IV - A Notícia

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 Era uma noite de segunda-feira, a vizinhança toda se encontrava enclausurada nas casas iluminadas pela luz amarelada das lâmpadas e pelas televisões em suas salas, reunindo as famílias no popular transe social de cada dia.

O telejornal na casa de João sofria interferências dos ruídos de suas risadas, que explodiam no sofá da sala, acompanhadas pelos gritinhos de Clara que sofria com as cócegas desferidas pelo irmão. Mas, um grito ríspido fez-lhes parar com a algazarra divertida no sofá:

- Quietos meninos! Não vêem que estou assistindo o jornal? Reclamou Carlos tentando concentrar-se nas notícias.

Os meninos pararam por alguns minutos, e apenas com os olhares conversaram sobre um possível novo canto para continuarem a brincadeira sem atrapalhar o pai. Debateram por alguns instantes naquele silêncio cheio de significado e olhares que apontavam para todas as direções e cômodos da casa, após decidirem saíram rapidamente para sentar ao lado da mesa num carpete amarelo embaixo de um largo espelho.

Porém, em meio àquelas gargalhadas de crianças que enchiam a casa de um ar tranquilo, uma noticia de última hora chamou a atenção do homem solitário no sofá, fazendo-o calar os meninos de uma vez. Os filhos, sentindo o sério interesse do pai na notícia, consentiram em dar-lhe um minuto de sossego auditivo. E também eles, voltaram-se para o aparelho quando ouviram o nome de sua cidade ser emitido. Até Jacira chegou da cozinha com um prato na mão e um pano na outra para ouvir o que a televisão noticiava sobre a cidade, que dificilmente era motivo de manchetes nos noticiários estaduais. E assim O Âncora anunciou já ao final do programa:

- Noticia de ultima hora, uma provável fuga no presídio da cidade de Serrinha, litoral norte do estado, acaba de acontecer. 12 celas foram encontradas vazias, desses apenas 7 presos continuam trancados... os detentos ouvidos e que ainda se encontram no local, dizem não ter visto nada. As autoridades responsáveis estão em alerta e à procura dos possíveis fugitivos, embora não se tenha noticia de arrombamento nem de túneis no presídio. O prédio é um dos mais seguros do estado e os carcereiros disseram também não terem visto movimentação durante a noite. A polícia afirma que não há motivo para pânico no momento, já que a prisão fica a uma distância considerável da cidade, e é provável que capturem os possíveis foragidos antes de alcançarem o centro urbano...

Antes mesmo que a noticia terminasse de ser concluída Jacira já estava certificando se as fechaduras do quintal e das janelas estavam trancadas, voltou à sala e encontrou os dois meninos olhando para a TV e o pai fitando-os com olhos preocupados.

- Jacira, olhou todas as portas? Perguntou ele.

- Sim estão todas trancadas... - Com voz fraca ela respondeu.

- Ninguém sai amanhã, estão me ouvindo? Até prenderem esses homens ninguém vai pra escola ou sai! Estão me ouvindo?

- Sim! Responderam os dois meninos em coro, contaminados pela preocupação que os olhos do pai irradiavam.

- Meu Deus! Doze celas... Com aquele lugar superlotado, nem temos idéia de quantos homens podem ter fugido... – Falou Carlos como se conversasse sozinho.

A noite terminou mais cedo para João e Clara, foram mandados para a cama, e Carlos só ficou acordado com a esperança de ver alguma outra noticia. Jacira foi com Clara para o quarto e acabou adormecendo em meio aos carinhos e conversas na cama da menininha, que curiosa perguntava a todo o momento o que estava acontecendo, resistindo aos mandos de "vai dormir" que a mãe carinhosamente lhe infligia.

As duas despertaram logo depois com o barulho das sirenes dos carros de polícia que ao longe gritavam pedindo passagem na noite quieta da cidade. Jacira acalmou a filha com um beijo e saiu do quarto. Chegando à sala avistou seu marido na penumbra iluminado pela luz que entrava da rua pela fresta entre a parede e a cortina da janela que fez para olhar o que acontecia do lado de lá.

Mas apenas algumas pessoas passavam em sua caminhada noturna normal, talvez a tranquilidade dos passos fosse a evidência de que não sabiam ainda o que acontecia. Uma viatura passou apressada sem sirene, e uma dupla de jovens que voltava para casa assustou-se com a velocidade e comentaram entre si alguma coisa. Acompanharam-na com olhos curiosos até ela dobrar a esquina, e continuaram seu caminho. O casal dentro de casa, abraçado na penumbra, caminhou em direção ao quarto. E num caminhar lento, apagando todas as luzes, foi fazer toda a casa dormir.

Na manhã seguinte a cidade parecia não querer acordar. O silêncio da madrugada perdurou por muito tempo após o raiar do sol morno que molhava de luz as ruas frias da cidade, e um vento gélido que as florestas e montes próximos sopravam sobre a cidade, acentuava o medo que as portas fechadas impunham àquele lugar. Apenas passarinhos em árvores caladas assustavam o espectro mudo que a cidade incorporará desde a noite passada. Pouco a pouco alguns carros, cautelosamente, começavam a despontar das garagens e desfilavam desconfiados nas suas viagens matinais.

Carlos acordou mais cedo e já tinha ligado a TV quando Jacira acordou para preparar o café que já ele já havia preparado.

- Acordou cedo meu amor...

- Não consegui pregar o olho a noite inteira – Disse esfregando uma mão no rosto cansado e virando uma xicara de café com a outra.

- Não se preocupe, acho que isso não vai demorar, já saiu algum noticia?

- Sim, não acharam ninguém ainda e nem sinal de fuga no presídio... Que coisa mais esquisita! – respondeu como que tentando surpreendê-la com a novidade.

- Meu Deus! Como pode uma coisa dessas? Tantos homens sumirem assim de uma hora para outra... – suspirou ela indignada e franzindo a fronte.

- Também penso nisso... – concordou ele com preocupação.

Apressaram-se para tomar o café da manhã e a mãe morena deixou os meninos dormirem um pouco mais já que não iriam à escola. A mesa estava ainda por arrumar e os dois trabalharam nisso juntos lentamente com uma feição distante e pensativa.

Após tudo pronto, serviram-se... E aquela foi uma das refeições mais frias e indigestas da história daquele lar.

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