III - O Pardal

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Após a aula João e Clara saíram da escola às pressas. Era dia de aula de capoeira e João queria chegar em casa o mais rápido possível para almoçar e ir para a aula. Nesses dias a menina sofria por ter que acompanhar os longos passos do irmão. E os dois iam pelo caminho como sempre: ele na frente e ela atrás pedindo que, por favor, ele diminuísse o passo.

Mesmo com toda pressa que ia, uma coisinha fez o apressado garoto diminuir o passo bruscamente. Parou à frente de um beco ao lado de um pequeno armazém, a cabeça estava paralisada, um dos ouvidos diretamente apontado para dentro do lugar que fedia à fruta podre. Clarinha parou logo em seguida estranhando o irmão:

- O que foi João?- perguntou tentando ouvir o que o garoto parecia estar caçando auditivamente.

- Você não está ouvindo? Algum passarinho ta piando bem fraquinho parece que está ferido... – disse enquanto adentrava em meio aos caixotes quebrados...

- Vixe! Esse lugar fede!- A menina já tinha os dedos tapando o nariz.

Quando saltavam os caixotes de madeira e iam entrando no beco fedendo à frutas e verduras podres, uma portão metálico vertical se abriu fazendo tanto barulho que fez os dois pularem para trás. Logo depois avistaram um braço gordo e peludo jogar dois caixotes quebrados para fora do armazém, que esbarrando na parede caíram sobre os outros. Por um momento o barulhinho parou e logo que a porta se fechou novamente recomeçou. João percebeu que o barulho vinha debaixo de duas caixas que estavam agora logo abaixo dele. Rapidamente ele tirou as caixas e viu um passarinho com os olhos semi serrado, uma das asas estirada, parecia sem força alguma e de vez em quando soltava um pio o mais alto que podia, ao seu lado algumas frutas já desfiguradas pela ação da putrefação e uma com a metade boa visivelmente bicada.

- Nossa! Ele ta ferido, e muito!...- Espantou-se a menina por trás do irmão fitando o passarinho que parecia também fitá-lo. – Vamos levá-lo pra casa?

- Eu não sei como levá-lo, tenho medo de machucar mais ainda...- O garoto ainda fitava o pequenino animal, sem mover nenhum músculo.

O menino sentiu uma vontade de carregar aquele bichinho indefeso pra casa e quando realmente teve certeza de que ia fazer isso mesmo, e como se João entendesse aqueles sons e aquele olhar, o passarinho o olhou e soltou um pio tão suplicante que o menino rapidamente colocou a mão por baixo do animalzinho com todo cuidado, e entre os gritos da irmã que pediam para que ele fosse mais cuidadoso, saiu mais rápido do que antes com o acidentado nas mãos.

Chegando em casa os meninos correram até a mãe, que se encontrava na sala assistindo televisão, mostrando o enfermo e gritando:

- Mãe, mãe! Olha o que o João achou! – Esbravejava a menininha com os olhos tão esbugalhados que pareciam quererem pular...

- Que barulho é esse?! O que foi?! – Perguntou a senhora dos cabelos negros todo desgrenhados no sofá, confusa com todo o barulho.

- Mãe, eu encontrei esse passarinho, ele ta morrendo, ta muito doente, a gente tem que fazer alguma coisa! – Gritava João com urgência na voz.

- Mas é só um pardal meninos, existem tantos desses por ai!

- Mãe, mas vamos deixar ele morrer? – Interpelou o menino, sem entender o desprezo da mãe pelo animal...

A mãe olhou os meninos que a fitavam esperançosos e clamorosos, e em seu olhar notou-se uma certa comoção pela preocupação dos filhos por aquele ser de existência tão irrelevante para tantos, os olhos sorriram num compreensivo suspiro, e ela finalmente falou tentando acompanhar a pressa dos filhos:

ATIAÎA  Sangue do Passado (DEGUSTAÇÃO).Where stories live. Discover now