Segredos no Escuro - Irmãos S...

By 4nferrer

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Mia Alianovna tinha apenas 15 anos, quando seus pais foram assassinados pelo Capo da Barbarians, após uma sér... More

NOTAS/CAST
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
AVISO/calma não é uma pausa ou hiatus
CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 06

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By 4nferrer

I'm friends with the monster
that's under my bed
Get a long with the voices inside of my head
You trying to save me

Eminem ft. Rihanna

MIA

Fazia muito tempo que eu não sabia o que era ter uma boa noite de sono. Desde que Horation me deixou no quarto e eu deitei nessa belíssima cama, permiti que a sensação de proteção me envolvesse. Ele tinha me entregue a minha própria chave, o que significava que eu tenho total controle sobre quem entra e sai do meu... Olho ao redor. Meu quarto. Fecho os olhos por alguns segundos, sentindo o peso do alívio naquelas palavras silenciosas. Pela primeira vez em muito tempo, eu tinha voltado a ser dona de alguma coisa. Sei que essa teoria não se aplica com esmero à minha atual realidade, já que a casa não me pertencia e todos os móveis dentro deste quarto não foram comprados por mim, mas ainda assim, me permite um pouco de possessividade.

Não demorou muito até que eu adormecesse. Foi como se a noite inteira tivesse passado em apenas uma piscada. Tanto que, ao despertar, saltei da cama sentindo o meu coração acelerado, totalmente desorientada.

Aquela noite outro dia, não havia sido nada legal. Quando Horation saiu da cozinha e me deixou sozinha com meus pensamentos, temi que algo ruim pudesse acontecer. Eu havia falado demais e ainda não tinha certeza sobre a minha segurança nesta casa. Na verdade, ainda não tenho certeza nenhuma sobre nada. Por mais que Horation não demonstrasse ser uma ameaça para mim e que, de nenhuma forma ou por qualquer motivo iria me fazer algum mal, eu ainda sentia muito medo do seu irmão, o Matteo. Eu não sei o que há nele, mas algo me assusta. Talvez seja o seu humor sarcástico e o olhar sombrio. São um par de olhos difíceis de se esquecer.

Desde que cheguei aqui, tenho mantido pouco contato com ele. Para falar a verdade, eu mal o tinha visto, apenas ouvira Horation falar com ele por telefone em raríssimas ocasiões. Eu nunca prestava atenção no que eles conversavam, mas conseguia ouvir o chiado da voz do outro lado da linha e, de alguma forma, a minha mente sabia exatamente o som que elas estariam emitindo se estivessem sendo pronunciadas perto de mim. Matteo tinha um tom de voz firme, emoldurado por um sorriso perigoso. Por um instante, pensei o que poderia ter acontecido se, ao invés de Horation, ele tivesse me pego no flagra ontem.

Me lembrar daquilo ainda fazia as minhas bochechas corarem de vergonha! Na noite passada, eu achei uma caixa de primeiros socorros enquanto procurava algo para me ajudar a relaxar. Não conseguia dormir, estava ficando maluca achando que a qualquer instante, Knayev passaria pela porta. A preocupação do que eu havia dito para Horation fez o favor de me perturbar mais do que o necessário. Até aquele instante, eu não conseguia pensar em segurança ou proteção. O desespero me fez agir por impulso quando vi um frasco de antidepressivos. Eles não pareciam novos, mas ainda assim, eu acabei tomando aquela quantidade absurda de remédios. Imaginei que, desta vez, eu conseguisse atingir o meu propósito. Não era a primeira vez que eu fazia aquilo. Perdi a conta de quantas vezes tentei me suicidar quando ainda estava na Mansão dos Horrores. Sempre aparecia alguém para me impedir ou, quando eu conseguia tomar tudo, ficava esperando alguma coisa acontecer por horas. Foi naquele instante que eu percebi que os remédios que Artêmio me dava, não tinham efeito algum. Eram como um pão e circo para a minha mente. Ainda assim, eu precisava deles. Tinha consciência de que não me fariam mal algum, nem ao menos serviriam para o que deveriam, mas mesmo assim, eu o implorava por eles.

Matteo não teria sido tão cortês, imagino. Horation agiu rápido e confesso que a gentileza silenciosa com o qual ele me tratou logo em seguida, me desarmaram. A forma como ele tratou de ser paciente o suficiente para esperar até que eu me recuperasse daquele baque momentâneo, passando a mão úmida no meu rosto e sendo o meu apoio quando, finalmente, pousei os pés no chão outra vez... Eu não conseguia decifrar os seus pensamentos. Seus olhos não me diziam absolutamente nada nos instantes em que eu os fitava. Tinha a sensação de que ele estava agindo conforme sua obrigação e não porque sentia que queria fazer eu me sentir melhor. Mas, em algum momento, naquele instante em que ele me segurou pela terceira vez e nossos olhares se encontraram, eu o senti. Senti de verdade. Não suas mãos, porque elas estavam envolvendo todo o meu corpo, mas pude sentir a sua inquietação. A respiração ofegante e os olhos que me analisavam. Por Deus! Eu gostaria de ter tido forças para sair correndo e nunca mais voltar a vê-lo.

Fecho os olhos outra vez, esperando que a minha respiração normalizasse. Tantos pensamentos para poucos minutos acordada. Espero um segundo, antes de abrir os olhos outra vez e levantar da cama.

Ando pelo quarto e caminho até as janelas, afastando as cortinas. A claridade lá de fora me incomoda, fazendo com que eu feche os olhos por alguns segundos e pisque algumas vezes até me acostumar com o sol. Hoje era um novo dia e por mais que eu ainda estivesse presa - de certa forma -, ainda conseguia me sentir mais liberta do que em Duskin. Talvez porque eu não tivesse obrigação alguma ou porque não existe mais nenhum abuso.

Levo minha mão até a correntinha no meu pescoço e seguro no pingente em formato de uma pomba. Eu nunca parei para pensar no significado daquele pingente. Na noite em que a minha mãe me deu de presente, ela disse que significava renovação. Um novo ciclo. O encontro da vida. Eu não sou de acreditar nessas coisas do universo ou destino. Mas desde o instante em que Horation me tirou daquela casa, eu venho pensando sobre as inúmeras vezes que tentei tirar a minha própria vida e não consegui - incluindo, é claro, a noite passada, em que mais uma vez ele me salvou - Descobrir o que o futuro me reserva, estava me deixando curiosa.

Tinha que haver uma explicação!

— Destino! — bufo e balanço a cabeça. Quanta asneira!

Deixo meus pensamentos de lado e respiro fundo soltando o pingente. Me endireito e caminho até o banheiro para tomar um banho e me erguer de verdade.

Entro na cozinha - que até então era o único caminho que eu havia decorado perfeitamente bem - e me deparo com Arthur, sentado e tomando seu café da manhã. Eu sabia que estava tarde - quase meio dia para ser mais exata - e me surpreendi ao vê-lo na cozinha para o desjejum, tão tarde assim. Não o questionei, afinal não era da minha conta e eu acho que nem deveria estar tão perto assim dele, sem nenhum dos seus irmãos estarem por perto.

— Bom dia, Mia! — ele sorri. — Fiz seu café da manhã, mas você demorou e eu acabei comendo. Não consegui esperar e não podia interromper o seu sono. Horation me disse que você precisava descansar, mas eu precisava comer, então... — ele encolhe os ombros e abre as mãos, como se dissesse que não teve escolha.

Arthur me arranca uma risada baixa. Eu poderia facilmente me apegar a esse menino. Ele me parece ser uma excelente companhia e se Horation pretende me deixar aqui, eu gostaria de me aproximar de Arthur. Quem sabe não nos tornássemos amigos?

— Não se preocupe, Arthur. — sigo até o armário e no caminho olho para a mesa.

Arqueio as sobrancelhas ao ver o estado dos waffles e as torradas que suponho que ele mesmo havia preparado. Estavam todas queimadas e parecia mais duras que o prato. Quase rio, mas me contenho prendendo os lábios e respeito fundo. Só então tenho coragem de me virar para ele.

— O que você acabou comendo, então?

— As frutas, porque são as únicas coisas que eu sei fazer. É só lavar e cortar. Não existe coisa mais simples! — ele diz e volta a comer como se nada tivesse acontecido.

— Ok, então suponho que eu posso me livrar disso, certo? — indico os pratos sobre a mesa e ergo as sobrancelhas para ele.

Arthur me olha como se estivesse me analisando e então, relutantemente, acaba assentindo. Coitadinho! Ele deve ter separado muito do seu tempo para fazer algo que me agradasse. Mas, francamente, waffles queimados não são uma opção. Pego as coisas em cima da mesa e jogo tudo na lixeira na pia. Me viro para ele outra vez.

— Vou preparar algo pra você comer. Algo que te sustente de verdade. Ouvi seu irmão dizer que você treina, outro dia.

— Sim, eu corro. Você pode ir ver qualquer dia desses. Eu posso pedir ao meu irmão. — Arthur faz uma pausa. — Você é namorada dele? Horation nunca apareceu com uma namorada. O Guido me perguntou quando eu fui treinar e eu disse que não sabia. Mas se você não for namorada dele, pode ser a minha. Ele não vai ligar. — ele dá de ombros.

— É claro que eu vou me importar! Já pensou se eu perdê-la para você? — Horation surge na cozinha e coloca a mão no peito como se estivesse ofendido.

Olho para ele e acabo sorrindo. Ele parecia ter saído de uma sauna. Seus cabelos estavam um pouco molhados pelo suor e ele vestia uma calça de moletom preta com uma camisa branca sem mangas. Estava de tênis esportivo e segurava uma garrafinha com menos de um dedo de água. É claro que ele havia acabado de treinar. Mas, ainda assim, cheirava muito bem. Horation se vira para mim e inclina a cabeça.

— Bom dia, Mia. Como se sente?

— Bom dia. — respondo e assinto para ele. — Melhor!

— Ótimo! Fico contente. — ele ainda estava olhando para mim e não parecia contente.

Me viro outra vez e abro a porta do armário, quebrando o nosso contato visual.

— Mia disse que vai cozinhar para mim! — ouço Arthur falar em um tom de superioridade. — Espero que você tenha ouvido essas palavras saírem da própria boca dela. Só para não restar dúvidas!

— Ah, é mesmo? — ouço o som de uma das cadeiras sendo arrastada levemente. — Não me diga que você a persuadiu!

— Ora, quem disse que eu precisei! Você não vê que ela está querendo cuidar de mim? Ache alguém para que cuide de você!

Sorrio, ouvindo aqueles dois. Horation parecia mais leve quando Arthur estava por perto. O seu tom de voz mudava e eu até poderia jurar que carregava um pouco de diversão.

Retiro os ingredientes para o preparo dos waffles e pego as torradas para prepará-las também, enquanto Horation segue a conversa com Arthur sobre algo que não presto mais atenção. Em questão de alguns minutos, o nosso café da manhã fica pronto. Eu sempre fui boa na cozinha e devo admitir que é meu lugar favorito! Eu passaria horas cozinhando. É como ir à terapia. Não que eu soubesse exatamente como funcionava. Só fui à terapia duas vezes. A primeira, para descobrir sobre minha ansiedade e a segunda, porque meu pai achava que eu estava ficando louca. Nunca mais pisei lá porque, de fato, eu não precisava daquilo. Acho que todo mundo deveria fazer terapia e se eu pudesse, começaria realmente a frequentar. Mais uma vez me pego pensando alto demais sobre a vida na qual eu queria ter. Balanço a cabeça e coloco tudo na mesa.

— Prontinho. — abano o pano de prato por cima da comida, para espantar o vapor.

— Nossa Mia, está com um cheiro incrível! — a voz de Arthur soa entusiasmada.

— Está, não é? — digo, colocando os talheres sobre a mesa e sorrio.

Sinto o olhar de Horation sobre mim, mas não ouso erguer meu olhar só para ter a certeza de que ele estava me olhando. Ontem à noite ele estava próximo demais e se eu não conhecesse bem os passos de alguns homens, eu não teria tanta certeza de que, se pudesse, ele teria me beijado naquele instante. Não posso negar que ele é bonito. Eu estaria enlouquecendo se ousasse mencionar o contrário. Ele tem lá o seu charme e deve chamar atenção de muitas mulheres, mas não a minha. Horation é perigoso demais, sua energia emana fogo. E o fogo é perigo e eu não quero me queimar. Não mais. Nunca mais.

Após colocar tudo sobre a mesa, me sento e começo a me servir, assim como Arthur e Horation também o fazem. Nós tomamos nosso café da manhã em total silêncio, exceto por Arthur que vez ou outra, contava sobre seus treinos. Ele falava com tanta admiração sobre o que fazia, que eu não pude deixar de prestar atenção. Arthur é um menino encantador e me surpreende que seja totalmente diferente dos irmãos. Talvez seja porque ainda é uma criança de treze anos, mas não deixa de ser carismático e extremamente educado.

Eu já estava quase acabando de comer, quando nosso silêncio é interrompido por Matteo, que entra na cozinha de uma vez, batendo com força na porta, apenas para nos assustar. Arthur acaba soltando o pedaço de torrada que ainda tinha nas mãos e Horation, como sempre, não parecia nada surpreso. Matteo se aproxima de nós e enfia uma faca em uma das maçãs da fruteira que estava exposta na mesa. Encolho um pouco os ombros e ele sorri como se estivesse se satisfazendo do meu medo. Engulo em seco e, por um momento, perco todo o meu apetite.

— Bom dia, princesinha! — ele diz para mim e só então cumprimenta os irmãos. -— Café da manhã em família e ninguém me chamou? — Matteo senta ao meu lado e passa seu braço por cima do meu ombro. - Que desfeita, cunhada! Aliás, já falou do casamento para ela, irmão? — Matteo olha diretamente para Horation.

Por um instante meu coração erra uma batida. Meu sangue gela ou melhor, parece que todo o meu sangue some do corpo, porque sinto uma sensação estranha me atingir. Casamento? Cunhada? Essa foi a forma que Horation encontrou para me proteger? Bela maneira de querer me foder usando um pretexto ridículo! Ergo meu olhar em direção a Horation e mais uma vez ele estava lá, com o seu rosto impassível. Por um momento, sinto vontade de gritar e sacudi-lo. Toda essa impassividade me incomoda. Ele age tão naturalmente que é quase ridículo que eu esteja em um conflito interno. Afasto o braço de Matteo e levanto da cadeira, saindo da cozinha à tempo de ouvir Matteo resmungar e Horation levantar para vir atrás de mim.

Um casamento! Meu Deus!

— Não, não, não! — subo as escadas correndo e vou até o meu quarto, pronta para fechar a porta mas Horation me impede, a empurrando de volta levemente.

— Mia! — ele olha para mim pela fresta. — Eu ia conversar com você, só estava esperando terminarmos o café. Matteo foi inconveniente!

— Então é assim que você diz que quer me proteger?! Não poderia simplesmente me deixar ir embora? Eu conto tudo o que sei sobre Knayev e aí vocês podem me deixar ir, eu não quero viver aprisionada outra vez e... — falo tudo de uma vez enquanto solto a porta, e o ar começa a me faltar, meus olhos ficam marejados e eu sinto minha boca seca.

Estava acontecendo de novo. Eu sabia que estava! Há muito tempo eu não me sentia assim, mas agora... Agora... Deus, o que eu fiz pra merecer tudo isso? Balanço a cabeça negando quando Horation se aproxima e ergo o dedo indicador para que ficasse longe de mim. Respiro fundo e simplesmente o ar não chega até mim. Eu não podia me desesperar! Eu não podia perder o controle agora. Fecho os olhos começando a chorar.

Eu sei que não dei chances para ele se explicar, mas um casamento significa ficar aqui pra sempre. Significa tantas coisas. Significa o sacrifício daquela esperança de liberdade e eu não estava preparada para perder isso outra vez.

Sinto a mão de Horation em meu ombro.

— Você precisa se acalmar, Mia. Não é tão ruim quanto parece. — a voz dele era tão baixa e suave, que quase me matou por dentro. — Por favor, se me deixar explicar o que eu...

— Você não pode dizer por mim. — falo em um tom de voz baixo, o interrompendo. — Quero ficar sozinha agora. — olho para ele e me afasto um pouco, abraçando o meu próprio corpo.

Horation hesita por um instante. Ele não parecia querer me deixar. Mas, depois de me olhar por alguns segundos, talvez esperando que eu fosse mudar de ideia, ele se afasta a mão do meu ombro.

— Tudo bem. — ele se afasta de mim por completo. - Quando se sentir pronta para conversar, eu vou estar lá embaixo, no meu escritório.

Dito isto, Horation caminha de volta até a porta e sai do quarto. Assim que ouço o clique da maçaneta, simplesmente desabo no chão e coloco toda a minha angústia e frustração para fora. Encolho os joelhos e os abraço. Ou eu choraria tudo o que deveria chorar agora, ou enlouquecia depois.

Quando dizem que a dor nos torna mais fortes, eles estão mentindo! A dor sufoca, destrói e me mata aos poucos e eu não sei como lidar com ela. Eu não sei lidar com a dor, essa é a verdade. Essa é a minha fraqueza.

Já eram quase seis da noite quando eu decidi sair do meu quarto e procurar Horation para conversarmos. Eu sei que nada do que eu disser ou fizer vai mudar os planos dele sobre o casamento. Mas, talvez ouvir o que ele tenha a dizer possa me acalmar. Eu não poderia fazer nada além de aceitar.

Desço as escadas e caminho em direção ao escritório dele. Dou duas batidas na porta e logo em seguida, ouço a voz dele dizendo para que eu entrasse. Abro um pouco a porta e entro, a fechando atrás de mim.

Era a primeira vez que eu entrava no escritório dele. Assim como o restante da casa, era muito bem decorado e parecia um cômodo tirado de dentro de uma tela. Os móveis eram escuros e a mesa estava abarrotada de papéis, muito bem organizados. Ele estava sentado numa enorme cadeira atrás da mesa, já de terno mas com a gravata frouxa. Me aproximo dele e me sento em uma das cadeiras à frente da mesa.

— Não era bem assim que eu gostaria que você soubesse. — Horation inicia a nossa conversa, depois de alguns segundos, ambos em silêncio.

— Porque não podem simplesmente me deixar ir? — falo após um segundo, ponderando sobre o que eu deveria de fato falar.

— Eu imagino que você já deve saber a gravidade da nossa situação. A sua estadia aqui, pode ser perigosa. Tanto para você, quanto para nossa honra. Exceto Matteo e Arthur, o único que sabe quem você é, de onde veio e, especialmente porque está aqui, é o Rugero — Horation faz uma pausa como se estivesse pensando nas suas próximas palavras. — Trazer você para cá, foi ideia minha. A responsabilidade sobre o seu bem estar e segurança, é minha agora. Você não pode ficar presa por mais tempo. E muito menos, voltar para Duskin. Eles te matariam por suspeita de espionagem. Nós não costumamos enviar os nossos prisioneiros de volta e eles sabem disso. Mia, você não tem condições de começar uma vida sozinha! Virar uma prostituta seria sorte, isso se você não acabasse cruzando com alguém da Barbarians outra vez! Não consegui pensar em outra maneira de protegê-la da fúria dos nossos homens, da Barbarians e, principalmente de Knayev, a não ser torná-la a minha esposa. Você deixaria de ser Alianovna e passaria a ser uma de nós. Uma Santori. Uma dell'Impero!

Horation balança a cabeça e fecha os olhos por alguns segundos. Ele parecia estar em guerra consigo mesmo. Foi a primeira vez que o vi tentar silenciar a própria mente.

— Eu sei que é uma proposta desafiadora e você deve estar muito assustada com tudo isso. - ele volta a olhar para mim. — Mas pense que, se deixarmos você ir, as chances de voltar para lá são enormes. Knayev deve ter muito contato e deve estar movendo mundos e fundos para encontrá-la.

Penso mais um pouco sobre o que ele disse e acabo soltando um suspiro. Em partes, ele estava certo. Eu jamais iria viver em paz se fosse embora sozinha.

— Eu só... — paro de falar e engulo em seco, sentindo a minha voz embargar.

— Prefere tentar a sorte que casar comigo? — ele fala num tom apaziguador, como se não tivesse maiores expectativas ou acusações.

Olho para minhas mãos sentindo meus olhos ficarem marejados. Eu ia acabar chorando outra vez. Fico um bom tempo em silêncio, apenas brincando com meus dedos e esperando que aquela sensação passasse. Mas, ao invés disso, acabo fechando os olhos outra vez, engolindo o choro. O empurrando para longe, mas sem sucesso.

— Mia... — ouço o ranger da cadeira e posso sentir seu corpo se inclinando na minha direção, sobre a mesa. — Você está chorando? — posso senti-lo erguer um pouco a mão, fazendo menção de me tocar, mas logo a sensação de proximidade se vai.

Abro os olhos outra vez e olho para ele. Especificamente em seus olhos.

— Porquê comigo? O que eu fiz pra merecer isso? Não é por sua causa, porque você está sendo bom comigo. Mas por Knayev. Eu... Eu não consigo entender.

— Você não fez nada. Não é você quem decide a maldade do mundo. E não foi você quem escolheu viver essa vida. Nenhum de nós escolheu! — Horation balança a cabeça e me olha por alguns segundos.

Para minha surpresa, ele se levanta e caminha em minha direção. Eu não posso deixar de acompanhá-lo com o olhar e me virar um pouco na cadeira, quando ele chega perto o suficiente. Horation se agacha na minha frente e traz as mãos até o meu rosto, enxugando as minhas lágrimas com os próprios polegares. O toque é suave e seus dedos parecem macios demais para mãos que, aparentemente, são tão ásperas.

— Por favor, não chore. — ele move os dedos pelas minhas bochechas, afastando as minhas lágrimas.

Aperto as minhas próprias mãos, sentindo as minhas unhas cravarem a carne das palmas.

— Você tem certeza de que é isto que precisa fazer? Se casar comigo? Você merece alguém com quem deseje passar o resto da sua vida. Não sou eu, Horation! Não pode ser eu.

— Você confia em mim?

A resposta para aquela pergunta ainda não existia. É engraçado como depositamos tanta confiança e tanto sentimento nas pessoas. Em pessoas que achávamos conhecer, mas, que no fim, só mostraram ser iguais a todos. E por esperar demais, sonhar demais, criar expectativas demais, sempre acabamos nos decepcionando e nos machucando cada vez mais. Mas que outra escolha eu tinha no momento? Em quem mais eu poderia confiar, se não no homem que estava arriscando muito para me manter a salvo?

Não o respondo. Apenas balanço um pouco a cabeça, sem saber se estava confirmando ou negando alguma coisa. Horation segue me fitando por alguns segundos. Ele parecia estar se preparando para o futuro tanto quanto eu. Tão frustrado quanto eu.

— Você vai se casar comigo, Mia? — suas mãos ainda estavam no meu rosto e por alguma razão, eu não queria que ele as afastasse.

— Eu... - baixo um pouco o olhar. — Sim. — falo sem muito entusiasmo, mas volto a olhar para ele. — Mas e você? Quer casar comigo mesmo sabendo que eu não tenho nada a oferecer?

— Eu estou de joelhos, não estou?

Ele baixa o olhar e solta o meu rosto, levando as mãos até as minhas, me fazendo parar de me apertar. Horation abre as minhas mãos e observa as marcas que as unhas causaram nas palmas. Ele volta a olhar para mim e então, se levanta novamente e se afasta, sem dizer uma só palavra.

Era natural que eu me negasse de imediato. Ninguém é suficientemente capaz de aceitar uma mudança brusca na direção da própria vida, sem antes se negar a seguir um novo percurso. A aceitação vem com um tempo, assim como a adaptação. Costumamos pensar que somos incapazes, até não termos outra alternativa a não ser seguir em frente. Talvez eu fosse demorar para sair do estágio de negação. Mas, no final das contas, um casamento com Horation Santori não poderia ser tão ruim. A aceitação viria com um tempo. Eu só não podia determinar quando.

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