Dias atuais
[Ellie]
Um clarão se fez no quarto, eu subi o edredon para cima para cobrir o meu rosto pelos raios do sol que atravessavam a janela [13:14] Não tenho vontade nenhuma para levantar da cama e colocar meus pés no piso. Claramente imaginando já em minha mente que o chão está gelado, mas não. Assim que levanto o edredon completamente, e o meu pé toca no piso eu acordo pra vida quando sinto o chão molhado.
.... De novo não!
Eu corro em direção ao banheiro desligando a torneira da banheira. Eu me apoio com ambas as mãos na borda abanando minha cabeça em sinal de reprovação cerrando os olhos pelo meu descuido.
3 vezes em uma semana. Nunca aconteceu de amanhecer assim, sempre foi a noite que isso acontecia quando me distraia com o celular ou o portatil. Ou até mesmo quando tinha panela no forno. Tanto que no dia da panela quando ouvi a água a correr eu fui desligar a torneira do banheiro esquecendo completamente de desligar o forno primeiro quando senti o cheiro da panela queimando. E eu tinha pensado que iria incendiar a casa mas não. Logicamente recebi bronca.
Não acredito que amanheci logo assim! Alguém mais azarada do que eu não pode existir.
Por sorte, Téo um amigo que fiz quando terminei a droga do ensino médio, colocou um pedaço de Borracha grosso na porta impedindo que qualquer coisa passe por baixo da mesma. Não queria em nenhum momento pensar que a tia Amy poderia ter um acidente nas escadas por conta do meu descuido. No fundo eu agradeço a Téo por ter posto isso nas portas, claramente por causa dos ratos que sempre entram dentro de casa! Mas sérvio de lição hoje.
A tia Amy queria colocar ratoeiras na casa, mas eu não deixei. Não suportava o facto de coisinhas tão pequenas serem mortas sem terem feito nada. O que não é válido pelas baratas. Nunca gostei.
Assim que acabo de limpar a água que estava no chão no quarto e do banheiro, eu me viro dando de cara com o espelho. Eu me aproximo e olho seriamente para o meu reflexo, focada nos meus olhos cinzentos..... Eu vi coisas que não sou capaz de esquecer. Ninguém nunca viu o que meus olhos viram, não dá mesma forma que vi. Aquela queimação debaixo do meu peito volta quando desvio o meu olhar para baixo sentindo os meus olhos mais claros como nunca, a sua íris mudando de cor mais uma vez. Um dom e uma maldição. O dom de ver de novo cenas que aconteceram no passado. A cena da escola volta com força:
Estávamos no recreio e mais uma vez Ricardo e seu grupo falavam de mim. Que eu era bonita, mas que ninguém se envolveria comigo porque assim como a tia Amy eu não podia ter filhos.
-Pff - eu cruzei os braços por ouvir isso chateada e ele me olhou pelo canto dos olhos. Logo vindo na minha direção.
-Porque está bufando? - Ricardo falava com raiva. Ele nunca gostou de mim então porque insisto?
-Ah deixa ela cara. Ela vai acabar sozinha como a tia dela. Claramente estamos perdendo tempo a falar com uma estéril - eu suspiro com o comentário de Ítalo. Eu não pertencia aqui, claramente eu não preciso de fazer o sétimo ano. Temos apenas 11 anos, porque tanto Bulling comigo?
-Não mesmo. Farinha do mesmo saco. Deve ser por isso que os pais a deixaram - eu bati com tanta força no rosto do Ricardo já cansada desse tipo de comentários.
Sempre fui boa para os outros. O que eu fiz para merecer tanta falta de respeito?
Fui brutalmente empurrada no chão e em seguida recebi varios pontapés na barriga e nas costas, o que fez com que saisse sangue de minha boca.
Já estava cansada de ver isso, eu abano com toda força minha cabeça fazendo com que essa visão passada pare. Eu respiro fundo e quando abro os olhos vejo que estou de volta. Eu não estava bem comigo mesma. A tia Amy claramente nunca soube disso, nunca soube de nada. Os problemas eram meus e eu não ia envolver ela nisso. Posso ter perdido meus pais desde cedo, mas não sou obrigada a nada.
Eu sofri muito Bulling na época da escola!
Ainda com o pijama não me importei de descer para baixo assim. Fui para a cozinha e me senti encomodada.
-Tia! - eu chamei por ela, mas recebo o silêncio, eu bato a porta de seu quarto antes de entrar e... também não estava aqui.
.... estranho
Vou em direção a sala e lá também não estava. A casa não era assim tão grande o que me deixa com um certo desconforto. Eu abro a porta dos fundos indo ao jardim detrás - Tia!
Eu estou perdendo a cabeça, não há nenhum sinal dela. Eu começo a andar sem me importar que eu esteja com um short curto e uma blusa de dormir que é decotada. Eu quero é a Amy. Não há ninguém no mundo que eu amo mais que ela.
-Amy! - desta vez eu grito. Olhando para a mata que fica logo depois do Jardim.
-Está ficando louca? - uma voz masculina que nunca ouvi me pega de surpresa me fazendo virar encarando um belo par de olhos verdes estranhamente conhecidos
-Não se meta - estou ficando louca sim. Não é a sua tia que você está preocupado.
Esse "garoto" não para de me encarar e sinto ele analisando cada detalhe do meu corpo me despindo com o olhar! - Qual é a tua mulher? Porque está berrando assim?
-Pelo que eu saiba não devo satisfações nenhuma a você - eu o ignoro e volto a chamar a tia. Só que desta vez eu estava pronta pra correr quando fui agarrada pelo braço violentamente
-Fala direito comigo! - ele vai acabar por beijar o chão se não me soltar
-Melhor você me soltar - seu aperto é firme e bastante doloroso desta vez. Mas quando ele abre a boca para falar ele olha para cima do meu ombro fazendo com que eu me vire.
-Dona Amy! - ele diz para a minha tia com um tom de voz suave e ela olha pra mim surpresa. Um certo alívio me preenche por dentro. Mas logo sinto que meu corpo está colado com o desse idiota e sou capaz de sentir seu membro endurecer sobre minha bunda.
-Porque estava chamando por mim Ellie? - ela me pergunta esquecendo o idiota que está a minha trás.
-Eu estava preocupada tia. Não estava te encontrando em casa - eu solto um suspiro
-Ellie? - não o Batman. Claro gênio. Mas, porque ele repete o meu nome?
-Sim Ricardo.. é a Ellie - espera... o que? meus olhos estão arregalados. Não pode ser ele
-Ricardo? - olha eu a outra idiota repetindo o que ele fez. Eu me viro pra ele totalmente perdida. Não pode ser ele
-Em carne e osso... "Ellie" - o mesmo idiota que fez Bulling comigo quando estávamos na escola é o mesmo idiota que está a minha frente.
-O mundo já pode acabar - a tia Amy olha pra mim com as sombrancelhas franzidas e não sei o que fazer. Mas como se me dando espaço para falar com o Ricardo ela sai devagar.
-Encontro você lá dentro para o almoço - eu fecho os meus olhos por um segundo enquanto ela se afasta até chegar dentro da casa.
-Então... a pequena agora é uma mulher - ele olha para o meu corpo e eu fico com um certo desgosto dele quando a minha atenção está nele.
-Você tem muita coragem para olhar nos meus olhos depois de tantas merdas que você me fez? - ele dá de ombros como se não fizesse diferença
-As "merdas" estão no passando. Não vamos desenterrar velhas lembranças - eu estou chocada com tamanha audácia
-Então queres fingir que nada do que aconteceu no passado existiu? - mas que merda
-Sim, vamos fingir que nada aconteceu - eu levanto uma sobrancelha
-É. Claro. Então vamos fingir que nada aconteceu e começar do zero não é? Fingir que você e seus amigos fizeram minha vida um inferno. Fingir que não sofri Bulling da sua parte e principalmente da sua namoradinha que tiveste no nono ano. Fingir que não tenho cicatrizes no corpo e ainda mais fingir que não parei no hospital quando "Você" tentou me violar. Vamos fingir que tudo isso não aconteceu não é? - eu olho para ele incrédula.
-Tá. Eu peço desculpa em relação a tudo que aconteceu - isso é agora porque ele está me encarando de um geito malicioso e seus olhos mostram isso
-Pedes desculpa agora por medo do que fizeste e não tiveste coragem de me dizer na cara ou porque estas checando o meu corpo vendo que estou diferente agora ou por pena? - eu cruzo os meus braços tentando me acalmar por um momento
Ele leva as mãos no rosto! Pela demora dele responder já imagino a resposta. Ele continua o mesmo idiota de sempre. Eu sofri muito por causa dele. Passava noites em claro desejando morrer, noites mal dormidas por não querer voltar a escola e sempre inventava desculpas para não ir a Amy. Eu nunca quis envolver ela nos meus problemas tentando resolver tudo sozinha. O que resultou na ida ao hospital e ela não entendeu o que aconteceu por eu ter parado lá. Mas ela nunca descobriu nada. As cicatrizes no meu corpo por cada corte e golpe que eu levei são uma clara lembrança disso.
-Eu nunca quis magoar você. Na época eu só queria impressionar os caras porque eu estava sobre influência e você era um alvo fácil. Mas eu estou pedindo desculpas agora porque desde a ida do hospital você nunca mais apareceu e me senti culpado depois.
-Ah... então se não fosse a ida ao hospital você não estaria pedindo desculpas!
-PORRA. Qual é o seu problema Ellie?
-O meu problema é você Ricardo Hernandes. Você é sempre um dos meus problemas e eu me arrependo amargamente por ter ficado na mesma sala que você!
-Tá bom, chega. Não vamos criar um briga por conflitos passados.
-Você é impossível - meu lobo quer sair mas eu não dou essa vantagem á ele. Eu estico o meu braço para ele mostrando claramente uma das cicatrizes feitas por ele, ele encara parecendo triste e... toca a marca do ferimento. Estava pronta para puxar o meu braço e evitar que ele me toque, mas eu quero que ele veja a dor que passei todos esses anos deixada por essas cicatrizes.
-Eu.... lamento mesmo. Desculpa Ellie - as palavras ficam presas na minha garganta, mas tudo o que eu faço é olhar para ele.
-Desculpas não aceitas - eu jogo essas palavras na cara dele
-Qual é Ellie?! É necessário que eu me ajoelhe e implore o seu perdão?
-O que você fez comigo não tem perdão - não guardo rancor, só não sou idiota como ele
-Sério mesmo que você guardou rancor depois de tanto tempo?
-Não, só não sou cínica como você.
-Mas é estéril...- ele diz inclinando a cabeça para frente - ....uma boa foda pode resolver as coisas
Um grunhido sai da parte detrás da minha garganta quando ele morde o lábio inferior olhando meu corpo mais uma vez. Não me contenho e dou um tapa em sua cara com bastante força fazendo seu rosto virar para o lado.
-Vou deixar as coisas mais claras dessa vez. Não sou como as putas que você pegou. E se acha que pode me levar para cama assim tão fácil lembre-se que o próximo que pode acabar sem ter filhos será você!
Mantenho a maior distância possível entre nós quando vou diretamente em direção a casa. As coisas poderiam ser sido diferentes se não calhassemos na mesma sala ou se a tia não tivesse decidido me por em um escola. A culpa não é dela. Claramente fui um alvo fácil porque todos sabiam que a tia Amy não podia ter filhos e por isso viveu sozinha por muito tempo e depois tendo a mim para cuidar quando me abrigou
Duas mulheres contra o mundo.
Enfim dentro de casa, eu vou em direção a cozinha e encontro a mesa posta. Eu queria me sentar mas algo me disse para ficar de pé quando a tia entrou.
-Algum problema minha filha? - ela me pergunta vendo o estado que eu estou.
-Não! Nada! - eu encara o chão com as mãos presas na arquibancada
-Eu posso ter 46 anos agora Ellie, mas não sou cega - eu solto um suspiro baixo
-Eu... sinto falta deles - isso não é uma mentira, realmente sinto falta
-A vida está repleta de mais espinho que flores - tenho lembrança disso, é o provérbio italiano que minha mãe dizia para mim várias vezes antes de partir.
-A vida não é sempre como queremos - sempre me fiz de forte o tempo todo. Levantei a armadura e não será hoje que se vai romper
-Senta ai. Vamos conversar! - eu fiz o que ela manda antes de a dar um olhar triste - o que aconteceu com você e o Ricardo?! - apenas a olhava sem responder essa pergunta
-Conflitos passados - eu sempre arranjei formas de evitar qualquer assunto sem ela perceber. A Amy sempre descobria pelo comportamento corporal e através do olhar quando alguém escondia coisas dela.
-E esses conflitos se devem a que propósito Ellie? - ela quer ver uma falha minha
-Desentendimentos. Apenas isso - ela respira fundo e desdobra as mãos em cima da mesa.
-Tudo bem! Não posso forçar você a nada - a tia pega no garfo obviamente desistindo de tentar ter uma conversa comigo
Eu faço o mesmo, mas no segundo seguinte quando estava pronta para colocar o talher na boca eu sinto a mudança nos meus olhos. Eu fecho rápido com a respiração pesada e tenho uma breve visão de um penhasco que fica na floresta. Mas logo passa!
-Tu és especial! - eu me assusto e abro os meus olhos que estavam fechados
-Como?! - eu pergunto confusa depois de um tempo
-Eu sempre soube Ellie. Sempre soube que eras especial - o que é novo pra mim ouvir isso
-Porque diz isso? - pergunto curiosa apertando o garfo em minha mão
-Porque és forte, uma lutadora... não deixas ninguém passar por cima de ti, e isso é bom. Moldas-te assim o teu caracter o que te faz diferente nesse aspecto em relação a tua mãe - eu deixo de pegar o garfo e apoio minhas costas na cadeira
-Como você conheceu minha mãe? - ela dá um sorriso triste mas com carinho antes de responder
-Éramos vizinhas mas muito amigas também. Não passava um dia sequer sem nos vermos, até que isso mudou. Ficamos uma semana sem nos falar por causa do seu pai que disse a ela que eu a traía com ele e então... - eu espero ela acabar de falar mas ela não acrescenta mais nada.
-E então? - ela não responde. Por isso eu mesma vou descobrir sozinha o que aconteceu.
-É só isso! - ela esconde algo de mim, eu sei disso. Mas eu não vou insistir, é justo. Porque eu escondo coisas dela também.
-Eu não estou mais com fome, obrigada - eu levanto da cadeira pegando o prato o guardando no forno para comer mais tarde.
Antes de deixar a cozinha eu caminho até a tia Amy e dou um beijo longo em sua testa e ela envolve um braço a volta de minha cintura pousando sua cabeça no meu corpo - eu estou lá em cima se precisar de alguma coisa tia.
Ela acena com a cabeça e me solta voltando assim a comer e eu subo as escadas indo para o quarto. Uma vez de volta eu olho de revanche para o espelho e depois para a cama. Ainda estava de costas para a porta e acabei por encostar minha cabeça na mesma, soltando um suspiro de frustação em seguida.
Depois de breves segundos assim, eu caminho em direção a janela depositando um olhar no celular. Hoje será um dia daqueles!
Eu abraço o meu corpo sentada no parapeito da janela, olhando para a vista e me perco assim contemplando a paisagem.