IX - Irrealidades

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— Mamãe, venha ver! – gritou a menina de cabelos cacheados olhando para o quintal.

Jacira veio em passos largos e olhos apreensivos.

— O que foi menina, pra que esses gritos todos? – Antes que a filha pudesse contar ela viu um pardal empoleirado na mãozinha morena.

— É ele mãe, é o pardalzinho! Ele veio visitar a gente... – A menina gargalhava falando, ou falava gargalhando.

A mulher olhou aquela interação e aproximou-se para ver o passarinho mais de perto, mas ele voou rapidamente seguido por outros tantos pardais que saíram de cima do muro e de dentro das árvores do quintal. A menina ao ver o bando levantando voou deu um grito agudo de alegria que deixou um formato brilhante em seu rostinho...

— Não vá Seu Pardal! Tenho comida pra vocês... —gritou ela correndo para o quintal e mirando o céu – Ele vai voltar? – perguntou.

— Não sei, mas ele parece que não esqueceu de você.

A menina sorriu com todo o rosto ao ouvir a mãe falar isso.

— Vou contar a João quando ele chegar.

— Agora vá tomar seu banho que vamos almoçar daqui a pouco.

A menina entrou correndo e a mulher encostou-se na porta para fitar o céu com um feliz espanto nos no semblante... ficando ali por algum tempo até se desvencilhar dos pensamentos e tornar novamente aos afazeres.

O assunto do almoço foi isso. Clara não conseguia parar de contar de como ela foi surpreendida com a chegada do seu amigo e como ela o reconheceu por uma marca na asa que ela tinha ajudado a salvar. O menino estava muito interessado na conversa, mas foi interrompido por uma voz grave e cansada depois de três palmas do lado de fora da casa:

— Ô de casa!

— Tio Agustinho! – exclamou o menino de cabelo quase raspado ao abrir a porta da frente e ver um burro apeado sob a sombra rala da arvore na calçada e um velho de bigode acinzentado com um pacote nas mãos – entre, estamos almoçando.

— Faz um tempo que não vem almoçar com a gente – disse Jacira ao vir receber o homem também.

— Tem beiju e umas frutas aqui nessa bolsa, eu que fiz... – Leves gargalhadas graves e ternas como a do velhinho no Natal. — Vocês precisavam ver as mandiocas dessa temporada, coisa linda de Deus! Nunca mais foram me ver também, né? Não deixem esse velho sozinho muito tempo.

— Eu peço sempre pra papai me levar, mas ele nunca pode, quem sabe quando ele comprar um carro... – disse o menino tomando o pacote e conduzindo o velho para dentro.

O velho foi até o banheiro e lavou as mãos aproveitando para refrescar o rosto cansado e bronzeado. Sentando-se a mesa sem nenhuma cerimônia, recebeu um prato posto, talheres e uma pergunta:

— O que aconteceu? Geralmente não aparece essa hora. Algo importante? – perguntou a senhora de olhos levemente puxados.

— Preciso pegar um dinheiro na feira, mas vim porque tenho uma reunião mais tarde...

— Com o Amauri? —interrompeu Jacira.

— Sim! —respondeu prontamente. A fronte tomou uma suave seriedade inesperada.

— Nós também vamos...

— Eu sei —devolveu rapidamente —por isso mesmo quero estar lá. Hoje é um dia diferente... —Notou-se um suspiro ao voltar a olhar para o prato.

ATIAÎA  Sangue do Passado (DEGUSTAÇÃO).Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ