Capítulo 2

14 2 0
                                    




Jorge caminhou para casa, pelas mal iluminadas ruas cuja claridade provinha da lua e de alguns poucos lampiões de azeite. Adentrou, deixando sobre o móvel de jacarandá de seu quarto, seu alforje e no chão, perto do mesmo móvel, suas botas sujas de lama.

Deitou-se na cama e olhou para o telhado. Se perdeu por alguns instantes observando os desenhos feitos pelas sombras do candeeiro nas telhas, e pensou nos olhos de Isabel. Ela era bonita. O que será que estava fazendo na rua tão tarde? A cidade está repleta de malfeitores, uma moça não deveria andar sozinha àquela hora. Virou-se na cama, que rangeu, e apoiou a cabeça sobre o braço. Fechou os olhos e lembrou-se da pele macia, ao toque de sua mão, e da voz suave que repetia, quase sem trégua, um nome em sua cabeça. Isabel.

***

O jovem rapaz levantou-se cedo para ir ao quartel, mas dessa vez não fez o percurso que costumava fazer há anos. Sim... Passou pela Rua de São Francisco, onde tinha deixado Isabel. A casa vermelha, não tinha a mesma seriedade da noite passada, e pôde perceber detalhes que não notara à luz da lua. Tinha duas janelas em cada lado da grande porta de madeira, que nesse momento estavam abertas, e bem abaixo, rente ao peitoril se viam jardineiras de barro de onde brotavam pequeninas flores brancas que se abriam alegremente. Ele parou em frente na esperança de que, em alguns segundos, de uma daquelas janelas, Isabel surgisse com seu olhar doce. Mas ela não apareceu. E o jovem militar seguiu seu caminho.

Jorge tinha então trinta e seis anos. Estava no auge de sua juventude. Andava sempre de barba feita, roupa bem passada porque assim exigia o ofício. Era tenente da força militar provincial. Cabelos castanhos claros e curtos em sua base, sendo um pouco maior no alto da cabeça. Seus olhos vivos e negros ressaltavam o rosto quadrado, e seus lábios bem desenhados escondiam dentes brancos incomuns àquela época.

Isabel tinha a pele branca como a neve. Tinha cabelos castanhos e olhos amendoados, cor de mel. Filha de um também militar, mas capitão, tinha aprendido a ler desde cedo. Seu irmão que havia estudado em Coimbra, e convivido com a alta sociedade europeia, achava importante que as moças soubessem ler, escrever e fazer contas. E ela se deliciava quando seu irmão ia a Europa e lhe trazia belos livros de Camões e Shakespeare. Aos dezenove anos de idade, era uma bela mulher, de curvas insinuantes e que atraía olhares quase atrevidos. Por isso, seu pai já tinha preocupações com um casamento.

Jorge tinha dormido muito mal. Havia pensando em Isabel durante toda a noite, e não conseguiu ter um sono tranquilo. Algumas vezes acordava no meio da noite, lembrando-se do seu rosto e ouvindo-lhe a voz ressoar em sua mente. O dia não lhe prometia ser diferente. Pouco conseguiu se concentrar nos afazeres militares. Mas ao fim de mais um dia de trabalho, no Quartel do Paraíso, se deu de novo, a chance de passar em frente à casa da moça que não lhe saia da cabeça, para tentar vê-la mais uma vez. A tarde já caía, mas a casa permanecia com suas janelas abertas. E uma ideia lhe passou pela cabeça. Bater à porta e perguntar pela jovem moça que ele deixara naquela casa na noite passada. Não seria estranho que o rapaz que lhe salvou a vida, pudesse se importar com seu bem estar. Pensou.

Respirou fundo e então bateu à porta. Uma senhora de cabelos trançados e amarrados no alto da cabeça veio-lhe atender.

– Pois não... – Perguntou com um leve sotaque português.

– Boa tarde, minha senhora. Ontem uma moça que aqui mora, passando por certo perigo, foi deixada por mim em sua porta, já tarde da noite. Gostaria apenas de sabe se ela está bem. – Disse o rapaz, em tom sereno, tirando o chapéu em sinal de cordialidade, para falar a senhora. Ela fez cara de espanto, mas logo em seguida, esboçou um sorriso.

O Filho de 1817Onde as histórias ganham vida. Descobre agora