A Forja de Sangue

By rodzandonadi

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Para moldar um bom ferreiro é preciso suor, sangue e lágrimas. Hefesto, príncipe do Olimpo passará por tudo i... More

Sobre este livro (dá uma lida, acaba bem rapidinho)
Epígrafe
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Lâminas e Corações

Capítulo 1

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By rodzandonadi

O galo do mar cantou às cinco da manhã daquele dia. O garoto levantou resmungando, com os olhos pesados que mal se aguentavam abertos. Quando olhou o calendário mágico que tinha criado, desistiu de matar a pobre criatura por dois motivos: o primeiro era que o calendário se atualizava através do canto daquele ser desengonçado; e o segundo era que enfim o dia do Torneio de Fotia havia chegado.

"Hoje é o dia em que me poderei me redimir com papai. Tenho que dar meu melhor para que ele possa se orgulhar de mim e me perdoar."

Esse pensamento o fez se apressar em sua rotina e partir rapidamente para o refeitório. O mais rápido que sua perna manca permitia. Como sempre, encontrou mestre Arges se servindo.

- Pequeno Hefesto. Como está sua animação para hoje? Diga-me que está pelo menos um pouco empolgado.

- Bom dia, tio. Estou muito animado.

Arges ergueu sua única sobrancelha para o garoto.

- Sabe filho, nós ciclopes podemos ter apenas um olho. Porém, não se engane: conseguimos ver uma pessoa desanimada de longe. Se você está animado, eu sou um fada caolha dos Bosques de Pã.

Hefesto suspirou.

- Passei a noite revisando as teorias de seu livro: O ferro, a forja e a técnica. Só estou cansado. Estou pronto para utilizar o que aprendi nesse último ano. Quero vencer, tio.

Arges sorriu para o garoto.

- Isso é ótimo, filho. Venha, sente-se comigo. Os outros garotos ainda vão demorar uma eternidade para levantar.

- Será um prazer - sorriu de volta para o tio-avô.

Comeram em silêncio por um tempo.

- Me diga pequeno Hefesto, o que pretende fazer quando terminar os estudos aqui na forja?

Hefesto parou a colher na metade do caminho até a boca.

"Essa talvez seja a pergunta mais fácil que responderei hoje."

- Quero voltar para o Monte Olimpo e criar as melhores armas para meu pai e meus tios.

Arges ergueu a sobrancelha novamente, o que deixava Hefesto intrigado, pois mesmo tendo um olho a mais que seu tio ele mal conseguia erguer a grossa e ruiva monicelha de sua testa. Quem diria levantar apenas uma.

- E depois disso?

- Como assim depois?

- Depois, garoto. Vai ficar para sempre no Olimpo? Vai se casar? Ter filhos? Abrir sua própria forja? Quais seus sonhos, filho?

O garoto, com apenas 17 anos, descobriu naquele momento que só um sonho tomava seu coração. E ele não sabia o que fazer para torná-lo realidade.

- Acho que quero cuidar do meu filho, mestre Arges. Talvez... bem, se eu me tornar forte o suficiente e um bom ferreiro, talvez a mãe dele me aceite.

O ciclope ancião se se mexeu na cadeira. Rugas surgiram em sua testa.

- Isso pode ser complicado.

Um suspiro resignado foi toda a resposta que Hefesto pôde dar. Arges lhe deu alguns tapinhas nas costas.

- Uma coisa de cada vez. Seu pai confirmou que viria hoje, certo?

Os olhos de Hefesto brilharam.

- Sim. Mamãe e ele assistirão o concurso. Quero impressioná-los hoje. Vou vencer.

- Talvez não seja tão fácil, príncipe dos mancos - respondeu uma terceira voz.

Um garoto veio na direção deles com sua bandeja e sentou-se ao lado de Arges.

- Bom dia Argelio, dormiu bem?

- Sim mestre Arges. Estou pronto para vencer o concurso e manter a honra dos ciclopes intacta.

Arges sorriu, bagunçando os cabelos do filho.

- Não se trata de honra, criança. Trata-se de mostrarem suas melhores técnicas, já que o rei e alguns nobres do Olimpo e de todo o continente estarão aqui prestigiando vocês. Os que se destacarem se tornarão ferreiros das grandes casas do Olimpo. Talvez até do rei.

- Foi o que eu disse pai, hum, digo mestre. Irei mostrar para os líderes de cada reino que os ciclopes olimpianos são os melhores - e olhando para Hefesto continuou -, melhores que qualquer um, seja príncipe ou não.

O garoto apenas abaixou a cabeça. Não iria discutir com um dos favoritos ao prêmio. Mas tinha um motivo especial para ir bem naquele dia. Não decepcionaria seu pai e sua família. Precisava vencer.

E então, quem sabe, sua família passasse  a gostar dele.

***

Mestre Arges bateu palmas em cima da plataforma. Hefesto ergueu os olhos das anotações que consultava. Os três ciclopes urânios estavam reunidos lado a lado na plataforma do Coliseu da Forjatura. O Olho de Jade brilhava no céu, mas não significava problemas para Hefesto, que tinha a magia do fogo correndo nas veias.

Infelizmente também não afetava os ciclopes. Aquela raça, além de terem fé dois a dois metros de altura e força descomunal, viviam no subsolo, perto dos rios de lava. Sorte dos que assistiam, que tinham ao seu dispor o poder dos filhos dos céus, guardiões dos Portões do Olimpo. A brisa refrescante que eles sopravam nos visitantes chegava até onde os competidores estavam.

- Competidores! Prestem atenção nas instruções - berrou mestre Arges.

O momento pelo qual os vinte alunos daquele ano esperaram finalmente havia chegado. O príncipe olimpiano cerrou os punhos para impedir que os outros competidores reparassem que eles tremiam.

- Muito bem senhores e senhoritas, as regras são simples. Nenhum competidor pode sair de sua bancada. Vocês têm água corrente, fogo e três tipos de metal para escolherem. O desafio é criar uma arma que possa ser usada por qualquer guerreiro.

- Serão avaliados não apenas a perfeição, mas também a criatividade - continuou mestre Brontes. - Inovação é algo fundamental na profissão de ferreiro.

Mestra Estérope deu um passo à frente, enrolando um dedo nas tranças.

- Lembrem -se de suas aulas particulares e das técnicas que desenvolveram. Usem o que têm de melhor. Nos impressionem.

Hefesto suava em sua bancada. Já sabia qual seria seu projeto, só esperava que fosse bom o suficiente para superar o trabalho de Argelio e dos demais ciclopes.

- Sou o único olimpiano aqui - repetia para si mesmo. - Vou trazer orgulho para meu pai.

Tentava com todas as forças não buscar os rostos de sua família na arquibancada. Se estivessem lá, não queria constatar que estavam entediados. E se não estivessem... não, ele acreditava na palavra do pai. Não importa que das outras vezes ele tenha tido compromissos de última hora e...

- Comecem!

Ele estava tão concentrado em seu mantra que se assustou com a ordem de Arges, derrubando algumas ferramentas no chão, se tornando motivo de risadas entre os outros participantes e os convidados da plateia.

Recolheu suas coisas e se preparou colocando o avental surrado e estalando os dedos. Hefesto respirou fundo. Uma. Duas. Três vezes. Tudo ao redor dele deixou de importar. Os sons morreram. As pessoas eram borrões.

A forja era a única coisa no mundo que importava.

Respirando fundo mais uma vez, ele pegou a barra de aço com as mãos desprotegidas. Foi até a repartição de lava e inseriu o metal, sentindo quando ela começou a derreter. Então pegou a liga de prata e juntou ao aço, trabalhando com leve movimentos os materiais. Quando os dois estavam bem maleáveis ele tirou e colocou na forma que tinha separado e deixado ao lado.

Levando a mão à boca ele furou três dedos e os usou para criar rastros de sangue na liga de metais que criou. Usando um antigo feitiço de sangue ensinado por Arges, Hefesto fundiu seu sangue com a liga fervente e a levou para o forno que ardia em suas costas.

Esperou o tempo que julgou necessário e retirou a lâmina. Passou a martelar para retirar as impurezas. Colocou a arma embaixo da corrente d'água que passava ao lado de sua bancada.

Voltando para a mesa, pegou um pote de ossos de dragão moídos e misturou seu sangue ao pó. Modelou com cuidado acrescentando um pouco de ferro e prata em pó, até conseguir moldar uma empunhadura no formato de cruz com um espaço para uma gema.

Pegando a lâmina ele juntou as duas partes com uma mistura de lava e sangue de dragão. Analisou seu trabalho minuciosamente e se deu por satisfeito. Era seu melhor trabalho até aquele dia.

Ofegando, suando e quase caindo no chão por suas pernas estarem bambas, o príncipe do  Olimpo apertou o botão que indicava que havia terminado.

Poucos instantes depois Arges apareceu na bancada, se curvando para ver a espada.

- E então, criança, o que sua arma faz?

- Ela... ela pode ser usada por qualquer guerreiro. Responderá ao nível de poder e elemento mágico da pessoa que a empunhar. Basta derramar algumas gotas de sangue no lugar reservado para a gema antes de inserí-la.

A lâmina era de um vermelho rubro e o cabo e um azul marinho quase negro eram magníficos, e a leveza da arma, mesmo sendo preparada com uma liga de metais deixaram o mais velho dos cíclopes urânios surpreso, apesar de sua expressão nada revelar.

Arges ergueu a sobrancelha ao analisar a espada.

- E funciona com qualquer um dos quatro elementos, fogo, água, terra e vento?

- Sim, mestre Arges.

Hefesto começou a ficar nervoso. Arges coçou o queixo.

- Muito bem, pequeno Hefesto. Vamos testa-la quando os demais competidores terminarem. Lhe desejo sorte.

E saiu, deixando um Hefesto ansioso em sua bancada, revendo se não deveria ter feito algo de maneira diferente.

***

- Não era assim que eu esperava encontrar o campeão do Torneio de Fotia - disse uma voz suave. Hefesto nem precisou se virar para saber quem era.

- Não há melhor lugar para uma comemoração na região do que o Néctar dos Deuses, tia.

- Posso até concordar, mas essa não é a cara de quem está comemorando, e sim de quem está curtindo uma fossa.

O garoto sorriu e se levantou para abraçar a recém chegada.

- Estava com tantas saudades de você, menino - sussurrou enquanto acariciava os cabelos ruivos e bagunçados do sobrinho.

- Também senti sua falta, tia Héstia.

Sentando ao lado dele no balcão, ela logo foi atendida pelo taverneiro.

- O que posso lhe servir, princesa?

Ela olhou para o copo vazio do sobrinho.

- Me traz  duas doses do que esse menino está tomando.

- Vai tomar néctar com sangue de quimera tia?

- Porque o espanto? Acha que é o primeiro de nossa família maluca que sai para afogar as mágoas? Já tive minha cota de noites passadas em tavernas, rapazinho.

Hefesto riu, algo que raramente fazia. Normalmente estava na companhia de Héstia ou em uma forja quando isso ocorria.

As bebidas foram trazidas e eles bebericavam tranquilamente. Algum tempo depois Héstia quebrou o silêncio:

- Está triste por seu pai não ter vindo?

Hefesto não encontrou os olhos da tia.

- Um pouco. Pelo menos ele mandou você, e não Hades ou Poseidon. Só de imaginar um dos dois aqui... pelas forjas profundas, seria um desastre.

Héstia gargalhou e o garoto se sentiu mais a vontade. Tinha receio de falar mal de sua família, apesar de ser o único no Olimpo com esse tipo de problema.

- Nisso você tem razão - E voltando a ficar séria, continuou. - Você deixou nossa casa orgulhosa hoje, quero que saiba disso.

Mexendo a bebida, ele perguntou.

- Porque ele não veio?

Pela cara de Héstia ela devia estar amaldiçoado Zeus em pensamento.

- Seu pai está recebendo autoridades de todo o continente. Se ele saísse, seria um grande insulto aos convidados.

Os olhos de Hefesto se iluminaram.

- Então não ele não faltou por não se importar, foi por não poder vir.

- Isso, exatamente isso que aconteceu - concordou Héstia enquanto bebia de um gole só a bebida restante, pedindo outra dose em seguida.

- Obrigado por ter vindo - manifestou-se Hefesto afinal. - Sei que a principal maga do fogo olimpiana tem coisas mais importantes para fazer do que assistir um torneio de ferreiros. Para mim significou muito.

- Lógico que eu viria, criança - respondeu a Princesa Flamejante, com os olhos húmidos. Ela se esticou e abraçou o garoto, que não se importou em deixar as lágrimas rolarem pelo rosto em uma taverna. - Você é como um filho para mim, querido. Não se esqueça disso. Até puxou meus cabelos ruivos.

Quando o taverneiro chegou com as bebidas eles se recomporam. Depois de uns dois goles, a Senhora das Lareiras voltou sua atenção para o sobrinho.

- E então, animado com o prêmio surpresa?

O suspiro de Hefesto deu à mulher a resposta antes que ele a formulasse em palavras.

- Não muito. Confesso que estava ansioso para voltar para casa. Ir para outro reino adiaria isso por mais um ano. Não sei o que papai e mamãe pensariam de mim.

Héstia respirou fundo cinco vezes, bebeu metade da caneca de néctar e olhou para o teto.

- Sabe Hefesto, quando seu pai desafiou seu avô Cronos e nos instigou a nos rebelarmos, eu fui uma das que questionou os atos de Zeus.

- Sério tia? - questionou o garoto. - Vocês não falam muito da época antes da guerra.

Olhando pela janela que dava para o imenso oceano, Héstia continuou:

- Foram anos ruins, querido. Éramos prisioneiros em nossos quartos, não tinhamos contato uns com os outros e com mais ninguém. Nossa mãe nos visitava uma vez por dia, passando poucos minutos com cada um, e os criados que levavam nossa comida nunca eram os mesmos, então era impossível estabelecer algum tipo de relacionamento. Se Zeus pensasse no que Cronos desejava, e no que seria melhor do ponto de vista do nosso pai, você e seus irmãos não teriam nascido.

O garoto mordeu os lábios enquanto olhava para seu copo.

- Então você acha que eu devo ir.

O sorriso de Héstia iluminou a taverna.

- Acho que você precisa descobrir o que será mais importante para você: estar perto de sua família e tentar dia após dia agradar seu pai, como tem feito até agora; ou aceitar o prêmio e passar um ano em Nidavellir aprendendo as técnicas secretas dos maiores ferreiros do continente. E quando voltar...

- Quando eu voltar serei alguém com conhecimento e técnicas incomparáveis em todo o Olimpo - animou-se Hefesto. - Se o Olimpo e Otris romperem o acordo de paz, eu serei útil ao meu pai.

- Não apenas a seu pai - ressaltou a mulher. - Imagine como os guerreiros do Olimpo receberão a notícia de que armas mais poderosas estão sendo criadas, e como as famílias ficarão mais tranquilas sabendo que seus pais, maridos e filhos estarão mais seguros. Você trará nova esperança para seu povo, querido.

- Não sei se consigo isso, tia - resmungou Hefesto. - Não sou bom o suficiente para meu pai e o Olimpo. Afinal, já temos tio Arges e os outros ciclopes urânios.

Héstia virou Hefesto para que ele ficasse de frente para ela.

- Hefesto. Você ganhou o Torneio de Fotia, já está na hora de parar de ser uma criança chorona e agir como homem.

O príncipe olimpiano piscou, surpreso com a mudança abrupta de Hestia.

- Mas tia...

- Sem essa de "mas tia" - e nesse momento saíram chamas dos olhos dela. - Estou me segurando aqui. Pela luz de Hemera garoto. Tire esse traseiro flamejante desse banco e vá até Arges dizer que irá para Nidavellir. Ou juro pelos cabelos brancos de Theioles, deus dos homens, que minhas sandálias vão cantar na sua bunda durante o ciclo das nove luas de sangue.

Os olhos esbugalhados de Hefesto e a boca aberta frente às ameaças da tia ainda são tema de canções interpretados por bardos de Etherion até os dias de hoje, mas foram necessárias para que Hefesto enfim aceitasse ir para Nidavellir.

Se ele soubesse tudo pelo que passaria e o que se tornaria, talvez tivesse reconsiderado levar uma surra de sandálias. Ou talvez não. Mas a verdade é simples: em vista do que estava por vir, as ameaças de Héstia seriam bem mais fáceis de lidar.

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