupo que não fazia guerra, ou causava mortes. Um grupo que resgatava aqueles que precisavam de nós.

-E você se juntou a eles? – perguntei, mas ela negou. Confusa, segui encarando ela – Mas está aqui.

-Levei mais dois anos para tomar coragem – ela confessou – Queimei todos os livros que tinha, e fugi sem saber onde o grupo estava ou como encontra-los. Caminhei por semanas e mais semanas, ajudei a curar diversos dos meus pelo caminho até que um dia Abba me encontrou, precisando de ajuda. Havia crianças doentes no grupo, crianças morrendo.

-Tem crianças aqui? – perguntei, desconfiada. Ela não respondeu, e eu não soube dizer se estava perdida na história ou apenas evitando a pergunta.

-Eu não queria ficar – ela confessou – Abba acredita em uma paz isolada, onde não convivamos uns com os outros. Eu acredito que possamos coexistir nossos dois povos. Que um novo mundo ainda irá surgir e seremos forçados a nos unir. Mas até este dia, eu vou seguir Abba em busca de qualquer paz. Pronta para voltar para a cama?

Gemi, enquanto ela se aproximava. Quando o sol batia diretamente em seus olhos, Cléo não era tão jovem quanto parecia. Se eu havia calculado direito, ela deveria ter aproximadamente quarenta anos.

O sol estava se pondo. Respirei fundo, me preparando para ser guiada até a cama, quando alguém entrou chamando atenção de Cléo.

-Está pronto? – perguntou uma voz feminina ofegante e macia.

Cléo seguiu ao meu lado, mas se virou para encarar quem havia chegado – Não são alguns minutos a mais que vão colocar uma criança dentro dela. Se vocês três fossem mais cuidadosos...

-Por favor, ela está me enlouquecendo – gemeu a voz feminina, mais perto do que estava antes – O que vocês colocaram na pobre garota.

Cléo suspirou, dando a volta na mesa e colocando algo em uma pequena fonte de fogo ali. O liquido começou a borbulhar. Um par de pés descalços foi a minha primeira visão da desconhecida, antes dela parar exatamente no lugar ao meu lado de onde Cléo saíra, encostando os quadris na mesa e me analisando.

-O-Lá! – ela falou, erguendo uma mão com os cinco dedos bem afastados e balançando de um lado para o outro.

-Não seja ridícula Thandiwe, ela fala francês – grunhiu Cléo, despejando o liquido borbulhante em outro frasco.

-Nunca sei o que esperar destes brancos – ela deu os ombros, voltando a olhar para mim – E você, é a garota que ia casar com o dragão. Acho que me deve um agradecimento, se eu não tivesse descoberto sobre os planos dele neste momento você estaria na cama daquele verme.

-Obrigada – falei, sem muita convicção – Mas não sou quem ele queria. Confundiram-me com outra pessoa.

-Quem? – ela ergue os olhos felinos, mexendo involuntariamente o nariz, como se farejasse algo interessante.

Dei os ombros – Não sei dizer.

-Oh – ela fez um biquinho, deixando os ombros cair.

-Aqui está – Cléo entregou o frasco para ela – Ela irá sangrar por três dias. Depois disso, ela pode voltar a atividades dela usando proteção. Vocês duas.

Ela fez uma careta para Cléo, pegou o frasco e seguiu para fora do meu campo de visão – Ela vai ao luau?

-É claro que não – falou Cléo, arregalando os olhos – Bethany precisa descansar.

-Bethany – a garota experimentou o nome – Bethany, quer ir ao luau hoje à noite?

-Eu acabei de dizer – Cléo começou a protestar, mas de repente a garota já havia se movido para meu lado, se abaixado na lateral da minha cadeira e colocado os duas mãos no meu braço sobre o braço da cadeira.

-Você pode conhecer minha irmã. Ela igual a mim, mas eu sou mais bonita por que eu deixo Abba pentear meu cabelo – ela falou animada – Nós contamos história. Aposto que você tem muitas historias para contar!

-Ela não é uma fonte, Thandiwe! – arfou Cléo, marchando em volta da mesa – Fora daqui. Não vão embebedar a garota para arrancar segredos dela, ela ainda está se recuperando.

Thandiwe riu se afastando de mim, e o riso seguiu até eu perceber que ela já saíra da tenda.

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