Legend - O Feiticeiro Azul (...

By Y_Silveira

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Após o desaparecimento da deusa Isth, o único suspeito era o poderoso feiticeiro Luciano Antunes. Para pagar... More

CONCURSOS
EPÍGRAFE
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
PARTE I - O GAROTO AZUL
I - O GATO PRETO
II - A NINFA
III - SONHOS AMARGOS
IV - LEMBRANÇAS
V - A ESTRADA
VI - O GUIA FELINO
VII - O SALTO PARA A MORTE
VIII - O DESPERTAR DO FEITICEIRO
IX - A RECEPÇÃO AMEAÇADORA
X - A SEREIA
XI - MUDANÇA DE PLANOS
XII - A VERDADEIRA HISTÓRIA
XIII - A GRANDE NOTÍCIA
XIV - O GOLPE MORTAL
XV - ARREPENDIMENTO
PARTE II - O RITUAL
XVI - O BEIJO
XVII - A ESTRANHA
XVIII - VERDADES MALDITAS
XIX - ENTRE BRIGAS E INTRIGAS
XX - O SEQUESTRO DO FEITICEIRO
XXI - UM NOVO PODER
XXII - O GRANDE SEGREDO REVELADO
XXIII - QUEBRA DE PROMESSA
XXIV - A MASMORRA
XXV - DE VOLTA A ERÁGOLIS
XXVI - O DESERTO DRACONIANO
XXVII - RUÍNAS
XXVIII - LAI SEREN
XXIX - O FABULOSO REINO DE ERÁGOLIS
XXX - O CASTELO
XXXI - A INVASÃO
XXXII - A CHAMA INFERNAL
XXXIII - UM ANJO DE ISTH
XXXV - O RITUAL
XXXVI - A MISSÃO DE SAMY
PARTE III - A SEREIA
XXXVII - O LUAU
XXXVIII - A BIÓLOGA
XXXIX - A CAÇADA
XL - A NOVA HUMANA
PARTE IV - A LIBERTAÇÃO
XLI - A LIBERTAÇÃO
XLII - O REGRESSO
XLIII - SENTIMENTOS INCOMPREENDIDOS
XLIV - A ESTALAGEM
XLV - SOB O LUAR
XLVI - O BAMBUZAL
XLVII - DE VOLTA À MENGIE
XLVIII - DESTINOS
XLIX - UM DEUS?
XL VIX - O FEITICEIRO OCULTO
AGRADECIMENTOS

XXXIV - AZUL

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By Y_Silveira

Lú assistiu o corpo de Nero tombar no chão. Os seus olhos estavam arregalados com o que via. Ele estava morto. A luta entre ele e a caçadora não durou muito e de uma maneira covarde, ela o golpeou pelas costas. Mesmo com o barulho da chuva caindo, o garoto conseguiu escutar as gargalhadas sádicas dos caçadores. Ele precisava fazer alguma coisa antes que mais gente inocente morresse.

O garoto se pôs a caminhar em direção aos três caçadores. Pisava no chão empoçado pela água da chuva, passando por alguns corpos que não resistiram ao redemoinho de fogo e cruzando com alguns rebeldes que não sabiam o que deviam fazer diante daquela situação inesperada.

Kelmo e Kainã observavam a sua aproximação e o terceiro caçador se mantinha paciente, embora suas mãos ansiosas estivessem trêmulas ao segurar os seus punhais. Na cintura, havia uma bainha com uma espada, ele estava preparado para atacar quando fosse o momento certo.

A chuva diminuiu um pouco mais, a ponto de se tornar apenas um leve chuvisco. O garoto pôde ver aquelas três figuras mais perto e de maneira mais nítida. Eles o encaravam, percebia-se os seus olhos vidrados pela abertura das máscaras.

— Então é esse o feiticeiro? — Kelmo perguntou, observando o garoto se dirigindo lentamente a ela. — É só um pirralho.

— Não interessa a idade dele. Feiticeiro é feiticeiro. — Kainã disse, entediado, passando o cabo do seu punhal entre os dedos distraidamente.

— Não estrague as coisas, minha irmã, não garanto que eu possa salvá-la dessa vez.

Kelmo bufou irritada com aquela repreensão. Embora fossem gêmeos, Kainã possuía a autoridade sobre ela, afinal, ele era o filho preferido do seu pai, o ancião mestre, uma pessoa muito importante no planeta Karkariá e fundador do instituto de treinamento em que ela se formou.

— Você tem uma péssima mania de apaixonar por feiticeiros — Kainã continuou. — Por favor, não estrague tudo!

A jovem procurou não dar muita atenção, pois sabia que discutir com ele seria pior. A essa altura, o garoto feiticeiro já estava próximo deles o suficiente para deixá-los alarmados. Não era mais o momento de jogar conversa fora. Os três caçadores entraram em guarda e Kelmo levantou a espada na altura dos olhos.

— Não quero lutar com vocês! — Lú disse, parando diante do corpo de Nero. Ele tentava controlar as emoções naquele momento. — Eu quero fazer um acordo.

Os três caçadores entreolharam-se. Kainã, no centro do trio soltou uma gargalhada. Lú não se deixou abalar por isso, pelo contrário, ele cerrou os punhos e continuou falando.

— Se prometerem não machucar mais ninguém, eu me rendo.

Dessa vez, Kelmo também caiu da gargalhada. O garoto não via graça alguma, mas, de repente, sentiu a pontada em seu peito. A dor foi enorme e seus olhos se arregalaram. Ele olhou para o tórax e viu um punhal cravado nele. A pequena lâmina cortou o ar despercebido, ele nem notou quem a tinha atirado.

Lú segurou no cabo do punhal em seu peito e o puxou, arfando de dor e rangendo os dentes. O sangue escorria, manchando sua camisa branca em um círculo vermelho. Deixando a arma cair no chão, Lú percebeu que precisava ser cuidadoso, mais ataques como aquele e ele poderia desmaiar.

— Não fazemos trato! — A voz do terceiro caçador soou estrondosa e áspera. Ele já preparava outro punhal em sua mão.

— Eu cuido do feiticeiro! Vocês dois podem se divertir com os outros vermes. — Kainã deu um passo à frente, erguendo os punhais.

Kelmo e o outro caçador correram em disparada, tão rápidos que Lú só sentiu o vento balançando o seu cabelo. À medida que foram avançando na direção dos rebeldes, o grupo de homens foi se espalhando em uma tentativa de fuga. Estavam amedrontados, ainda abalados pelo evento da maga infernal.

Lú escutava os gritos de sofrimento atrás de si, já havia começado o massacre. Ele tremia, estava horrorizado. Isso o fazia lembrar de alguns anos atrás, quando viu a sua família morrer.

Kainã girava os punhais no ar e os aparava novamente. Com aquela brincadeira, ele procurava ganhar tempo, estudando a fisionomia do garoto azul, que estava mais para um rato assustado. Ele sorria por trás da máscara e umedecia os lábios com a língua.

— Ainda vai se render, verme? — ele perguntou.

Como o trato não havia funcionado, Lú precisaria lutar para ao menos tentar proteger o restante das pessoas, mesmo com a carnificina já tendo começado. Ele não teria outra escolha, precisava combater aquele caçador, mesmo não sabendo se era páreo para ele. O garoto se manteve em silêncio, não ia responder aquela pergunta, mas o caçador nem mesmo esperava uma resposta.

E como esperado, as lâminas voaram na direção do garoto. Lú estendeu os braços automaticamente, abriu a palma das mãos e esticou os dedos. Para o seu alívio, um escudo apareceu à sua frente, ele pôde então se defender do ataque do caçador. A barreira mágica aparou os punhais voadores, porém, no momento do choque, o escudo rachou, trincando em vários pedaços e se espedaçando no ar. Lú ainda estava fraco, não havia se recuperado da sua última manobra.

Kainã sacou a espada que levava na cintura e nem esperou o garoto buscar uma arma ou outra defesa, ele partiu para o ataque. Lú estava de mãos atadas, não sabia o que fazer. O caçador era rápido e em um piscar de olhos a lâmina já cortava o ar à sua frente. O garoto se esquivou em um salto para trás, a ponta afiada da arma passou poucos centímetros longe da sua face e antes que pudesse recuperar o equilíbrio, o caçador já afundava a espada em seu peito.

O seguidor estava disposto a desmaiar Lú a qualquer custo, nem ao menos lhe dava tempo de se defender, e essa era a pior desvantagem. Diante daquela situação, o garoto se lembrou da espada em sua bainha na cintura e rapidamente a sacou, desferindo um golpe certeiro contra o caçador. Kainã se afastou, retirando a espada do peito do garoto.

Lú curvou o corpo com a mão no ferimento do peito. Ele estava ofegante e sua visão embaçada. Não sabia se ia aguentar outro golpe, estava fraco e não conseguia produzir outro escudo. O que ele faria para se defender? Precisava pensar rápido. Kainã avançava rapidamente com toda a sua fúria, quando o garoto se lembrou que podia voar.

E não perdeu tempo. Esticou o seu corpo e olhou para o céu. Ao menos isso não falhava, conseguiu flutuar antes que o caçador o partisse em dois. Lú atingiu uma certa altura, impossível de ser alcançado, então usaria esse tempo para se autorregenerar. Com isso, suportaria outros ataques e quem sabe produziria outro escudo.

Ele respirava com dificuldade, enquanto admirava a vista daquela altura. O tempo ainda permanecia fechado, mas a chuva fina persistia. O vento frio lá do alto arrepiava a sua pele e todo o seu campo de visão estava totalmente cinzento. Ele tentava relaxar, mas era impossível. A apreensão lhe trazia uma inquietude sem fim e a adrenalina atrapalhava o seu descanso, deixando os seus músculos em alerta.

Uma luz emergiu no alto da sua cabeça e Lú foi surpreendido mais uma vez. A ponta da espada atravessou novamente o seu peito e dessa vez foi atacado pelas costas. Ele cuspiu sangue e sentiu aquela dor agoniante novamente. O caçador segurou em seu ombro, forçando o peso do seu corpo contra o dele e instintivamente começaram a cair.

— Achou que poderia escapar? — ele perguntou sarcasticamente. — Estava enganado, verme!

Lú lutava contra a possível inconsciência. A sua mente queria apagar, mas ele não podia se deixar vencer ainda, mal tinha lutado. Seria ele tão fraco assim? O sentimento de inutilidade invadiu a sua cabeça e ele sentia que estava apagando. Pelo visto, havia falhado miseravelmente.

Kainã desapareceu novamente em sua luz branca, deixando o garoto cair sozinho a vários metros de altura de encontro ao chão gramado e empoçado pela água da chuva.

...

Jober e Gabbe se escondiam atrás de uma parede em um corredor. Do outro lado estava Lirah, na sala do trono, a maga infernal incendiava os estandartes na parede e o carpete no piso, parecia um verdadeiro inferno. Alguns corpos dos soldados estavam carbonizados no chão, irreconhecíveis para dizer se eram humanos, outros agonizavam cobertos pelas chamas vermelhas.

Jober tapava a boca de Gabbe com sua mão. Ele espiava a maga com o canto do olho com muita cautela para não ser descoberto. Estava com receio de fugir dali. Qualquer barulho, por mais silencioso que fosse, poderia chamar a atenção daquela figura, por isso, até a respiração eles controlavam.

Lirah olhou para a direção deles e Jober desviou o olhar rapidamente. Ela estava desconfiada que poderia ter alguém ali. O rapaz suava frio. A maga começou a caminhar lentamente na direção do esconderijo deles, então o ruivo enrijeceu e engoliu em seco ao escutar os passos ecoando pelo salão.

Uma luz branca iluminou o corredor e a maga parou subitamente. Jober não quis sequer arriscar a espiar, controlou-se apertando ainda mais a mão nos lábios de Gabbe. A loura parecia aterrorizada, principalmente ao escutar os gritos de socorro das vítimas daquela caçadora.

Diante de Lirah, havia emergido outro caçador. Ele segurava um pequeno baú com as duas mãos. A maga abaixou a cabeça diante dele. Só podia ser alguém superior, ou o líder deles.

— Senhor Salomon. — Lirah disse, fazendo uma reverência.

— Cadê os outros? — ele perguntou em um tom áspero. — Isso já demorou mais do que devia!

— Ainda estão tentando capturá-lo, senhor — ela falou com a voz trêmula, como se temesse a irritação daquele homem — Por causa da chuva, fiquei responsável por...

— NÃO ME INTERESSA AS SUAS DESCULPAS! — A voz soou estrondosa. — Eu quero aquele garoto nessa sala em meia hora! Ou vai perder o seu direito de viver.

O caçador deixou a sala no mesmo clarão de luz que havia surgido. A maga continuou a caminhar na direção em que Jober e Gabbe se escondiam. O rapaz voltou a ficar apreensivo, então olhou para o corredor, não havia como se esconder, precisavam fugir a qualquer custo. Eles levantaram e correram em disparada, a essa altura Lirah já havia percebido a presença deles. A maga estirou o braço fino e das suas mãos projetou uma bola de fogo que foi atirada na direção dos jovens fugitivos.

Jober e Gabbe corriam como nunca antes em suas vidas. A bola de fogo estava em seus encalços e eles estavam sem saída. Na frente deles, no final daquele túnel, ficava a escadaria que levava ao piso inferior. Era o único jeito de escaparem.

— Não vai dar tempo! — Gabbe gritou, aflita.

Faltavam poucos metros para a bola de fogo alcançá-los. Gabbe poderia estar certa, não daria tempo, mas eles não tinham outra alternativa. Lutar por suas vidas não era uma opção, era necessário.

Estavam perto, porém, sentiam suas costas queimando. O calor era enorme, a pele de ambos já estava coberta de bolhas. Seria ali o fim dos dois amigos? Talvez não. Jober agarrou Gabbe em um abraço e com um impulso jogou os seus corpos escada abaixo. E naquele momento a bola de fogo atingiu a parede acima, por pouco eles não tinham sido mortos com aquela bomba vermelha. A parede explodiu com a colisão, levantando uma nuvem de poeira. Os dois jovens saíram rolando escada abaixo em perfeita sincronia. Jober havia sido atingido na testa por uma pedra solta da parede e Gabbe já havia perdido a consciência.

Lirah chegou na ponta do patamar da escada e olhou para baixo. Os dois jovens haviam parado de rolar, estavam inconscientes e com muitos ferimentos externos. Ela não quis se preocupar em conferir se estavam vivos ou não, simplesmente deu as costas, precisava capturar o feiticeiro antes que pagasse com a sua vida pela demora. Salomon não estava brincando com aquela ameaça, afinal, a maga vivia para servir a Karen.

...

Lú estava perdendo a consciência, não conseguia evitar aquela queda. O chão gramado se aproximava em uma velocidade estupenda. E como previsto, o seu corpo havia se chocado contra o chão. Ele não se movia, mal respirava, parecia mais morto do que vivo. As suas pernas estavam tortas e seu rosto enterrado na grama fofa. Devia ter quebrado alguns ossos, do seu nariz e da boca escorriam sangue e sua pele estava repleta de hematomas. Kainã parou diante daquele corpo imóvel e observou bem. Colocando a mão em sua máscara, ele a retirou, revelando os olhos reptilianos. Mechas do seu cabelo grosso e de brilho azulado caía sobre a testa. Ele sorria. A sua aparência lembrava mais um adolescente levado do que um assassino.

Enquanto isso, Karlo passou pela porta dupla de madeira que levava ao pátio do lado de fora. Ele paralisou com a cena que via, então segurou o punhal em sua mão com mais força. Aquela era uma verdadeira visão do apocalipse. Os dois caçadores tinham derrubado todos os rebeldes com mortes horríveis. O homem de cabelo prateado queria desviar o olhar daquilo, mas precisava encontrar Lú.

Ele caminhou alguns passos até o início da escadaria e estreitou os olhos, ao longe avistava o garoto azul caído no chão aos pés de um dos caçadores de Karen. Não perdeu tempo e sacou a sua lâmina. Lú não poderia estar morto, ele era um feiticeiro, afinal, mas estava sendo alvo daquele homem com a espada empunhada.

— Lú! — ele gritou, aflito, tentando de alguma forma fazer com que o garoto acordasse.

O homem já descia os primeiros degraus para chegar até o garoto e deter aquele caçador, porém, foi uma péssima ideia gritar o seu nome. Do nada, Kelmo apareceu à sua frente com apenas um salto e apontou a espada para o seu pescoço, imobilizando-o.

— Aonde pensa que vai? — ela perguntou com uma voz musical.

Karlo cerrou os dentes, mal podia respirar diante daquela ponta de espada em sua garganta. Através da máscara daquela figura, ele conseguia ver os olhos esverdeados e reptilianos dela, que pareciam desejar o seu sangue a qualquer custo. Ele não temia por ele, mas por Lú. Se aquela coisa o matasse, o garoto não ia conseguir se safar. Ele precisava viver, de alguma forma daria um jeito de derrotar a caçadora em sua espreita.

— Aposto que restou apenas você! — ela falou. — É até bonitinho, que pena! Vou me divertir muito.

Karlo precisava se livrar dela de alguma forma. Propositalmente, ele jogou o corpo para trás, deixando-se cair no chão. Antes que a caçadora reagisse após aquela manobra, ele usou os dois pés e a chutou na barriga, fazendo-a recuar ao ser surpreendida.

O homem se pôs de pé subitamente, sacando a sua espada. Kelmo apoiava a mão na barriga e gargalhava por baixo da máscara.

— Você é bem rápido! — ela elogiou, admirada. — Daria um bom caçador.

Ela endireitou o corpo, ergueu a sua espada em posição de ataque e não perdeu tempo, correu para cima do homem. Metal chocou-se contra metal, soltando faíscas em seguida. Os dois se encaravam, desejando mortalmente o sangue do outro. Karlo estava tenso, pelo visto, aquela luta seria demorada. Ele tentou desviar o olhar por um instante e prestar atenção em Lú, porém, em um segundo de distração a caçadora mergulhou a espada fundo na direção do seu peito. Ele conseguiu se esquivar e aparou o golpe com sua lâmina.

Lú permanecia caído no chão como um objeto sem vida. Kainã agachou-se, observando-o de perto. Usar aquela máscara era atordoante. Retirou o capuz da sua cabeça e sentiu o vento frio bagunçar o seu cabelo volumoso. Kainã pareceu relaxar com aquilo.

— Isso é maravilhoso! — ele disse, reconfortado.

O outro caçador emergiu à sua frente com o mesmo clarão de luz. Ele fitou Kainã como se desaprovasse o fato de ele ter retirado a máscara, mas não comentou nada.

— Acho que não sobrou nenhum desses caras — ele falou.

— Tem certeza? Nenhum fugiu? — Kainã perguntou, incerto.

— Entrei na floresta, encontrei alguns e dei um jeito. Lirah a essa hora já deve ter terminando com os de lá de dentro.

— Então só falta o ritual. — Kainã sorriu ao se levantar com as mãos na cintura. — Foi mais rápido do que eu imaginei.

— Kelmo ainda está lutando com aquele sujeito — o outro caçador falou, apontando na direção de onde Karlo e a caçadora estavam.

— Droga, Kelmo! — ele gritou irritado para ela. — Seja útil e termine logo com isso! — Kainã revirou os olhos impacientemente.

Kelmo se defendia dos golpes repetitivos de Karlo. Ele a atacava com toda a sua fúria. Ela recuou alguns passos e segurou o último golpe com sua espada. Eles mediam as suas forças através das lâminas. A caçadora rangia os dentes. Aquele homem estava conseguindo se defender de todos os seus ataques ou melhor, ele estava conseguindo contra-atacar. Ela se sentia constrangida diante daquilo, já era para aquela luta ter terminado, mas ele não tinha medo dela.

Karlo conseguiu quebrar a defesa dela e ela tentou se esquivar, mas o golpe foi certeiro em sua face, por sorte, apenas a sua máscara havia se partido ao meio. Ela paralisou, enquanto a sua face era revelada. Diante daquilo, o homem finalizaria com um último golpe fatal, entretanto, não conseguiu. A sua espada parou no ar próximo ao pescoço dela. Ele iria decepar a sua cabeça.

A máscara da caçadora partida ao meio caiu no chão aos seus pés. Karlo estava abismado, não somente por aqueles olhos fascinantes, mas pela idade que aquela "menina" aparentava ter.

— Você é só uma adolescente — ele falou, admirado, principalmente por ela ser responsável pela maioria das mortes naquele lugar.

Os lábios rosados da caçadora se curvaram em um sorriso e ela abaixou o capuz, da mesma forma como o seu irmão, revelando a cor peculiar do seu cabelo. Branco com um brilho azulado. Ele estava preso em um rabo de cavalo e apresentava certo volume.

— Faz alguma diferença para você? — ela perguntou com um tom sarcástico.

Karlo nada respondera, mas se arrependeu de ter sentido compaixão ao ver o rosto infantil, havia perdido a chance de eliminar aquela caçadora. Entretanto, Kelmo não se intimidou, pelo contrário, ela se animou ao notar o semblante atônito dele. A caçadora ergueu a espada e partiu para o ataque mais uma vez.

Kainã passava os dedos em seu cabelo, tirando as mechas mais curtas dos seus olhos. Ele olhou para o outro caçador à sua frente, que parecia um tanto pressuroso.

— Vamos levá-lo logo para o Salomon e os bruxos! — o caçador exigiu.

Kainã assentiu, agachou-se novamente com uma mão em seu colar de pedra branca pendurado no pescoço e a outra lentamente se aproximou das costas do garoto desmaiado no chão, porém, ao encostar no feiticeiro, ele sentiu um choque. Instintivamente, recuou a sua mão e logo percebeu faíscas azuladas contornarem o corpo do garoto, pondo-se de pé no mesmo instante.

O garoto, até então desfalecido, subitamente lançou um olhar fantasmagórico para ele e no mesmo instante, esticou o braço abrindo bem a palma da sua mão. Uma bola de energia azulada se formou e sem pensar atirou-a contra o caçador de olhos reptilianos. Aconteceu tudo muito rápido antes que Kainã pudesse se defender. A magia instantemente começou a queimar a sua roupa branca em uma chama azul. O rapaz retirou o manto apressadamente, antes que as queimaduras atingissem a sua pele alva.

Kainã atirou o manto no chão, que mesmo úmido queimava como se fosse papel. O jovem caçador olhou para o garoto, que ainda jazia deitado, sem forças ou ossos inteiros para se levantar. O seu braço permanecia esticado, apontando na direção do seu oponente.

Kainã, sem o seu manto, se apresentava vestido com uma calça escura e folgada, usava um colete justo de zíper fechado feito de couro e botas estilo militar. No peito, o símbolo do ritual estava gravado. O pentagrama. O visual do rapaz não combinava para a época em Mengie. Em Karkariá, eles viviam em um tempo mais moderno e à frente dos demais mundos que Isth criou.

— O que foi isso? — o outro caçador perguntou.

— Não chegue perto! — Kainã alertou, observando o manto se queimar rapidamente.

Lú levantou o outro braço e subitamente atirou mais duas bolas do poder azul contra os caçadores. Acertou em cheio, eles foram surpreendidos pelo ataque repentino. Kainã agachou-se na tentativa de se esquivar, mas, mesmo assim, faíscas daquela magia atingiram um pedaço da sua face, fazendo-o se jogar no chão com as mãos no rosto. O outro caçador teve um destino mais cruel, não conseguiu se livrar do manto que o cobria e estava sendo queimado vivo pelo fogo azul.

O garoto azul juntou todas as suas forças para tentar se reerguer. O seu corpo parecia estar se curando rápido após a evolução daquele poder azul. Ele sentia seus músculos se fortalecendo pouco a pouco, embora os ferimentos em seu peito estivessem custando a fecharem. Sem conseguir se manter de pé, ele levitou, mas a dor em seu corpo ainda era gigantesca. Ele sentia um lado da sua face inchada após o choque contra o chão e por sorte não havia perdido nenhum membro. Ainda possuía alguns ossos quebrados, mas estavam se reconstruindo lentamente.

Aquele incrível poder corria em suas veias. Ele se curava ao mesmo tempo em que era destrutivo, e por mais que estivesse chovendo, a chama azul não se apagava. O garoto olhava para as mãos brilhantes, incrédulo com a sua nova façanha. Ele ainda se movimentava com muita dificuldade, os seus músculos estavam enrijecidos, mas conseguiu virar o seu pescoço para Kainã. O rapaz arquejava com a dor em sua face, então o garoto preferiu desviar o olhar, não o agradava machucar outras pessoas, por mais cruéis que fossem.

Um grito arfante ressoou a poucos metros dele. Era Karlo. O garoto não havia percebido a presença do seu mentor por ali. Ele estava lutando contra a outra caçadora e o pior, havia sido golpeado de raspão. O corte rasgou o seu peito em uma linha de sangue.

Lú precisava detê-la, de maneira alguma iria permitir que matassem Karlo. Por mais que ele soubesse que o seu mentor era um bom lutador, aqueles caçadores eram perigosos e traiçoeiros. O garoto tentou esticar o corpo com dificuldade, mas não conseguiu se movimentar. Ele voava na direção daquela luta, porém, uma terceira pessoa surgiu no pátio, passando pela porta dupla que levava à parte interna do castelo. Era a maga infernal.

Ao notar a presença do garoto se aproximando para interferir na luta de Karlo e Kelmo, Lirah agiu de imediato, atirou uma bola de fogo na direção de Lú. O garoto azul não conseguia desviar, o seu corpo ainda estava enrijecido e o pior, não estava conseguindo projetar o seu escudo mágico. A sua pupila dilatou-se e naquele momento apenas uma coisa veio à sua mente. Imediatamente, o garoto juntou as duas mãos e deixou a luz azul incendiar a sua palma. Foi instantâneo. Aquele poder contornou as linhas dos seus dedos formando uma esfera incandescente. Ele a atirou antes que a bola de fogo infernal o atingisse em cheio.

O choque das duas bolas de fogo foi impressionante. A esfera azul que Lú havia disparado, ao entrar em contato com a chama infernal, transformou-a em gelo antes de explodir, desintegrando-se no ar com partículas de gelo voando para todos os lados. Como conseguiu congelar uma bola de fogo? O garoto estava boquiaberto com aquilo.

Lirah estava trêmula. Ela não acreditava no que os seus olhos tinham acabado de ver. A sua incrível magia elementar havia sido interceptada por aquele poder estranho do feiticeiro.

Enquanto Karlo bailava em sua luta contra Kelmo, Lirah se preparava para enfrentar Lú mais uma vez. A maga disparou uma torrente de esferas de fogo contra o garoto. As bolas tinham o tamanho de um punho fechado, mas de efeito destrutivo. Como tinha feito anteriormente, o garoto azul projetou vários círculos azuis em sua mão e se defendeu, causando o mesmo impacto da primeira vez. A essa altura, Lú sentia os seus músculos mais fortes e seus movimentos pareciam mais rápidos. Ele estava se curando.

O garoto ousou se aproximar mais da maga, precisava de uma vez por todas acabar com aquilo e salvar Karlo. Quando estava perto o suficiente, ele disparou o seu poder azul e como Lirah não conseguiu produzir chamas a tempo, ela se jogou no chão e rolou pela pequena escadaria. O fogo azul atingiu o chão, deixando uma marca escura no piso de pedras. O garoto se preparava para um novo ataque ao erguer um dos braços e abrir bem os dedos, deixando-os brilharem, quando se viu em uma encruzilhada. A maga parecia tão indefesa, não queria machucá-la, mas se ele desse as costas, com certeza ela iria se aproveitar da situação. Ele precisava salvar Karlo a qualquer custo. O garoto fechou os olhos com forças, ainda pensando na sua escolha — uma vida por outra vida —, mas estava perdendo tempo. Lirah o encarava, rendida, apenas aguardando o seu fim, porém, uma voz grossa o imobilizou.

— Faça a sua escolha, feiticeiro!

O garoto virou o corpo no ar lentamente e deu de cara com o imprevisível, então a luz em seus dedos se dissiparam automaticamente. Outro caçador mirava a sua espada por trás de Karlo, apontando diretamente em seu pescoço, enquanto Kelmo fazia o mesmo pela frente. O homem de cabelo prateado estava na mira das duas lâminas, imobilizado para qualquer tentativa de defesa. Ele tinha soltado a espada, como os caçadores ordenaram, e apenas encarava Lú com o canto do olho.

— Deixe-o em paz! Liberte-o e me leve! — Lú gritou, tentando um novo acordo.

O caçador pareceu gargalhar. Ele ainda usava a máscara e pela voz parecia ser mais velho e não estava ali anteriormente junto com os outros. Ele parou de rir subitamente e apertou a ponta da espada no pescoço de Karlo, que rangeu os dentes ao sentir o metal em seu pescoço.

— Lú — Karlo clamava com uma voz calma. — Fuja!

— Não! — Lú gritou, com os olhos se enchendo de lágrimas. — Você não... não posso te perder.

— Isso é uma ordem, garoto...

A fala de Karlo foi interrompida pelo golpe certeiro de Kelmo. O homem arquejou, salivando. A espada da caçadora afundou em seu abdômen sem um pingo de compaixão. Ele arregalou os olhos e se contorceu, em seguida, perdeu o equilíbrio e caiu no chão.

— Karlo! — Lú gritou, incrédulo.

Antes que o garoto pudesse fazer qualquer coisa, ele foi atingido por uma bola de fogo em suas costas. Lú sentiu a pele queimando, juntamente com o tecido da camisa. O fogo infernal daquela maga parecia penetrar em sua carne e cozinhar o seu sangue, mas ele tentava resistir, mantendo-se voando, embora sentisse a visão embaçar. Ele não tinha o controle do poder azul, que o curava mais rápido, e isso era um problema.

O garoto azul gemeu ao sentir um punhal cravar em suas costas por cima da queimadura, então se manteve firme, o seu pensamento estava somente em Karlo, jogado no chão, quase morto. Não podia ser! Ele não podia deixar o seu mentor morrer! Logo Karlo, que foi o pai que ele nunca teve durante esses anos. Ele precisava fazer algo, era doloroso ouvir aquele homem agonizar.

O garoto tentou controlar as lágrimas e se concentrar no poder azul em suas mãos. Quando sentiu os braços queimando com a energia se espalhando por seus membros, ele precisava ser rápido, antes que os caçadores percebessem a sua estratégia. Rapidamente, ele ergueu os braços curvados, formando um círculo, e cerrou os punhos. A sua face estava sendo lavada por lágrimas e novamente sentiu mais um punhal cravar em seu abdômen, dessa vez atirado por Kelmo.

Lú não sabia o quanto tinha de poder em seus braços, o brilho azul estava fraco e quase imperceptível, mas subitamente os esticou e com isso lâminas azuis voaram para ambos os lados. Foi tudo muito rápido antes que os caçadores pudessem perceber. Atrás do garoto, Lirah e Kainã, que tinha se deslocado para lá silenciosamente, caíram no chão e se contorceram na tentativa de se livrarem dos cortes que queimavam suas roupas. À sua frente, outra lâmina mágica tinha derrubado Kelmo e o outro caçador, que faziam o mesmo para se livrarem das roupas que chamuscavam.

O garoto imediatamente direcionou o seu voo para o corpo inerte do seu mentor no chão e caiu em cima dele sem jeito. O homem ainda estava vivo. O sangramento em seu abdômen não cessava e Lú notou naqueles olhos cansados o quanto queria viver. O garoto precisava tirar Karlo dali e fugir, para pelo menos livrá-lo de um castigo que não lhe pertencia.

— Calma, Karlo, eu vou tirá-lo daqui! — o garoto disse, desesperado.

— Eu já sou um homem morto, garoto. Fuja e sobreviva. Nunca desista da sua vida — Karlo disse, fraco, enquanto tossia.

— Não, Karlo! — Lú segurou os seus ombros sem conter as lágrimas naquele momento de aflição. — Você não pode morrer! Você é o meu pai, não se lembra?

— Você é o meu filho — ele falou com uma voz rouca e os olhos fixos, olhando para o nada, como se não conseguisse mais enxergar. Então um sorriso transpareceu em sua face. — Meu filho...

— Karlo! — Lú balançou os seus ombros loucamente, como se aquilo devolvesse a vida para aquele homem. — Karlo! Não morra.

O homem tombou a cabeça de lado com seus olhos ainda abertos, mas sem cor e sem vida. Lentamente, o sorriso de Karlo foi desaparecendo e seu corpo esmorecendo. Lú sentiu o coração do seu mentor parar lentamente e escutou o último suspiro.

— Karlooo! — ele gritou desesperado, enquanto sentia lâminas afiadas atravessarem o seu corpo.

A visão do garoto estava ficando turva, mas ele continuava sacudindo o corpo morto de seu mentor e gritava o seu nome, enquanto mais armas cortantes o perfuravam. Lâminas que surgiam uma atrás da outra atravessavam o seu corpo com tamanha facilidade. Aos poucos, tudo foi ficando escuro e ele perdeu a voz, mas Lú insistia em deixar os olhos bem abertos e a lutar contra o próprio desfalecimento. Não adiantava. Karlo estava morto, o seu pai, o seu mentor. Aquele cabelo prateado ainda brilhava, mas era só isso, não existia mais vida ali.

Com uma última espada atravessando o seu abdômen, o jovem feiticeiro não resistiu. As suas mãos lentamente se soltaram da roupa ensanguentada daquele homem e o seu corpo foi caindo por cima dele, e a última visão que teve antes de desmaiar foi do rosto do seu pai adotivo.



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