A mensagem direta está intocada. Os tweets enviados se perdem no mar de menções por segundo que ele recebe. Tudo está diferente. Inclusive, sua aparência física. Shawn tem os cabelos mais compridos, os braços mais torneados e o abdômen trincado agora. A sinceridade ao sorrir, no entanto, permanece a mesma, o que comprova sua essência.
Seria egoísmo de minha parte não sentir orgulho do que o garoto da internet se tornou. O que me fere silenciosamente, porém, é não ser mais notada. Ainda subo a nossa conversa e vejo as poucas palavras trocadas há anos. Não sei se fazer isso é justo comigo mesma; é como colocar sal em meus cortes, mas só de saber que, em algum instante, foi recíproco me conforta.
Na linha do tempo do Twitter, alterno as fotos do ídolo em frente a um conhecido hotel na Europa. Agora ele está em um dos mais luxuosos de Londres. Há fãs por toda parte. A frente de onde está hospedado é tomada por admiradores. A felicidade deles utiliza muito bem dos olhos e lábios para ganhar forma.
É evidente o quão maravilhoso deve ser guardar este momento em uma doce fotografia; congelá-lo para sempre; guardá-lo em um lugar especial, para olhá-la quantas vezes quiser. Não posso negar, ainda mais a mim mesma, que também desejo isso. Embora nosso primeiro encontro tenha sido especial — a situação mais terna e feliz de que me lembro até então —, não tenho uma foto nossa para admirar. Aliás, não tenho nada além das lembranças. Sei, entretanto, que foi real.
Acho engraçado o fato de morar na mesma cidade em que Shawn e alguns fãs europeus possuírem mais condições de encontrá-lo que eu. Sempre que possível, uns o seguem durante a turnê pelos países e projetos de divulgação. Uma delas, inclusive, teve a honra de ir a todos os shows, realizando meu maior sonho atualmente dia após dia. Espero, agora que estou curada, poder ser tão presente na vida do ídolo quanto ela.
Apesar de morar em uma cidade tão próxima a de onde seus pais moram, não consigo encontrá-lo. Há boatos de que ele comprará um apartamento aqui em Toronto, mas não posso me agarrar às especulações. Nós sempre nos desencontramos, somos como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Inúmeras piruetas até conseguir alcançá-lo. Conseguirei. Um dia, sim.
Deve ser incrível poder ver o Shawn com tanta frequência. Imagino a sensação gostosa de não só ler as informações recentes sobre o cantor por meio de tweets, mas, sim, vivenciá-las. Ao meu ver, é como segurar muitos sonhos e conquistas na palma da mão. Fico extremamente feliz por ela.
Meus sentimentos parecem divididos, enquanto observo as notícias recentes. Mesmo que a maior parte diga que nunca terei a sorte de ser uma dessas fãs, principalmente por já dar vivido meu momento com Shawn, esta que bombardeia o fato de que sou apenas "mais uma" junto ao de que nossa foto não aconteça tão cedo, um pedaço pequeno insiste em alimentar minha esperança do contrário.
E é exatamente ele que me mantém alegre na maior parte do tempo.
Foram liberadas as datas da turnê na América do norte. Shawn fará dois shows seguidos em Toronto, no mês de agosto. Esta é a minha chance. Juntei dinheiro há meses para conseguir comprar o passe VIPpara os bastidores. No pacote, pode conhecer o museu com a carreira, um encontro em conjunto com outros fãs em que perguntamos algumas coisas a ele e o tão esperado momento em que é permitido abraçá-lo e tirar uma foto.
Isto é o que anseio: um abraço. Quero, inclusive, que saiam com os braços ao redor do corpo um do outro, como se fôssemos grande amigos; afinal, por mais que o Shawn não saiba, ele foi — e é — muito presente na minha vida. Preciso agradecê-lo por ter salvado a minha vida, mesmo sem ter ideia disto.
— Mãe, onde está o cartão de crédito? — grito, sentada em frente ao notebook sobre a escrivaninha a fim de ser ouvida no andar debaixo.
— Para quê?
— Comprar os ingressos. — respondo, ainda aos berros. Ouço-a resmungar alguma coisa a qual não posso decifrar. — A venda abriu de manhã, e eu ainda não comprei, mãe. Vai esgotar esta merda!
O barulho das sandálias de minha mãe contra os degraus alcança meus ouvidos. A porta do quarto se abre às pressas.
— Florence, sei que lhe disse que compraria, mas acredito que não seja o melhor momento... — viro meu rosto brevemente para trás, com o objetivo de olhá-la nos olhos.
— Mãe... — protesto manhosamente — mas você me prometeu.
— As coisas no trabalho de seu pai não estão boas, não sei se é certo gastarmos tanto com esses shows. — trilhões de palavrões correm aos meus lábios, porém os contenho.
Levanto-me da cadeira, com lágrimas nos olhos. Esperei muito tempo por isto, contudo, ignorar o fato de nossa situação financeira estar ruim para comprar um par de ingressos seria um baita egoísmo de minha parte. Não obstante, abrir mão de um sonho dói. Suspiro, como se o gesto tolo organizasse a minha mente.
— Juntei dinheiro neste tempo, mamãe. Não é muito, mas os quatrocentos dólares do Meet&Greet eu tenho. — este argumento é minha única barganha.
Se meus pais não me ajudarem, terei que escolher entre ir em um só dia, sem o passe com fotos, ou ir aos dois dias e participar do passeio VIP mais simples, o qual nem sequer me dá a chance de vê-lo de longe.
— Sinto muito, minha filha. — ela gagueja, o que me diz ser lamento sincero. — Prometo levá-la ao aeroporto, ou ajudá-la como puder, mas você reencontrará esse menino, mesmo que só na arena. Esta foi a minha promessa.
— Obrigada, mãe! Obrigada de verdade!
— Eu realmente queria poder lhe dar tudo o que merece, mas... — interrompo-a.
— Você me dá esperança, já é o suficiente.
Sorrio discretamente, ao envolver os braços em minha mãe. Ambos os olhos castanhos se fecham, assim como as respirações fortes das duas fazem barulho. Sei que fere tanto em mim quanto nela me negar algo assim. Ela quer chorar, pois sabe a importância de Shawn na minha vida. Desvencilho-me de seus braços, antes de receber o cartão de crédito nas mãos.
"Faça a escolha certa", sussurro a mim mesma.
Encaro a grande sequência de números desenhada no cartão dourado. Viro-o a observar o código de segurança. Mordo a parte de dentro da bochecha. Volto a me sentar na cadeira de rodinhas e, nela, escorrego para frente do notebook. Sinto uma explosão silenciosa em minha cabeça, erupções de dúvidas e suposições.
Quando arrasto o mouse de touchscreen até a lista das abas de página da internet para criar uma nova, corro os olhos pela notificação de mais de trezentas mensagens repentinas na linha do tempo. Estranho a velocidade das atividades no Twitter. Não me lembro desta fama. Solto uma risada tola, mas, curiosa, clico.
Meus olhos se arregalam, bem como os lábios se entreabrem. Sinto um frio percorrer minha espinha vertebral; petrifico. A frase "Ataque terrorista em Londres deixa 7 mortos e 48 feridos" me estremece. É aterrorizante pensar pensar no estado em que os familiares das vítimas estão. Em meu interior, suplico para que Shawn não seja uma delas.
Procuro todos os fãs clubes de notícias que informam aos demais admiradores sobre o que acontece em sua vida, contudo, nenhum traz informações de como ele está. Tento me conter, todavia, antes que eu possa protestar, o desespero toma conta de mim. Posso sentir minhas mãos suarem. Cerro os meus olhos pesadamente, esforçando-me a pensar em todas as coisas positivas que conheço e uso-as como um escudo; a proteger-me da ideia hostil de que o pior tenha acontecido.
O celular sobre a mesa branca treme. O vibrar revela a notificação de um dos maiores portais. Meu coração, há segundos aprisionado em pavor, pulsa aliviado, no segundo em que vejo a mensagem na tela:
Shawn Mendes Updates @ShawnUpdates tweetou:
Shawn está bem! Ele acolheu os fãs que o aguardavam do lado de fora no lobby de seu hotel
e pagou táxis para que todos voltassem a salvo.
Calmaria imediata. Não posso evitar o sorriso que nasce em meu rosto, este oriundo de tamanho orgulho. A dúvida de mais cedo é sanada: apesar da fama, Shawn permanece o mesmo. Sua essência solidária e gentil é a mesma da de anos antes. São com estes pequenos gestos que o garoto descoberto na internet conquista o mundo. De forma literal, estou em processo de fusão: o gelo em meu inteiro se transforma em água, a qual me transborda os olhos em lágrimas adocicadas.
Alívio. Sinto-me acalmar a cada segundo. Felizmente meu ídolo está bem, mas o mundo está um caos. Ao julgar por tudo que já vi, concluo que o câncer do planeta é o ser humano. Passo a mão no rosto e seco, deste modo, o rastro frio sobre as bochechas.
— É agora! — digo, ao abrir uma nova aba de páginas para, enfim, comprar os benditos ingressos.
Entro no site oficial de Shawn e seleciono o ícone da turnê. Desço a barra de rolagem até o segundo semestre e sorrio contente com o nome de Toronto duplicado. Minhas duas chances de realização de sonho. Encaro o cartão mais uma vez e preencho os pulmões de ar, a soltá-lo lentamente. Sei o que fazer. Sem mais tardar, seleciono "tickets".
A risada irônica me escapole involuntariamente, quando vejo que a decisão não cabia a mim. Em ambos os dias, o passe VIP para os bastidores com o Meet&Greet estava esgotado. No segundo dia só há mais um passe com o evento de perguntas e respostas. Claramente, não estou satisfeita por completo, mas, de alguma forma estranha, sinto que isto é exatamente o que deveria acontecer.
Talvez exista algum motivo para que a minha foto com Shawn não seja tirada. Não sei se o meu destino é morrer sem a realização de sonhos registrada, nem se isso de destino é real. A minha única certeza, no entanto, é que, mesmo de jeito torto, as coisas estão começando a dar certo para mim.