As Mentiras que os Honestos C...

By ALodirNegrini

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"As Mentiras que os Honestos Contam" é o primeiro projeto de contos de Lodir Negrini, após os romances "É pra... More

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By ALodirNegrini




Ele se estremeceu quando a viu.

Era ela. Sem dúvida alguma.

Estava diferente. Ele poderia não tê-la reconhecido. Seu cabelo estava curto e de outra cor, a maquiagem era mais forte e o modo de se vestir definitivamente havia mudado.

Era ela, entretanto.

Fazia um longo tempo, mas o sorriso e os olhos ainda eram os mesmos.

·

Bruno poderia ter prestado atenção em qualquer outra mulher naquele dia. O apartamento de Carlos estava repleto de garotas. Ainda sim, foi em Luana que ele parou os olhos; melhor ainda, não tirou. Não sabia dizer se era sua beleza que chamava a atenção, mas talvez tenha sido sua forma de rir. Ela era diferente, era alegre. Ele achava graciosa a forma como ela era pequeninha, quase como uma criança. A estatura combinava com a risada, porque ela ria com a empolgação mesmo das piadas mais inocentes. Quando o fazia, Luana parecia a pessoa mais feliz do mundo. Ria simplesmente porque seu riso era espontâneo e ela deixava escapar, talvez mesmo contra a própria vontade.

Para Bruno, um sorriso mais agradável não existia.

Outra coisa que ele notou foi a franja. Sob seus olhos, uma parte do cabelo caia. A franja se movia pelo rosto, mas não saia da frente de seu olho direito, sempre o escondendo. Não importava o que acontecesse, ele nunca tinha a oportunidade de contemplar seu olhar por inteiro. Não entendia como ela conseguia conviver com aquilo, parecia incomodar, mas provavelmente ela sabia que aquele detalhe aparentemente bobo ajudava a torná-la a pessoa mais sensual naquela sala apertada. Ao menos, fora a conclusão de Bruno naquela noite.

Não foi nada fácil chegar nela. Ele teve receio. Parecia demais para ele. Em algum ponto da festa, contudo, todos já estavam tão animados com as taças em mãos, que ele finalmente tomou coragem. Bruno disse alguma coisa. Ela retribuiu sorrindo, o que já era motivo para ele sorrir também, ainda que ela estivesse fazendo isso durante a noite toda.

Os dois não pararam de conversar nos minutos que se seguiram.

Bruno não costumava sair com Carlos, mas após aquela festa em seu apartamento, ele só queria encontrar aquela turma, acompanhá-los aonde fossem. Durante toda a semana, só pensava em descobrir o que estariam combinando para o próximo final de semana.

Ele queria rever Luana.

Para a alegria dele, ela estava lá nas festas que se seguiram. Podia-se notar a alegria quando voltavam a se encontrar. Engatavam novas conversas intermináveis. O assunto nunca acabava. Não olhavam para os lados durante a conversa. Os dois se esqueciam de todos ao redor.

Enquanto não eram interrompidos com alguma bobagem dita por um amigo já embriagado, eram apenas ele e ela.

·

Bruno ficou inquieto. Não tirava os olhos dela. O bar estava cheio, mas ele não prestava atenção em mais nada. Ela ainda não o tinha visto, mas os amigos começavam a perceber algo de diferente nele.

– O que foi? – o amigo do lado perguntou, acompanhando seu olhar.

O amigo avistou Luana, a garota que Bruno tanto fitava. Nada precisou ser dito. Ele conhecia Bruno o bastante para entender quem era aquela mulher.

·

Quando o primeiro beijo entre Bruno e Luana aconteceu, depois de muitos encontros apenas como amigos, não havia mais nada que pudesse ser feito para reverter àquela situação. Bruno e Luana se encontraram um no outro, e estavam certos de que agora dependiam se suas companhias. Ficar sem ela era como se um súbito de ansiedade e insatisfação tomasse conta dos dias dele. Estranhamente para ele, a garota parecia sentir o mesmo, e não se importava em demonstrar isso. Começaram se encontrando apenas aos finais de semana, para um bar ou um jantar em algum restaurante bacana. Depois, sábados e domingos já não eram suficientes. Passaram a se encontrar também nos dias de semana. Terças-feiras tornaram-se bastante úteis; viraram o melhor dia para colocar a conversa em dia e atualizar um ao outro sobre o que estava acontecendo no trabalho e na faculdade.

·

– Não vai fazer nada? – quis saber o amigo Marcos, olhando a expressão de aflição no rosto de Bruno.

Luana continuava com as amigas do outro lado do bar. Bruno não respondeu de imediato. Não sabia o que dizer. Ainda era o mesmo cara tímido dos tempos de escola. A diferença agora é que não tentava apenas chegar a uma garota bonita em alguma festa qualquer; a mulher que estava apenas algumas mesas de distância era alguém que ele conhecia muito bem e que já havia revelado muito sobre si mesma durante as conversas que eles tiveram. Ainda assim, era inexplicável a sensação agora, que fazia com que ele se sentisse um estranho perto dela.

·

Não foi surpresa para ninguém, na roda de amigos, quando Luana e Bruno começaram a namorar. Os comentários já apontavam isso há semanas. Parecia que, diante de tantas aparições do casal, não haveria outra alternativa. Eles não se desgrudavam. Os colegas, claro, gostaram da notícia. Luana e Bruno, ainda que não se conhecessem até aquela festa meses atrás, eram amigos individualmente de todos na turma, o que só fez crescer a alegria de ver mais um casal nascer entre aquela turma.

Pouco depois, entretanto, as coisas começaram a mudar.

·

Bruno tentou uma alternativa infantil, o que infelizmente fazia o tipo dele. Levantou da mesa, inflou o peitoral, arrumou a postura ereta e caminhou... Até o banheiro. Ele sabia que o banheiro ficava perto da mesa de Luana, e... Bem, quem sabe, se fingisse apenas uma ida até lá, ela iria vê-lo e chamá-lo para se juntar a ela. Ele obviamente fingiria surpresa e não demonstraria que já estava há mais de meia-hora com o olhar fixo na garota. Então ele foi. Caminhou devagar, passos lentos, na tentativa de adiar sua entrada pela porta do banheiro do boteco e assim dar mais tempo para a moça perceber sua presença. Olhou rapidamente para ela, tentando saber se ela o notava. Ainda assim, queria evitar um contato visual, fingir acaso.

Bruno entrou pela porta e trancou-a, sem nenhum contanto com Luana. Ele nem precisava utilizar o banheiro.

·

Como todo começo de namoro, o de Bruno e Luana parecia um mar de rosas. Todos os dias se viam e programavam o que fazer no dia seguinte. Jantares românticos, cinema a dois, noites adentro na casa dele ou dela. Nada mais importava além da companhia um do outro. Aos poucos, se afastaram da turma que ajudou o casal a se formar. Os amigos sentiram suas faltas, queriam continuar com eles. Porém, ao longo do tempo, foram entendendo a necessidade de espaço. Parecia que todo casal se afastava um pouco dos amigos quando começava a namorar. Era assim que a vida era, afinal de contas, não é mesmo? Luana e Bruno precisavam de um tempo só para e nada mudaria isso.

Até aquele dia.

·

Bruno voltou frustrado para a mesa. Luana não percebeu sua presença. Pelo menos era o que parecia.

– Vai lá, cara – insistiu Marcos. – Fale com ela.

Bruno mordeu os lábios. Ele a conhecia tão bem. Ainda assim, muito tempo havia se passado. Ele sequer sabia como abordá-la ou o que dizer.

·

Ele não gostou nada quando recebeu a notícia. Luana havia finalmente passado no processo de seleção da Bolsa de Estudos pela qual sonhava há meses, antes mesmo de conhecê-lo. Ele sabia que deveria ficar feliz pela conquista da namorada, e ele até ficaria, se a Bolsa não fosse para um curso na Austrália e não durasse um ano. Definitivamente tempo demais. Ele tinha um ótimo emprego como engenheiro no Brasil, recebia um bom salário e uma promoção parecia se aproximar. Não poderia largar tudo para acompanhá-la. Luana teve de escolher entre o recente namorado ou um dos seus maiores sonhos na vida, uma oportunidade que poucos tinham e que faria com que seus pais se orgulharem dela.

Ela esperou que ele entendesse. Não pensou duas vezes e escolheu a segunda opção.

A discussão foi grande, mas eles decidiram enfim que um ano não era assim tanto tempo. Poderiam segurar a barra. Doze meses passariam rápido. Quando percebessem, já estariam juntos novamente.

Outra vez, não foi assim que aconteceu.

·

– Quer que eu fale com ela? – perguntou Marcos. – Pedir que ela vá lá fora encontrar você. Assim podem conversar tranquilamente. Vocês dois precisam tirar essa história a limpo...

– Não, cara – pediu Bruno. – Você sabe... Já se passaram três anos. Tudo está diferente.

Marcos encarou o amigo. Ele sabia que três anos mudavam muita coisa, principalmente para quem morou fora durante esse tempo. O que ele mais sabia, no entanto, é que o amigo não havia esquecido aquela garota durante todo aquele período, e provavelmente não deixou de pensar nela nem por um dia sequer.

Mesmo que Bruno não falasse muito sobre o assunto com ninguém, Marcos sabia disso. Ele conhecia o amigo e podia ver em seus olhos, ainda mais agora, quando eles não saiam dela.

·

Durante os primeiros três meses de Luana na Austrália, o casal conseguiu driblar bem o problema. Falavam-se quase que diariamente pela internet e quatro ou cinco vezes por semana ao telefone. No entanto, aos poucos, Bruno foi percebendo que Luana estava mudando. Afinal de contas, ela era uma garota de cidade pequena que agora estava em Sydney, uma das mais badaladas cidades do mundo. Ninguém volta do mesmo jeito após uma experiência como essa. Ela fez novos amigos. Conheceu outras pessoas, diferente dela, diferente de todas as pessoas que ela havia conhecido até então. Essas pessoas, pouco a pouco, passaram a abrir a mente dela, passaram a fazer com que ela percebesse o mundo de uma maneira que ela nunca havia notado. Muitas dessas pessoas eram homens. Caras que, como ela, estavam apenas curtindo a boa vida e as excelentes festas que a cidade proporcionava – festas que Luana nunca discutiu com Bruno se deveria ir ou não. Ele, claro, não poderia impedir, até porque sua consciência não permitira estragar a experiência que o país proporcionava à namorada. Conhecer outras pessoas e outras culturas fazia parte da graça de se estar em outro país, e seria egoísmo demais dele se intrometer nisso.

Toda vez em que voltavam a se falar pelo telefone, Luana disparava a contar sobre os lugares e as pessoas que conhecera com animação. Quando perguntava a Bruno sobre suas novidades, ele não apresentava muita coisa. Continuava com sua vida pacata, a mesma coisa de sempre. Quando era sua vez de falar, diante de tantas notícias vindas de Luana, ele ficava sem saber o que dizer.

Os dois, que sempre tinham assuntos intermináveis, ficavam em um silêncio constrangedor, que atravessava a ligação por alguns segundos.

O mundo estava mudando. O mundo de cada um deles.

·

Bruno saiu do bar e foi lá fora tomar um ar. Sozinho, precisava pensar. Encontrar Luana depois de tanto tempo mexeu totalmente com ele. Não esperava encontrá-la naquele bar. Aliás, não esperava vê-la no Brasil. Ele se conteve na frente dos amigos, mas ali fora, com o ar frio do inverno quase congelando seu rosto, ele podia ser ele mesmo. Conseguiria pensar com mais clareza sobre o que aquilo significava. Poderia caminhar e pensar melhor em qual decisão tomar. Decidir se deveria ir até a mesa dela e cumprimentá-la, ou então iria embora, como se Luana nunca tivesse deixado a Austrália.

Ele não sabia o que fazer.

·

Quando ela decidiu terminar a relação, meses após sua partida, ele já esperava por isso. Luana decidiu ficar definitivamente na Austrália. Bruno desconfiou, claro, que algum australiano estava metido no meio. Luana argumentou que o namorado estava cada vez mais distante durante as conversas e perdia o interesse.

No fim, os dois acabaram decidindo que era o melhor para ambos. E desde então eles nunca mais se falaram.

·

Quando Bruno estava a quase meia-hora sentado na calçada da rua, Marcos saiu do bar, preocupado, à sua procura.

– Você está bem?

Bruno não respondeu. Ele apenas se levantou.

– Andei pensando. Está na hora.

Ele deixou o amigo boquiaberto e voltou a entrar no bar, dessa vez caminhando diretamente para a mesa onde Luana estava com suas amigas.

·

Não foi fácil. Ainda que tenha concordado com a decisão, Bruno não levou aquilo numa boa. Ela estava distante, em outro continente, há meses, e aquilo já causava dor o suficiente. Ele, entretanto, sempre teve esperança de que em um ano ela retornaria ao país e tudo voltaria a ser como antes. Agora essa já não era mais uma realidade.

Ele a perdera para sempre.

·

Bruno entrou no bar e parou diante da mesa de Luana. As amigas notaram rapidamente sua presença. Quando viu que todas as três olhavam na mesma direção, Luana virou de costas.

Ela não conseguiu esconder a surpresa.

As amigas olhavam de um para o outro, se divertindo com a situação. Todas, claro, já tinham ouvido falar de Bruno.

– Não sabia que você havia voltado – ele disse.

As amigas continuaram a observar, sendo totalmente ignoradas. Para os dois, ao menos por um instante, era como se elas sequer existissem.

Ele não tirou os olhos dela.

– Já faz um longo tempo.

Ela sorriu.

– Faz.

As amigas ficaram inquietas.

– Talvez seja melhor darmos uma volta – uma delas disse, para o alívio das outras duas. – Deixar vocês conversarem.

Bruno e Luana não responderam. Talvez sequer ouvissem. As três amigas deixaram a mesa e sumiram.

Luana o convidou para se sentar. Ele aceitou e ela ofereceu a mão para que ele a apertasse, um ato que ele julgou como frieza. A distância, ainda assim, não o impediu de sentir o aroma do perfume doce que ela usava, o mesmo de anos atrás, o mesmo que ele parecia não sentir há séculos.

– Tudo bem com você? – ele perguntou. – Quanto tempo.

Ela sorriu outra vez.

– Tudo ótimo.

– Não sabia que você havia retornado da Austrália – ele comentou, em tom de cobrança.

– Não faz muito tempo.

Bruno esperou uma justificativa, mas não obteve nenhuma.

– Por que não me procurou?

Luana revirou os olhos pelo bar enquanto buscava uma resposta.

– Não sabia se seria o melhor.

O silêncio constrangedor tomou conta da conversa. Luana e Bruno eram pessoas que já se conheceram muito bem, mas agora eram estranhos novamente. Luana agora era uma garota que usava cabelo rosa para mostrar que era livre como só se podia ser em uma cidade grande e moderna. O que era trivial entre os dois agora não existia mais. Após três anos, as duas pessoas, que tinham tantos assuntos em comum, agora pertenciam a mundos diferentes.

– Como foi na Austrália? – insistiu Bruno, sem interesse real pelo assunto, mas desesperado para puxar conversa e acabar com o constrangimento.

Aliviada, Luana disparou a falar sobre o país e sua vida no local, aumentando os detalhes para prolongar o tema da conversa. Quando já não tinha mais nada a revelar sobre a cultura australiana, ela percebeu que o ex-namorado continuava exatamente como nas ligações daquela época: a mesma vida de sempre, sem muitas novidades.

Os olhares se cruzaram e logo se desviaram. Desconfortável, Luana tomou um gole do seu drink.

– Sabe, Bruno. Estou de carona. Preciso encontrar as meninas ou não posso voltar para casa.

– Eu levo você.

– Obrigado, mas minha bolsa ficou no carro da Marília, e minha chave está lá dentro. Preciso mesmo encontrá-las antes que sumam.

A expressão de Bruno não escondia a insatisfação. Ele não queria perdê-la de vista, não depois de tanto tempo.

– Mas, sabe, foi bom mesmo te reencontrar – acrescentou Luana, se levantando. – Quem sabe nos encontramos um dia desses.

Ela deu um beijo rápido no rosto dele.

Partiu em seguida.

Enquanto ela deixava o local, Bruno refletiu sobre como os dois já não eram as mesmas pessoas de três anos atrás.

Houve uma época em que tudo parecia eterno. Ainda assim, o tempo veio para mostrar que uma história torna-se nada quando atravessada por ele.

Ainda que o tempo não tivesse causado efeito algum em Bruno.

Enquanto pensava, ele resolveu olhar Luana mais uma vez. Ela atravessava a porta de entrada do bar. Talvez aquela fosse a última visão que teria dela.

A única coisa que ele notou, contudo, foi que ela segurava sua bolsa.

FIM

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