Capítulo 3

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Algumas semanas haviam se passado desde o acontecido na Rua do Diário. Jorge tornara-se grande amigo do capitão Barros Lima, tendo inclusive sido transferido para o Forte das Cinco Pontas, onde trabalhava o amigo. Desde sua transferência tinha recebido por serviços prestados, a patente de capitão. Os dois passaram a frequentar, juntos, a mesma loja maçônica onde começavam a ser discutidas, entre outras coisas, os rumos do Brasil naquele período de recebimento da corte portuguesa e o quanto isso afetava a vida dos nascidos ali.

Diferente do que dona Ana tinha imaginado anos atrás, a vinda da família real não havia trazido só bonança. Os impostos tinham aumentado ferozmente, para sustentar a corte e a urbanização do Rio de Janeiro, sufocando os recifenses que já estavam passando por um complicado período de recessão, após a queda das importações e a seca que atingira as plantações de cana de açúcar e algodão naquele ano. Além dos impostos, o descontentamento com os altos postos ocupados sempre por portugueses era geral. Nos fortes, as maiores patentes eram por direito dos lusitanos e os brasileiros sequer podiam sonhar em passar do posto de capitão. Na política e no comércio, a situação não era diferente. Os governantes eram sempre portugueses e os comerciantes não pagavam impostos que eram obrigatórios aos brasileiros. Os lusitanos eram sempre favorecidos em detrimento dos nascidos no Brasil. Alguns maçons, como o filho do Capitão Barros Lima, traziam as ideias iluministas fortemente espalhadas pela revolução francesa e reforçada pela independência dos Estados Unidos. Ideias republicanas contra a monarquia absolutista e a favor da liberdade econômica, religiosa e de pensamento.

Embora as ideias políticas estivessem borbulhando na cabeça de Jorge, uma outra ideia não lhe saia da cabeça. A de ter Isabel em seus braços.

Certo dia, em um fim de semana na casa de campo do capitão, no distrito de São Lourenço da Mata, Jorge a viu preparando um cavalo para dar um passeio. Embora frequentasse a casa de Isabel há algumas semanas, não tinha ficado a sós com ela, e na presença de outras pessoas pouco conversavam, a não ser de assuntos cotidianos, por vezes banais. Aproximou-se dela que estava de costas e não parecia perceber sua presença.

– Indo cavalgar? – Perguntou com sua voz grave. Isabel teve um sobressalto. – Desculpe-me, senhorita! Não pretendia lhe assustar. – Ela o olhou e deu um sorriso tímido.

– Desculpe-me o senhor. Estava distraída e não o vi. – Disse sorrindo e só então Jorge percebeu uma covinha do lado do direito do seu rosto. E ao ver aquela covinha lhe veio a necessidade de lhe sorrir de volta, embora não tivesse motivo algum para fazê-lo. – E sim, vou cavalgar. Está uma bela manhã de sol, não acha? – Perguntou acariciando o pescoço do cavalo bem a sua frente.

– Sim, está. Se importaria se eu a acompanhasse?

– De forma alguma. Seria um prazer.

– Todo meu, de poder desfrutar da sua companhia. – Isabel corou e desviou os olhos, fitando o belo cavalo cuja rédea segurava. – É um belo animal.

– Sim. Ganhei do meu pai há cinco anos. O nome dela é Eva. Tem um outro, já pronto, no estábulo. Sansão há de gostar de ser cavalgado pelo senhor. – Jorge sorriu.

– Isso é um elogio? – Perguntou sem desfazer o sorriso.

– O senhor salvou-me a vida. É um verdadeiro herói. – Disse-lhe com ar de orgulho.

– É provável que estivesse salvando mais do que sua vida... Talvez a minha própria, visto que não paro de pensar na senhorita desde então. – Ele já esperava que ela ruborizasse mais uma vez. No entanto, Isabel só lhe sorriu e respondeu.

– Então fico ainda mais feliz que o tenha feito. – E dessa vez, foi Jorge que ficou sem palavras. Isabel riu da surpresa dele e fez menção de montar Eva. Jorge a segurou pelo braço delicadamente.

– Far-lhe-ei companhia. – Disse Jorge, passando a mão na crista do cavalo. Isabel sorriu faceira.

– Pois vai ter que me alcançar. – Disse-lhe a moça, subindo na égua e partindo em disparada. Jorge meneou a cabeça com um sorriso nos lábios e foi até o outro animal partindo em seguida.

Alguns minutos depois, ele a avistou, cavalgando devagar. Então desacelerou e foi até ela. Observava cada um de seus movimentos ao longe. Ela seguiu até o rio, desmontou o cavalo amarrando sua rédea a uma árvore e o olhou. Então sorriu e acenou. E Jorge sentiu seu corpo arrepiar. Como era linda Isabel. Como se abalava a cada sorriso que ela lhe dirigia, a cada palavra que proferia. Isabel, à beira do rio, sentada em uma pedra pensava a mesma coisa. Olhava a mansidão do rio, quase sem correnteza e imaginava que era aquilo que queria para si. A sorte de um amor tranquilo. Jorge lhe parecia tão bom homem. Seu pai, agora grande amigo dele, faria muito gosto num casamento. E ela poderia ser uma das poucas mulheres de seu tempo a se casar com alguém de quem realmente gostava, ao invés de ter um casamento arranjado pela conveniência das famílias, como era de costume.

Jorge se aproximou e observou a silhueta de Isabel, mais próxima a cada passo que seu cavalo dava. Como ansiava por um beijo seu, por sentir o toque macio de sua pele e o cheiro suave dos seus cabelos a penetrar-lhe pelas narinas. Desmontou e prendeu seu animal no mesmo lugar que Isabel prendera o dela. Ela o olhou com a mão direita sobre a cabeça, como a proteger os olhos do sol e o saudou com um sorriso. Jorge retribuiu e se aproximou.

– Está quente hoje... – Comentou.

– Perfeito para um banho de rio. – Ela disse jogando uma pedra sobre as águas calmas do rio Capibaribe, que cortava todo o distrito. A pedra lançada bateu na água por três vezes antes de, enfim, afundar.

– Costuma tomar banho aqui?

– Costumava quando era criança. Já não o faço há algum tempo. – Disse parecendo um tanto saudosa. – Tive uma boa infância, junto aos meus irmãos, entre banhos de rio e frutas tiradas na hora. – Comentou recordando-se de Bernardo. Seu irmão havia se afogado naquele rio há poucos anos atrás.

Jorge sabia da história de Bernardo. E sabia o quanto Isabel se entristecia ao lembrar dele. O capitão Barros Lima tinha lhe contado a história do filho, que teria sido levado por uma das enchentes que o rio sofrera nos últimos anos. Perda irreparável para a família, principalmente para Isabel que lhe era muito próxima. Ela deixou uma lágrima escorrer. Jorge lhe passou delicadamente a mão no rosto, afastando a lágrima com o polegar. Isabel sentiu um arrepio ao toque da mão daquele cavalheiro em seu rosto. E sentiu um misto de vergonha e contentamento. Jorge olhou em seus olhos e uma súbita vontade de beijar seus lábios rosados o atingiu. A boca de Isabel estava entreaberta como se ansiasse pelo mesmo. Ela sentia que aquilo poderia acontecer a qualquer momento. Jorge sabia que aquilo não era certo. Era muito íntimo beijar uma mulher que não fosse a sua, e Isabel ainda... ele pensou ainda... não o era. Mas seus corpos se viam atraídos um para o outro como ímãs. Isabel tremia, mas não era um tremer que ela pudesse definir. Ela nunca beijara alguém antes, claro. Não saberia como fazer. Tremia de ansiedade, de vontade, de vergonha e de medo. Ela encarou os olhos de Jorge e sentiu seu corpo amolecer. Jorge, sentindo que Isabel precisava de apoio, usou a mão esquerda para lhe segurar a cintura. E ao sentir o corpo de Isabel em sua mão, apertou suavemente aquele local, puxando-a levemente para si. Isabel fechou os olhos, pedindo a Deus que lhe perdoasse o desejo de ter o toque daquele homem e todos os beijos que ele lhe pudesse oferecer. Jorge olhava aquele rosto alvo, de pele perfeita e lábios rosados. Olhos fechados como se seu único desejo fosse sentir seus lábios também. E não resistindo, Jorge encostou seus lábios nos de Isabel. E ela se arrepiou ainda mais ao sentir aquele toque. Embora seus corpos não se encostassem um ao outro, Jorge mantinha sua mão a apertar suavemente a cintura de Isabel, que por alguns segundos, ainda sem saber o que fazer, mantinha suas mãos rente ao corpo rígido de tensão. Mas uma vontade de sentir Jorge foi lhe tomando e ela por fim, pôs suas mãos na nuca do rapaz, acariciando seus cabelos curtos. Jorge usou a outra mão para apoiar-lhe a cabeça e sentiu a pele arrepiada de Isabel na altura do pescoço, enquanto alguns fios dos seus cabelos escuros lhe caiam por sobre sua mão.

O Filho de 1817Onde as histórias ganham vida. Descobre agora