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By kcestrabao

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Karila Aistarabaw I é a última mulher na história do Egito a receber um título real. A fortuna herdada de sua... More

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Sem baixar guarda, Normani e Akil estavam próximos da tenda, olhando a movimentação de historiadores entrando e saindo perto das escavações. Sabiam que Karila estava ali dentro com Ursel, Lauren, Rudolph e outros historiadores desconhecidos da atual expedição Checa.

Hadd participava da escolta de trás da tenda, perto dos corvettes, conversando com outros seguranças sobre algum ponto de desconfiança, tudo parecia tranquilo e nada surgia de suspeita para que ficassem em uma postura de tensão, mesmo que nem por um segundo eles pensassem em relaxar e confiar no ambiente.

Essa perseguição não é velada, ele faz tudo na cara dela, chega a ser estúpido. – Akil comentou olhando através de seu Shemagh para o movimento de historiadores em ampla distância, estavam na lateral da tenda, debaixo de uma cobertura que lhes cedia uma sombra mais confortável. Seu comentário era cético porque foi homem de guerra, sabia que muito não funcionava em exposição.

— Al Sisi não teme nada, ele tem bom apoio do povo no Egito, muitos o odeiam, mas muitos ainda o amam e ele sabe que ela nunca faria nada a ele, mesmo achando que ela pode. Karila não ataca chefes de Estado, ela não é tola de provocar uma guerra. – Normani comentou baixo para o irmão, não queria ser ouvida e sabia que era a melhor maneira de falar aquilo, aproximando dele.

— Afinal de contas qual o medo dele com ela? Ela não é política. – Akil comentou olhando Normani que assentiu depressa.

Ela não tem poder político algum, mas tem poder financeiro que deslumbra os olhos deles e eles não conseguem tomar para si porque ela ainda assim tem descendência real e militar. O Avô dela foi o último rei atuante no Egito, a avó dela era de origem Libanesa, tinham muita influência de dinheiro sobre o povo egípcio. Se olhar o parlamento egípcio não existe a presença ativa das mulheres no comando, e Al Sisi teme a influência dela indiretamente na política, porque ele sabe que ela faz muitas coisas ao povo, mesmo que de jeito velado. Coisas que ela faz e até mesmo ele leva os créditos. – Normani falou apertando o polegar na arma que segurava em mãos. Akil se remexeu inquieto, não conseguia entender porque uma mulher traria tanto medo.

Mani, precisa ser dinheiro demais para que chefes de Estado tenham medo dela ascender na política mesmo que ela não queira ser política. Só o fato dela ser uma princesa, que por direito histórico carrega influências passadas já diz muito sobre onde o poder dela ficou, no passado, com os antepassados dela. – Akil exemplificou.

Normani negou.

— É muito dinheiro Akil quantia surreal, petróleo causa guerras no Oriente Médio. Imagine o que querem fazer com ela a todo momento para se apossarem destas terras? Só não fizeram ainda porque primeiro que o governo não tem acesso judicial sobre as terras dela por ela ser de monarquia e isso ainda é respeitado por causa dos militares que foram seus avós, segundo que não existe nada de zonas de conflitos nas terras dela que coloquem populações em risco para que outros países criem histórias para citarem ela como ameaça internacional, eles não conseguem provar nada de errado que ela um dia já fez, então tudo o que fazem é destruir as alianças emocionais dela para a deixarem fragilizada a entregar os pontos. Aconteceu com os pais dela, aconteceu com Hamid e até comigo, eles nem podem imaginar que estou viva. – A negra era bem centrada sobre o que sabia.

— A situação de Hamid não foi muito apressada, eles ficaram casados 10 anos. – Akil sugeriu. Normani assentiu.

— Tentaram sondar ele, o pai de Hamid nunca foi muito de gostar de Karila e você sabe bem, Senhor Shaer expunha as fragilidades dela indiretamente para os inimigos políticos dela, ele pode ter lhe ajudado e isso é válido Akil, mas não duvido nada que foi influência para a morte do próprio filho, por isso hoje em dia ele vive de remorsos no Irã, nunca mais vimos ele. Ofereceram milhões ao Hamid também, segurança, esposas, terras e proteção em outro país, para que ele saísse sozinho daqui e se separasse dela, para a fragilizar. Essa é a única coisa que sei, e isso deixaria ela irada se soubesse, porque Hamid negava tudo para ficar do lado dela, se ele quisesse estaria vivo hoje em dia, mas ele não aceitou nada. Os inimigos tinham plena convicção de que após todas as mortes a deixando isolada e só, ela se fragilizaria e ficaria ainda mais suscetível, mas não aconteceu, ela simplesmente só se tornou ainda mais fortalecida e amargurada. Eles a odeiam porque ela tornou a dor um ponto de escape para sua fraqueza.

Akil flexionou o pescoço, olhando concentrado a frente, tinham uma batalha e tanto pela frente. Proteger Karila não era tarefa fácil, mas devia honra a seu irmão de coração.

— Existe algum indicio físico e real de que o presidente do Egito tem culpa na morte dos familiares dela? – Ele perguntou desconfiado. Normani desviou o olhar para encarar o irmão, só tinha seus olhos expostos, mas aquela troca foi suficiente.

— Sim.

Akil assentiu, sentindo quanto era uma situação complicada. A mulher não dava o braço a torcer por sua família e sua honra, por sua cultura e por seu povo.

— Mani... – Ele chamou limpando o bolo difícil em sua garganta. Normani manteve seus olhos nele.

Nós precisamos mantê-la viva o maior tempo que pudermos, não é justo.

Normani sabia bem daquilo, sentia em si todos os dias aquela obrigação complicada, quando viu Karila desistindo de entregar os pontos ela nunca se sentiu tão feliz, porque devia a ela.

Moveu sua mão livrando para apertar a do irmão firmemente.

Nós vamos, irmão. Eu devo minha vida a essa mulher, nós vamos torna-la um mártir para quem quiser ver.

Lauren POV

Dr. Waziry é secretário geral do conselho de antiguidades, ver que ele ficou extremamente satisfeito com a presença da princesa me fez achar graça, não só ele, mas Dr. Megahed, que é legítimo egípcio, eles já a conheciam por sua fama, mas pareciam mais deslumbrados com a presença pessoal dela do que com a escavação que haviam feito expondo ruínas de anos a fora de um faraó não conhecido.

— Quando foi que encontraram o primeiro indicio arqueológico que fizeram vocês investirem nas escavações nessa região em exato? – Karila perguntou, sua postura de braços cruzados ao lado de Ursel, dentro daquela tenda olhando para os Doutores egiptólogos.

Em 2012 encontramos evidências em pequenos tijolos de barro, e desde então não paramos as buscas, essa semana tudo saiu perfeitamente bem para nos darmos por satisfeito. – Waziry falou sorrindo satisfeito, ele tinha um bigode meio grisalho que apalpava a todo segundo em um ato de visível ansiedade.

Confesso que fiquei assim na primeira vez que ouvi que estava na presença de uma mulher poderosa que era princesa.

Só foi conturbado demais para desfrutar desse nervosismo de um jeito positivo.

Ela aliás, parece interessada em tudo o que fazemos, sua visita surpresa me salvando de seu líder de estado maldoso foi não só um alivio como algo me trouxe certo apreço, ela estava ali, humanamente presente em uma expedição, perguntando e se antecipando em olhar e saber sobre o que fazíamos o tempo todo.

Até mesmo aceitou comer comida pronta, o que foi muito surreal para mim quando nos sentamos lado a lado dentro da tenda, e ela moveu o lenço de maneira que a abertura de seu pescoço a fizesse comer sem revelar sua identidade. Comíamos Koshary, arroz branco lentilhas, grão de bico, cebolas fritas e dois tipos diferentes de uma espécie de macarrão condimentando com molho de tomate. Soa tão engraçado porque não é um tipo de refeição que fora servida a nós em sua mansão, por ser simples demais misturando muitos temperos para sustentar, refeições que duas senhoras egípcias que trabalhavam para os historiadores checos fizeram.

Mesmo sendo comida de gente simples, ela não fazia restrições, e simplesmente se alimentava com tranquilidade, em um silêncio sequente sem clamar de absolutamente nada. É um bom tempero, que fosse simples, mas era saboroso o suficiente para me fazer elogiar aquelas senhoras tão gentis e esforçadas.

Naqueles bancos baixos, em um semicírculo incompleto eu olhei para os historiadores saindo e entrando da tenda para colocarem mais comidas em seus pratos, eles preferiam comer do lado de fora, na sombra, enquanto eu fiquei sentada em um banco de frente a Karila e ao lado de Ursel.

— O presidente queria conversar com você, isso é uma honra, Lauren. – Ursel comentou depois de um silêncio. Eu ergui meu olhar, aquele sobressalto estranho ao sentir Karila desfocar de sua comida para me olhar logo em seguida.

É, fiquei surpresa que tenha chamado a atenção dele assim... – Comentei sem jeito, sentindo o olhar da princesa em mim como um aviso expresso de "não abra essa maldita boca e fale demais, seja discreta." Tudo que seus olhos me pediram, eu simplesmente dei a Ursel, me fingindo de desentendida.

— Talvez ele queira te contratar para a Universidade do Cairo, já pensou? Viver no Egito, ah seria um sonho... – Ursel falava idealista, seu olhar perdido em suas próprias fantasias me fazendo estremecer ao pensar em uma vida aqui, no meio dessas loucuras e ameaças, dessa rotina estranha que de nada podia se esperar algo óbvio.

Eu coloquei meus olhos na princesa novamente, ela voltava a comer em silêncio, a mão direita estava livre da luva, seus dedos envolvendo o garfo, não era nada sutil pensar nela também, uma vida toda sendo aterrorizada por essa mulher... Não falo apenas de um ponto ruim, falo dos bons, da maneira que ela é uma força natural atraente e inalcançável.

Eu tentava não prestar atenção exata nela, mas é inevitável ver o lenço longo se movendo expondo a segunda pele colada no corpo dela.

Ela é uma mulher muito bonita de corpo, o que é bastante indevido para ser pensado em meio a uma expedição, ela me mataria se pudesse sequer imaginar o que eu pensava. Mas é difícil não perceber, talvez as pessoas a minha volta tivessem uma nuance menos maliciosa para não olhar em direção a ela e perceber isso...

Ou talvez tinham medo demais para encarar por muito tempo, porque olhe bem, se você encarar por muito, você se surpreende com o quanto essa mulher com seus 36 anos tem um corpo cheio de curvas. Suas roupas costumam ser menos coladas na pele, talvez também seja isso, é a primeira vez que a vejo com algo tão apertado dando tanta ênfase naquilo que ela realmente era.

As pernas cruzadas, os pulsos apertados no tecido da segunda pele negra...

Droga de mente maluca.

— Lauren? – A voz perdida de Ursel me chamou e eu desviei o olhar me sentindo tola, mas ela estava perdida demais para perceber minha irracionalidade, e por sorte Karila estava focada demais em sua comida para me observar tendo crises explicitas de uma loucura nada saudável causada por meus hormônios.

Ela é fisicamente atraente demais para o bem geral daqueles que a rodeava, e eu sequer vi seu rosto, mas sua biografia já me dava vestígios fortes demais de algo. Eu simplesmente havia devorado dois capítulos completos daquela saga incessante tão bem escrita por um homem virtuoso que adorava detalhes chamado Faruk.

Confesso ser meu atual escritor favorito porque ele a descrevia com uma rigorosidade que me deixou perplexa e inteiramente envolvida naquela realidade de anos atrás. A esse ponto sei que o avô dela foi o último rei que teve funções reais no Egito antes da proclamação de uma república no país. Já o pai dela, Alyakhand Aistarabaw II, viveu em um exílio na Suíça por alguns anos, conhecendo a esposa que é de origem Francesa mas tinha fortes descendências árabes, a senhora Dominique-Sanawhaa Loeb Aistarabaw, ambos Rei e Rainha no Egito por título e não por atividade.

O autor deixou claro que a morte deles foi assassinato.

Depois de descobrir sobre aquilo eu parei um pouco para me resguardar a ter mais força diante da situação. Ela não só perdeu os pais, como o marido, assassinados, talvez não pelos mesmos motivos, mas da mesma maneira traumática...é de se enlouquecer com toda a culpa.

Além disso, o autor citava Karila como mulher belíssima de olhos castanhos e lábios carnudos como ênfase em suas características mais chamativas de rosto. Eu só conseguia sentar à mesa todas as manhãs imaginando como era mesmo seus lábios debaixo do pano, já me sentia paranoica o suficiente para fantasiar que ela fosse sim uma mulher chamativa.

Ursel havia desistido de conversar comigo quando eu olhei para ela conversando qualquer banalidade desinteressante com Karila e saiu da tenda deixando-nos a sós em um silêncio perturbador. Ainda bem que você não lê mentes, repetia para mim mesma ao terminar meu almoço.

Não era para eu estar aqui. – A voz de Karila me sobressaltou quando eu a olhei e vi que ela me olhava.

— Não? – Duvidei confusa.

— Não, estou aqui porque sabia que o presidente viria atrás de você, não estava planejando fazer expedições com vocês ainda. – Sua fala me deixou completamente sobressaltada, uau... por mim?

— Alteza...eu...não sei nem o que dizer e nem como agradecer, esse homem me dá calafrios. – Confessei sem jeito. Ela não esboçou reação alguma.

— Eu sei como pode me agradecer. – Ela falou.

— Sabe? Como? – Sugeri atenciosa, eu o faria por sua bondade, era claro.

Volte para os Estados Unidos. – Ao ouvir exatamente o que ela disse com tanta naturalidade eu me levantei de imediato, não entendendo que história estávamos prestes a começar.

— O que? – Tentei questionar para ver se era bem aquilo que ela falou. Ela se levantou também, colocando o prato de lado, seu corpo preencheu todo o espaço com a proximidade a mim que me fez apertar os lábios, esse seu maldito corpo bonito, saia da minha cabeça, mulher.

— Isso mesmo que ouviu, volte a seu seguro e amável país. – Ela pediu baixo, seus olhos castanhos em meu rosto. Isso é loucura sobre tudo o que eu fiz até agora em toda a minha vida.

— Eu dediquei minha vida toda a entrar na Yale, não vou arriscar perder tudo isso por um nada, não entendo o que me pede aqui, Alteza. – Falei honestamente confusa, eu não quero colocar nada a perder, estávamos indo bem, por que me pedia aquilo?

Ela se aproximou ainda mais, seu olhar superior nada dosado me deixando conflituosa sobre o que pensar.

— Lauren eu honestamente comecei a conhecer você agora como profissional, você é uma mulher competente, vai designar boa função onde estiver, não se preocupe quanto a não ter onde trabalhar, se a Yale não quiser você, posso ajuda-la com a Harvard por exemplo, tenho boa indicação ali. – Ela sugeriu conspirando tudo antes que eu pudesse me antecipar.

Isso é surreal, eu não quero voltar.

Não agora.

Alteza... não posso desistir de meu sonho assim... – Lamentei baixinho. Ela tomou um tempo me olhando, pensativa.

— Estou sendo honesta com você, corre sério perigo aqui. - Sua voz era baixa porque eu sabia que ela não queria que as pessoas ali foram ouvissem, é óbvio que eles não têm noção, só eu sou a porra de uma fodida idiota que se enfia em problemas demais para resolver.

Argh.

— Não que eu queira todo mundo ferrado, mas porque ele só está focado em mim e não nos outros historiadores? Todos estamos debaixo de seu teto. – Eu já nem sabia mais que droga pensar.

— Quando veio para esse país e de cara fez uma besteira, as coisas saíram do fluxo natural, você se apaixonou pela pessoa errada e aqui estamos. – Ela afirmou convicta, de jeito que me fez remexer incomoda, apaixonei pela pessoa errada... A olhei de cenho franzido, como ela falava aquilo? O que?

— Normani, você e ela estão nesse caso de vocês desde o primeiro momento e isso te colocou na zona de perigo. – Quando ela citou Normani eu finalmente entendi que precisava manter a mentira e assenti me recordando dessa loucura e caí em mim, é claro, Normani... Quem mais poderia ser? É CLARO.

— Sim Alteza, mas o que há de tão diferente na situação toda que os outros já não tenham feito? – Perguntei a olhando cruzar os braços e se manter imóvel a minha frente.

— Lauren, entenda uma coisa. Quem me odeia ainda pode ter um pequeno fio de respeito por mim, não por eu ser uma princesa de família militar e real, só respeitam pelo meu dinheiro, então todas as vezes que saio de minha casa para ir em locais públicos, saio com a certeza de que estarão sempre me vigiando a cada segundo. Quando Normani se enfiou naquele apartamento com você, chamou a atenção deles, e quando eu fui atrás, eu decretei o começo da perseguição sem nem mesmo pensar, eu estava irritada e intrigada. Não sou o tipo de mulher que vai atrás de ninguém, as pessoas que vem até a mim, e naquele dia eu infelizmente expus para eles uma falsa ideia de que ia atrás de ambas de vocês, isso te tornou foco importante. Você está nisso até o pescoço, eles nunca vão acreditar que não há um envolvimento seu mais estreito comigo do que os outros, essa mentira nunca irá funcionar. Seu vínculo com Normani te faz próxima de mim você querendo ou não e isso vai ser o motivo da sua morte, agora, daqui uma semana, ou daqui um mês, é inevitável para todos aqueles que se aproximam de mim. – Eu sentia minha pele se arrepiando com seu tom de voz sério e que decretava sim uma ideia de maldade que já seria minha sina.

Eu vivi minha vida toda em função de um sonho, desistir disso nessa altura me deixaria como a mulher mais infeliz nessa vida, como isso faria sentido? Voltar para ser deprimida com minhas decisões? Não me sinto bem em pensar dessa maneira.

— Se pensa com racionalidade, precisa voltar, eu não consegui proteger meus pais, nem mesmo meu marido, não espere que eu consiga ser bem-sucedida com você. – Sua honestidade em confessar aquilo era de partir o coração, dava para ver que ela pode ser dura o quanto for, ela ainda é humana e sente tudo isso na pele.

— Qual meu propósito em voltar se ali não vou fazer o que eu quero? Prefiro ficar e aguentar o máximo que puder. – Falei depressa tomando essa decisão estranha, há muito que me faz ficar aqui, colando meus pés ao chão e me impedindo de mover um centímetro que seja para longe.

— Isso é loucura, se é dinheiro que quer... eu posso dar, você volta em meus carros de escolta, eu faço com que te coloquem em um avião seguro e que chegue em casa segura e bem para viver toda a vida. – Ela propôs me olhando, eu não vou oscilar, não quero isso.

— Alteza eu não entendo sua insistência.

Ela remexeu um pouco.

Não quero ter mais outro nome na lista como morte que carrego a culpa.

É tão estranho pensar que na primeira semana ela queria me cortar a garganta fora.

— Não se preocupe, é uma decisão minha. – Falei certa daquilo, tendo mais força na decisão do que antes, se essa droga está toda fodida, que seja...

Ela se aproximou como nunca antes, ficando olho a olho comigo, eu podia sentir o calor que emanava dela em uma torrente devastadora que me balançou profundamente.

Diga-me seu preço para sair desse país. – Ela ofereceu baixo, sua voz em tom coercivo que me fez a olhar com mais determinação, notando seus olhos marcados. Um preço?

Eu tenho um preço... – Nem eu sabia o que falava. Ela pareceu se interessar...

— Diga.

Mordi meu lábio inferior temendo antes, mas não consegui conter de expor.

Mostre-me seu rosto.

Ela parecia profundamente surpresa, seu olhar desviado e ela me olhou notavelmente duvidosa.

— Esse é seu preço para não morrer?

Eu dei de ombros sabendo onde ia dar, essa mulher...eu sei como ela é.

Ela voltou a se aproximar e daquela vez sua observação em mim foi mais profunda, em cada canto de meu rosto, me fazendo uma vistoria geral antes de rir tão perto e eu perceber que era a risada mais atraente que já pude ouvir na vida, estou mesmo ficando maluca.

Vai ser ótimo pagar o seu funeral.

O tom que ela falou aquilo me fez sorrir torto, eu sabia que ela nunca aceitaria aquilo porque era um preço alto demais, mas ver que seus olhos eram divertidos me fez sorrir na mesma intensidade e me senti estranhamente bem com a troca repentina. Eu estou sorrindo porque vou morrer, por deus onde está toda sanidade?

É mais corajosa do que eu podia imaginar, Senhorita Jauregui. – Comentou visivelmente satisfeita sobre alguma observação pessoal que deve ter tido, essa mulher é toda imprevisível.

— Isso não vai importar quando eu estiver a sete palmos da terra, alteza. – Dei ombros tentando aceitar o fato de que minha morte era certa em um período de 1 ano e que nada eu podia fazer porque eu escolhi estar aqui, não é? Talvez até lá eu tenha sorte de principiante e consiga sair com um emprego na Yale e viva e isso vai ser uau como a parte mais otimista de toda a situação.

— Ah vai importar sim... – Sua voz parecia bem-humorada.

— Vai? Por que? – Perguntei confusa. Ela se moveu para o banco, pegando seu celular pessoal onde estava anteriormente sentada e voltou a se aproximar com ele em mãos, é um aparelho americano se isso importa, a maçã proibida está em todo lugar, não é?

— Porque isso foi um teste, Lauren.

Eu engoli seco, tão estranhamente ansiosa e animada que fosse um blefe.

— Isso significa que tudo o que me disse é mentira? – Questionei confusa.

— Não, tudo o que eu disse em cada vírgula é verdade, até mesmo a proposta para fugir, mas ao menos sua resposta me deu a certeza de que vai então valer a pena te proteger de verdade, se é esse o preço que quer pagar.

E falando tão cheia de si, ela saiu da tenda em passadas largas e elegantes, de um jeito autossuficiente que me deixava desestabilizada, mas ligeiramente otimista, eles vão ter que se esforçar muito porque eu não sou tola, eu posso simplesmente jogar com as palavras porque é a única coisa em mim que soa como meu ponto forte de autodefesa, não é isso? Que mulher é essa caramba...

As fundações de tijolos de barro entre as pedras e areias davam uma sequência de se admirar, os historiadores da expedição já haviam feito sua própria definição de como aquele templo seria, com corredores e santuários bem definidos em uma proposta ousada, era toda aquela gama de informação que me deixava fascinada com meu trabalho.

Como posso ousar pensar em ir embora se nada fiz errado? E perder isso? Não mesmo.

Em um fragmento de relevo, Dr. Waziry nos mostrou desenhos que me fez sorrir com a redescoberta.

Culto a uma deidade solar, Deus Rá. – A voz de Karila foi surpreendentemente baixa deixando não só o Doutor em História surpreso como a todos nós com a propriedade que ela teve em simplesmente falar aquilo com a interpretação do desenho. Eu a olhei se aproximar, estávamos em um grupo pequenos analisando estes fragmentos de relevos com desenhos que diziam muito sobre o que aquele lugar representava.

Corretamente alteza, por nossos estudos pessoais, esses cultos começaram aqui em Abusir em torno da Quinta Dinastia, por nossas analises mais profundas nos últimos tempos, é o único lugar com o templo do suposto Ramsés II, é a única evidência aqui, o que torna nossa descoberta muito importante e já levantou alguns interesses internacionais.

Eu sorri de canto, eu quero muito chegar no nível que eles chegaram, nós pretendemos ter uma boa descoberta em El Kab assim como eles foram bem-sucedidos aqui. Ele cedeu o fragmento a princesa que o olhou fixamente, tocando a mão com as luvas sobre os desenhos com bastante cuidado.

— Posso perguntar algo historicamente necessário, alteza? Sei que não há estudos abertos ainda sobre sua linhagem, mas me deixa curioso. - Dr. Waziry perguntou a ela que assentiu, observando a curiosidade que também me deixou observadora. Sua biografia tinha nuances bem diferentes, eu ainda estava no começo.

— Tem indícios de descendentes do antigo Egito na sua linhagem? – Ele questionou baixo.

Karila devolveu a ele o fragmento e limpou as luvas de areia, seu olhar nele.

Minha família veio das linhagens otomanas, são mais militares do que crentes em mitologias, não eram faraós, eram Sultões até o Reino Unido ceder a independência do Egito em 1922 e meu bisavô ser declarado Rei, então tenho linhagem mais Europeia Oriental do que necessariamente algo vindo do Antigo Egito. Albaneses, Turcos, Libaneses e Sírios, Franceses e Britânicos compõem meu círculo familiar além dos egípcios. – Ela falou calmamente, seu olhar castanho desviado as ruínas.

A mãe dela é francesa, nascida em Paris, é tão estranho pensar assim, onde essa mulher estava todo esse tempo antes de eu a conhecer? Porque o mundo não pode simplesmente desfrutar de algo tão real, que pode não ter valor político, mas é tão charmoso pensar que assim como Mônaco, como a Inglaterra e como outros países por aí, existe sim uma princesa egípcia.

—Alteza historicamente falando todos aqui são loucos para ter sua história exposta e colocada nas páginas dos livros do Egito. – Waziry citou a ela que já sabia bem, nós também já estávamos antecipando essa exposição se ela nos entregasse permissões, não queríamos mais sair daqui apenas com descobertas de milhares de anos atrás, nós queríamos saber sobre os fatos recentes, de poucos anos anteriores, sobre ela.

— Com o tempo. – Ela se limitou a dizer educadamente, não era uma promessa, mas já deixava um gosto promissor. Nós temos um documento exclusivo nosso, para que ela deixasse ainda mais outro aval talvez fosse um piscar, ela parece mais aberta ao fato de falarmos o que ela foi, e o que sua família representou.

Talvez fosse uma necessidade.

Passamos o dia inteiro entre caminhadas na areia para novas descobertas e na tenda conversando sobre as pesquisas e sobre as pretensões deles com tudo aquilo, nada iria parar por ali, tinha muito ainda a ser feito. O sol já tinha ido embora quando eu me enfiei na Land Rover ao lado de Ursel e observamos a escolta de Karila liderar nossa volta ao Cairo.

Foi um dia extremamente cansativo, mas eu me sentia revigorada quando fazia o que pretendi vindo para cá.

Ao chegar na mansão eu só queria me livrar daquelas roupas e tomar um banho relaxante para descansar, mas antes de subir as escadas, ainda no pátio, Ursel me parou para conversar sobre algo.

A princesa quer oferecer um jantar as mulheres da expedição em um restaurante na cidade, vai ser tudo feito com cuidado, com vistorias de segurança, é algo garantido para comemorar o dia da mulher, vai ser interessante, espero que vá, será amanhã à noite. – Ela falou animada, eu pensei sobre aquilo.

Um jantar em um restaurante?

— Há restrições? – Perguntei curiosa.

— É um lugar mais sofisticado e tradicional, isso vem de você. – Ela deu uma piscadinha. Eu assenti.

— Vou pensar nisso, estou subindo para tomar um longo banho e descansar, depois me entregue as novas páginas traduzidas. – Avisei a ela que se remexeu sorrindo e tirando o lenço do pescoço, a pele avermelhada, o sol hoje não teve piedade.

Não se preocupe. – Falou caminhando pelo pátio para se enfiar no corredor onde ficavam seus quartos. Eu subi em ritmo lento, me deparando com Normani no corredor de meu quarto, ela estava de rosto exposto, semblante meio cansado.

— Hey, queria ter conversado contigo lá, mas ficaria muito na cara. – Mexi com ela ao parar perto de minha porta, ela sorriu levemente.

— Fez bem, não é bom que levante suspeitas sobre mim. Karila me disse que não aceitou a proposta de voltar ao seu país. – Ela comentou pesarosa, eu podia ver que ela parecia preocupada, mas é inevitável.

Normani, eu não vou fugir do meu sonho.

Ela se aproximou, as mãos livres, seu olhar em meu rosto.

— Tem certeza da decisão que tomou? – Questionou seguramente.

— Sim, não vou voltar atrás e não quero, não sou de fazer isso. – Essa é a minha verdade.

— Tudo bem, só não se arrependa e não fique focando nas coisas negativas o tempo inteiro porque se não, você não vive em paz. Faça as coisas positivas. – Ela me incentivou com um aperto suave no ombro em conforto, eu sorri um pouco cansada.

— Obrigada por ser boa para mim, aliás... eu vou tomar um banho e logo após queria conversar, você pode? – Pedi baixo, acho que eu preciso mesmo dessa conversa com ela.

Claro, a alteza já me dispensou hoje...

— Perfeito, te vejo logo. – Retribui seu toque no ombro e ela me deixou entrar em meu quarto. Eu podia sentir cada músculo de meu corpo pedindo descanso, não por pegar pessoas, mas por ficar debaixo daquele sol e intercalando as idas a tenda, e bem no fundo isso nem importa muito, eu estou muito feliz de estar aqui e de aproveitar essa experiência de jeito completo como sempre desejei.

Aproveitando do luxo que me é cedido, eu desfrutei de um bom banho de banheira, lavando meus cabelos e sentindo o agradável cheiro da essência dos sais que usava na água. O que havia acontecido pela manhã não saia de minha cabeça, mesmo já tão convicta, eu não conseguia parar de recordar de Al Sisi vindo onde eu estava trabalhando para me chamar em uma conversa.

O que ele faria se eu tivesse ido?

Ficou claro também que ele não desistirá, então o que ele pretende conversando comigo? Seria uma proposta de traição a princesa? Será que era um homem assim tão cheio de si para achar que podia corromper qualquer um com propostas milionárias?

Eles dariam tudo para terem a vida da princesa em mãos? Qual é o limite?

Ao terminar meu banho eu me enfiei em moletons e minha uma blusa de cetim que era parte do meu baby-doll. Confesso não conseguir dormir com os shorts pequenos aqui porque eu realmente tenho temor até das paredes se moverem. Aliás não me sentia confortável porque já tinha que usar short de compressão debaixo das roupas para camuflar o que eu tenho entre as pernas.

Foi tempo de terminar de me vestir e pentear meus cabelos que ouvi os toques na porta, discretos.

Pode entrar. – Só esperava Normani mesmo.

Ela abriu a porta devagar, entrando lentamente, aproveitou para tomar banho também, seus cabelos livres e molhados como os meus sobre os ombros, seu conjunto de roupas no típico preto, calça de tecido confortável, regata que expunha seus ombros e o braço enfaixado onde havia levado aquele tiro.

Alteza me cedeu um de seus vinhos para aproveitar nessa noite, quis trazer para compartilhar. – Ela falou apontando para a garrafa em mãos, com as duas taças douradas. Eu mordi meu lábio inferior pensando bem sobre aquele vinho que me deu coisas estranhas.

Isso é muito bom, sabe o que há nesse vinho? – Perguntei fingindo casualidade. Decidi que seria bom conversamos no terraço, ao ar livre para respirar um pouco o ar fresco da noite. Ela aceitou minha sugestão, sentando nas almofadas ao meu lado, sua cabeça recostando perto enquanto estávamos lado a lado seu olhar em mim.

— Tem uva tradicional, compostos afrodisíacos porque isso é do avô da alteza e toques de pimenta real, tanto que ela não serve esse vinho a homens da casa, é proibido sobre qualquer circunstância, seus historiadores nunca beberam dele. – Ela falou tranquila abrindo a garrafa enquanto eu franzi o cenho, fala sério...

— O avô dela que fez a receita do vinho? – Eu queria entender se era aquilo mesmo.

Não, a receita é algo que vem do paladar pessoal da princesa, ela aprimorou com Hamid em alguns anos, o avô dela era um rei perito em afrodisíacos porque foi um homem impotente por muitos anos. – Ela comentava tão tranquila enquanto enchia as taças que eu só queria falar para ela olhar bem a situação.

Tudo fazia sentido agora...

— Droga mulher, eu tomei esse vinho. Por isso eu fiquei daquele jeito. – Afirmei em voz alta me sentindo estranha.

— Como? Do que está falando? – Ela enfim me olhou com atenção. Eu engoli em seco me negando a crer. Caramba...

— Eu me sinto atraída por sua chefe e esse vinho potencializou muita coisa que agora me faz sentir bem idiota. – Assumi seriamente.

Normani franziu o cenho.

— Está brincando comigo... – Ela não pareceu acreditar de cara. Eu neguei veemente.

— Falo sério, alguma coisa mudou.

Normani se remexeu me olhando como se eu tivesse em um problema enorme.

— Lauren isso é... complicado de ter reciproca, você sabe...Certo? – Era como se estivesse lidando com uma criança que teve seu pedido de presente negado. Eu sou bem realista e sei que nada que eu fizer pode fazer aquela mulher olhar para mim de maneira diferente, não sou uma insana iludida.

— Eu sei, isso nem devia ter acontecido.... – Levei a mão a nuca tentando me negar a ser tão literal com a situação. Normani parecia confusa.

— Quando você se foi para o Marrocos, na noite em que ela ficou só, eu me ofereci para um vinho e conversa, sabia que ela podia precisar... e eu sei que nada disso é algo demais pois se qualquer um ali abaixo se oferecesse para isso, ela aceitaria porque estava fragilizada por te perder, e eu sei que não é especial... Mas nós conversamos, eu cobri meus olhos e bebemos o vinho dela, e foi tão bom que ela acabou me cedendo um livro autobiográfico para ceder a meus amigos historiadores, naquele momento eu senti uma trégua de verdade... E... – Pausei engoli a seco por pensar que Karila pudesse ouvir de seu quarto, ela me mataria de verdade se me ouvisse. Abaixei meu tom de voz, brincando com a haste de meus óculos no rosto.

— Quando ela se levantou e foi para o quarto eu tirei a venda, e despretensiosamente sem querer, eu a vi pela fresta do vidro no quarto, eu juro que não foi intencional, foi tão de repente que até duvidei ser verdade, vi as costas dela toda tatuada... E algo mudou em tudo em como eu a enxergava, então talvez eu só tenha me atraído a coisa física, e isso é bem justificável por ser bonita fisicamente, e isso é normal, quem não iria se atrair, não é? – Afirmei insegura de meu próprio discurso, a expressão no rosto dela não parecia boa, e aquilo me trouxe uma onda de desespero.

— E ainda tem esse vinho, lembra-se? Eu sou intersexual! Eu me sinto queimar com coisas afrodisíacas, eu fiquei insana depois que bebi isso, ela não sabe que sou, por isso que me deu o vinho. – Abaixei meu tom de voz quase a um sussurro perto dela para falar toda a situação.

— Lauren... ela não pode saber que você viu ela assim, você não pode abrir a boca, ela realmente te mata! Nem eu nunca vi as costas dela, isso é muito sério. – Normani falou baixo, a voz apressada e sua cabeça olhando sobre o ombro para a porta do terraço da princesa.

Droga.

— Eu só faço as coisas erradas, isso é surreal... – Ironizei desgostosa comigo mesma. Normani negou depressa com a cabeça.

— Lauren o vinho ser afrodisíaco a mulher é bom, ela fez isso por seguir o que o avô conseguiu descobrir na época, ela é estéril, não podia engravidar então ela sempre usufruiu desses recursos naturais para conseguir mudar algo no corpo, mas homem nenhum dessa casa tem contato com isso porque é visível que homens são mais afetados e animalescos e tudo fica pior em relação a desejo sexual incontrolável, tenho certeza que ela não fez por mal, ela não sabe sobre você. – Sua afirmativa em defesa da princesa era ferrenha.

Eu suspirei, pensando na sensação estranha que beber aquilo me causou. Isso é insanidade, eu estava quase subindo pelas paredes caramba.

— Quanto a situação com a tatuagem, só finge que isso não existiu, as outras coisas infelizmente não são facilmente esquecíveis, mas com o tempo talvez se acostume... Karila ama Hamid ainda, e ela é muito conservadora com o casamento que teve Lauren, ela fazia sacríficos surreais para ele, e ele nunca pedia por aquilo, cobrir o rosto é um deles, então eu não posso dizer pra você que é impossível porque nada nessa vida é, mas pelos anos que a conheço eu não sei se ela é capaz de se envolver com uma mulher em sua vida, ela nunca nem mesmo traçou opiniões sobre mim porque ela não fala disso, nunca falou. Transformar um tipo de ódio em amor é difícil, e você é lindíssima, inteligente e atraente e mulher nenhuma nesse mundo que se atraí por outras mulheres negaria atração por você, mas ela é muito centrada nas crenças e no convívio dela. Karila é uma contradição em pessoa, ela é tão liberal quanto conservadora, tão pecadora quanto pura. – Sua pausa honesta me fez lhe esboçar um pequeno sorriso nervoso, Normani é uma mulher incrível que tive a honra e prazer de conhecer em um dos meus piores momentos.

— Não lhe incentivo a desistir daquilo que quer, sequer de Karila, até porque se ela quiser sua amizade algum dia com essa convivência, você terá com toda a certeza, aquele dia no pátio é um exemplo bem claro disso, seu papo é gostoso, você é inteligente pra caramba e fala daquilo que ela não sabe e é louca para saber. Mas nunca... de todo meu coração, ultrapasse os limites dela, a crença dela é parte daquilo que ela é, batalhar contra isso é muito difícil já sendo tão madura e depois de tantos traumas e problemas. – Seu tom era solene.

Eu entendi bem o que ela dizia, ao certo nem pensei em investir em nada com uma mulher que não é para mim, ela é princesa do Egito, muçulmana, de outro mundo oposto ao meu, eu não podia ser insana para tentar nada. Isso é uma atração física, e eu vou superar com outras coisas.

— Você é uma mulher incrível, obrigada por tudo o que fez e ainda faz por mim, e me desculpe eu não quero ficar subindo no teto, então eu não vou mesmo tomar esse vinho demoníaco aqui. – Comentei nervosamente apontando para a taça. Ela deu um risinho.

— Vou aproveitar por você então, mas se quiser tomar ele quando tiver sozinha no quarto é uma boa sensação, ele rasga tudo quando entra. – Ela comentou virando a taça com tranquilidade. Eu olhei para a garrafa com um afinco quase conspirador, como é possível levar nocaute por uma garrafa de vinho?

— O que é isso na sua nuca? – Sua voz repentina me fez sobressaltar tocando em minha nuca exposta por ter movido meus cabelos molhados de lado.

É uma tatuagem. – Dei de ombros. Ela pareceu curiosa e segurou alguns fios de meu cabelo, se aproximando para olhar de mais perto, a situação me fez curvar a cabeça para que ela olhasse melhor nas luzes das lâmpadas marroquinas.

— O que representa? É linda. – Soltou-me e se recostou mais perto das almofadas, eu fiz o mesmo, relaxando a seu lado.

É um desenho indígena colombiano, fiz quando mudei de lá. – Comentei me recordando do exato dia em que fiz aquela única tatuagem.

— Não me contou essa sua história, você morou na Colômbia? – Ela parecia interessada em me ouvir, e eu não me importo mesmo de mudar de assunto, aquela loucura de vinho e costas tatuadas iria me matar.

— Na verdade eu nasci na Colômbia, meu pai é de lá e minha mãe é de Connecticut nos Estados Unidos, eles se conheceram e como ele tinha empresa na Colômbia, ela decidiu ficar com ele ali até eu terminar o colegial, depois disso eu mudei para os Estados Unidos em definitivo para fazer faculdade e minha mãe quis voltar a dar aulas, ela é formada em matemática e dava aulas para o colegial. – Comentei me lembrando de Bogotá. Eu amava aquele lugar, porque me lembrava fortemente das minhas raízes latinas e da minha família que por muitos anos ficou totalmente unida e no mesmo país.

Hey, não sabia... Sua mãe é professora, tudo faz sentido agora sobre como esse emprego pode significar para você. – Ela comentou baixinho dando um sorriso compreensivo que me fez retribuir.

— Acho que esse emprego significa muito para mim em um monte de aspectos e não só isoladamente ao fato de que eu também quero ser tão brilhante como minha mãe foi em todas as escolas que ela já lecionou. – Falei baixinho, tocando em minha própria nuca.

— Fiz essa tatuagem no ano em que me mudei em definitivo, queria levar um pedacinho da Colômbia comigo, meus amigos ficaram todos lá e foi uma adaptação difícil, mas definitiva. Antes de tudo meu pai queria convencer meus avós que moravam no México a voltar para Bogotá, mas eles são ligados demais a Guadalajara, então vivem ali até hoje, nós ficamos assim, espalhados, avós no México, alguns tios em Bogotá, outros em Miami, e meus pais em Connecticut. – Dei de ombros saudosa de minha família, eles sempre ficavam tão felizes por minhas conquistas...

E você aqui, em Cairo. – Ela comentou me fazendo a olhar e sorrir levemente.

— Loucura, não é? Todos por aí.

Seu assentir enquanto bebia da taça era lento e apreciativo.

— E qual é o negócio de seu pai na Colômbia? – Parecia curiosa.

— Não está achando que ele é um tipo de chefe do narcotráfico não, né? – Arqueei a sobrancelha, ela gargalhou negando depressa.

— Claro que não, mesmo que a sua coragem toda me faz pensar se não é uma filha de narcotraficante treinada a usar arma, perdida aqui na casa de uma princesa perseguida... se eu encontrar cocaína nas coisas dela e a polícia aparecer na porta, eu já sei quem eu devo procurar. – Ela comentou risonha, seus olhos divertidos.

Eu a empurrei levemente.

Ei minha reputação é mais do que isso, tá bom? – Entrei na brincadeira. Ela deu piscadinhas.

— Meu pai é dono de uma empresa que exporta flores. Nada radical ou fora da lei que o tornasse bilionário, ele é um homem simples. – Falei tranquilamente me recordando dele, era paciente demais, sempre me levava flores quando voltava para casa.

— Olha, que história surreal... – Ela colocou a taça sobre a mesa, parecia se dar um tempo na bebida.

— Posso te dizer que as rosas colombianas são as mais lindas, ele fazia altas exportações ao Estados Unidos, por isso conheceu minha mãe.

Normani se aconchegou melhor, deitada sobre as almofadas, me fazendo recostar e deitar a seu lado fazendo o mesmo.

Você é uma mulher cheia de surpresas. – Ela elogiou baixinho. Eu sorri sentindo sua mão tocando na minha.

— Em anos depois da alteza, você foi a única pessoa que mais chegou perto de ser uma amiga para mim aqui, é reconfortante ter tanta humanidade e histórias fascinantes para se ouvir. – Ela parecia grata, acariciando minha mão. Eu a olhei me sentindo muito bem por ter ela a meu lado no meio de toda a situação.

Mesmo que ela também fosse uma mulher bonita e corajosa, eu aceitava profundamente que fossemos apenas boas amigas agora, e eu gosto muito disso.

De nossa amizade que não pedia nada em troca.

Narrador POV

Contrariando os planos de Lauren na manhã seguinte de conseguir ler as traduções da biografia da princesa, Ursel a convocou para uma reunião que começaria a determinar como seriam seus dias em El Kab. Ficariam um mês longe do Cairo em expedição, em algum ponto aquilo a animou profundamente porque sabia que estaria em segurança longe de qualquer loucura que acontecesse aqui na Capital.

Mas sua ansiedade se tornou outra quando Ursel simplesmente falou que Karila Aistarabaw iria a Arábia Saudita naquela semana e logo os encontraria em El Kab quando viajassem porque queria acompanhar de perto aquelas expedições durante todo o período que ficariam ali. A princesa deixaria o Cairo por um mês inteiro e se focaria em ajudar os historiadores.

Era a primeira vez que aquilo iria acontecer, a mulher nunca havia ficado tanto tempo fora de sua cidade natal, mas parecia não só uma vontade íntima dela para acompanhar algo que tanto queria, como também uma estratégia de defesa porque uma matéria sobre sua vida iria sair pela primeira em um jornal Norte Americano e toda a sua segurança já tinha consciência que aquilo despertaria ainda mais atenção.

Não seria mais uma presença exclusa do Egito, as pessoas começariam a saber sobre sua existência.

Nas escadarias frontais da mansão de Aistarabaw, no começo da noite, Akil e Normani estavam lado a lado, bem alinhados em negro, de rostos cobertos em hijabs de cetim e alfinetes de ouro apertando tudo no devido lugar de jeito sofisticado, olhando em direção a sala com o grupo de historiadoras, esperando que o grupo de mulheres começassem a sair.

Tinham planejado um dia todo o roteiro daquela saída, o restaurante já tinha escolta desde o começo da manhã, com revisões em todo o lugar, a população naturalmente bem posicionada do Cairo comia no local, não sem antes passarem por revistas de segurança para jantarem ali, Karila não quis fechar todo o restaurante exclusivamente, mas as exigências de seguranças foram severas e tudo estava pronto para receber a alteza do Egito sem nenhum imprevisto.

Ursel estava ao lado de Christine, uma das quatro arqueólogas do grupo que vieram ao Cairo, de todas as mulheres da expedição Bruxelas-Yale, apenas Lauren ainda não havia descido, todas elas esperavam na sala para que fossem divididas entre os carros da escolta de Karila.

Ursel estava exultante em sua animação por sair em um evento tão prestigiado, ao lado da princesa do país entre a alta sociedade do país em um lugar sofisticado, com música ambiente e comida local requintada, estava em seu ápice de felicidade, conversando animadamente com Christine quando viu o movimento dos seguranças passando pela sala e sabiam que era sinal de Karila, se aproximou das mulheres em passos lentos, a Abaya moderna era de corte reto, as joias brilhando cravejadas em pulseiras, o hijab fixo e o rosto coberto, estava impecável como em todos os eventos importantes, com a cintura marcada por um cinto e saltos cobertos pelo longo vestido.

NA: Os vestidos árabes são chamados de Abaya, essa que a Karila veste é mais moderna e colada no corpo do que algumas que são mais largas e demarcam menos, só queria exemplificar mesmo ;)

— Onde está Senhorita Jauregui? – Questionou confusa olhando para as mulheres.

— Ela ainda não desceu, alteza... deve demorar alguns segundos. – Ursel se antecipou em avisar. Karila abaixou o olhar.

Só podia ser. – Clamou baixo em deboche. A princesa notou que elas usavam o lenço do hijab sobre os cabelos, em um ato respeitoso porque sairiam em público e respeitavam a cultura local onde as mulheres tinham costume de ao menos cobrir os cabelos.

Music on* Cross Your Mind (Versão Espanhol) – Sabrina Claudio

Karila esperou com as historiadoras, silenciosa, seu olhar nas portas abertas e na posição de seus seguranças.

Akil cutucou Normani na cintura, que o olhou silenciosa, mas ele logo apontou a frente em direção a sala.

Lauren vinha a distância pelo pátio.

Me vuelvo loca, todo lo que no es bueno para mí, sí

Que mulher linda. – Elogiou baixo a Normani que negou depressa.

Não é para você, ela não curte homens. – Falou baixo notando as passadas elegantes da historiadora sobre os saltos.

Akil pendeu o rosto, aceitou que uma mulher bonita como aquela não notasse a ele.

Então ela pode ser para você. – Incentivou a irmã que riu baixo, ironia lotava seu tom.

Ela também não é para mim, Akil. – Falou convicta, não deixando de notar quando ela se impulsionou para entrar a sala.

Então para quem ela é? Porque olhe bem isso... – Ele falava discreto, olhando para o rosto maquiado de Lauren, os lábios vermelhos como sangue. Normani se remexeu desconfortável, não sabendo mesmo.

Pero daría lo que fuera por tenerte dentro de mí

Al despertarme junto a ti

Não sei mesmo para quem essa mulher é, mas que é de cair o queixo, isso é. – Comentou apertando o coldre na arma na cintura, não deixando de notar o grupo de mulheres olhando em direção a Lauren, principalmente Karila.

Ah, ali está... ainda bem... – Ursel falou aliviada tomando a atenção de Karila que se virou no mesmo momento em que Lauren subiu o desnível do pátio e entrou na sala em passadas apressadas. Se antes ninguém estava focado em nada, aquela aleatoriedade havia passado de supetão quando a historiadora apareceu trajando preto. Só pausou seus passos quando ficou ao lado de Ursel e exatamente ao lado de Karila que a olhou da ponta do Scarpin, ao macacão Balenciaga longo de mangas longas e gola alta que usava apertado no corpo.

O último notável detalhe foram os lábios vermelhos e o hijab negro sobre os cabelos.

Desculpe fazê-las esperar. – A voz rouca pediu desculpas a todas, mas ela olhava notavelmente para Karila que a observou profundamente em mínimos detalhes que a tornou até um pouco sem graça. E sem dizer absolutamente nada a princesa desviou o olhar.

Ya dime la verdad, que tú me piensas.

— Vamos. – Hadd simplesmente avisou, rompendo os olhares notáveis que todos deram a historiada quando ela apareceu em sua forma sofisticada e atraente na sala.

Karila foi guiada pelos seguranças a um de seus carros, enquanto Normani esperou que o grupo de Lauren se afastasse para tocar discretamente em seu pulso e falar baixo.

Você por si mesma já é uma ofensa.

Lauren sorriu torto e desceu os degraus se enfiando em uma das Land Rovers da escolta, estava muito impressionada com o olhar que recebeu para que qualquer elogio a deslumbrasse. No Audi a frente, Karila sentava sozinha no banco de trás, olhando perdidamente pelo vidro no escuro, sentia as ondas indevidas de arrepios na nuca, e se irritava por não saber definir aquela inquietante sensação que havia acabado de a dominar.

¿Tú de verdad piensas en mí?

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