Olimpo
- Esses meus filhos sabem mesmo como dar uma festa – disse Dioniso, sentado à beira de uma fonte, por meio da qual acompanhava o combate. – Com certeza farão da Terra um lugar divertido novamente.
Tocou a água, que tremulou em cores alternadas.
- Deusa da Sabedoria... – deu de ombros. – Da estupidez, isso sim! Que ideia mais ridícula essa de reencarnar de tempos em tempos. Para quê se sujeita a tanto ninguém entende. O fato é que a paz, que tanto preza, não se sustenta em sua ausência.
Sua gargalhada ecoou temerariamente no pátio particular do deus.
Shion não aparentava, mas havia também gasto muita energia com a muralha. Como seus discípulos ainda precisavam apurar a técnica, teve de fazer um grande esforço para estabilizá-la.
Todos aguardavam a nova nuvem de poeira baixar.
- Ele ganhou! Claro que ganhou! – gritou Draco enquanto cutucava Aiolia, já acostumado com a afobação típica do cavaleiro de Lebre.
- O Grande Mestre não finalizou o combate, Draco. Vamos observar.
Passados alguns segundos mais, a figura solitária de Saga despontou na arena. Os espectadores sabiam ser ele, porque os gêmeos estavam vestidos de modo distinto.
Laila levou a mão à máscara:
- Saga não mataria o próprio irmão – disse assustada.
Shion permanecia impassivo.
- Apareça, Kanon.
- Há! Há! Há! Você sabia, então?
O público soltou um sonoro "Oh!".
- Conheço seu senso de humor distorcido.
Uma fenda dimensional abriu-se no local onde Saga imobilizara o irmão, revelando-o.
- Fugiu para outra dimensão. Hunf!
A amazona soltou um suspiro de alívio.
- Em guarda, Saga!
Os dois dispararam, iniciando uma intensa troca de golpes à velocidade da luz. Fagulhas saltavam a cada choque, mesmo estando despojados de suas armaduras. Sua movimentação acelerada e potente gerava fortes lufadas de ar.
- Incrível! – admitiu Aiolia, quase não conseguindo acompanhar. Não fosse ser treinado pessoalmente por Aiolos, dificilmente conseguiria enxergar a velocidade.
Kanon afastou-se, concentrando cosmo.
- Impacto do Argo! – bradou, erguendo as mãos, que brilhavam com um cosmo azul turquesa.
Saga não conhecia a técnica, a qual observou em alerta. Nada aconteceu aparentemente, mas o Erídano sabia que, imóvel, seria um alvo fácil. Iniciou, então, uma corrida até o oponente, aproveitando que aquela postura deixava-o demasiado exposto.
- Tormenta! – gritou Quilha na sequência.
Para a surpresa de Saga, o chão da arena começou a distorcer-se, formando uma grande ondulação de terra. Ficou desorientado e deteve-se na tentativa de recobrar o equilíbrio.
- Há! – sorriu em galhofa o cavaleiro de prata. Baixou os braços com as mãos espalmadas.
Uma gigantesca figura surgiu sobre Saga. Mesmo com o desorientador balanço do chão, conseguiu reconhecer a imagem da parte inferior de um navio.
- Essa é a quilha do famoso Argo, irmão. Defenda-se, se puder.
Com uma enorme pressão, o amontoado de cosmo aproximava-se rapidamente. Saga estava, de fato, refém de uma tormenta, que impedia qualquer movimentação evasiva. Sem uma base segura, não poderia arriscar um contra-ataque.
- O jogo virou – falou Aiolos, discretamente.
"Como vai escapar dessa?", pensou Sagitário, tendendo a torcer pelo cavaleiro de Erídano.
Saga praguejou:
"Infelizmente serei obrigado a copiá-lo".
- Outra Dimensão.
A quilha do imenso navio cósmico chocou-se contra a tormenta de terra.
Kanon percebeu o movimento, mas ainda estava atrelado à execução da técnica. Sabia que esse era o ponto fraco do golpe.
Saga surgiu às suas costas.
- Satã Imperial!
Um facho de luz escarlate atravessou o crânio desprotegido.
Imediatamente a técnica de Quilha se dissolveu.
- Você está sob o meu comando – disse Saga, calmamente. – Ordeno que se renda.
O rapaz tremia. Escorria abundante suor de suas têmporas. Para aquele ardiloso ataque não havia possibilidade de resistência.
Com os olhos hipervascularizados, Kanon ergueu o braço direito, tentando inutilmente resistir ao comando.
- E-Eu me rendo. – gaguejou.
Caiu de joelhos arfante. O efeito imperativo passou assim que a ordem foi cumprida.
- Isso! – Draco dava pulos de celebração. – Dá-lhe, Saga!
O público aplaudiu efusivamente.
Shion aguardou a comoção, sem interrompê-la dessa vez.
Passada a agitação, O Grande Mestre fez o anúncio solene:
- O combate foi válido. Eis o santo dourado de Gêmeos, Saga!
Mais aplausos.
Saga olhou de soslaio para o irmão, dirigindo-lhe um discreto sorriso escarnecedor.
A ideia da promoção de Saga era insuportável a Kanon, que por anos dedicou-se a judiar da posição inferior do irmão como cavaleiro de bronze.
- Mestre! Exijo uma reavaliação do combate.
A surpresa foi unânime.
- Que ultraje! – falou Mu, que raramente se exaltava.
Cresceu um forte burburinho na arquibancada.
- Sob que pretexto contrarias meu arbítrio? – indagou Shion.
- Senhor, fui vítima de uma técnica de possessão. O resultado da luta está comprometido.
Os comentários do público ganharam volume.
- Saiba, jovem, que tal movimento é considerado imobilização. Além disso, serviu para evidenciar a perícia de Saga na manipulação do cosmo, um atributo indispensável ao mais alto escalão de Atena.
Kanon rangeu os dentes.
"Finalmente revelou-se", pensou Shion, e continuou:
- Ao contrário de Saga, tu não mostraste nenhuma técnica de Gêmeos.
- Mas eu...
- Aquilo não era o Outra Dimensão, Kanon. Era algo muito próximo, mas diferente.
O rapaz abaixou a cabeça, num aparente gesto de rendição.
- Há! Há! Há! – começou a gargalhar desvairadamente. – Isso mesmo, velhote. Era outra coisa.
Uma cosmoenergia maligna ascendeu de Kanon.
- Triângulo de Ouro!
Para o espanto geral, Quilha liberou uma sucessão de triângulos dourados na direção do Mestre.
Aiolos interpôs-se.
- Trovão Atômico!
- Não vai adiantar, tolo! – respondeu com deboche.
O plasma elétrico desapareceu por entre os triângulos.
Mu e Laila esboçaram um movimento, mas o ataque de Kanon se dissipou abruptamente.
- Saga! – sorriu Laila.
O cavaleiro impediu o atentado com um simples golpe na nuca do irmão.
Desse modo, Saga ascendeu ao patamar de santo de Gêmeos. Sua primeira missão no novo posto foi encarcerar o traidor Kanon na prisão do cabo Sunion.
Ele e o irmão cumpriram, sem saber, os desígnios de seu pai divino, desencadeando os eventos que levaram à perversão do Santuário de Atena e ao despertar do deus dos oceanos.
FIM