Amor e Outras Guerras

By maricarign

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No ano de 1852, na Inglaterra vitoriana, Helene White enfrenta a dura realidade da vida após a perda de seus... More

Dedicatória
Capítulo 1: A Casa dos Taylor
Capítulo 2: O Segredo da Floresta
Capítulo 3: Mistérios de Dover
Capítulo 4: O Baile dos Taylor
Capítulo 5: A Surpresa
Capítulo 6: O Que Houve com os Homens?
Capítulo 8: Laços Desfeitos
Capítulo 9: As Últimas Gotas de Esperança
Capítulo 10: Há Um Brilho Em Tudo
Capítulo 11: Não Acredite Nessa Falsa Esperança
Capítulo 12: A Guerra Ainda Não Está Perdida
Capítulo 13: Na Luta Por Uma Justa Sobrevivência
Capítulo 14: Só o Amor Fica Eterno
Capítulo 15: A Um Minuto da Fuga
Capítulo 16: Me Faz Sorrir De Novo
Capítulo 17: Focos de Ação do Amor e do Ódio
Capítulo 18: Ai Daqueles que se Amaram
Capítulo 19: Nós estrangulamos nossos próprios Corações
Capítulo 20: Acima de tudo ame
Capítulo 21: O caminho é este
Capítulo 22: Corra na outra direção
Capítulo 23: Por entre o perdão e a coragem
Capítulo 24: Perigoso é a gente se aprisionar
Capítulo 25: Passo a passo
Capítulo 26: O suor, as lágrimas ou o mar
Capítulo 27: Incêndios Selvagens
Capítulo 28: A ti vim encontrar
Capítulo 29: Matar o sonho é matarmo-nos
Epílogo
Agradecimentos

Capítulo 7: Todo Mundo Tem Segredos

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By maricarign

"no segredo mantido, no silêncio selado...
os pensamentos, as esperanças,
os sonhos, os prazeres..."

— Charlotte Bronte


Todos os dias nossa rotina era a mesma. Assim que acordávamos íamos direto para a limpeza da ala oeste do segundo andar, após alguns dias de prática eu já conseguia fazer o trabalho em bem menos tempo do que quando havia chegado. Em seguida ajudávamos nos preparativos do almoço, cortando legumes, carnes, ervas, ou o que mais Esther nos pedisse para fazer. Tínhamos um pequeno tempo para comermos antes de cuidar das roupas sujas, o que ocupava umas boas horas do nosso dia. Mas era bom, eu e Isabelle ficávamos conversando e nem notávamos o tanto que demorava para ensaboar e enxaguar todas as roupas da casa.

De vez em quando nos atrevíamos a começar uma guerra de água e sabão, ficávamos correndo em uma batalha acirrada de quem se molhava mais. Até Grace aparecer e nos dar uma bronca, então tínhamos que ouvir uns bons minutos de lição sobre como devemos levar o trabalho a sério. Não dávamos ouvidos, as risadas faziam valer a pena.

Dependendo do dia ou íamos servir o lanche da tarde, ou então polir toda a prataria. O que dava mais trabalho sem dúvida, mas pelo menos não tínhamos que ficar em pé na sala de jantar servindo chá e biscoitos.

Quando estávamos no mesmo ambiente, Charles evitava conversar ou até mesmo olhar em minha direção, geralmente porque Charlotte estava muito empenhada em possuir toda sua atenção para si. Nos últimos dias a Sra. Taylor estava determinada a fazer seu filho e a noiva passarem o máximo de tempo juntos, sempre sugerindo um passeio ou puxando uma conversa.  — Charles, por que não convida Charlotte para acompanhá-lo na viagem a Londres durante o fim de semana? — Ela perguntou certo dia.

— Ora, é uma viagem de trabalho, certamente ela ficaria entediada. Não sei se terei tempo para lhe dar atenção. — Recusou educadamente, me fazendo abrir um sorriso discreto enquanto estava parada no canto da sala de jantar observando tudo.

— Então fique uns dias a mais, tenho certeza que gostarão de um pouco de tempo juntos. — Charlotte abriu um sorriso empolgado, parecendo ficar feliz com a ideia.

— Tudo bem, acho que não terá problema. — Ele respondeu por fim, dando mais um gole no seu chá.

O Sr. Taylor não era de falar muito, geralmente passava horas em seu escritório ou na cidade resolvendo algum problema. O que dava à Anna Taylor bastante tempo para infernizar minha vida. Se havia uma tarefa extra, não importa a hora, era a mim que ela designava. Com o passar dos dias eu percebi que fazia isso para me manter ocupada e o mais longe de Charles possível.

Certa vez ela ordenou que eu limpasse o piso de todo o primeiro andar duas vezes, sozinha. Passei quase a tarde inteira esfregando as tábuas de madeira com uma escova. — Acho que não tem como ficar mais limpo que isso, mas admiro sua determinação. — Escutei Charles dizer em um tom divertido, enquanto se recostava no batente da sala de estar.

— Parece que não é o que sua mãe pensa, Senhor. — Usei a última palavra propositalmente, por saber que ele não gostava. Estava cansada de passar horas realizando tarefas absurdas que sempre sobravam para mim. Haviam muitos funcionários na casa, porém, se precisavam de alguém para tirar toda a poeira dos livros um por um, limpar os estábulos, remendar todas as roupas das crianças pequenas, ou qualquer outro trabalho ridículo, eu era a escolhida. E na maioria das vezes tinha que repetir tudo porque nunca estava a altura dos gostos da Sra. Taylor.

Pensei que ele já havia ido embora pelo tempo que o silêncio reinou na sala, só o que eu escutava era o som da água e da escova que passava contra o piso de madeira. — Acho que posso te ajudar. — Falou de repente, sentando-se no braço do sofá ao meu lado. — Sabe, em relação às suas irmãs.

— O que? — Perguntei, me levantando e o encarando com os olhos arregalados. Estava completamente espantada com a sua proposta. — Como?

— Ainda não sei, mas vou pensar em algo. — Charles colocou os cabelos loiros para trás, abrindo um sorriso amigável. — Vou à Londres esse final de semana, acho que posso usar alguns contatos para ver se consigo alguma informação.

— Charles, eu... — Não conseguia me conter, um misto de esperança e empolgação crescia dentro de mim, talvez eu tivesse uma chance de me redimir, talvez eu fosse vê-las outra vez. Larguei o material que estava segurando, fazendo um estrondo assim que bateram contra o chão. — Não sei como agradecer!

— Preciso que me passe todas as informações que tiver delas, nome completo, idade, características físicas. Tudo. — Seu olhar era sério e determinado, e eu, em contraponto, parecia uma criança que havia acabado de receber a melhor notícia do mundo.

— Isso é maravilhoso! — O agradeci uma última vez, sem conseguir tirar a expressão de felicidade do rosto. Me virei para pegar meus materiais antes que me chamassem atenção, ainda restava uma boa parte do piso a ser limpa, só que agora minha mente estava em outro lugar. Em Abigail e Emma. E no momento em que estaríamos todas reunidas.

— Helene, — Charles me chamou uma última vez — prometo que farei tudo o que estiver ao meu alcance. — E eu acreditava plenamente em suas palavras.



Já era noite, o céu escuro e nublado não nos deixava uma estrela a mostra sequer, uma brisa quente deixava o clima abafado e pensei que iria chover em breve. Eu e Isabelle estávamos na cozinha acabando os preparativos para o jantar, enquanto cortava um pedaço de aipo com um sorriso bobo no rosto, Belle lavava os cogumelos selvagens e me encarava desconfiada.

Não conseguia parar de pensar na proposta de Charles, na esperança que se acumulava dentro de mim e fazia minha barriga formigar. Nada parecia estragar minha felicidade naquele momento, poderia limpar o chão trezentas vezes, cortar mil legumes, eu ainda manteria um sorriso no rosto, porque pela primeira vez em tempos eu tinha esperança.

— É impressão minha ou esses legumes a estão deixando muito feliz? — Isabelle Brincou, me fazendo erguer o rosto e sair de meus devaneios.

— Muito engraçada — forcei uma risada irônica — só estou em um bom dia.

— Sem nenhum motivo? Só... Está feliz? — Ela ergueu uma sobrancelha, deixando os cogumelos na minha frente para que eu pudesse cortá-los. Parecia desconfiada, mas eu ainda não queria contar a ninguém, minha mãe sempre havia me ensinado que só devemos contar boas notícias depois que elas se concretizam.

Também não é como se Isabelle Thompson compartilhasse todos os seus segredos, éramos muito unidas, mas todo mundo esconde algo. E ela com certeza escondia. Acontecia de repente, "preciso buscar mais açúcar" ou "tem uma vassoura melhor lá embaixo" ela dizia antes de desaparecer por horas. Esperava que algum dia sua confiança em mim fosse o bastante para conversar abertamente, ou até mesmo me pedir ajuda.

— Bem, sim. —Respondi, enquanto terminava de cortar os cogumelos. — Estou feliz e ponto.

— Ora, deixe a menina aproveitar o bom humor Srta. Thompson. — Esther se intrometeu em minha defesa, enquanto a entreguei os legumes cortados.

— Tudo bem, Helene White. Você também tem seus segredos, eu entendo. — Isabelle levantou as mãos em rendimento enquanto soltava uma risada. — Agora se não se importam, Grace me pediu para encontrá-la quando acabasse por aqui, com licença. — Saiu apressada pela porta da cozinha, enquanto desamarrava seu avental. Algo dentro de mim dizia que talvez ela fosse demorar um pouco para voltar.

Assim que acabei a minha parte das tarefas, me sentei a mesa da cozinha para escrever sobre minhas irmãs. Fiquei um tempo olhando para o pedaço de papel sujo que havia conseguido, não sabia como começar, não sabia como descrevê-las. Quer dizer, eu as conhecia bem há um tempo atrás, mas quem me garante que ainda eram as mesmas? Eu também havia mudado, um ano é tempo suficiente para nos transformar.

Comecei aos poucos, Abigail White e Emma White, respectivamente onze e seis anos. Tive que me controlar para não escrever um ano a menos, elas já haviam feito aniversário e eu não estive por perto. Senti meus olhos marejarem com a lembrança, respirei fundo afim de me concentrar enquanto o vento ficava mais forte e frio lá fora. Abigail tinha cabelos escuros compridos, era alta para sua idade e compartilhávamos as mesmas sardas herdadas da nossa mãe. Emma tinha cabelos castanho claro na altura dos ombros, seus olhos eram cor de mel iguais aos meus, sorri com a imagem delas bem clara em minha mente. Quase pude vê-las. Fiquei sorrindo para o papel por alguns segundos, enquanto a brisa trazia algumas gostas da chuva que começava a cair para dentro da cozinha. — Srta. White, — escutei de repente — Você e Srta. Thompson irão servir o jantar, estão prontas?

— Sim Sra. Grace, tenho certeza que Isabelle deve estar chegando. — Menti, na verdade duvidava que fosse vê-la ainda hoje.

— Meu bom Deus, o que essa menina anda aprontando? — Grace sussurrou para si mesma, colocando a mão sobre o peito e se dirigindo para a sala de jantar. — Preciso dela já!

Porém, como já se era esperado, Isabelle Thompson não apareceu. Servi a comida junto de outra funcionária, Ada Davis. Ainda era uma criança, devia ter por volta de doze anos e me lembrava um pouco minha irmã. Se não me engano ela era encarregada de cuidar dos animais, e de vez em quando brincava com os filhos menores dos Taylor. Ada abriu um sorriso simpático ao me ver. — Parece que vamos ser parceiras hoje Helene! —Falou animada.

— Sim Srta. Davis, estou honrada. — Brincamos, enquanto pegávamos as travessas de legumes e nos dirigíamos até a mesa principal.

Tudo correu perfeitamente bem, ninguém sequer pareceu notar que Belle não estava presente. Que em seu lugar havia um criança de doze anos segurando uma bandeja de cogumelos selvagens assados. A família Taylor e seus convidados pareciam felizes, despreocupados, empolgados eu diria. Provavelmente por conta do casamento que estava se aproximando cada vez mais. Talvez eu pudesse ser feliz assim algum dia, pensei.



Isabelle chegou no meio da noite, eu não havia conseguido dormir. O vento forte fazia um barulho como um assovio e ao mesmo tempo empurrava a chuva contra a janela. Havia deixado um par de baldes no meio do quarto para as goteiras que pingavam em um ritmo contínuo.

Hesitei por alguns segundos, não sabia se devia questioná-la enquanto eu mesma mantivesse meus segredos só para mim. Acho que ela não podia ver muito bem, mas fiquei a observando no escuro. Estava sem sua touca, seu cabelo e vestido estavam completamente encharcados, mas ela parecia bem feliz. Após trocar de roupa, tirou um colar do pescoço e o deixou um beijo antes de guardar em uma caixinha embaixo da cama. Parecia algo importante. — Você está bem? — Perguntei, assim que Belle se deitou.

— Que susto Helene! Meu Deus! — Resmungou, colocando a mão sobre o rosto e ajeitando os cabelos ainda úmidos.

— Desculpe, fiquei preocupada. — Não sabia o que exatamente devia perguntar, respirei fundo quando o silêncio no quarto começou a deixar o clima estranho. — Aonde você anda indo?

— O que? Como assim? — Se fez de desentendida, subindo a coberta até o pescoço para se proteger do frio e virando em direção à parede. — Não sei do que está falando, estou cansada demais para conversar agora.

— Como quiser, mas acho que devia ficar sabendo de uma coisa. Dylan veio me confrontar dizendo que sabe o que você anda fazendo. Se fosse algo bom com certeza ele nem se daria o trabalho, certo? — Perguntei para o vento, pois ela não me respondeu. Me senti uma idiota, uma completa tonta falando sozinha. Enquanto a chuva era a única resposta que eu teria.

O dia amanheceu nublado, porém, sem chuva, o que já era uma vitória. Isabelle estava me evitando, talvez ela precisasse de tempo para pensar e analisar a situação. Sabia que no fim perceberia que podia contar comigo para tudo, então não a questionei mais.

Realizei minhas tarefas diárias, comecei pelo quarto de hóspedes. Varri o piso de madeira, arrumei a cama perfeitamente e dobrei todas as roupas. Não demorou muito para que eu chegasse ao quarto de Charles. Era a oportunidade perfeita, podia esconder o bilhete com a descrição de minhas irmãs sem que ninguém visse. Não queria arriscar e acabar com mais tarefas extras impostas por Anna Taylor. Deixei o papel embaixo do travesseiro, meu coração batia rápido e minha respiração ficou ofegante quando ouvi passos no corredor.

Peguei a vassoura rapidamente e me apressei para sair de lá, já havia arrumado tudo e precisava ajudar Esther com o almoço. Assim que abri a porta do quarto, uma figura estava na minha frente, me encarando com as mãos na cintura. — Minha mãe está doente. — Isabelle disse, com uma expressão cansada. — Tenho ido visitá-la sempre que posso.

Respirei aliviada, conversamos sobre isso enquanto fazíamos nossa parte na cozinha. Dylan não teria nada contra ela, era uma ótima notícia. Quer dizer, apesar da doença de sua mãe. Grace entrou apressada no ambiente, apontou em minha direção me chamando algumas vezes. — Helene, querida, a Sra. Taylor quer que você pegue algumas flores para o arranjo de mesa. Tem uns crisântemos amarelos lindos na floresta, você se importa?

— Não Sra. Grace, já estou indo. — Pedi licença e me dirigi até a porta dos fundos da cozinha, era uma tarefa diferente, mas eu ficaria feliz em dar uma volta na floresta para pegar flores. O ar estava fresco, e a chuva da noite anterior havia deixado um aroma de terra molhada que eu adorava. Tive que andar um pouco até encontrar a espécie de flor que Grace havia dito, mas valeu a pena, eram lindas. Pequenas pétalas saíam do centro, totalizando milhares de tons de amarelo diferente, aproveitei para pegar algumas brancas também e as coloquei na cesta. Achei que era o suficiente quando escutei um barulho de algo de movendo na mata.

Fiquei em silêncio e imóvel. Meu coração batia tão rápido que eu pude sentir a pulsação em cada centímetro do meu corpo. Algo se movia no arbusto a minha frente, pensei que pudesse ser alguma espécie de cão selvagem, ou algum outro animal.

Um vento bateu contra meu rosto, deixando mechas de meu cabelo balançando bem diante de mim. Estava com medo, ouvi um galho se quebrando, como se tivesse sido pisado. Minha respiração era escassa, e então eu notei algo estranho. A figura de um homem ficava mais nítida conforme o barulho se aproximava. Não era um animal, pensei, era alguém. Deixei a cesta de flores cair e dei alguns passos para trás, não sabia ao certo o que fazer.

Não podia ver seu rosto direito, mas notei que havia raiva em seus olhos, um pavor correu por todo meu corpo. Era isso, eu iria morrer. Só o que pude fazer em minha defesa foi correr.

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