O tilintar das espadas eram frequentes e o ruído metálico eriçava os pelos dos espectadores em volta.
Lú esquivava-se de um golpe cortante na altura dos olhos e mal teve tempo de recuperar o fôlego, quando a lâmina voou em sua direção novamente. Ele agachou-se subitamente, fazendo o metal cortar o ar por cima de sua cabeça, levando embora alguns fios de seu cabelo.
Karlo respirava ofegante, enquanto gotas de suor despencavam da sua face. Ele olhava para aquele garoto em posição de batalha — pernas arqueadas e segurando a espada com uma das mãos, enquanto a outra estava aberta mostrando a palma para ele. Ele havia se desenvolvido muito bem nos últimos anos no requisito defesa, porém, possuir uma ótima defesa não queria dizer que tinha um bom ataque, e isso era fundamental para um combate.
Apesar disso, o garoto estava conseguindo deixar aquele homem cansado. Entretanto, em um combate o tempo é essencial, excluindo essa possibilidade de vitória pelo cansaço do oponente. O inimigo era traiçoeiro e bem preparado, não abriria mão de uma brecha para apunhalá-lo.
Karlo pausou o seu ataque de repente, esperando a iniciativa do jovem feiticeiro.
Lú aprendeu a ser mais confiante e se esforçou ao máximo durante esse tempo, e isso o deixou habilidoso e desenvolveu um pouco mais o seu poder, embora que, para ele, ainda era insuficiente para o termo "feiticeiro".
Como Karlo esperava, Lú partiu para o ataque. Ele correu veloz como um felino em busca da sua presa, que no caso, era o seu mentor. Ele segurava a espada com as duas mãos, que cortou o ar em questão de segundos. O garoto era rápido! Karlo viu a lâmina passar poucos centímetros do seu pescoço e quase sentiu o fio afiado o dilacerar se não tivesse esquivado o tronco. Dessa vez Lú havia se superado, e isso o fez sorrir.
Mais um golpe pela esquerda e Karlo se defendeu com a sua espada, fazendo as lâminas se chocarem e liberarem faíscas. Continuaram as repetições de ataque até o homem levar um pouco mais a sério. Assim que defendeu mais um golpe de Lú, ele aproveitou a guarda baixa do garoto e o chutou na barriga, empurrando-o contra uma árvore. Lú saiu derrapando com uma mão no chão e arrastando suas botas, mantendo-se assim equilibrado.
— Não estou surpreso — disse ele ao levantar a cabeça, que até então estava inclinada para baixo.
Lú mal conseguiu levantar os olhos para o seu mentor antes de ser atacado com um golpe que deceparia a sua cabeça, se não tivesse sido rápido o suficiente para cair de joelhos no chão duro com uma das mãos projetando um escudo à sua frente.
O escudo amarelado se formou entre ele e Karlo. Lú já dominava aquela técnica com facilidade, embora em seus treinamentos evitava usá-la, já que seria uma vantagem em relação aos outros garotos. Mas naquele momento foi por pura necessidade. Ele já conhecia os métodos de Karlo — sempre exagerado —, e nesse caso era fundamental para se proteger.
Karlo golpeava o escudo, que lembrava muito o vidro, incansavelmente. Lú esticava seu braço, abrindo bem os dedos da mão, e se esforçando para manter a sua defesa mágica. Ele fazia uma careta como se sentisse dor. A pressão dos ataques do homem já começava a rachar a sua proteção, então ele fechou os olhos com força. Ele não se deixaria vencer tão rápido, e o seu escudo não poderia se quebrar fácil novamente.
Todos os garotos em volta assistiam àquela luta, apreensivos. Lú havia se tornado o melhor entre eles, o que era irônico. Um garoto azul lutando? Era isso mesmo! Ele com sua facilidade de aprender, superou todos e pelo visto lutava tão bem quanto Karlo.
Karlo deu um último golpe, estilhaçando o escudo em diversos pedaços que faiscaram em um brilho cintilante. A espada do seu mentor, após perfurar o seu bloqueio, voou para parti-lo em dois. Lú, mais uma vez, usou a sua espada para defender-se, porém, o choque entre as duas lâminas combinado com o seu corpo enfraquecido pelo uso do poder, resultou em uma espada sendo arremessada contra o chão.
Naquele momento, Lú estava indefeso, ele olhava assustado para a sua arma a metros de distância. Projetar outro escudo seria impossível naquele estado e dependendo do humor do seu mentor, ele poderia ser perfurado novamente. E não era nada agradável sentir a dor da morte.
Mas uma mão foi estendida em sua direção. Para a sua sorte, Karlo estava de bom humor. O garoto sorriu, então aceitou a mão do mentor e se deixou ser levantado. O homem suspirou, pausando em seguida sua palma no ombro do garoto.
— Você foi bem — disse ele com seriedade. — Mas ainda precisa melhorar.
Lú assentiu, enquanto Karlo guardava sua espada na bainha.
— Me perdoe — disse Lú. — Eu tentei, mas...
— Não se lamente. Eu espero mais de você, garoto. Eu sei que tem muito mais a me oferecer.
Karlo sorriu, dando tapinhas no ombro do garoto, em seguida virou-se aos demais.
— Já que está escurecendo, estão liberados por hoje!
Os garotos começaram a se movimentar emitindo murmúrios, saindo em grupos do local de treinamento que sempre frequentavam. O pôr do sol emanava sombras escuras nas árvores, ao mesmo tempo em que pintava a terra e o céu de alaranjado.
Lú viu se aproximar dele a figura de pele negra, mostrando o seu sorriso branco, com seu cabelo escuro repleto de tranças finas preso em um rabo de cavalo. Ela usava um vestido comprido verde-oliva, deixando seus ombros nus, enquanto os braços eram cobertos por um tecido fino. Uma alça de couro cruzava o seu tórax, prendendo a bainha em suas costas onde carregava a sua espada.
— Oi! — ela saudou timidamente.
Lú corou com a presença dela, ficando com as mãos mais trêmulas do que já estavam.
— Oi... — ele respondeu, ainda sem jeito.
Lucy era a irmã de Otto, a filha mais nova de Néfi, tinha quinze anos e desde muito pequena já era familiarizada com armas. Ela era uma das melhores da turma e a única garota também, embora a sua mãe não concordasse com essa ideia da sua caçula lutar.
— Minha nossa! Suas mãos! — ela disse, preocupada.
A garota pegou as mãos de Lú, deixando-o ainda mais vermelho. Ela fitava seus membros, que sempre ficavam paralisados e trêmulos quando projetava um escudo, e massageava com seus dedos com a intenção de deixá-lo relaxado.
Karlo observou todos os seus alunos irem embora, então olhou para trás ao sentir falta do garoto azul.
— Garoto! — ele o chamou. — Não vai embora?
— Eu... estou indo — ele respondeu sem tirar os olhos de Lucy.
Karlo sorriu ao ver os dois adolescentes e percebeu com malícia o propósito do garoto.
— Certo. Estarei na taberna, se precisar de mim. — Com isso, o homem foi embora, deixando os dois sozinhos.
Lucy pareceu feliz em ficar a sós com o feiticeiro, desfrutando desse momento, então ela o levou de mãos dadas para debaixo de uma velha árvore. Sentaram-se no chão gramado, enquanto o garoto observava as marcas de cortes feitas por espadas no tronco espesso.
Lú ficou nervoso novamente ao notar o quanto aquela garota o encarava. Desde que ele fez treze anos, ela se tornou próxima dele de uma forma estranha. Apesar de ser mais novo, eles pareciam possuir a mesma idade — já que os homens azuis eram mais altos que homens comuns. Sem contar que Lú tinha se desenvolvido muito nos últimos tempos. O seu corpo franzino ganhou mais massa muscular, o seu cabelo cresceu até a altura dos ombros, e mesmo que estivesse sempre preso, mechas mais curtas se soltavam na sua face. Ele usava uma blusa preta sem mangas que destacava seus braços e em seus pés, botas — por incrível que pudesse parecer, ele acabou se acostumando a usá-las.
O tempo estava escuro o suficiente para Lú não conseguir enxergar mais nada, apenas o vulto de Lucy.
— Não acha que está muito escuro? — Lú perguntou com receio.
— Você não é medroso. Relaxe! — Ela parecia à vontade.
Lú olhava em volta, sabendo que o seu receio não era da noite, mas sim daquela garota. Lucy entrelaçou as suas mãos nas de Lú, deixando-o desconfortável.
— Você lutou muito bem hoje.
— Bem, você escutou o que Karlo disse. E eu também não consegui manter meu escudo por muito tempo — Lú disse, não concordando com o elogio dela.
— Você realmente se importa com o que ele fala? Só acho que ele exagera contigo.
Com isso Lú concordava. Era o que todos falavam sobre o método especial de treinamento que Karlo fazia com ele.
— E sobre o seu poder... — ela continuou. — Eu acho que você deu o seu máximo e não devia abusar disso. — Ela apertou a sua mão na dele. — Tenho medo que se machuque.
— Bem...
Lú não tinha palavras. Ele sentiu as batidas do seu coração se acelerarem ao notar a aproximação de Lucy. As suas faces estavam quase coladas, ele tentou se distanciar, mas ela segurou em seu ombro enquanto puxava o seu braço com a outra mão, pausando em sua cintura.
Lú nunca havia beijado uma garota antes, e nem imaginou que um dia isso poderia acontecer, principalmente com uma humana comum. O que ela viu nele? Ou melhor, o que ela viu em um garoto azul?
Ele sentiu os lábios dela tocaram os dele e embora tímido, estava conseguindo acompanhar o ritmo da garota, que pacientemente desfrutava daquele momento sonhado por meses.
Lú tentou não pensar muito e apenas se entregou a ela. Apertou forte sua mão na cintura fina da garota, levando a outra mão para a nuca. Isso a fez beijá-lo com mais intensidade, deixando-o sufocado. Lentamente, ela foi diminuindo o ritmo do beijo até que mordeu levemente o lábio inferior do garoto e ficou olhando fixamente em seus olhos por alguns segundos. Lucy o abraçou inesperadamente, envolvendo seus braços no pescoço do garoto.
— Lú, eu... gosto de você — disse ela.
Lú correspondeu ao seu abraço, porém, não disse nada. Ficou pensativo, tentando entender realmente os seus sentimentos.
...