Mystical (l.s)

By larrylaw

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Considerações Iniciais (necessárias para a leitura da fic)
⊱ PRÓLOGO ⊰
⊱ CAPÍTULO I ⊰
⊱ CAPÍTULO II ⊰
⊱ CAPÍTULO III ⊰
⊱ CAPÍTULO IV ⊰
⊱ CAPÍTULO V ⊰
⊱ CAPÍTULO VI ⊰
⊱ CAPÍTULO VII ⊰
⊱ CAPÍTULO VIII ⊰
⊱ BOOK TRAILER ⊰
⊱ CAPÍTULO IX ⊰
⊱ CAPÍTULO X ⊰
⊱ CAPÍTULO XI ⊰
⊱ CAPÍTULO XII ⊰
⊱ CAPÍTULO XIII ⊰
⊱ Q&A ⊰
⊱ CAPÍTULO XIV ⊰
⊱ CAPÍTULO XV ⊰
⊱ CAPÍTULO XVI ⊰
⊱ CAPÍTULO XVII ⊰
⊱ CAPÍTULO XVIII ⊰
⊱ CAPÍTULO XIX ⊰
⊱ CAPÍTULO XX ⊰
⊱ EXPOSED ⊰
⊱ CAPÍTULO XXI ⊰
⊱ CAPÍTULO XXII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXIII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXIV ⊰
⊱ CAPÍTULO XXV ⊰
⊱ CAPÍTULO XXVI ⊰
⊱ CAPÍTULO XXVII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXVIII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXIX ⊰
⊱ CAPÍTULO XXX ⊰
⊱ CAPÍTULO XXXI ⊰
⊱ CAPÍTULO XXXII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXXIII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXXV ⊰

⊱ CAPÍTULO XXXIV ⊰

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By larrylaw

N/A: Capítulo grandinho do jeito que vocês gostam: quase 7 mil palavras. Como eu conheço meus leitores, peço que não menosprezem essa att, porque para quem está realmente interessadx no que aconteceu com o Louis, ele contém detalhes MUITO relevantes e informações MUITO esclarecedoras. Estejam atentxs.

Obrigada por lerem! Não se esqueçam dos votos e comentários ♡



♘♔♗

Episódio: Black Band

O pequeno Stanley Lucas, de dez anos, ficara muito ansioso ao saber quem seria seu colega de alojamento durante os cinco anos de formação para soldado do exército escocês.

De fato, quando a lista de convocação foi finalmente pregada em praça pública, Stanley fizera com que o oficial do rei lesse três vezes – talvez quatro – o nome escrito abaixo do seu: Lucas Stuart.

Entenda que, apesar de ser apenas um nome pequeno demais para o padrão da época, é realmente engraçado o modo como a importância das palavras nunca reflete quantas letras elas possuem em teoria, mas sim significado delas no plano empírico e, bem, "Stuart", para o finado Reino da Escócia, significava realeza, que, por sua vez, significava escolhidos de Deus – Stan acreditava nisso veementemente, pois ouvia os mais velhos afirmando com constância que a longa linhagem dos Stuart não só tivera o apoio declarado da Igreja Católica Escocesa, como também fizera do reino escocês um dos melhores locais para se viver desde que se tinha registro de sua existência. Assim, Stanley era mesmo um súdito sortudo, pois verdadeiramente conviveria com um ser cuja promessa divina corria nas veias!

No mais, é preciso ressaltar o mistério acerca do herdeiro do trono: houvera uma grande cerimônia pública quando da descoberta da gravidez real e então outra quando do parto, sempre precedidas de duas semanas de banquetes e bailes no salão principal do Castelo de Doune; contudo, após a morte da rainha Louise, vítima de uma súbita infecção que a venceu meses após dar à luz, o bebê nunca mais fora visto pelos súditos, pois o rei isolou a si e ao seu filho nas fortalezas do palácio, de modo que nem mesmo o nome com que o príncipe fora batizado veio a público – essa falta de contato era triste para o povo escocês, mas todos amavam Charles Stuart e compreendiam sua forma de lidar com o luto, afinal isso em nada prejudicou o avanço da Escócia, que a cada ano prosperava ainda mais. Bem, finalmente o nome da criança real viera a público com o alistamento e, quem diria, era o mesmo do nome composto de Stan e este sentiu-se mesmo um súdito sortudo, pois seria um dos primeiros a saber como o futuro rei era fisicamente!

Por todo o exposto, Stanley era incapaz de conter a própria excitação para iniciar sua trajetória militar, motivo pelo qual tentou se apresentar com muita antecedência para seu primeiro dia, mas não obteve êxito, pois o caminho íngreme lhe demandou mais tempo que o esperado – a base do exército escocês se localizava no topo de uma colina nas profundezas doreino, por óbvia estratégia de defesa: caso algum reino inimigo atacasse os postos militares das fronteiras, a base ainda restaria intacta e, inclusive, teria uma visão privilegiada do referido ataque em tempo real. 

Quando finalmente chegou ao seu destino, passou pela triagem, deixou seus pertences não pessoais na área de proteção e apanhou seu traje negro de forma estabanada, manifestamente ansioso para adentrar, então, ao ser liberado, literalmente correu em direção ao seu dormitório, ouvindo seus calçados batendo contra o cascalho no mesmo ritmo descompassado de sua respiração. Em verdade, sempre fora um mocinho um tanto quanto acima do peso, motivo pelo qual não tardou a perder velocidade, mas prosseguiu tão veloz quanto era capaz.

Durante o trajeto, muitos burburinhos chegaram até suas orelhas coradas – a carruagem do rei deixara há pouco o local, pois o próprio Charles Stuart conduzira seu colega de alojamento até a base militar. Ora, para Stan, era como se ele próprio tivesse sido conduzido até ali pelo transporte real!

Sua animação contribuiu para que ele localizasse seu alojamento rapidamente, ainda que este estivesse padronizado com os demais: dezenas de cabanas com telhado e paredes de madeira rústica, enfileiradas em uma subida irregular. Já quanto o interior do local, era tão modesto quanto seu exterior – o cômodo principal se resumia em duas camas, uma de frente para a outra. 

De fato, Stanley não gostava de optar por nada que estivesse à esquerda, pois a destra lhe dava sorte; contudo, o príncipe já se encontrava sobre a cama à direita do cômodo, então, dando de ombros, ele jogou sua nova farda sobre seu leito e se convenceu de que, já que seriam amigos, seria legal negar a alguns de seus caprichos em prol dos do outro.

Por fim, chegara o grande momento: apresentar-se. Stan colocou a camisa dentro das calças e as subiu o tanto quanto podia, então marchou em direção ao outro. O pequeno Louis, por sua vez, se encontrava sentado sobre seus joelhos na cama escolhida, segurava uma das próprias mãos com a outra frente ao corpo e olhava a parede adiante com olhos vidrados.

– Alteza – Stanley disse em tom tímido, fazendo uma rápida reverência.

Silêncio.

– Eu sou o Stanley. Nós temos o mesmo nome, q-quer dizer, não "Stanley"! "Lucas"! Isso! "Lucas" é o meu segundo nome – ele balançou sobre os calcanhares, em nervosismo. – Deveríamos ser amigos.

Silêncio.

Stan uniu suas mãozinhas atrás do corpo e fincou as unhas curtas contra a própria pele – ele não sabia ao certo como devia se comportar na presença do príncipe e se questionou momentaneamente se fizera algo ofensivo a Tomlinson para que este se recusasse a lhe dirigir a palavra.

Em verdade, a ausência de som era apenas embaraçosa diante da assustadora ausência de qualquer movimento do herdeiro real – o príncipe apenas estava ali, estando, completamente estático, pois sequer o movimento de sua respiração era identificável e não parecia consciente de que alguém falara consigo.

– Você está bem...? – prosseguiu, levantando seu braço na direção do outro e balançando a mão em frente ao seu rosto.

Com o movimento alheio invadindo seu espaço pessoal, Louis finalmente retirou os orbes azuis da parede de madeira rústica adiante e os direcionou para o outro. Imediatamente, Stanley cientificou-se de que havia algo terrivelmente errado com o garoto diante de si: seus olhos estavam vazios – de fato, é um tanto quanto difícil definir tal concepção, porque não é algo que se vê, mas que se sente. Ter algo exposto nas vistas é um aspecto comum do ser humano: gentileza, dor, fé, bem, qualquer sentimento bom ou ruim e, talvez, ninguém nunca tenha se dado conta disso porque dificilmente se encontra alguém que não traga nada consigo no olhar, mas Stan acabara de encontrar.

– Errrr... – ele recolheu seu braço e recuou para trás com passos cambaleantes. – Entendi.

Então, antes mesmo de Stanley se afastar completamente, Tomlinson retornou a encarar a parede atentamente, como se algo repentinamente fosse sair dela e invadir o cômodo.

Ao notar que o espelho do banheiro fora virado ao contrário, Stan realmente sentiu medo do garoto com quem dividiria alojamento. Logo, porém, Louis deixou sua posição de inércia e passou a escrever freneticamente em um caderno de capa de couro negro que tinha entre seus pertences pessoais – Stanley imaginou tratar-se de um diário e isso o tranquilizou momentaneamente, pois, pessoas normais têm diários. No entanto, o medo retornou quando, durante a madrugada, despertou com gritos de um Louis completamente tomado por ira.

De fato, o príncipe logo se acalmou após ler o que escrevera em seu caderno antes de dormir, mas seu súdito já urinara nas próprias calças.

-x-

Transcorrido menos de um mês desde a chegada dos novatos daquela temporada, o questionamento já era unânime: o tal Lucas era mesmo o príncipe da Escócia?

De fato, a beleza exótica de Louis atraíra olhares desde sua chegada na base: suas feições delicadas não eram apenas hipnotizantes por si só, eram também intrigantes, pois não se assemelhavam às feições dos Stuart e, em verdade, não se assemelhavam em nada à beleza grotesca tipicamente escocesa. Então, seria ele filho do rei ou somente um integrante distante do clã Stuart?

No mais, para contribuir ainda mais ao mistério que ele representava, Louis era um garoto extremamente calado – aparentemente, seu problema não era apenas com Stanley, pois ele não falava com nenhum dos novatos ou dos veteranos e não era como se fosse mudo, pois ele respondia a Simon Cowell, comandante do exército escocês, bem como aos superiores hierárquicos que simultaneamente os treinavam, mesmo que se resumisse ao estritamente necessário. Assim, tendo em vista que crianças são sempre crianças ainda que o século as obrigue a ser soldados, logo Tomlinson foi rotulado como alguém estranho, pois assim teriam motivo para falarem sobre ele quando, em verdade, ele não desejava falar com nenhum dos demais.

No tocante à Stanley, ele verdadeiramente tentava ignorar a existência de Louis após aquela primeira tentativa de interação falha: se Tomlinson era um garoto estranho como a maioria dizia que era, não havia motivos para querer sua amizade. Entretanto, observá-lo era um tanto quanto irresistível ante a ciência de que as pessoas que interagiam com ele só o faziam para saber mais sobre seu colega de alojamento, isto porque a curiosidade geral acerca do de olhos azuis evoluiu para obsessão quando, a cada novo dia, este se destacava tanto nos treinos que suas extraordinárias habilidades de combate garantiram que seu nome rapidamente fosse tido como um mito na base.

De fato, nos treinos mais estratégicos, Louis se sobressaía, pois era o novato mais perspicaz, já nos treinos físicos, Louis também se sobressaía, pois definitivamente era o novato mais agressivo. Todavia, apenas Stan parecia atento ao fato de que tudo isso era resultado de uma entrega desumana que Tomlinson fazia de seu próprio ser para o treinamento: ele era o que chegava mais cedo e o que ia embora mais tarde, nunca sendo visto nos períodos de descanso. Portanto, Stanley verdadeiramente achava que o de olhos azuis era um soldado perfeito, mas que também era insano, pois parecia verdadeiramente não se importar com o próprio corpo, de modo a ignorar seus próprios limites físicos.

De toda sorte, não demandou muitos meses para que lendas surgissem acerca do de olhos azuis – a que prevaleceu foi a de que a sorte o beijava todas as vezes que ele movia sua destra porque, se ele já se destacava dos demais no combate corpo a corpo, quando os treinos com espada se iniciaram para os novatos, Louis tornou-se imbatível. Assim, fez jus ao apelido dado pelo próprio comandante: "Luke", provindo da expressão inglesa "lucky boy" ("garoto de sorte"), pois a eclosão da guerra contra a Inglaterra se tornava a cada dia mais provável e o suposto príncipe prometia ser o grande amuleto da sorte do exército escocês nela.

Bem, em verdade, havia sim algo que abatia o imbatível Luke e esse era o único aspecto acerca do de olhos azuis que Stan não ousou compartilhar com ninguém – as crises noturnas. Aconteciam sempre em um horário padrão e pareciam se intensificar progressivamente.

Foi no final do primeiro ano de treinamento que aconteceu: Louis despertou Stanley com seus costumeiros gritos guturais e movimentos bruscos. Stan apenas aguardou que a situação se apaziguasse, apenas exatamente como em todas as noites anteriores; contudo, naquela madrugada em específico, algo diferente ocorreu – ele ouviu passos contra a madeira do chão, indicando que seu colega de alojamento andava pelo cômodo, então se encolheu sob seus cobertores até que o barulho da rústica porta sendo aberta e depois sendo fechada se fez presente e, por fim, houve silêncio novamente.

Entenda, Stanley Lucas era um garoto um tanto quanto curioso, então ele realmente não sentia que tinha escolha quando calçou seus chinelos de pele de cordeiro e partiu noite afora atrás de Tomlinson.

Inicialmente, o breu da noite o assustou um pouco, mas nem mesmo ele foi capaz de impedir que Stanley encontrasse Louis, pois este estava em pé sobre o galho mais alto, da árvore mais alta da base, a qual se encontrava frente ao último alojamento da base militar, tendo a luz prateada do céu noturno o iluminando como se objetivasse que o príncipe fosse encontrado.

Entenda, Tomlinson não era alguém louco, não, ele não era. Ocorre que, conforme o que sua mãe lhe ensinara acerca de Deus desde que podia se lembrar, este era alguém muito bonzinho que ouvia os pedidos de todos. Assim, Louis atualmente recorria a Ele todas as noites, pedindo para morrer – ele não poderia fazer aquilo por si só, pois sabia que, se fizesse, não iria para o céu, então esperava que o Senhor pudesse ajudá-lo com isso já que era tão bonzinho. Entretanto, ele continuava vivo dia após dia, mesmo fazendo seu pedido com muita fé. Outrossim, ainda conforme o que Johannah lhe ensinara, o Criador morava no céu e Tomlinson pensou que, talvez, Ele não conseguisse ouvi-lo bem em decorrência da altura que se encontrava, motivo pelo qual subiu naquele galho específico, daquela árvore específica, reiterando seu pedido fervorosamente.

A lua contornava a silhueta perante as vistas de Stanley, o qual não foi capaz de evitar pensar o quanto a luminosidade contra a pele do príncipe o fazia parecer um pequeno anjo do senhor; contudo, anjos voam e Louis tivera as asas da inocência mutiladas muito precocemente, motivo pelo qual sua queda foi grave quando o galho que suportava seu peso repentinamente se partiu – de fato, o corpo dele chegou até mesmo a girar no ar em decorrência da grande altura em que se encontrava outrora antes de bater contra a grama em um baque surdo.

– Luke! Luke! – Stan correu em sua direção gritando, escorregando mais de uma vez no cascalho da descida íngreme.

No momento em que Tomlinson sentiu a presença alheia de joelhos ao seu lado e as mãos rechonchundas agarrando seus ombros, seu sorriso contente desapareceu tão logo surgiu, pois se deu conta de que as estrelas em sua vista não provinham do fato de que finalmente fora levado dali para o céu, mas meramente do fato de que caíra e batera com a cabeça. Ele quis chorar.

– Consegue me ouvir, alteza?! – perguntou Stan, muito aflito e assustado.

Tomlinson conseguia – até demais, porque o outro berrava.

Dieu ne voulait pas m'prendre... Deus não quis me levar – foi tudo o que lhe respondeu.

Stanley jamais se esqueceria desta frase, não só pela situação desesperadora em que se encontrava quando ela foi proferida, mas porque, em um ano, foi a primeira vez que Louis lhe dirigira a palavra, de sorte que, apenas naquele momento, descobriu que Tomlinson não se recusava a falar mais que o necessário por ser esnobe, mas sim porque não era fluente em gaélico-escocês, o que necessariamente significava que o príncipe não era príncipe e tampouco um Stuart – Tomlinson sequer era escocês. Entretanto, a mente de Stanley não teve tempo para maiores reflexões acerca de tal constatação, pois sua constatação seguinte foi a de que o garoto em seus braços caíra em inconsciência.

-x-

Stan entrara em pânico – não sabia ao certo se devia levar Louis ao dormitório ou à curandeiria.

Por fim, não fez nenhum dos dois, pois seu pânico lhe direcionara ao seguinte questionamento: e se Tomlinson estivesse morto?! Ele não se mexia e estava com olhos fechados – era exatamente assim que Stanley acreditava que pessoas mortas agiam. Assim, achou por bem alertar algum adulto competente, então subiu em disparada até o alojamento do comandante e o acordou aos berros, esmurrando sua porta.

De fato, Louis foi socorrido por Simon Cowell de pronto, mas apenas pela manhã recobrou à consciência.

– O que vocês dois estavam fazendo fora do alojamento após o toque de recolher? – o comandante inquiriu, sem sequer ceder alguns instantes para que Tomlinson se situasse.

Louis sabia exatamente o motivo da ânsia de Cowell em saber sobre o ocorrido: o suicídio era abominado pela bíblia e punido no exército com chicotadas. Em verdade, Louis não subira na árvore para se matar, mas subira para pedir que Deus o fizesse, então sabia que seu feito não restaria impune.

Acredite, Tomlinson bem sabia o quanto chicotadas doíam, mas não era como se ele já não houvesse sentido dores piores em sua curta vida. Desta forma, preparou-se para confessar, mas durante a curta pausa que fez para buscar em sua mente as palavras certas em gaélico-escocês, uma voz que não era a sua soou no ambiente, interrompendo seu raciocínio.

– M-minha culpa, senhor – Stan gaguejou, surpreendendo tanto ao comandante quanto a Louis. – Não logrei êxito nas aulas de combate corpo a corpo, então pedi para que Luke me ajudasse após o término dos treinos noturnos. Lutamos e eu acabei o empurrando com mais força que o pretendido.

Não precisava de muito esforço intelectual para saber que era difícil, até mesmo para o próprio Simon, derrubar o pequeno Louis, quem dirá Stanley, motivo pelo qual o comandante encarou a ambos alternativamente, com desconfiança emanando dos olhos que comprimia em fendas.

O pequeno Stanley sorriu amarelo – era um péssimo mentiroso tanto quanto era um péssimo soldado. Entretanto, como naquele século a confissão era a chamada "Rainha das Provas", ou seja, uma vez produzida, nenhum outro meio de prova era relevante o suficiente para infirmá-la, o comandante tomou a declaração de Stan como verdade.

Bem, Simon deixou a curanderia um tanto quanto decepcionado – ele realmente gostaria que houvesse um motivo para punir Tomlinson.

-x-

Louis não ficou tempo demais na curanderia, ainda assim, Stanley não o deixou sozinho em momento algum: era como se, caso ele se retirasse do ambiente por alguns instantes, houvesse a possibilidade de encontrar Tomlinson novamente inerte e de olhos fechados quando retornasse, motivo pelo qual se recusou a fazê-lo. No mais, ele não se importava em se ausentar aos treinos, apenas do mesmo modo como ninguém se importava com sua ausência neles.

De fato, no momento em que a alta veio, Stan não achou que seu colega de alojamento permanecera tempo suficiente sob cuidados para se recuperar completamente da queda, mas quando arguiu tal observação para o curandeiro e alegou em seu favor o fato de que o de olhos azuis nem mesmo conseguia andar por si só, ele apenas recomendou que Stanley oferecesse apoio a Tomlinson até quando se fizesse necessário. Bem, o garoto queria gritar a plenos pulmões que o curandeiro era mesmo muito irresponsável para a profissão que exercia; contudo, sabia que o homem apenas cedeu à pressão realizada por Simon Cowell, pois o comandante ia à curanderia todos os dias desde a queda de Louis, repetindo incessantemente a necessidade de ter seu melhor soldado de volta aos treinos.

Por todo exposto, Stanley e Tomlinson se encontravam agora andando lado a lado em direção ao alojamento que dividiam, com as botas de couro de ambos batendo contra o cascalho durante a subida e produzindo um som quebradiço, o qual deixava um tanto quanto nítido que os passos dados por Louis eram incertos e Stan deduziu corretamente que o outro ainda se sentia desnorteado pelo impacto sofrido em seu crânio.

– Você tem certeza que não quer aju...? – Stanley tentou lhe oferecer apoio pela terceira vez desde que deixaram a curanderia, investindo contra o outro instintivamente.

– Não! – Louis negou com um rosnado pela terceira vez desde que deixaram a curanderia, se afastando como se o contato alheio transmitisse praga.

Stan juntou as sobrancelhas em mágoa, recuando diante da rejeição – verdadeiramente estava se esforçando, mas não conseguia compreender o que havia de tão errado com Tomlinson. Não conseguia, tampouco, parar de desejar compreender.

Ao passarem por um grupo dez ou mais rapazes no trajeto, o qual era composto por novatos e veteranos, por óbvio que a beleza exótica de Louis atrairia todos os olhares e causaria burburinhos como de costume, então Stanley sequer se deu o esforço de desviar seus orbes castanhos de Tomlinson, motivo pelo qual foi capaz de fazer uma nova constatação acerca do de olhos azuis: qualquer outra pessoa se sentiria bem em atrair tantos comentários cobiçosos sobre as próprias feições, mas seu colega de alojamento não se sentia confortável com eles  ele se encolheu tanto em si mesmo que pareceu menor do que já era e sua expressão facial tornou-se quase chorosa, de forma que seu incômodo restou tão evidente que Stan se perguntou o motivo de nunca tê-lo notado antes.

Quando finalmente adentraram o quarto que dividiam, Stanley ainda refletia sobre a reação desconfortável de Louis e ao pensar na constatação que fizera acerca da verdadeira descendência alheia, concluiu que o de olhos azuis provavelmente não se sentia confortável com a atenção que suas feições recebiam porque através da delicadeza delas poderiam descobrir que ele era um estrangeiro, condição esta considerada ofensiva no século XVIII. Assim, uma ideia surgiu em sua mente: enquanto Tomlinson se dirigiu até a própria cama, Stan virou de costas para ele e, sem cuidado algum, rasgou uma tira de seu próprio fraque de couro negro. Em seguida, fez o mesmo percurso que seu colega de alojamento fizera momentos antes. Por fim, sorriu abertamente ao lhe estender o resultado de seu feito.

Louis se limitou a olhar a mão apontada em sua direção, piscando seus olhos vazios para a faixa de tecido contida nela, como se indagasse o que aquilo significava.

– Acho o que te entrega é o seu narizinho, Luke – Stan expôs, soltando um riso nervoso quando viu o outro apertar os olhos em fenda para si. – Você sabe... Seu rosto é diferente, então atrai atenção; contudo, se você esconder o que há de tão inédito nele, as pessoas irão esquecê-lo – explicou, receoso que Tomlinson se zangasse com ele pela interferência, porque objetivava apenas ajudá-lo.

Bem, Stanley jamais saberia o que dissera de tão correto, mas os orbes azuis diante de si foram finalmente preenchidos por um sentimento não identificável, mas bonito.

Acha... que um dia eles... se esquecerão do meu... rosto? – Louis disse um tanto quanto entusiasmado, em um gaélico-escocês ruim.

Aquele timbre de voz levemente agudo, porém firme, era tão difícil de se esquecer, ainda que houvesse soado tão poucas para Stan e este sorriu ao ser privilegiado com ele uma vez mais.

– Eu acho.

Diante da confirmação alheia, Tomlinson levantou o próprio braço daquela forma arisca que lhe era típica e aproximou as mãos de ambos com uma expressão desconfiada em sua face, como se o toque alheio pudesse feri-lo a qualquer instante. Quando finalmente as peles se encostaram, Louis puxou a faixa de tecido do domínio alheio com rapidez, como se não quisesse mesmo prolongar o breve contato além do necessário.

Eis que colocou a faixa de couro negro contra a própria face, na altura de seu nariz e amarrou suas pontas na nuca, com força, para que permanecesse no local – Stan observou o resultado enquanto Tomlinson baixava ambas as mãos de volta ao colo, notando que, uma vez com o narizinho coberto, o outro realmente poderia se passar por escocês, pois seus olhos e lábios eram bem esculpidos como deviam ser. Infelizmente, a faixa negra cobrira também o brasão dos Stuart gravado na face alheia: não era maior que uma moeda e se localizava logo abaixo do olho direito dele, na protuberância de sua bochecha saltada. Stanley o achava fascinante, já que os demais jovens, incluindo ele mesmo, apenas ganhariam o brasão real em suas peles quando dali a quatro anos, na cerimônia de formatura e ainda sobre o punho direito, local bem menos visível.

– Comment je regarde? (como estou?) – Louis perguntou, olhando na direção alheia.

– Quê?!

Ao notar que trocara as palavras por sua língua nativa, Tomlinson suspirou em um misto de exaustão e raiva – era tão frustrante não ser capaz de se expressar adequadamente entre os escoceses, pois a todo momento uma simples frase se tornava um grande desafio para si.

Stan notou a frustração alheia de pronto.

– Posso te ajudar com isso – sussurrou. – Com o gaélico-escocês, eu digo – explicou, ainda em tom baixo.

Louis o observou atentamente por alguns instantes, procurando qualquer ameaça que o outro pudesse se encontrar ocultando. Quando não encontrou, assentiu em concordância tão minimamente, que se Stanley não estivesse o olhando de volta ainda mais atentamente, não teria percebido – repentinamente, descobriu o motivo de não ter notado antes a reação incômoda de Tomlinson perante os comentários acerca de seu rosto: seja pela falta de contato com o idioma ou por qualquer outro aspecto de foro íntimo, Louis falava muito através de atitudes, as quais não são tão explícitas quanto palavras, motivo pelo qual só se torna possível compreedê-lo caso você esteja realmente atento a ele.

-x-

Stanley se encontrava no refeitório para o desjejum, porém sua mente estava distante, ocupada com aquilo que fazia desde seu primeiro dia no exército: pensar sobre seu colega de alojamento.

Passara as últimas madrugadas quase completamente em claro, ensinando seu idioma nativo a Louis – não era como se soubesse ler ou escrever, mas se empenhou a fazer aquilo funcionar: apontava a todos os objetos ao redor ou gesticulava sobre outros não presentes no ambiente e dizia a Tomlinson como era a pronúncia de seus nomes em gaélico-escocês. Somente quando os passos do comandante se tornavam audíveis no interior do alojamento deles, ambos se apercebiam que a noite se transformara em dia e se apressavam em fingir que dormiam para que Simon Cowell pensasse que estava os despertando, como de praxe.

Bem, apesar do cansaço, Stan não se arrependia sequer minimamente de perder tantas oportunidades de dormir bem – era legal passar noites inteirinhas com os olhos de Louis atentos em si, enquanto se encontrava sentado nos pés da cama dele modo a existir uma distância segura entre ambos que não deixasse Tomlinson nervoso. 

De fato, o de olhos azuis era alguém manifestamente inteligente e parecia verdadeiramente engajado em aprender a língua escocesa para ser capaz de se expressar apropriadamente, motivos pelos quais evoluiu com rapidez no aprendizado do novo idioma.

E não, não era como se Stanley reparasse em Tomlinson.

Certo, talvez ele reparasse minimamente.

– Ora ora, se não é o gorducho!

Stanley respirou fundo uma vez e afastou os braços de seu prato, pois bem sabia o que viria a seguir.

James Alexander Malcolm Mackenzie Fraser era um ruivo alto que ninguém nunca questionaria sobre sua descendência, pois a beleza grotesca escocesa restava estampada em suas feições maduras – era seis anos mais velho do que os novatos, pois reprovara no treinamento e, certamente, não teria sido aceito novamente nele não fosse o fato de que seu primo era o até então melhor soldado do Rei: Dougal Mackenzie. Bem, quanto à personalidade de Jamie, ele era um valentão, em síntese.

Assim, o ruivo buscava os mais fracos para se ter como vítimas de suas ofensas, pois um embate com um adversário de igual força demandaria dele talento autêntico para se reafirmar, o que nunca é o caso de nenhum valentão que se preze. Outrossim, a cada novo dia, James implicava com Stan, pois o garoto era o único novato que manifestamente não seria capaz de se defender nem mesmo se quisesse.

– Opa – o ruivo conduziu o prato dele até a borda da mesa vagarosamente, empurrando a sopa alheia ao chão; em seguida, repousou uma perna no local onde antes se encontrava o objeto. – Você não ia comer isto, ia?

Murtagh e Angus, suas sombras leais, riram como se vislumbrassem os feitos de um deus.

Stanley não respondeu, ele nunca respondia – tinha muito medo de que James resolvesse agredi-lo, pois enquanto não formados, não se submetiam ao Código de Conduta do Exército Escocês, de forma que ainda não existia impedimento para que se voltassem uns contra os outros, considerando o fato de que era necessário fazê-lo durante o treino e de que nenhum deles possuía agressividade suficiente para realmente representar ameaça à vida de outrem.

Bem, talvez um deles possuísse.

Louis observara os feitos de Jamie para com Stan todos os dias – ao menos todos os dias em que decidia não trocar a primeira refeição do dia por um treino extra. Entenda, Louis já não era mais ele mesmo há um tempo, mas aparentemente seu instinto protetivo era indissociável dele. De fato, ele bem sabia que não devia se intrometer em uma briga que não era sua, pois atrairia uma atenção desnecessária para si, o que poderia acarretar em descobertas a seu respeito que ele não desejava que fizessem, contudo, sentiu-se mais confiante ante o fato de que seu rosto se encontrava escondido, uma vez que usava a faixa negra que ganhara na noite passada.

Assim, Louis apareceu diante do ruivo repentinamente, de forma que parecia não ter vindo de lugar nenhum. Carregava dois pratos de sopa em mãos e seu olhar gelado estava vidrado na perna do ruivo, a qual ainda se encontrava apoiada sobre a mesa.

– Sua perna está ocupando meu lugar no refeitório – sua voz bonita soou no ambiente em um ritmo mais lento que o usual, pois não podia se permitir esquecer ou confundir o gaélico-escocês pelo francês.

Entenda que, o fato de James estar perturbando Stanley não causava estranheza aos demais presentes, pois isso ocorria diariamente, mas o fato de Louis se intrometer, causava – além de o garoto nunca falar, ele costumava isolar-se durante as refeições que fazia, então restava evidente que sua conduta de se pronunciar e reivindicar o lugar à frente de Stanley representava mesmo uma intervenção. Assim, a atenção de todos os presentes recaiu imediatamente sobre os três jovens.

Jamie se sentiu desnorteado pela afronta inesperada, mas logo sua expressão confiante retornou às suas feições tipicamente escocesas.

– E você seria...?

Louis ofereceu um sorriu ladino, o qual não lhe tocou os olhos. Eis que entregou os pratos de sopa a Stan – o seu próprio e o que trouxera para Stanley, a fim de repor o que fora jogado no chão pelo ruivo. Por fim, Tomlinson cruzou ambos os braços sobre o peitoral.

– Esta pergunta faz com que pareça que não sou tão intimidante quanto todos sabemos que sou, contudo, sabes exatamente a resposta de tua pergunta e isso tanto é verdade que seguras firmemente uma de suas mãos na outra, evitando que seja manifesto o quanto elas tremem pela minha presença, mas devo mencionar que não obteve tanto êxito em ocultar as gotículas de suor em seu supercílio – as sobrancelhas alaranjadas do outro tremelicaram neste instante e Louis comprimiu as vistas azuladas em fendas afiadas. – E é em razão de saber exatamente quem eu sou, que irá retirar a perna de onde ela repousa, dar meia-volta e por fim se afastar.

Naquele momento, Stanley não poderia se sentir mais importante  Tomlinson, a quem todos ainda tinham como herdeiro real e, portanto, escolhido de Deus, estava o defendendo e se valendo de tudo que aprendeu consigo durante as últimas madrugadas para que seu gaélico-escocês soasse quase pefeito em um discurso não tão curto.

De qualquer modo, razão assistia a Tomlinson em sua fala: todos conheciam seu nome, suas habilidades e sua lenda. Assim, James retirou a perna da mesa de imediato e virou-se de costas para acatar a ordem de Louis, contudo, quando o refeitório explodiu em risadas, sentiu-se humilhado por Louis e desejava apenas que, quando todos estivessem comentando sobre a situação (porque sabia que iriam, assim como qualquer outro episódio que envolvesse o suposto príncipe), restasse registrado que o ruivo verdadeiramente recuara, mas não sem antes humilhar seu adversário em uma proporção maior.

– Oh sim, sei exatamente quem você é: um estrangeiro – disse Jamie, virando-se novamente na direção do de olhos azuis, o qual já se sentara de frente para Stanley, com as mãos pequenas sobre a fria madeira, onde outrora sua perna repousara.

Stanley prendeu a respiração no exato instante que uma agitação percorreu todo o refeitório.

– Como ousas ofender tão gravemente um Stuart? – alguém se pronunciou na multidão.

– Ora, não sejam idiotas! – James virou na direção da voz, emitindo um sorriso ladino. – Quantas vezes já o olharam e pensaram que nunca antes viram alguém que meramente se assemelhasse a ele entre nós?

Entenda que, segundo a ótica daquele século, Tomlinson estava verdadeiramente sendo ofendido em público ao ser chamado de estrangeiro e isso o irritou, não só pela ofensa em si, mas porque a descoberta de sua descendência não-escocesa logo faria com que todos se perguntassem porquê o bom rei lhe cedeu seu sobrenome e porquê o conduziu até ali sendo que a vedação do acesso de estrangeiros ao exército era algo que imposto pela própria Coroa.

Por todo o exposto, James Fraser soou como uma ameaça a Louis e, bem, ele não seria ameaçado nunca mais

A primeiro momento, ele se limitou a dar uma colherada de sua sopa e nada proferiu, o que fez com que o ruivo sorrisse triunfante antes de deixar o refeitório, entretanto, antes mesmo do meio-dia, Tomlinson retirou tal sorriso da face alheia – durante o treino físico daquela manhã, ele escolheu Jamie para ser sua dupla e quando um estalo alto ecoou no ambiente ainda que este fosse a céu aberto, todos imediatamente souberam que a chave de braço aplicada pelo mais novo quebrara o pescoço do mais velho.

Em verdade, esta foi a primeira morte ocorrida na base e, ainda que se tratasse de um Mackenzie, ou seja, uma família muito bem quista pelo rei, Louis não foi punido, ante o fato de que se tratava de um Stuart, então o comandante apenas declarou um luto de uma semana por James, reforçando a todo tempo que fatos como aquele sempre foram uma possibilidade em se tratando de treinos militares.

De toda sorte, quando considerada a coerência da alegação de James sobre a beleza exótica de Louis se derivar de uma descendência estrangeira perante o fato de que Tomlinson não se defendeu da ofensa e em seguida ainda matou o ruivo, todos assumiram o alegado por Jamie como verdade, até porque Dougal Mackenzie, na qualidade de atual melhor guerreiro da Escócia, era próximo suficiente do rei para estar ciente de tal escândalo e então repassar ao primo – foi exatamente assim que o rosto de Louis finalmente deixou de ser objeto de fascínio para se tornar objeto de desprezo entre os jovens da base.

Partindo da premissa estabelecida pelo finado Mackenzie, muito se especulou sobre o motivo de Louis ter o sobrenome real – a tese aceita por unanimidade era que ele era um prostituto que seduzira o bom rei e, através da venda de seu corpo, o compelira a ceder aos seus caprichos. Havia quem teorizava que ele estava ali porque era um ardiloso espião de um reino inimigo que objetivava se infiltrar e enfraquecer a guarda da Escócia e havia quem teorizava que ele era um mero aproveitador que objetivava os privilégios que decorriam da condição militar perante a sociedade escocesa.

No entanto, existia um único jovem que nada teorizava – Stan. Ora, ele soube que Louis era um estrangeiro antes de todos os demais, mas não acreditava que tal condição imoral fazia de Tomlinson alguém necessariamente vil, então concentrou seus esforços em descobrir o que de fato acontecera com o de olhos azuis, pois pensava que somente ele tinha o direito de contar sua própria história.

Tal pensamento fez com que a proximidade entre Louis e Stanley crescesse e permanecesse pelos quatro anos seguintes do treinamento e o mais triste quando esta se esvaiu foi o fato de Stan constatar que nunca chegaram realmente a ser amigos, pois enquanto ele desejava oferecer sua amizade, Tomlinson não parecia capaz de oferecer sentimento algum de volta.

De fato, durante o tempo que tiveram juntos, Stan notara o quanto Louis se tornava menos arisco em decorrência do fato de os escoceses agora desprezarem seu rosto; porém, havia ocasiões em que notava o quanto Tomlinson desejava recuperar o fascínio escocês por ele. De toda sorte, o de olhos azuis nunca deixou de usar a faixa negra que o de olhos castanhos lhe dera, retirando-a de sua face apenas para dormir.

Em síntese, Louis mexeu com a mente de Stanley durante toda a estranha relação que tiveram – desde o primeiro momento soube que havia algo errado com ele, mas nunca foi suficiente para fazê-lo lhe confidenciar o que. 

-x-

O Código de Conduta do Exército Escocês estabelecia: caso o comandante se ferisse durante uma missão militar, era vedado ao seu exército avançar até que ele viesse a falecer, momento em que o mais velho dos homens seria eleito como suplente para comandá-los adiante. Assim, os soldados foram compelidos a erguer acampamento no topo da montanha que buscavam ultrapassar no momento em que Louis desmaiara, ainda que fosse o local menos adequado possível para se acampar – o frio era mais cruel naquela altura, não havia animais ou frutas próximas para alimento e estar a apenas alguns metros de um penhasco não era seguro.

Harry não saía de perto de Tomlinson e isso irritou Stanley de uma forma inenarrável: merda, o bruxo parecia o maldito abutre que todos sabiam que era, então Stan teve que empurrá-lo no chão para afastá-lo.

Stanley não teve a ajuda de seu inseparável Dougal para carregar Louis – nenhum dos soldados escoceses realmente gostava de Tomlinson em decorrência de sua descendência estrangeira, mas no caso de Mackenzie, existia realmente uma rixa entre soldado e comandante: o de olhos azuis matara seu primo e roubara seu título de melhor guerreiro escocês. Bem, Stan sempre achou o amigo um tanto quanto idiota por nutrir tal rivalidade em seu interior: James era um babaca, de modo que, se Louis não o tivesse matado, outro alguém com certeza o teria feito eventualmente e, quanto ao título de melhor guerreiro escocês, Louis fizera mesmo por merecê-lo.

De toda sorte, Stanley teve a ajuda de Calvin, Oliver e Nizam, soldados que ele sequer lembrava dos sobrenomes, mas que pensou que talvez deveria procurar conhecê-los, já que, como ele, foram maturos o suficiente para lidar bem com o fato de que um jovem estrangeiro de vinte e um anos foi o escolhido do escolhido de Deus para comandar o exército escocês na causa escocesa e entender que, gostando ou não, lhe deviam lealdade e obediência.

Oliver e Calvin armaram a tenda de Louis, enquanto Calvin amparava seu corpo. Stan, por sua vez, organizou todos os pertences de Tomlinson do exato modo como sabia que lhe agradava. Por fim, tendo o corpo do comandante repousado em seu leito e sua tenda devidamente armada, todos os rapazes deixaram o recinto para erguer seu próprio acampamento – todos menos Stanley.

O soldado sentou-se no leito do comandante, ao lado de seu físico inerte. Com dedos nervosos, ele retirou a faixa negra que cobria o nariz da face alheia visando exclusivamente que o inconsciente Louis pudesse respirar amplamente, mas não pôde evitar sorrir ao ter entre seus dedos o tecido que outrora pertencera ao próprio uniforme – sempre soube que Tomlinson levara consigo um pedaço dele, mas ao menos o homem o preservara consigo.

Eis que Stan olhou atentamente para o desacordado Louis e a cena diante de si era idêntica à noite em que o pequeno Tomlinson caíra da árvore anos atrás – Stanley o resgatara. Stanley permanecera ao seu lado. E ali estava Stanley disposto a tais atos novamente.

– É, garoto de sorte – ele sussurrou, arrastando o inglês e quase sorriu novamente ao pensar em seu próprio esforço para ensinar o gaélico-escocês a Louis apenas para que, após a queda da Escócia, cada escocês fosse obrigado a esquecer o idioma e adotar o inglês, sob pena de morte. – Eu espero que, uma vez mais, Deus não queira te levar.

♘♔♗



N/A: Bem, eu sei que o Stanley é um personagem que divide opiniões, mas quem já tinha percebido que ele está sempre protegendo o Louis à sua maneira agora já sabe os motivos para tanto ;)

P.S.: Maior cadelinha de James Fraser aqui, me perdoem por ter me valido dele para interpretar esse idiota, mas eu precisava da aparência e do nome dele emprestados para esse capítulo hihi 

Beijinhos no coração, 

Bê.

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