Capítulo 1

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O galo do mar cantou às cinco da manhã daquele dia. O garoto levantou resmungando, com os olhos pesados que mal se aguentavam abertos. Quando olhou o calendário mágico que tinha criado, desistiu de matar a pobre criatura por dois motivos: o primeiro era que o calendário se atualizava através do canto daquele ser desengonçado; e o segundo era que enfim o dia do Torneio de Fotia havia chegado.

"Hoje é o dia em que me poderei me redimir com papai. Tenho que dar meu melhor para que ele possa se orgulhar de mim e me perdoar."

Esse pensamento o fez se apressar em sua rotina e partir rapidamente para o refeitório. O mais rápido que sua perna manca permitia. Como sempre, encontrou mestre Arges se servindo.

- Pequeno Hefesto. Como está sua animação para hoje? Diga-me que está pelo menos um pouco empolgado.

- Bom dia, tio. Estou muito animado.

Arges ergueu sua única sobrancelha para o garoto.

- Sabe filho, nós ciclopes podemos ter apenas um olho. Porém, não se engane: conseguimos ver uma pessoa desanimada de longe. Se você está animado, eu sou um fada caolha dos Bosques de Pã.

Hefesto suspirou.

- Passei a noite revisando as teorias de seu livro: O ferro, a forja e a técnica. Só estou cansado. Estou pronto para utilizar o que aprendi nesse último ano. Quero vencer, tio.

Arges sorriu para o garoto.

- Isso é ótimo, filho. Venha, sente-se comigo. Os outros garotos ainda vão demorar uma eternidade para levantar.

- Será um prazer - sorriu de volta para o tio-avô.

Comeram em silêncio por um tempo.

- Me diga pequeno Hefesto, o que pretende fazer quando terminar os estudos aqui na forja?

Hefesto parou a colher na metade do caminho até a boca.

"Essa talvez seja a pergunta mais fácil que responderei hoje."

- Quero voltar para o Monte Olimpo e criar as melhores armas para meu pai e meus tios.

Arges ergueu a sobrancelha novamente, o que deixava Hefesto intrigado, pois mesmo tendo um olho a mais que seu tio ele mal conseguia erguer a grossa e ruiva monicelha de sua testa. Quem diria levantar apenas uma.

- E depois disso?

- Como assim depois?

- Depois, garoto. Vai ficar para sempre no Olimpo? Vai se casar? Ter filhos? Abrir sua própria forja? Quais seus sonhos, filho?

O garoto, com apenas 17 anos, descobriu naquele momento que só um sonho tomava seu coração. E ele não sabia o que fazer para torná-lo realidade.

- Acho que quero cuidar do meu filho, mestre Arges. Talvez... bem, se eu me tornar forte o suficiente e um bom ferreiro, talvez a mãe dele me aceite.

O ciclope ancião se se mexeu na cadeira. Rugas surgiram em sua testa.

- Isso pode ser complicado.

Um suspiro resignado foi toda a resposta que Hefesto pôde dar. Arges lhe deu alguns tapinhas nas costas.

- Uma coisa de cada vez. Seu pai confirmou que viria hoje, certo?

Os olhos de Hefesto brilharam.

- Sim. Mamãe e ele assistirão o concurso. Quero impressioná-los hoje. Vou vencer.

- Talvez não seja tão fácil, príncipe dos mancos - respondeu uma terceira voz.

Um garoto veio na direção deles com sua bandeja e sentou-se ao lado de Arges.

A Forja de SangueWhere stories live. Discover now