Mystical (l.s)

By larrylaw

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Considerações Iniciais (necessárias para a leitura da fic)
⊱ PRÓLOGO ⊰
⊱ CAPÍTULO I ⊰
⊱ CAPÍTULO II ⊰
⊱ CAPÍTULO III ⊰
⊱ CAPÍTULO IV ⊰
⊱ CAPÍTULO V ⊰
⊱ CAPÍTULO VI ⊰
⊱ CAPÍTULO VII ⊰
⊱ CAPÍTULO VIII ⊰
⊱ BOOK TRAILER ⊰
⊱ CAPÍTULO IX ⊰
⊱ CAPÍTULO X ⊰
⊱ CAPÍTULO XI ⊰
⊱ CAPÍTULO XII ⊰
⊱ CAPÍTULO XIII ⊰
⊱ Q&A ⊰
⊱ CAPÍTULO XIV ⊰
⊱ CAPÍTULO XV ⊰
⊱ CAPÍTULO XVI ⊰
⊱ CAPÍTULO XVII ⊰
⊱ CAPÍTULO XVIII ⊰
⊱ CAPÍTULO XIX ⊰
⊱ CAPÍTULO XX ⊰
⊱ EXPOSED ⊰
⊱ CAPÍTULO XXI ⊰
⊱ CAPÍTULO XXII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXIII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXIV ⊰
⊱ CAPÍTULO XXV ⊰
⊱ CAPÍTULO XXVI ⊰
⊱ CAPÍTULO XXVII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXVIII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXIX ⊰
⊱ CAPÍTULO XXX ⊰
⊱ CAPÍTULO XXXI ⊰
⊱ CAPÍTULO XXXII ⊰
⊱ CAPÍTULO XXXIV ⊰
⊱ CAPÍTULO XXXV ⊰

⊱ CAPÍTULO XXXIII ⊰

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By larrylaw

N/A: Obrigada por lerem! Não se esqueçam dos votos e comentários ♡



♘♔♗

Episódio: Man Down

Aquela foi uma fria noite de outono, daquelas em que há uma fina garoa caindo do céu – ninguém realmente dá muito crédito a ela até repentinamente se encontrar completamente molhado. Era exatamente assim que Harry e Louis encontravam-se naquele momento: completamente molhados.

Após selarem o destino de Aquiles juntos, juntos eles também colocaram o corpo do cavalo no buraco outrora cavado pelo comandante. Há que se ressaltar que Tomlinson ajeitou o cadáver de seu melhor amigo como quem nina um filho, deixando, inclusive, um pequeno beijo em sua crina brilhante antes do impronunciado adeus. 

Por fim, o comandante retirou três moedas de ouro de seu traje de couro negro: uma delas era a sua moeda da sorte, então não poderia abrir mão dela, mas as outras duas foram postas em ambos os olhos do cavalo – Styles observou a referida cena ciente de que se tratava de uma superstição grega apropriada pelo catolicismo, onde moedas eram postas nos olhos dos mortos para que estes fossem guiados corretamente pelos anjos para o devido descanso. Obviamente, ele não acreditava que o ato supersticioso tivesse qualquer serventia que fosse, mas permaneceu em silêncio naquele momento, pois constatou que a crença na possibilidade dos vivos garantirem a paz aos mortos servia de consolo em meio a uma perda e, considerando que tal crença não feria ninguém, talvez o cacheado não precisasse realmente elaborar uma crítica sobre ela.

Ainda juntos, eles enterraram o animal: apenas o comandante possuía uma pá, mas tal fato não faria com que o outro lhe deixasse enfrentar o término daquilo sozinho, então este se valeu das próprias mãos para o feito e jogou punhado por punhado de terra sobre o corpo sem vida até que ambos o tivessem soterrado completamente.

Após terminado, Louis caminhou junto à Harry até a tenda – Tomlinson ainda segurava seu braço, demonstrando que ele não teria escolha, contudo, não era um aperto firme e Styles era finalmente capaz de caminhar com as próprias pernas em seu devido ritmo, o que era bom, embora triste, pois sentia-se como se estivesse caminhando de volta ao cativeiro por vontade própria.

Uma vez no interior da tenda, Louis, de pronto, deixou suas roupas deslizarem até os tornozelos e, de costas para o outro, começou a se higienizar. 

De fato, ambos ainda se encontravam sujos com a lama fedorenta do pântano, mas era o cacheado que verdadeiramente mergulhara na substância, então ele faria qualquer coisa por uma limpeza corporal, exceto desnudar-se na presença do comandante.

– Eu não vou te olhar – foi o que Louis disse, ainda de costas e esfregando o próprio corpo com um pano úmido, novamente falando como se tivesse a mística capacidade de ler os pensamentos de Harry.

Eis que fizeram aquilo juntos também, um de costas para o outro, sem nunca virar para trás.

-x-

O organismo humano é extremamente adaptável. Trata-se de uma inteligência biológica capaz de, em tese, se habituar a qualquer situação adversa muito rapidamente, até mesmo a uma inapropriada – bem, o organismo de Harry agora se adequara definitivamente às crises de Louis, de forma que, ultrapassado o horário em que estas costumavam se desencadear sem que suspiro algum se fizesse audível, Styles despertou de súbito.

Ele retirou algumas das folhas secas que insistiam em enroscar em seus cachos a cada noite que passava sobre o solo de Aberdeen e então rolou para o lado, fitando o teto da tenda, pois costumava adormecer de bruços.

Uma sensação ruim se apoderou de si gradativamente quando suas vistas verdes foram vagarosamente desanuviando conforme ele as piscava rapidamente.

No momento em que foi capaz de se contextualizar, ele identificou o leito de Louis ao seu lado esquerdo, tipicamente cercado por uma caneca de água, uma de vinho, sua bíblia, seu caderno de capa de couro negro, o tinteiro e a pena para escrita. À sua frente, jazia a bacia com água limpa e os panos úmidos que ambos utilizaram para higienização horas antes ainda sujos, bem como o barril que suportava a vela que servia como única fonte de iluminação dali. Por fim, o cacheado bem sabia que, caso não estivesse deitado, encontraria na extrema direita da tenda os demais pertences e bugigangas do homem da faixa negra, todos fortemente unidos pelos nós franceses de algumas cordas. Entretanto, aquilo era tudo – não havia qualquer outra presença humana na tenda.

Harry se remexeu sobre o solo um tanto quanto desconfortável e, quando seus movimentos soaram manifestamente mais leves e desacompanhados do familiar tilintar de correntes, Styles constatou, pela primeira vez desde que retornara ao acampamento, que ele não fora acorrentado novamente. Tão rápido quanto seu corpo desajeitado permitia, o cacheado se colocou sobre os próprios pés e abriu um daqueles seus sorrisos que definitivamente poderiam iluminar o ambiente melhor que a frágil chama adiante – seu corpo se encontrava completamente sem restrições, apenas exatamente como deveria ser.

Todavia, conforme já exposto, o organismo humano se habitua a qualquer situação adversa muito rapidamente, até mesmo a uma inapropriada – bem, o de Harry se adequara a correntes também, de forma que ele cambaleou e tropeçou ao não sentir o peso e a limitação delas enquanto caminhava, pois por óbvio a primeira ideia que tomou sua mente após a constatação de se encontrar desacorrentado foi a de realizar uma nova tentativa de fuga.

De toda sorte, ao chegar finalmente ao rasgo que fazia as vezes de acesso à tenda e colocando apenas sua cabeça para fora dela a fim de analisar a probabilidade de passar despercebido pelos soldados fanfarrões, descartou imediatamente a possibilidade de escapar – a garoa do início da madrugada se transformara em chuva e um frio quase invernal reinava no lado externo. Assim, caso se desabrigasse naquela condição climática, era certo que uma pneumonia lhe acometeria e, tendo em vista o estado da técnica do século XVIII, mais especificamente no tocante à medicina, ele estaria morto antes mesmo de conseguir encontrar a saída de Aberdeen.

Bem, o medo da morte parecia sempre um adversário teórico invencível e fazia com que ele optasse a permanecer com seu adversário empírico, motivo pelo qual ele apenas respirou fundo e fitou pela última vez aquela oportunidade de liberdade – a intensidade do frio noturno era tanta que todo o exército escocês encontrava-se recolhido às suas barracas, sendo que normalmente estariam farreando ao redor da fogueira àquela altura da madrugada. Bem, não era exatamente todo o exército que se recolhera ao respectivo acampamento, pois os orbes verdes logo foram atraídos como por magnetismo até a figura do comandante, a qual se encontrava completamente exposta ao relento.

No breu quase absoluto da madrugada, contando apenas com a tênue luz das estrelas contidas no céu chuvoso da clareira, Styles era incapaz de identificar mais que a silhueta do homem da faixa negra, mas esta era suficiente para constatar que ele se encontrava ajoelhado frente à cova de Aquiles, de costas para si – apenas exatamente como o cacheado o encontrara horas antes, diferenciando-se meramente pelo fato de que Tomlinson vestia agora seus trajes de dormir e não os de combate. Contudo, existia algo inédito naquele cenário agora, pois também foi possível que o de olhos verdes identificasse a sombra de uma cruz fincada sobre a terra recém escavada.

Ocorre que, Louis amarrara dois galhos grossos juntos, sendo um verticalmente posicionado enquanto o outro fora mantido horizontalmente projetado e em seguida enfrentou a chuva arrebatadora apenas para homenagear o leito eterno de seu cavalo, demarcá-lo perante a paisagem inabitada, fazê-lo notório, lembrado – foi nesse momento que o homem constatou que, quando o amanhecer chegasse, ele deixaria o último local onde seu melhor amigo esteve para trás, então se sentiu compelido a usufruir de cada instante em que ainda era possível estar ali.

Harry engoliu a bílis que se formou em sua garganta e, considerando o pedido de ajuda que horas antes identificara nos olhos azuis, verdadeiramente teve o impulso de enfrentar a chuva e ir até o comandante; de toda sorte, se ele não era capaz de enfrentar o medo da morte em prol de sua própria liberdade, certamente não seria capaz de enfrentá-lo em prol de outrem.

-x-

Louis retornou à tenda apenas após o amanhecer – os outros soldados já baixavam acampamento naquele momento, o que necessariamente significava que o dever de comandante, por fim, o demandava.

O sono leve de Harry foi afetado pelos costumeiros ruídos decorrentes dos movimentos que Tomlinson fazia para desarmar a tenda, somados ao tímido som de algumas tosses. Por fim, ele de fato despertou quando um maldito pézinho gelado foi irritantemente pressionado sobre seu estômago repetidas vezes.

Styles abriu um olho, ou ao menos pensou tê-lo feito, porque o que viu a seguir fez com que ele verdadeiramente cresse que estava em meio a um de seus sonhos eróticos: o melhor que já tivera, inclusive. O cacheado tinha a visão de um ângulo inferior do homem mais lindo que já vira em toda a sua vida, o qual se encontrava em pé ao seu lado, encarando-o em expectativa e completamente encharcado da água da chuva que cessara apenas pela manhã: as gotículas contidas nos fios desordenados de seu cabelo claro escorriam pela pele úmida e bronzeada de seu torso e o tecido claro da túnica surrada que ele vestia estava quase transparente, aderindo ao seu corpo bem definido e moldando perfeitamente cada volume dele, inclusive o de seu pau – oh sim, sua mente fora realmente criativa ao criar aquele aspecto específico da ilusão, pois, ainda que não ereto, o membro era tão satisfatoriamente grande e grosso.

Bem, Harry queria implorar para ser destruído naquele instante.

De fato, em qualquer que fosse sua fantasia sexual, Styles era um polo um tanto quanto passivo, porque muito embora fosse alguém manipulador em aspectos gerais, no sexo ele só se satisfazia ao ser manipulado. De toda sorte, a figura diante dele não o pegou em seu colo de pronto, como era típico naquele tipo específico de sonho – aparentemente, sua mente estava mesmo empenhada em testar seus limites daquela vez, como se o desafiasse a pular no alheio por si mesmo e então implorar para ser fodido até seu corpo não mais aguentar.

Ele definitivamente poderia fazer aquilo por aquele homem. E iria.

Eis que o pé sobre seu estômago baixou para a sua costela repentinamente, de um jeito um tanto quanto familiar – apenas exatamente como o comandante do exército escocês fazia.

O comandante do exército escocês.

O comandante.

Antes que Harry pudesse abrir seu segundo olho em espanto, Louis já agachara sobre os próprios joelhos ao seu lado, se inclinando sobre seu tronco, sempre com aqueles modos nada corteses de invadir o espaço pessoal alheio – Styles então balançou a cabeça para ambos os lados freneticamente, com uma careta desnorteada se projetando em sua face, como se pudesse espantar tudo o que viu e principalmente tudo que sentiu ao ver.

Sorcier – Tomlinson sussurrou.

– Huh – ele respondeu ao chamado, de pronto, mas logo em seguida amaldiçoou internamente a si mesmo, pois constatou que, em algum momento daquele rapto, seu ser realmente se afeiçoara ao apelido cedido por seu raptor.

– Você pode falar com ele?

Deveria existir uma norma de direito natural que proibisse conversas com Louis antes das dez da manhã – era difícil compreendê-lo a qualquer horário do dia, mas principalmente durante a manhã, momento em que o cacheado ainda sentia seus neurônios trabalhando em velocidade reduzida.

– V-você pode, sabe...? Dizer algo a ele?

Um silêncio recaiu sobre ambos e cada segundo que este se prolongava era pontuado por uma gota de água que caía da franja de Tomlinson e ia de encontro ao peitoril de Styles, o que lhe causava leves arrepios – o cacheado precisou de alguns instantes para compreender quem seria "ele", embora a dor que pontuava o referido pronome não deixasse lacuna para dúvidas: Aquiles. Assim, não foi difícil deduzir que a pergunta proferida foi motivada pela veemente crença alheia de que Harry era um bruxo.

De toda sorte, a parte engraçada acerca da situação era que Styles não poderia ao menos zombar internamente de Tomlinson, pois ele realmente era capaz de conversar com fantasmas – não em decorrência de poderes místicos, por óbvio, mas, segundo Gemma, em decorrência de seu bom coração. Bem, isso era tão clichê que chegava a ser duvidoso, contudo, a garotinha foi a percussora de tudo que ele sabia sobre fantasmas e até então não errara em nada do que o ensinara: as assombrações consistiam em espíritos presos ao plano terrestre em decorrência de uma missão que deveria ser cumprida antes que atingissem um plano superior e não podiam se materializar para aqueles que não os viam, bem como só podiam fazê-lo para aqueles que os viam quando durante o turno no qual sua morte ocorrera.

Se faz necessário ressaltar que o comandante em nenhum momento deixou de piscar os orbes azuis em sua direção, esperançoso por uma afirmativa.

De fato, Harry estava convencido de que, ainda que negasse até seu último dia de vida sua condição bruxa, Louis nunca deixaria de acreditar nela, então talvez não fizesse diferença alguma afirmar que era sim capaz de falar com mortos. No entanto, Styles também estava ciente de que Tomlinson era titular de um emocional instável e que este se encontrava ainda mais fragilizado pelo luto, então seria um tanto quanto cruel garantir algo àquele homem que ele não poderia ter certeza – o cacheado não sabia ao certo se as mesmas regras fantasmas que conhecia se aplicavam também a animais e, mesmo se soubesse, havia ainda a possibilidade de Aquiles não ter assunto inacabado algum no plano inferior e, portanto, ter partido definitivamente.

Desta forma, Harry suspirou e ergueu o próprio tronco, pois ele estava ciente de que sua negativa seria frustrante a Louis, motivo pelo qual achou digno olhar em seus olhos ao fazê-lo. No mais, ao se encontrar sentado sobre o solo de Aberdeen e encurtar a distância entre ambos, constatou que, embora o comandante não mais chorasse, havia resquícios óbvios de pranto em seu rosto – fundas olheiras circundavam suas vistas, as quais se encontravam absurdamente inchadas e com o azul perdendo destaque em meio à vermelhidão predominante.

– Não, Luke. Sinto muito – foi tudo que Styles disse, se valendo de seu tom mais gentil e cauteloso.

Os orbes abatidos de Louis se perderam por um instante e ele se limitou a assentir minimamente com a cabeça. Houve então um novo silêncio entre ambos, mas o cacheado sabia que o comandante falaria algo, pois este ainda não se colocara em pé.

– Eu não devia tê-lo enterrado em Aberdeen, como um indigno; deveria arrastar o corpo para casa, por mais cruel que seja maculá-lo dessa forma. Nesta terra, as bruxas executadas pelo Tribunal Escocês não deixarão que ele descanse em paz – Tomlinson tossiu baixo uma única vez, então apertou os olhos com o polegar e o indicador de sua mão direita, demonstrando exaustão. – P-preciso desenterrá-lo, p-preciso o-ou...

Harry lembrou-se de quando Louis executara Angus e ordenara que o corpo do soldado fosse enterrado em Aberdeen, a título de punição, pois não retornaria para casa e permaneceria com as bruxas que ele ajudara a executar, então deduziu corretamente o quanto aquilo soava injusto com Aquiles pela ótica do comandante. No mais, Styles sabia que durante o período em que vagaram pela referida floresta, os fantasmas dos executados pela Escócia vinham sabotando sutilmente o exército escocês a cada noite, libertando animais da armadilha de caça e desperdiçando o estoque de água potável disponível, então, de certa forma, até fazia sentido que Tomlinson imaginasse que eles não deixariam sua montaria descansar, ainda mais quando tinha para si que aqueles seres pactuaram com o mal em vida. Todavia, o cacheado tinha consigo a certeza de que nenhum deles maltrataria o fantasma do animal caso este viesse a existir, afinal dois daqueles espíritos que se encontravam no limbo entre vida e a morte estavam entre as pessoas que ele mais amava em sua vida – sua mãe e sua irmã.

– Ei, ei – Harry disse docemente e, por instinto, se flagrou segurando delicadamente ambos os lados da face de Louis que, por sua vez, surpreendeu-se com o toque repentino, perdendo momentaneamente o rumo do raciocínio que construía e cessando imediatamente sua fala. – Ninguém irá maltratar Aquiles. Eu prometo a você.

Ora, se essa fosse mesmo a história sobre um mocinho e um vilão, seria o momento de refletir sobre o que ocorre quando ambas as figuras trocam promessas entre si.

-x-

A manhã parecia quase tão fria quanto a noite fora, mas ao menos não chovia mais.

Por óbvio, Louis tomou o cavalo de Dougal para si, na qualidade de comandante – o soldado ficara obviamente descontente, mas não proferiu sequer uma palavra em protesto, permanecendo tão maleável quanto todos os demais homens pareciam estar. De fato, todo o exército escocês estava ciente de que o humor de Tomlinson precisava de apenas uma fagulha para incendiar e então queimar quem estivesse mais próximo.

Válido então ressaltar que Harry era o mais próximo dele quando ambos montaram.

Em verdade, os segundos daquela fria manhã pareciam ser impulsionados pelas reclamações de Louis – aparentemente, o cavalo alheio que sequer nome tinha, era muito feio, muito baixo, muito desobediente, muito burro.

Quando a paisagem ao redor passou a ser predominantemente montanhosa, Styles estava ciente de que o grupo já ultrapassara a metade do percurso até a Escócia, pois montanhas eram características típicas das terras escocesas e não inglesas. Entretanto, não teve oportunidade de sequer se lastimar mentalmente por tal fato, pois ao iniciarem a subida de uma das montanhas, as lástimas de Tomlinson tomaram novamente sua atenção – aparentemente, o cavalo alheio também era muito lento.

Bem, a experiência hípica que o cacheado tinha cedia a ele autoridade satisfatória para averiguar que o cavalo de Dougal era ótimo, mas ele não era Aquiles – o luto é um sentimento complexo e, se em Harry ele se manifestara de forma a fazê-lo tentar substituir a figura de seus pais pela de Desmond, por óbvio que se manifestaria em Louis de forma completamente oposta, fazendo-o tentar tornar a figura de seu amigo insubstituível.

Era verdadeiramente estranho pensar que até o fim da tarde passada, Styles costumava pensar que os olhos de Tomlinson eram vazios – havia sentimentos ali mais intensos que os do próprio cacheado, mas que só poderiam ser vistos se você procurasse por eles, pois ele compreendia o comandante o suficiente para saber que o homem se escondia. O motivo da ocultação, Harry não sabia, mas talvez estivesse no passado de Louis, já que, ante o fato de que ele não era o vilão, deveria ter uma história que não fosse apenas destruir a do mocinho. 

De fato, a guerra tem esse condão de fazer com que as pessoas façam mal umas às outras, de modo que passem a ter uma visão desumanizada umas das outras. De toda sorte, muito embora Styles acreditasse que Tomlinson fizera muito mal a ele, este não podia mais fingir que aquele integrava uma categoria à parte da humana, não quando um sentimento tão humano acometia o homem diante de si.

O cacheado odiava ser tão emocionável assim.

– Como você o escolheu? – perguntou, antes que pudesse se reprimir.

Quando seus pais se foram, ele gostaria que alguém conversasse com ele sobre eles, pois efetivamente ajudaria na primeira etapa do luto.

– Ele quem me escolheu – respondeu o comandante, com a voz surpreendentemente rouca. – Aquiles estava na fila do abate pois não permitia que nenhum cavaleiro escocês o montasse. Todavia, você sabe, ele tinha aqueles pelos bonitos que não eram de se jogar fora, então eu resolvi tentar.

– E conseguiu? – Harry sussurrou, verdadeiramente interessado.

– Nah – Louis negou em tom igualmente baixo, com a mente se distanciando dali. – Na primeira tentativa, ele me deu um coice no peito que quase me matou.

Styles se esforçou intensamente para censurar uma gargalhada que ameaçou lhe escapar os lábios.

– Na segunda vez, porém – Tomlinson prosseguiu, em um tom divertido, – ele me derrubou da sela e quase pisoteou minha cabeça. Então eu resolvi vê-lo de verdade dessa vez, não apenas enxergá-lo e, ali estava: um grande espinho alojado em sua pata traseira – fez uma pausa para uma breve tossida. – A dor de trotar deveria ser absurda, motivo pelo qual ele não permitia que ninguém o montasse – então outra pausa para outra breve tossida. – Quando ele permitiu que eu o retirasse de si, eu soube que ele também sabia que éramos iguais.

– Iguais...? – Harry questionou, confuso.

Ele machucava pessoas antes que elas o machucassem.

De fato, Styles não sabia ao certo o que responder – era um daqueles momentos que sabia que faria sentido apenas se conhecesse a história de Tomlinson, o que ele não desejava, certo? E mesmo se desejasse, talvez nunca conseguisse conhecê-la, considerando que o tempo que ambos compartilhavam estava se esgotando.

Felizmente, o calor distraiu o cacheado de sua frustração – muito embora a temperatura em Aberdeen fosse quase invernal e ele sentisse o corpo do comandante tremendo contra as suas costas, para si, o interior da manta alheia estava muito mais quente do que deveria, por alguma razão. No momento em que sentiu relativa falta de ar em decorrência da quentura em seu corpo, notou que o braço esquerdo do comandante, que costumeiramente enlaçava sua cintura, a apertava firmemente como nunca fizera antes, motivo pelo qual ele se remexeu um pouco, desconfortável.

"Aquiles" – Harry refletiu, pensando na força do animal e em como fora encontrado com uma fraqueza desconhecida em seu tendão. – Foi uma boa escolha de nome.

– Yup – foi tudo que Louis lhe respondeu, aumentando ainda mais o aperto na cintura alheia.

– L-luke. Será que você pode...? – Styles deu alguns tapinhas fracos no braço do outro. – Está me machucando.

A princípio, a única resposta que recebeu foi uma repentina crise de tosse. Todavia, no instante seguinte, o abraço ao redor de seu quadril finalmente relaxou.

Relaxou até demais. 

Muito rapidamente, o cacheado sentiu todo o seu corpo perder contato com o corpo alheio porque, em verdade, Tomlinson não estava prendendo Harry daquela vez, não, ele estava prendendo a si próprio nele, motivo pelo qual escorregou da montaria e despencou sobre o solo. Ao virar para trás e encontrar o comandante no chão, o cacheado saltou do cavalo ainda em movimento, o qual seguia em velocidade reduzida como sempre, descendo antes mesmo de pensar em pará-lo.

– Luke! – Harry berrou antes mesmo de se jogar de joelhos ao lado do corpo inerte e amparar a cabeça com o próprio braço, seu tom rouco retumbando por Aberdeen e fazendo alguns corvos abandonarem as copas das árvores acima de si. – Luke!

Todos os dezessete soldados haviam parado a caminhada diante da cena presenciada, mas nenhum deles moveu-se e sequer aparentavam que se moveriam em algum momento – apenas exatamente como se fossem sombras diante da inércia de seu titular.

– Me ajudem, seus bastardos malditos! – berrou ainda mais alto, com sua respiração entrecortada. – Ele está inconsciente

Eis que um deles finalmente se movimentou e aproximou-se em auxílio – Stanley Lucas.

– Comandante? Consegue me ouvir, comandante?! – Stan chamou, debruçando-se sobre o homem desacordado.

O soldado deu alguns tapinhas no rosto de Louis, o que irritou Styles de uma maneira inenarrável: porra, é de conhecimento geral que aquilo em nada ajuda no cenário de um desmaio.

E, realmente, não ajudou: Tomlinson permaneceu inconsciente, tendo seus olhos completamente brancos, pois os glóbulos oculares se encontravam virados para trás; contudo, seu corpo ainda tremia, em estado – agora o cacheado notava – febril. No momento em que uma de suas tosses preencheu o ambiente, carregada, Harry lembrou-se de sua estada no hospital de New Cambridge, pois lá vira homens em estado deveras semelhante: pacientes em que a gripe evoluíra para pneumonia.

♘♔♗



N/A: Bem, a partir deste capítulo começaremos a explorar o passado do Louis – um dos últimos mistérios da fic. Eu tenho dado inúmeras dicas do que realmente aconteceu com ele: a cada atitude peculiar, uma referência e mesmo quando vocês achavam que um capítulo era meio parado, posso assegurar que cada um deles foi relevante. Então, é realmente o momento de perguntar: o que vocês acham que transformou nosso menino desobediente em um instrumento? Lembrem-se que em Mystical nada nunca é o que parece ser! ;)

Beijinhos no coração,

Bê.

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