O Filho de 1817

By Dernires

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[ESTE LIVRO NÃO CONTÉM CENAS HOT] Era o ano de 1817. Em Pernambuco, prestes a eclodir uma das revoluções mais... More

O Filho de 1817
Capítulo 1
Capítulo 3

Capítulo 2

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By Dernires




Jorge caminhou para casa, pelas mal iluminadas ruas cuja claridade provinha da lua e de alguns poucos lampiões de azeite. Adentrou, deixando sobre o móvel de jacarandá de seu quarto, seu alforje e no chão, perto do mesmo móvel, suas botas sujas de lama.

Deitou-se na cama e olhou para o telhado. Se perdeu por alguns instantes observando os desenhos feitos pelas sombras do candeeiro nas telhas, e pensou nos olhos de Isabel. Ela era bonita. O que será que estava fazendo na rua tão tarde? A cidade está repleta de malfeitores, uma moça não deveria andar sozinha àquela hora. Virou-se na cama, que rangeu, e apoiou a cabeça sobre o braço. Fechou os olhos e lembrou-se da pele macia, ao toque de sua mão, e da voz suave que repetia, quase sem trégua, um nome em sua cabeça. Isabel.

***

O jovem rapaz levantou-se cedo para ir ao quartel, mas dessa vez não fez o percurso que costumava fazer há anos. Sim... Passou pela Rua de São Francisco, onde tinha deixado Isabel. A casa vermelha, não tinha a mesma seriedade da noite passada, e pôde perceber detalhes que não notara à luz da lua. Tinha duas janelas em cada lado da grande porta de madeira, que nesse momento estavam abertas, e bem abaixo, rente ao peitoril se viam jardineiras de barro de onde brotavam pequeninas flores brancas que se abriam alegremente. Ele parou em frente na esperança de que, em alguns segundos, de uma daquelas janelas, Isabel surgisse com seu olhar doce. Mas ela não apareceu. E o jovem militar seguiu seu caminho.

Jorge tinha então trinta e seis anos. Estava no auge de sua juventude. Andava sempre de barba feita, roupa bem passada porque assim exigia o ofício. Era tenente da força militar provincial. Cabelos castanhos claros e curtos em sua base, sendo um pouco maior no alto da cabeça. Seus olhos vivos e negros ressaltavam o rosto quadrado, e seus lábios bem desenhados escondiam dentes brancos incomuns àquela época.

Isabel tinha a pele branca como a neve. Tinha cabelos castanhos e olhos amendoados, cor de mel. Filha de um também militar, mas capitão, tinha aprendido a ler desde cedo. Seu irmão que havia estudado em Coimbra, e convivido com a alta sociedade europeia, achava importante que as moças soubessem ler, escrever e fazer contas. E ela se deliciava quando seu irmão ia a Europa e lhe trazia belos livros de Camões e Shakespeare. Aos dezenove anos de idade, era uma bela mulher, de curvas insinuantes e que atraía olhares quase atrevidos. Por isso, seu pai já tinha preocupações com um casamento.

Jorge tinha dormido muito mal. Havia pensando em Isabel durante toda a noite, e não conseguiu ter um sono tranquilo. Algumas vezes acordava no meio da noite, lembrando-se do seu rosto e ouvindo-lhe a voz ressoar em sua mente. O dia não lhe prometia ser diferente. Pouco conseguiu se concentrar nos afazeres militares. Mas ao fim de mais um dia de trabalho, no Quartel do Paraíso, se deu de novo, a chance de passar em frente à casa da moça que não lhe saia da cabeça, para tentar vê-la mais uma vez. A tarde já caía, mas a casa permanecia com suas janelas abertas. E uma ideia lhe passou pela cabeça. Bater à porta e perguntar pela jovem moça que ele deixara naquela casa na noite passada. Não seria estranho que o rapaz que lhe salvou a vida, pudesse se importar com seu bem estar. Pensou.

Respirou fundo e então bateu à porta. Uma senhora de cabelos trançados e amarrados no alto da cabeça veio-lhe atender.

– Pois não... – Perguntou com um leve sotaque português.

– Boa tarde, minha senhora. Ontem uma moça que aqui mora, passando por certo perigo, foi deixada por mim em sua porta, já tarde da noite. Gostaria apenas de sabe se ela está bem. – Disse o rapaz, em tom sereno, tirando o chapéu em sinal de cordialidade, para falar a senhora. Ela fez cara de espanto, mas logo em seguida, esboçou um sorriso.

– Foi o senhor quem salvou Isabel?

– Sim senhora. Eu a trouxe para casa.

O sorriso da senhora abriu-se um pouco mais e ela, cordialmente, afastou-se da porta para que o rapaz pudesse entrar.

– Estamos, pois, muito gratos, pelo seu feito. – Disse lhe fazendo um sinal com a mão para que entrasse, acentuando ainda mais o sotaque português.

Ele fez uma reverência e entrou. A senhora lhe fez sinal para que sentasse e aguardasse, enquanto fora chamar o pai da moça. Alguns minutos depois, um senhor de cabelos grisalhos e longo bigode, entrou na sala com um sorriso.

– Então é você o benfeitor de minha filha Isabel?!

Jorge levantou-se num movimento rápido e estendeu a mão para o homem.

– Domingos Teotônio Jorge, senhor. – Disse-lhe fazendo um sinal com a cabeça.

– Capitão José de Barros Lima. – Disse o militar, que não estava fardado, fazendo o jovem prestar rapidamente uma continência.

– Perdão senhor. Tenente Jorge. – Disse impostando a voz, assumindo uma posição de comando, pés juntos, mão esquerda ao longo do corpo e a direita sobre a cabeça.

– Não estamos no forte, meu jovem. – Disse o capitão, com um quase sorriso. – Além do mais você salvou minha filha de jovens malfeitores, com muita coragem. Sente-se e fique à vontade. – Apontou-lhe a poltrona. – Ninha! Traga um café para o tenente Jorge. – Gritou para a escrava que rapidamente foi até a cozinha.

A conversa se deu na sala em tom bastante amistoso. E o capitão, que há dado tempo disse algo em sussurro a sua esposa (a senhora que atendeu a porta) e que havia se retirado da sala momentos antes, pareceu ficar inquieto.

– Tereza! – Gritou. E em poucos minutos a esposa aparecia na sala, trazendo Isabel pela mão.

A moça fez uma rápida reverência, cruzando as pernas, por baixo do longo vestido e se baixando rapidamente. Jorge levantou-se e respondeu com um breve inclinar de cabeça. E ao levantar, encarou os belíssimos olhos amendoados de Isabel. Ele se conteve por alguns segundos, deixando seus olhos perceberem o contorno daquela bela face. O nariz afilado, os lábios rosados, a pela clara. Os cabelos desgrenhados da noite passada estavam impecavelmente arrumados, alguns fios presos na parte da frente e o restante caindo por sobre seus os ombros. Isabel era ainda mais linda do que ele se lembrava.

Ela se aproximou e ficou ao lado do pai, que beijou o alto de sua cabeça.

– Esse, Jorge, é o meu maior tesouro. Minha filha Isabel. E o senhor a salvou ontem, das garras daqueles famigerados. Isabel estava em casa de sua tia, cuidando da velha doente. Infelizmente não soube esperar o sol nascer para voltar para casa. Erro que poderia ter-lhe custado a vida, não fosse o senhor. – Disse olhando intercaladamente a filha e o jovem militar.

– Mais uma vez obrigada, senhor. – Agradeceu novamente, Isabel, dessa vez menos tímida do que na noite anterior. A voz não estava mais trêmula, mas ainda lhe parecia suave como se lembrava.

Passaram mais alguns minutos conversando e tomando café. O Capitão Barros Lima parecia animado a trocar ideias com o jovem. Tinham ideias em comum e faziam parte da mesma sociedade secreta, a maçonaria. Jorge sentia-se à vontade, como se ele e o capitão fossem amigos de longa data.

Isabel e sua mãe permaneceram na sala por algum tempo, mas como se a conversa não pudesse lhe agradar pediram licença e saíram de fininho. Não era esse o desejo de Isabel. A conversa lhe parecia interessante, e os olhares fugidios lançados por Jorge lhe agradavam infinitamente. Ainda assim obedeceu a mãe quando esta lhe chamou para a cozinha.

***

A amizade dos dois se estreitava dia após dia. E Jorge começou a frequentar a casa do capitão com demasiada frequência, o que encantava Isabel, que desde a noite em que o jovem militar aparecera em sua frente, tal qual cavalheiro a salvar sua dama, não pensava em outra coisa.

Ao chegar em casa àquela noite, suja de lama, tremendo e sem falar muito, deixara a todos em pânico. Ninha fez-lhe um chá de camomila que era bom para acalmar, enquanto Dulcinéia, uma outra escrava, lhe preparava um banho morno. Isabel tomou o banho e o chá, que não lhe descera muito bem, devido ao susto que havia passado. Pouco conseguiu falar naquela noite. No entanto, limpa e perfumada com seus sais de banhos, trazido da Europa pelo irmão, fora deitar na rede, armada em sua varanda.

Da sacada via a escuridão que ainda se fazia e a lua que brilhava num céu de veludo que de tão azul e escuro, era quase negro. E ouvia a voz do homem que lhe salvara a vida, a lhe perguntar se estava bem. Os cabelos anelados caiam molhados para fora da rede e balançavam conforme o ritmo que seus pés davam ao tocar o chão. E nem ao menos lhe perguntara o nome do seu herói. E se entristecia ao pensar que poderia nunca mais voltar a vê-lo. E entre um pensamento e outro acabou por adormecer sob o leve balanço da rede, a fria brisa que vinha do Rio Capibaribe e a lua que iluminara mansamente a bela cidade do Recife. Nessa noite, Isabel sonhou com Jorge. Mal sabia ela que, do outro lado da ponte, Jorge também a tinha em seus sonhos.

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