ATIAÎA Sangue do Passado (DE...

By DemocritoCruz

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Uma pacata cidade do interior é chacoalhada por acontecimentos estranhos. Desaparecimentos de pessoas, sonhos... More

Prólogo
I - O Primeiro Encontro
II - Uma Familia
IV - A Notícia
V - De Volta ao Cotidiano
VI - O Capoeira
VII - Na Roda
VIII- A Reunião
IX - Irrealidades
X - Revelações

III - O Pardal

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By DemocritoCruz


Após a aula João e Clara saíram da escola às pressas. Era dia de aula de capoeira e João queria chegar em casa o mais rápido possível para almoçar e ir para a aula. Nesses dias a menina sofria por ter que acompanhar os longos passos do irmão. E os dois iam pelo caminho como sempre: ele na frente e ela atrás pedindo que, por favor, ele diminuísse o passo.

Mesmo com toda pressa que ia, uma coisinha fez o apressado garoto diminuir o passo bruscamente. Parou à frente de um beco ao lado de um pequeno armazém, a cabeça estava paralisada, um dos ouvidos diretamente apontado para dentro do lugar que fedia à fruta podre. Clarinha parou logo em seguida estranhando o irmão:

- O que foi João?- perguntou tentando ouvir o que o garoto parecia estar caçando auditivamente.

- Você não está ouvindo? Algum passarinho ta piando bem fraquinho parece que está ferido... – disse enquanto adentrava em meio aos caixotes quebrados...

- Vixe! Esse lugar fede!- A menina já tinha os dedos tapando o nariz.

Quando saltavam os caixotes de madeira e iam entrando no beco fedendo à frutas e verduras podres, uma portão metálico vertical se abriu fazendo tanto barulho que fez os dois pularem para trás. Logo depois avistaram um braço gordo e peludo jogar dois caixotes quebrados para fora do armazém, que esbarrando na parede caíram sobre os outros. Por um momento o barulhinho parou e logo que a porta se fechou novamente recomeçou. João percebeu que o barulho vinha debaixo de duas caixas que estavam agora logo abaixo dele. Rapidamente ele tirou as caixas e viu um passarinho com os olhos semi serrado, uma das asas estirada, parecia sem força alguma e de vez em quando soltava um pio o mais alto que podia, ao seu lado algumas frutas já desfiguradas pela ação da putrefação e uma com a metade boa visivelmente bicada.

- Nossa! Ele ta ferido, e muito!...- Espantou-se a menina por trás do irmão fitando o passarinho que parecia também fitá-lo. – Vamos levá-lo pra casa?

- Eu não sei como levá-lo, tenho medo de machucar mais ainda...- O garoto ainda fitava o pequenino animal, sem mover nenhum músculo.

O menino sentiu uma vontade de carregar aquele bichinho indefeso pra casa e quando realmente teve certeza de que ia fazer isso mesmo, e como se João entendesse aqueles sons e aquele olhar, o passarinho o olhou e soltou um pio tão suplicante que o menino rapidamente colocou a mão por baixo do animalzinho com todo cuidado, e entre os gritos da irmã que pediam para que ele fosse mais cuidadoso, saiu mais rápido do que antes com o acidentado nas mãos.

Chegando em casa os meninos correram até a mãe, que se encontrava na sala assistindo televisão, mostrando o enfermo e gritando:

- Mãe, mãe! Olha o que o João achou! – Esbravejava a menininha com os olhos tão esbugalhados que pareciam quererem pular...

- Que barulho é esse?! O que foi?! – Perguntou a senhora dos cabelos negros todo desgrenhados no sofá, confusa com todo o barulho.

- Mãe, eu encontrei esse passarinho, ele ta morrendo, ta muito doente, a gente tem que fazer alguma coisa! – Gritava João com urgência na voz.

- Mas é só um pardal meninos, existem tantos desses por ai!

- Mãe, mas vamos deixar ele morrer? – Interpelou o menino, sem entender o desprezo da mãe pelo animal...

A mãe olhou os meninos que a fitavam esperançosos e clamorosos, e em seu olhar notou-se uma certa comoção pela preocupação dos filhos por aquele ser de existência tão irrelevante para tantos, os olhos sorriram num compreensivo suspiro, e ela finalmente falou tentando acompanhar a pressa dos filhos:

- Vamos lá no veterinário que fica na rua de trás...

- É mesmo! O Dr. Alves! – Exclamou João com o esboço de um sorriso na face.

Jogaram as mochilas no sofá e saíram rapidamente os três: João abrindo as mãos vez ou outra para olhar o estado do pardalzinho, Clarinha esticando-se para tentar ver o bichinho, e Dona Jacira arrumando os cabelos desalinhados que logo se assentaram. Dobraram a esquina em direção ao homem que salvaria a vida do novo amigo da família.

Depois que o Sr. Alves examinou e a asa do pardal ferido já estava devidamente medicada e enfaixada o veterinário, chamou-os e deu o diagnóstico:

- Não precisam se preocupar, o nosso amigo apenas teve uma pequena, porém dolorosa, fratura na asa direita.

- Mas ele vai ficar bom logo? – Perguntou a menina preocupada ainda.

- Sim lindinha, alguns dias e ele vai poder voar de novo – acalmou-lhes o Doutor com a careca que acompanhava o brilho que os óculos redondos refletiam da luz a cima da maca.

- Quantos dias? – Novamente a menina perguntou

- Um pouco mais que um mês e meio, com algumas semanas de garantia.

João apenas olhava o pequenino ferido agora repousando dentro de uma gaiolinha retangular. Sua expressão era bem mais tranquila e não parecia sentir mais nenhuma dor. Levado por um sentimento bem maior que a simples vontade de ter um animal de estimação, o menino indagou a mãe:

- Nós vamos ficar com ele não é mãe? – João esperou uma resposta positiva, mas foi Alves que se encarregou de respondê-lo.

- Creio não ser uma boa idéia João, o passarinho não está acostumado a viver em cativeiro, seria uma crueldade privá-lo da sua liberdade. O que você fez foi muito bonito, sei que se outro garoto da sua idade o encontrasse poderia até matá-lo com um estilingue ou simplesmente deixá-lo morrer lá em meio às caixas. O melhor a fazer é esperar ele melhorar e soltá-lo. Nesse meio tempo ele pode ficar aqui e cuidaremos dele direitinho, acompanhando o desenvolvimento.

João voltou a fitar o passarinho que agora parecia dormir, ele compreendera o homem, mas a sensação de perder o animalzinho, embora ele não entendesse, doía profundamente. Ele acabara de encontrar aquele passarinho não compreendia como podia se apegar tanto... isso era motivo suficiente para tê-lo sempre por perto; e uma coisa ele tinha certeza: ia sentir muita falta do pardal quando ele o libertasse.

Sem que percebesse, Clara chegou por trás para olhar o passarinho quieto no canto da gaiola, tocou no braço e quando sentiu a pequena mão o tocar, imagens lhe acometeram a mente: viu o passarinho com olhos flamejantes, sua irmã com olhos desesperados, fogo, muito fogo... Pessoas correndo, lanças apontando para um céu cinzento, uma escuridão e logo depois o mesmo cervo dos olhos de flamejantes que tinha visto no pesadelo...

Os olhos abriram lentamente, as vozes de sua mãe ao longe tentando pagar ao veterinário que teimava em não aceitar dinheiro algum ecoavam distante, e cada vez mais se aproximavam de uma real distância. Logo voltou ao normal e aquela visão já parecia algo facilmente esquecível. Clara, sem notar nada, ainda segurava seu braço e olhava o pardalzinho, o garoto olhou a sala certificando-se de que estava tudo bem, e sem entender muita coisa, com uma respiração profunda, entregou a gaiolinha e pediu a mãe para que fossem embora.

Jacira agradeceu ao homem que generosamente deu-lhes um presente por conta da insistência de Clara em ter o pequeno em sua casa: depois de uma semana de observação ele permitiria que os meninos o levassem para passar um dia com eles e a depender liberaria outros dias até o momento da soltura. A menina e sorriu com olhos arregalados de alegra, Jacira apertou-lhe a mão, e a careca assentiu curvando-se diante dela.

Despediram-se e saíram da casa acenando para o senhor, que ficou sorrindo na porta e devolvendo-lhes o aceno. Atravessaram a rua e seguiram pela calçada até virarem na esquina, até esse ponto acompanhados pelo o olhar do Dr. Alves da porta de sua casa.

Chegaram a casa e encontram Carlos na cozinha requentando o almoço, e ao ver o cortejo adentrar, perguntou num sorriso o que havia acontecido, e o que era aquela pequena gaiola na mão de João. Clarinha sentou-se na cadeira mais próxima do fogão, e encarregou-se de contar o fato, "um homem gordo jogou um caixote bem em cima dele quando ele tava comendo no bequinho do mercadinho, lá perto da escola... muito mal esse homem! Se eu pudesse pegar ele, ele ia pra delegacia". Narrara a menina durante uns dez minutos toda a história, incluindo a hora em que foram ao veterinário, suas recomendações, e como seria o procedimento dado ao paciente.

Enquanto Clara fazia todo aquele relato, João foi até seu quarto O garoto ficou um tempo pensando no que tinha passado. Todas aquelas imagens, o cervo que tinha causado tanto pavor naquele pesadelo agora voltara a sua mente... Tudo era confuso e incompreensível. Mas, foi advertido pela barriga que cantava uma canção esfomeada... Assim, se esforçou para afugentar os pensamentos, e saiu tentando se concentrar no almoço que o chamava pelo cheiro.   



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