Em 2015, lecionei a uma turma do 2º Colegial do Ensino Médio Integrado a Informática para Internet (2º ETIM – ETEC de São José do Rio Pardo – SP) cuja aula de Filosofia, a primeira do período da tarde e sujeita às dificuldades tanto da sonolência pós-almoço quanto da alta temperatura, geravam acaloradas (literalmente – OK, nem tanto) discussões sobre se todos os ventiladores da sala deveriam ou não ser ligados, visto haver um deles cujo alto barulho atrapalhava a explicação do professor.
Das brincadeiras quanto a isso, este texto surgiu:
FILOSOFIA DO VENTILADOR
Era uma sala de aula em que o ventilador se tornava um assunto polêmico. Em dias de calor (e até de frio), alguns pediam que um deles, mais perto da porta, fosse ligado com os outros – mas era meio desengonçado e bastante barulhento. Incapazes de chegar a um consenso sobre o equipamento, os alunos acabaram pedindo o conselho de alguns filósofos...
ANAXÍMENES:
- O ar é a arché, ou seja, princípio fundamental das coisas. Portanto deixemos todos os ventiladores ligados, ou o ar dentro da sala condensará até virar pedra.
SÓCRATES:
- Só sei que, sobre o ventilador, nada sei.
PLATÃO:
PLATÃO – Meu caro, o ventilador existe no mundo real?
TEETETO – Existe.
PLATÃO – E como o provas?
TEETETO – Ele refresca a sala e também faz um barulho bem audível.
PLATÃO – Mas não concordas que o ventilador, quando criado em sua fábrica, foi feito para funcionar perfeitamente?
TEETETO – Concordo.
PLATÃO – E o ventilador em questão não faz um tremendo barulho quando ligado?
TEETETO – Assim o é.
PLATÃO – Sendo assim, o ventilador que refresca, mas faz barulho, não está longe da perfeição do ventilador que o fabricante tinha em mente quando o fez?
TEETETO – De certo está longe.
PLATÃO – Logo, o verdadeiro ventilador reside no mundo das ideias, onde refresca na medida certa tanto em dias quentes quanto em dias frios (até mesmo o pessoal que insiste em não tirar a blusa), sem fazer barulho ou atrapalhar a aula. O ventilador criado pelas mãos do fabricante, no mundo real, é uma cópia enganosa e imperfeita do verdadeiro ventilador existente no mundo das ideias.
ARISTÓTELES:
- Quando se fala em ventilador ou ar condicionado, é importante se evitar os vícios pelo excesso ou pela falta. Todos os ventiladores ligados, inclusive aquele que faz barulho, são o vício da "ventania". Já todos os ventiladores desligados levam ao vício da falta de refresco, o "calor". Portanto, cabe agir de modo moderado orientando-se pela virtude do "ar ameno": deixar alguns ventiladores ligados e outros desligados, como aquele que faz barulho e atrapalha.
EPICURISTAS:
- Contente-se com o calor. Assim você sofrerá menos do que se tentar ligar o ventilador e ele começar a fazer barulho.
SANTO AGOSTINHO:
- O mal surge da ausência do bem, que é Deus. Assim como o calor surge da ausência de ventilador ligado.
NICOLAU MAQUIAVEL:
- O bom gerenciador de ventilador deve dosar a virtú, sua capacidade de ligar o ventilador no momento certo, com a fortuna, as circunstâncias imprevistas como calor demais ou o ventilador fazer barulho depois de ligado. Da oposição entre esses dois surge a ocasione, a manutenção do poder de ligar o ventilador, manter a sala toda refrescada e dar aula.
RENÉ DESCARTES:
- O ventilador existe? Quando ele está ligado fazendo o maior barulho, minha audição fala que sim. Mas quem garante que essa impressão não é causada por um gênio maligno e onipotente que me causa a sensação de barulho, quando na verdade o ventilador é quieto? O que eu sinto com o ventilador fazendo barulho ou não? Calor. Logo, "sinto calor, logo existo".
THOMAS HOBBES:
- O ventilador é o lobo do homem no calor que afeta a todos.
JOHN LOCKE:
- O ser humano, quando nasce, é um ventilador desligado. É a experiência que vai determinar se o ventilador vai funcionar direitinho ou fazer barulho.
MONTESQUIEU:
- Poder demais na mão de uma só pessoa ligando ou desligando o ventilador de modo absolutista pode levar a injustiças. Proponho a criação de três poderes: o temperativo, com a função de determinar se está calor ou não; o ventilativo, destinado a ligar ou não o ventilador; e o desligatário, para desligar o ventilador se estiver fazendo barulho demais.
VOLTAIRE:
- Posso não concordar que está calor, mas luto até a morte pelo seu direito de pedir para ligarem o ventilador.
JEAN-JACQUES ROUSSEAU:
- A sociedade estabelece o Estado pelo Contrato Social para atender à Vontade Geral: deixar o ventilador ligado.
IMMANUEL KANT:
- Quanto a ligar ou não o ventilador barulhento, imagine se essa ação servisse de exemplo a toda a humanidade. Haveria benefício ou prejuízo em ventiladores barulhentos ligados pelo mundo inteiro?
AUGUSTE COMTE:
- Os seres humanos passaram primeiro pelo estado teológico de pensamento, em que identificavam ventiladores barulhentos como deuses ou divindades místicas. Depois passaram para o estado metafísico, em que o ventilador barulhento era considerado parte da natureza e dos sistemas filosóficos. Chegando ao estado positivo, a ciência predominará no pensamento humano e será fácil esclarecer: o barulho é fruto de partes com defeito. Substituindo-as haverá ordem, e com ela, o progresso.
FRIEDRICH HEGEL:
- Na constante oposição de ideias no universo, o calor é a tese. O ventilador ligado, antítese. A síntese de ambos, a sala de aula refrescada.
KARL MARX:
- Por muito tempo, a classe social ventiladoresa deteve o controle do ligamento ou desligamento dos ventiladores, mantendo a classe explorada, o acaloriado, tendo de trabalhar em troca de algumas poucas giradas de refresco. Urge que o acaloriado faça uma revolução, derrube a ventiladorsia e estabeleça o Ventorismo, em que haverá vento disponível igualmente para todos!
ARTHUR SCHOPENHAUER:
- O ser humano é pura vontade. Agora vocês querem o ventilador ligado. Depois disso, virá o tédio e vocês vão querer outra coisa. Não existe felicidade, só momentos felizes.
SÖREN KIERKEGAARD:
- Na angústia de pensar se o ventilador vai fazer barulho ou não quando o ligarem, vá na fé de que não vai fazer.
FRIEDRICH NIETZSCHE:
- O ventilador pifou. Nós o pifamos. Esperemos a vinda do Super-Homem, que não precisará de ventilador ligado e se abanará sozinho.
JEAN-PAUL SARTRE:
- O ser humano está condenado a ser livre e faz escolhas mesmo quando não quer. Quando o professor pergunta "Quem quer o ventilador ligado?" e o aluno não opina, está abrindo mão de escolher com medo de se responsabilizar pelo calor ou a barulheira do ventilador. Age de má fé.
SIMONE DE BEAUVOIR:
- Quando um menino pede para ligar o ventilador, ele é considerado um ser humano com calor. Quando é uma menina que pede, ela é acusada de estar imitando o menino.
ESCOLA DE FRANKFURT:
- Os jovens alienados pela indústria cultural preferem ficar de blusa para andar na moda e não percebem que se as tirassem, sequer precisariam ligar o ventilador barulhento.