O Lado de Fora

By gabsel_

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------------------------------- *VENCEDOR DO WATTYS 2019 NA CATEGORIA FICÇÃO CIENTÍFICA* ... More

MAPA DE ANTÃ
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
CAPÍTULO TRINTA E SETE
CAPÍTULO TRINTA E OITO
CAPÍTULO TRINTA E NOVE (FINAL)

CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

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By gabsel_

— Como assim Leyrdalag fugiu? — perguntou Lynn.

O soldado em sua frente estava com as mãos juntas na frente do corpo. Não tinha uma postura tão boa como Hock. O capacete preto impedia ver sua aparência, mas a mulher deduzia que fosse um garoto jovem, talvez algum Insurgente poupado de ser mandado para o Outro Lado, transformado em militar contra sua vontade.

— Sua van está sendo procurada por todos os cantos... não pode ter ido longe. Também não pudemos encontrar nenhuma informação importante, eles queimaram tudo — explicou o homem. — Mas há patrulhas em todas as partes e estamos nos esforçando o máximo pa...

— Lancem um toque de recolher em toda cidade — ordenou ela. — Eu quero apenas militares andando nas ruas essa madrugada. Vamos pegar esse garoto hoje, de um jeito ou de outro.

Ele hesitou, algo que Hock nunca faria.

— Mas, senhora, ninguém está preparado para um toque de recolher — argumentou o soldado, encolhido de medo.

Lynn respirou fundo, dando um passo para frente. Já se passaram duas horas desde o ataque ao metrô, mas ainda havia tropas por lá, vasculhando as outras centrais de controle e outros buracos possíveis onde os Insurgentes poderiam ter ido. Não podiam perder mais tempo ou eles arranjariam outro esconderijo — se já não tivessem arranjado.

— Não interessa — respondeu. — Ele já nos causou problemas demais. Temos que neutralizá-lo.

Enfim, ele assentiu às ordens, virando-se para a porta. A mulher foi até sua janela pela milésima vez naquela noite. Virou um hábito observar a cidade quando ficava nervosa. E o céu escuro parecia refletir em seu temperamento. A tempestade deveria estar atingindo o Lado de Fora, mas chegando bem perto dos imensos prédios de Metrópolis.

Leyrdalag ainda insistia em brincar de gato e rato, mesmo quando todo seu grupo estava desestabilizado. O ataque ao metrô repercutia em toda mídia naquele momento, alertando o perigo de ter Insurgentes nas ruas. Não seria difícil colocar todos os civis em suas casas, principalmente por estarem no meio da madrugada. Tudo terminaria daqui algumas horas.

De repente, algo atraiu a atenção de Lynn. Numa das ruas perto dali, entre dois prédios espelhados, uma cortina espessa de fumaça vermelha subia em direção às nuvens. De onde olhava, parecia a ponta de um algodão doce saindo de trás de um edifício baixo, movimentando-se com a brisa noturna. Ela não conseguia saber o que estava acontecendo, não tinha visão do asfalto. Mas aquilo não estava planejado. Não era algo do governo.

Leyrdalag.

De repente, entraram em sua residência sem permissão. A mulher não se virou, continuou olhando a fumaça a apenas algumas quadras dali.

— Senhora — chamou o intruso; pela voz, era o mesmo soldado que saíra há poucos segundos —, tem algo acontecendo na Avenida Principal.

***

Hock e Guto assistiam desenhos animados sentados no sofá com um espaço considerável entre eles. Ambos permaneciam em silêncio desde o desabafo do homem. Eram como duas estátuas rígidas; não riam, não falavam, não se mexiam. Apenas respiravam e piscavam.

Porém, tudo mudou quando o capacete do soldado apitou subitamente na mesa de centro. Ele se apressou em vesti-lo, vendo qual era a missão que fora designado:

NOVAS ORDENS

OBJETIVO PRINCIPAL:

CONTER MANIFESTAÇÃO EM AVENIDA PRINCIPAL

O homem se levantou em um pulo. Estavam protestando? Sobre o quê? Será que a opinião pública estava apoiando os Insurgentes?

— Preciso ir — disse ao garotinho.

Então, seguiu para o elevador.

***

Dentro da van, Leyr, Hug, Chloe e Gustavo aguardavam a confirmação de Kaya para poderem invadir. Tudo estava cheirando aos perfumes que eles passaram na menina antes de a deixarem sair. O quarteto estava escondido num terreno baldio, mudaram a placa e a cor do veículo para não os encontrarem durante a viagem que fizeram até lá. Agora, toda a lataria era preta — apesar de alguns pontos onde não conseguiram pichar direito. A garota de cabelos azuis ainda tentava, no computador, modificar o Registro de Kaya para disponibilizar o acesso em todas as funções dentro do prédio do governo. Teclava e conversava com a menina de maneira ágil.

Pelo que o rapaz havia entendido, Kaya estava sendo identificada como controle administrativo do edifício, contudo, sua digital ainda não era capaz de enganar o sistema a ponto de fazer as portas se abrirem e outras coisas do tipo. Ou seja: ela conseguia passar por guardas que a pedissem identificação, mas não podia exercer nenhuma função de seu falso controle administrativo. E isso era essencial.

Dali, ouvia-se o alvoroço causado pelos outros Insurgentes. Gritos de desespero, correria, pânico total. O ataque consistia apenas naquelas bombas de fumaça que estavam guardadas na van, onde eles simplesmente jogariam pela avenida e assustariam os civis. Porém, o povo era tão desacostumado com manifestações que isso era capaz de obrigar pessoas a abandonarem seus carros, com medo de morrer na confusão.

— Acham que essa distração vai funcionar? — perguntou Gustavo. Estava inquieto e mais inseguro que o normal. Roía as unhas e andava de um lado para o outro dentro da van.

Hug e Leyr estavam sentados lado a lado no chão, com as costas recostadas na parede fria de metal com furos de bala.

— Se não funcionar, nosso risco em entrar no prédio triplica com a quantidade de soldados lá dentro — respondeu o mais velho enquanto girava o anel em seu dedo. — Precisa funcionar.

Os olhos de âmbar de Leyr ficavam sempre voltando a observar o machucado de seu parceiro. Sentia-se um pouco culpado com aquilo. Fora ele quem chutara a arma do soldado para a direção de sua coxa. Se tivesse visto antes onde Hug estava...

— Estou bem — falou o homem, notando o olhar aflito do mais novo. Eles se encararam. — Vamos conseguir.

Tudo que Leyr conseguiu responder foi um sorriso torto. Estava muito nervoso. Apertava suas mãos entre os joelhos inclinados enquanto seu coração batia com força.

Chloe, por fim, parou de falar com Kaya e se virou para os amigos presentes.

— Acho que consegui — anunciou. — Precisei invadir o sistema deles de novo, mas, dessa vez, escondi meu IP seguindo as instruções de um livro que eu li há alguns dias. Não precisei ir muito fundo nos códigos deles, então não tem como ficarem sabendo sobre a minha intrusão. Só espero que não percebam o novo Registro adicionado na seção de funcionários.

— E como a Kaya tá? — perguntou Leyr.

— Está entrando agora. Só precisamos esperar.

Então, ele abaixou seu olhar para o chão, contendo a preocupação dentro de si. Ela tinha que conseguir entrar no prédio. Precisava enganá-los. Kaya vai conseguir. Eu sei que vai.

***

Entrar. Passar despercebida. Acessar a segurança. Abrir os portões. A garota ficava repassando em sua mente. Tinha o plano todo grudado no cérebro como um carrapato. Sabia todos os caminhos, os corredores que precisava pegar, como abriria passagem para a van entrar. Estava tudo arquitetado, mas um erro mínimo poderia causar um desabamento desastroso sobre ela; sobre todos.

Engolindo o medo, a adolescente caminhou em direção ao edifício. Aquele era o prédio mais alto da cidade inteira. Tinha o formato oval, com uma ponta afiada no topo rasgando o céu e as nuvens. Não se desperdiçavam LEDs em seus ornamentos. Consistia em paredes de vidro e metal. Uma tela gigante ocupava um espaço imenso no meio da estrutura, passando imagens de Lynn enquanto uma voz feminina falava dos pontos mais positivos do governo. Ao seu redor estava lotado de drones.

Ela parou na frente do portão do muro que dividia aquela edificação do resto da cidade. Um Sem-Cara saiu de dentro de uma das cabines de vigia e foi em direção à menina. Ela ajeitou sua jaqueta preta de couro. Suas roupas novas estavam estranhas em seu corpo, algumas eram largas por serem de Chloe e outras eram um pouco apertadas por serem de Leyr, como sua calça jeans. No entanto, vestida do jeito que estava, mesmo sem muita maquiagem, parecia-se mesmo com uma pessoa do Lado de Dentro. E os perfumes deram um jeito de esconder seu mau cheiro.

Queria se sentir confiante, mas logo seu peito começou a doer quando o soldado se aproximou dela, com aquele enorme fuzil na mão. Ela não pôde deixar de olhar seu coldre, onde estava uma pistola. Logo vieram as lembranças.

— Identifique-se — ordenou o homem.

A garota parou de respirar sem perceber; as mãos começaram a suar.

— Dina Forrew — respondeu, usando seu novo nome falso. — Sou uma das administradoras daqui.

Por mais que fosse impossível ver o rosto do soldado, Kaya logo imaginou o olhar desconfiado de seu oponente.

— Precisamos checar seu Registro — falou, fazendo um gesto com a mão para chamar outro soldado de dentro da cabine.

A adolescente se manteve rígida. Fingia ter uma coluna perfeita para manter a mesma postura dos trabalhadores daquele edifício. O outro Sem-Cara chegou com um aparelho idêntico a um celular para inspecionar a biometria dela. Ergueu o objeto em sua direção, esperando um de seus dedos tocar a telinha preta.

Seu coração batia com força. As probabilidades de dar errado eram altas. Kaya podia ser descoberta ali mesmo, pega por dois soldados e morta antes de se despedir de seu irmão. Contudo, não tinha como fugir mais.

Levou seu polegar direito até o identificador. Por alguns segundos, o objeto não fez nada além de escanear as digitais. Os segundos pareceram horas para ela. Mas, no fim, uma onda de alívio percorreu toda sua espinha ao ver seus dados falsos aparecerem no monitor. Tinha até uma foto sua lá, a mesma usada para o EACEI.

Ela tirou o dedo do objeto e permitiu que os soldados checassem. No fim, o primeiro que a abordou falou:

— Está liberado.

Os portões se arrastaram para dentro do muro, revelando um caminho pavimentado de vidro escuro até a entrada principal do edifício. Fora da passagem, o chão era coberto com vegetação, onde irrigadores despejavam seus produtos químicos. Mais distante dali, havia outra entrada no muro, porém seu caminho era asfaltado e levava a uma área subterrânea do prédio. Era aquele portão que ela precisava abrir para seus amigos entrarem na garagem.

Enfim, ela seguiu até seu objetivo. Ao passar pelas portas de vidro, sentiu uma lufada de ar frio a atingir. Depois, ficou segundos paralisada com a beleza do local.

O ambiente era circular e branco, fitas de LED azul estavam coladas em todos os cantos. O chão era tão limpo que chegava a refletir a imagem de quem estava lá. O teto era alto demais, porém havia sacadas contíguas às paredes nos primeiros andares — deveriam começar a uns oito metros do chão — interligadas por pontes de vidro. Drones circulavam pelo ar. Outras tecnologias passavam deslizando pelo piso entre as pernas dos funcionários. Kaya imaginou que servissem para a limpeza. Como Chloe falara, havia três elevadores panorâmicos: um à esquerda, um à direita e o outro no extremo oposto da entrada. Ela precisava pegar o da direita por ficar mais perto de seu objetivo. Em determinados pontos havia lugares para sentar, televisões, mesas, cadeiras e sofás luxuosos. Plantas em vasos serviam como decoração.

O que mais conseguia chamar a atenção estava localizado bem no centro do pátio. Eram duas estátuas de, pelo menos, dez metros cada. Foram feitas com anéis de aço, chegavam a lembrar molas. Elas formavam duas pessoas. Um homem e uma mulher da mesma altura, na mesma posição: de frente para a entrada. Aqueles aros não conseguiam demonstrar muito mais do que aquilo. E, de repente, as estátuas começaram a se mover, unindo-se em uma só. Os anéis se encaixaram nos vãos, modificaram-se e se tornaram uma única pessoa. Kaya sabia exatamente o que representava: Lynn e Luther. A união dos dois.

Ao redor da escultura, havia uma fonte alta de pedra com chafarizes jorrando água, sem sair um pingo para fora. Trepadeiras cobriam algumas partes dela e alguns ramos estavam pêndulos para fora. E, claro, não podiam faltar hologramas extremamente próximos da realidade. Dois carvalhos estavam sendo projetados dos dois lados da fonte, balançando como se tivesse uma brisa presente no prédio. Aves voavam ao redor da decoração, atravessando paredes e pessoas como fantasmas.

Kaya balançou a cabeça para acordar de seu transe.

— Entrei — anunciou para Chloe em seu ponto. Hug disse que não precisava se preocupar em esconder o aparelho no ouvido, afinal, quase todo mundo no prédio usava um semelhante. — Vou subir no elevador agora.

— Tome cuidado — aconselhou a garota.

Enfim, Kaya suspirou e seguiu com o plano. Passou pela multidão do térreo e entrou no elevador. Enquanto subia, ainda conseguia admirar o ambiente pelo vidro.

Mas, de repente, uma parede surgiu na frente do elevador e ela foi privada da vista do pátio. Porém, atrás da garota, a imagem da cidade apareceu. Ela se virou, vendo Metrópolis ficando cada vez mais embaixo de si.

O elevador parou no andar desejado e Kaya saiu em um corredor, seguindo a direção que Chloe ditava em seu ouvido. Em certo momento, quando estava prestes a virar para outro corredor, ouviu um tropel de botas correndo no final dele. Por instinto, se escondeu com as costas na parede, ouvindo a tropa de soldados se aproximando. A garota espiou com cautela para não a encontrarem. Um dos Sem-Caras, o que estava na dianteira, falava com uma mão no capacete:

— Aqui é o Líder Hock. Estou chamando batalhões disponíveis pra conter a manifestação na Avenida Principal o mais rápido possível. Já estamos indo para lá.

E, por sorte, ele e os outros seguiram para uma bifurcação no meio do corredor, desviando da adolescente. Hock... já ouvi esse nome antes. Com o coração dançando, ela continuou seu caminho.

— O plano de distração deu certo — avisou à amiga no ponto. — Estão indo para a avenida.

Houve um pouco de comemoração do outro lado, mas nada conseguia relaxar Kaya. Estar ali dentro era como estar num campo minado. Um passo falso e já era.

Ela finalmente chegou a uma porta onde estava escrito "Servidores Ala 4". A adolescente olhou para uma das câmeras, com medo de ter alguém a observando naquele momento. Com rapidez, colocou seu polegar na maçaneta para abrir a porta. Seu coração falhou com o susto quando o painel da biometria ficou vermelho e negou o acesso. Seu rosto empalideceu. Tirou e colocou o dedo outra vez. Nada além da luz vermelha.

Não podia deixar o desespero lhe tomar. Não ainda. Uma gota de suor começava a descer por sua testa.

— Chloe, a porta não tá abrindo — falou, tentando não revelar o pânico.

— O quê? — ela perguntou. — Espera, vou tentar algo...

— Seja rápida...

Kaya limpou o suor no rosto enquanto se recostava na parede ao lado da porta. Olhou para a câmera outra vez. Eles descobririam. Logo viriam atrás dela.

— Tenta agora — disse Chloe.

Ela obedeceu. O painel ficou vermelho.

— Nada — respondeu.

O peso da tensão ficou ainda maior. Já sentia seu mundo desmoronando, a esperança se esvaindo...

— Kaya — chamou a amiga —, limpe seu dedo.

A garota olhou para a própria mão, praticamente encharcada de suor. Limpou-a na calça antes de tentar outra vez. Então, o escaneamento processou, processou e... a tela ficou verde. No instante seguinte, a porta se arrastou para o lado, permitindo a passagem. Como eu sou burra!

— Consegui! — anunciou.

E, ao entrar na sala, se deparou com os monstros que teria que lidar. Aqueles servidores não se pareciam nada com os do Instituto Oficial de Tecnologia. Eram maiores, tinham pouquíssima iluminação e, literalmente, pareciam monstros.

Eles controlavam, praticamente, tudo do edifício. Kaya abriria a garagem por ali, além de já programar a surpresa final que o grupo preparou para Lynn.

A porta se fechou sozinha atrás dela.

— Bom, agora é só conectar o rubber ducky que te demos com o servidor certo para podermos hackear o sistema interno — disse Chloe, fazendo-a pegar o objeto parecido com um pen-drive de seu bolso. — Vamos acabar logo com isso.

***

Chuva caía sobre a van, entrando por alguns dos buracos nas paredes. Todos dentro do veículo assistiam Chloe digitar na velocidade da luz, quebrando as proteções da rede do governo. Kaya não demorara muito em encontrar o servidor certo. Não com as instruções da menina de cabelos azuis. Leyr achava muita sorte a garota ainda ter parte da planta do prédio, e ainda aquelas diversas informações sobre a rede "impenetrável" deles. Tornou-se Insurgente por invadi-los, sem saber que um dia isso seria usado para algo desse tipo.

Por fim, ela estendeu os braços para cima como um gesto de triunfo e gritou:

— Consegui! — Virou-se para os amigos com um imenso sorriso no rosto. — Eu consegui!

Não foi possível deixar de comemorar. Até o momento, tudo estava dando certo. E cada vitória era um motivo para ficarem ainda mais esperançosos.

— Gustavo, vai agora para o banco do motorista — ela ordenou. — Vou abrir a porta deles e nós vamos invadir!

O loiro obedeceu. A van ligou os motores. Então, o veículo arrancou já com velocidade. Saiu do terreno baldio sem cuidado algum, jorrando lama de suas rodas. Gotas de água agrediam o para-brisa com força. Eles seguiram em direção ao maior prédio de Metrópolis sem se preocupar com mais nada além de cumprir a missão. O sangue borbulhava dentro do rapaz.

Chloe abriu os portões segundos antes da van invadir a área restrita. Os soldados que estavam cuidando dali nem tiveram tempo para pensar. Em pouco tempo, tiros começaram na direção deles. Mas eles estavam tão rápidos que chegaram ao subterrâneo sem problema algum. A garota foi ágil em fechar a passagem do estacionamento pelo computador, mesmo com tudo tremendo e as viradas bruscas da van.

Todos já estavam eletrizados, pegavam suas armas e se preparavam para começar de verdade aquela missão. Chloe desconectou seu notebook dos milhares de aparelhos ao redor e o colocou em sua mochila. Quando o veículo estacionou perto de um dos elevadores, o grupo saltou para fora. Hug estava sendo ajudado por Gustavo.

— Vamos seguir o plano — relembrou o mais velho. — Leyr vai atrás de Guto com Kaya enquanto nós distraímos a segurança do prédio no térreo.

Os mais novos se entreolharam, já sabendo da mudança que fizeram sem o líder ser noticiado. Ninguém tinha coragem de assumir isso. Nunca agiram pelas costas dele, nunca tiveram que modificar um plano sem ele saber. Mas... daquela vez não teve jeito.

— O que foi? — perguntou o homem, ao notar os olhares dos outros.

O mais novo movia seus olhos na direção dos amigos, esperando alguém contar primeiro. Ninguém contaria.

— Mudamos o plano — revelou, finalmente, com palavras rápidas.

— O quê?! — perguntou Hug, perplexo.

Eles não podiam ficar muito tempo ali. Chloe desligara as câmeras do prédio, contudo, aqueles soldados lá fora viram exatamente onde a van entrou e sabiam onde eles estavam.

— Você vai ir para o trem — continuou rapaz. — Nós damos conta do resto.

Com isso, o mais velho se desvencilhou do loiro fazendo uma careta de dor.

— Mas...

— Hug, você tá muito machucado, sabe... — interrompeu a garota. — Mal consegue andar. Vai ser perigoso demais.

Mesmo assim, as feições dele ainda demonstravam choque e negação. Estava prestes a insistir mais quando Leyr finalizou o assunto:

— Você vai acabar atrapalhando. — Eram palavras duras, soaram frias, porém, o adolescente achava necessário. — Nós vamos conseguir. Só espera a gente no trem.

Hug se silenciou, parecendo ficar um pouco abatido. Mas ao menos não tentou insistir. Ele mesmo sabia sobre sua condição, sabia que era verdade. Talvez fosse essa sua maior dor: atrapalhar.

Eles foram até o elevador e apertaram o único botão para o chamarem, apontando suas armas para a porta. Não demorou para ele chegar, por sorte, vazio. Os quatro entraram no cubículo de vidro juntos. Levariam o amigo ferido até os trens antes de subirem.

— Tem certeza que o estacionamento dos trens fica no subsolo 3? — perguntou Leyr antes de apertar o andar. Chloe afirmou.

Eles começaram a descer. Gustavo estava agitado. Roía suas unhas num dos cantos, olhando para baixo. O mais novo não conseguia parar de olhá-lo. Queria fazer algo para acalmá-lo, abraçá-lo, pegar em sua mão... Mas... Não podia. Não sem a permissão dele.

Quando o elevador parou no subsolo, abrindo as portas para um lugar semelhante a uma estação de metrô, Leyr e Chloe averiguaram a área por perto antes de levarem Hug. Eles encontraram apenas dois soldados, porém conseguiram neutralizá-los de forma furtiva e rápida. Havia quatro trilhos e todos estavam ocupados com trens estacionados, cada um com uns quinze vagões grandes.

— Em qual precisamos entrar? — perguntou o rapaz.

Ela deu de ombros.

— Qualquer um deve ir para o Lado de Fora. Só temos que nos atentar ao caminho — respondeu, sem mostrar preocupações. Depois, virou o olhar para ele. — Não se preocupe. Meu notebook tem mapa. — Terminou com uma piscadinha e um sorriso confiante.

Enfim, foram buscar os outros. Gustavo e Leyr levaram o homem até o último vagão do trem mais perto deles enquanto Chloe checava a cabine de comando, vendo o horário de saída. Eles abriram a porta com dificuldade e se depararam com uma câmara vazia, sem nenhum objeto ou pessoa, possibilitando um amplo espaço para o grupo ficar durante a viagem. Aquele era o único vagão que se abria manualmente, os outros pareciam se abrir apenas com biometria ou em algum painel de controle.

Deixaram o companheiro ferido no chão. Gustavo deu um dos fuzis roubados durante o ataque à central para ele. Não tinha muita munição, mas já ajudava em algo.

A garota saiu da cabine e foi até os amigos com as mãos na cintura. Seus passos pareceram se acelerar.

— O trem parte às cinco da manhã — alertou. — Agora são três e meia. Precisamos nos agilizar.

Eles concordaram. Despediram-se de Hug. Antes de Leyr fechar a porta do vagão, encarou os olhos negros de seu líder no chão. Ele tinha um olhar entristecido, como se estivesse decepcionado consigo mesmo.

— Vamos conseguir — afirmou a ele, tentando transmitir confiança. — A gente sempre consegue. — Sua voz estava firme. Ele fez uma pausa de alguns segundos, mas sentiu a obrigação de deixar claro: — Nunca teríamos chegado aqui sem você.

Enfim, arrastou a enorme porta para o lado, fechando o homem sozinho lá dentro. Sentiu um enorme vazio no peito ao fazer isso.

O trio caminhou de volta até o elevador, mas Leyr não entrou. Ficou parado no lado de fora, olhando para os amigos.

— Vão primeiro e distraiam esses desgraçados — falou. — Eu vou depois, quando estiver mais seguro pra subir. — Direcionou o olhar para a garota. — Avise Kaya que estou indo.

— Leyr, não sei por quanto tempo vou conseguir manter contato com vocês — ela contou, parecendo triste. — Vamos estar muito ocupados, talvez a confusão que iremos causar seja tão alta que não possamos nem mesmo ouvir os pontos. Mas acho que ela deve saber o caminho pra encontrar Guto, então espero não ser um problema tão grande...

— Tudo bem — respondeu ele. — Só... por favor, não sejam pegos. Não quero precisar arranjar roupas chiques pro funeral de vocês.

Eles acabaram soltando risadas silenciosas, misturadas com o nervosismo do momento. Apesar do rápido momento de descontração, lágrimas inundaram os olhos do mais novo. Preocupações enchiam sua mente. E se encontrassem Hug? E se os soldados pegassem seus amigos? Ele e Kaya precisavam ser muito rápidos para isso não acontecer.

Gustavo, de repente, mudou suas feições para ficar mais sério, dando um passo à frente. Nem Chloe e nem Leyr entenderam. Encararam o garoto com as testas franzidas. Ele tinha algo a dizer.

— Você estava certo — falou ao amigo, que ainda continuava confuso.

— O quê?

— E-eu não devia esconder quem eu sou — esclareceu, se aproximando ainda mais do outro. — Temos milhões de problemas para nos preocuparmos agora. E isso não devia ser um deles.

De súbito, fazendo a garota de cabelos azuis ficar boquiaberta, o loiro puxou o rapaz pela cintura e selou seus lábios nos dele. Foi um beijo intenso, um ato surpreendente demais. Leyr acabou se esquecendo de tudo; da missão, do tempo escasso, das preocupações, dos soldados. Sentia tanta, mas tanta falta do gosto daquela boca que tudo se tornou um borrão sem sentido ao seu redor. Ele puxou Gustavo para ainda mais perto, destruindo o espaço restante entre os corpos. Fogo escalou suas veias. Mal conseguia acreditar: estava beijando seu amante outra vez, na frente de sua amiga, sem se importar com nada além do amor.

Ah, e como o garoto queria que aquilo durasse mais tempo...

Porém, estavam dentro do prédio do governo. Cada segundo era valioso. Então, foi ele o primeiro a se afastar, sem tirar seus olhos amarelados dos verdes dele. Conseguia ver profundidade, saudade, aceitação. Estavam, finalmente, juntos.

— Pensei que eu nunca ia ver isso — falou Chloe, em tom de deboche atrás dos dois. Eles acabaram sorrindo com o comentário, sem desviar os olhos. Porém, a garota os forçou a acordar, puxando o loiro para dentro do elevador. — Foi lindo, mas vamos deixar o resto pra depois. Precisamos ir.

Enfim, a porta de vidro se fechou, separando-os por uma fina parede transparente. E eles não deixaram de se olhar. Não até o elevador subir como um tiro. Não até o mais velho sumir de vista.

E, enfim, Leyr voltou todas as suas atenções para seu objetivo principal: cumprir a promessa feita a Kaya.

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