Muito Mais que Verde e Amarelo

By euamoescrever

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O concurso de contos Muito Mais que Verde e Amarelo tem como objetivo valorizar a cultura maravilhosa do noss... More

Edital do Concurso
Votações Abertas!
Conto 01: Frio - Neto Andrade
Conto 02: Um Novo Brasil - Oicreal
Conto 03: Cormorant, Camburão - Neto Andrade
Conto 05: Ore por Mim - Mariana Ulian

Conto 04: Irmãos de Corrida - Mota

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By euamoescrever

Título do conto: Irmãos de Corrida.

Nome do autor ou pseudônimo: Mota.

Link do Tumblr, Wattpad, Blog ou o que preferir para que os leitores interessados possam te conhecer um pouco mais ou conhecer seu trabalho: FalhaNaRede.

Cidade e estado a qual a história é ambientada: Florianópolis, SC.

Censura do conto e o gênero literário: Livre, Ficção Adolescente.

Pequeno resumo do conto ou sinopse: Dois garotos que sempre correm pelas ruas da cidade são separados por um trágico acidente, e um dos dois deve voltar a correr mesmo contra a vontade.

###

  Desde pequeno, Pereira sempre foi um corredor. 

Saía todas as tardes do colégio, junto com Antônio, criando todas as rotas de corridaspossíveis. Os garotos mais rápidos do mundo, era como eles se sentiam. Nada podiapará-los. 

— Aposto que você não consegue me ganhar numa corrida daqui da Padoka até aPracinha dos Namorados — Ele cutucou Antônio, um pouco mais alto que ele, e depoisdeu um sorriso de canto. 

— Fechado, valendo o quê? — Antônio perguntou, pulando de um pé para outro,empolgado. Ele esticava os braços e arregaçava as mangas, apenas para mostrar competência.Eram crianças engraçadas, aqueles dois meninos. 

— Valendo... — Pereira dobrou a barra da calça enquanto pensava — Que tal umchocolate? Twix, pode ser? 

— Mas é claro! 

Antônio tinha um sorriso no rosto, como sempre. 

Foram até a esquina da padaria, andando com os tênis gastos do cimento. Antôniocolocou o joelho ossudo no chão, e Pereira apoiou os dedos caleijados na calçada, osquais formaram uma casca ao longo dos anos por causa do cimento. 

— Pronto? — Antônio perguntou, e Pereira confirmou com a cabeça. Olhou para ochão, para as marcas na calçada, e depois para o trajeto, limpo naquele horário do dia. Podiasentir a brisa vinda da Beira-Mar gelando de leve seu nariz, e ouvia o barulho dos carrospassando. Inúmeros carros passando, as buzinas e os motores, o cheiro da gasolina. Asruas do centro da cidade eram sempre movimentadas. 

— Foi! 

Naquele momento todos os músculos se estendiam para lançá-lo à frente. Sua respiraçãoe batimentos estavam fortes, sentia como se fossem as únicas partes do corpo trabalhandojunto às pernas. Colocava o máximo de ar puro para dentro do pulmão, e nãodeixava que a exaustão o ganhasse. 

Enquanto corria, observava o mesmo trajeto que já fizera inúmeras vezes. 

Passava pelos garotos de uniforme vermelho, na escola ao lado. Os via como se fossemborrões compondo a paisagem. 

Observava a gigante fila na lotérica. Várias pessoas apostando seu dinheiro em umjogo que sabiam que não ganhariam. Mas sempre estavam lá. 

Já conseguia ouvir o barulho das rodinhas de skate quando chegavam perto da Pracinhados Namorados, e acelerou um pouco mais, ainda que seus músculos ardessem e pedissemdescanso. Depois, os puxou um pouco mais, até eles se recusarem a acelerar a velocidade.

 Virando a cabeça para trás, pôde ver Antônio, com os cabelos voando e a cabeça baixaao tentar colocar mais velocidade nos pés. Naquele momento, mesmo competindo,eram como se fossem uma pessoa só. Nada podia unir mais uma amizade do que aquelascorridas. 

— Já vou te passar — Antônio respirava fundo ao falar, gastando o pouco ar guardado.Tinha um sorriso tímido e exausto no rosto, e continuava correndo. Viu seu cadarçodesamarrar, e continuou correndo. 

Pereira o viu se esforçar um pouquinho mais, e fizera o mesmo. O amigo colocaratoda a força em uma passada só, e quando Pereira se deu conta, ele já voava em direçãoao chão, caindo para o lado da estrada. 

O garoto demorou a assimilar tanto quanto a desacelerar. Lento demais. Todo seucorpo gelou, levou um choque, e não movia um músculo sequer. Antes que Pereira pudessefazer qualquer coisa, viu um carro passar rápido, mais rápido do que sua mento podiaprocessar naquele momento. 

E mais rápido do que Antônio podia levantar e correr para a calçada. 

Ele nunca mais pôde correr de novo. 

* * * 

Já com seus quase dezoito anos, Pereira está sentado na arquibancada da pista decorrida. 

— Pereira, por favor — Maria, uma de suas colegas de classe, tenta insistir, mas elecontinua com a cabeça no celular — A gente precisa desses pontos, são os últimos paraganhar as olimpíadas. Pelo amor de Deus, são só cem metros.

— Eu já falei que não vou. 

Pereira se esconde em sua própria névoa escura e gelada, a qual aparece sempre quefalam sobre corridas. De maneira nenhuma ele correria de novo. Sua traqueia fechava sóde pensar sobre o assunto. Continua movendo os dedos, agora com as pontas sensíveis efinas, pelos aplicativos do celular. 

— A gente precisa de você — Outro garoto lá embaixo, no final das arquibancadas,fez sua tentativa. Todos estão desesperados por um corredor. A olimpíada do último anoseria um marco muito forte para todos eles. 

No outro lado da arquibancada, um pouco distante, está Antônio em sua cadeira derodas grande e enferrujada. Ele ainda é muito desajeitado nela para poder se virar e escutaro que estão dizendo. Revisa suas jogadas de xadrez, pronto para ganhar o único campeonatoque ainda participa. 

Pereira continua imóvel. Sua as mãos só pela pressão de voltar a correr. De voltar aacelerar os músculos. Jogado nas arquibancadas do Campão — como chamam o campode futebol da escola — faz sua decisão. Prefere deixar de correr se Antônio não pode correrjunto. 

Se direciona até o amigo, um pouco distante do resto da turma. 

— Treinando o quê dessa vez? — Pereira nunca tinha entendido nada de xadrez,também por não ter tido interesse em aprender. 

— Pastor — o amigo respondeu, e ele continua escutando, ainda que não saiba oque aquilo significa — Vou ganhar a maioria deles nessa jogada. 

Antônio tem um sorriso no rosto, e toda a sua empolgação se volta em um tabuleirode peças ajeitado em seu colo. 

— E as corridas? 

Pereira gela com a pergunta. Não quer dizer que não irá correr. Antônio não o fariamudar de ideia. 

— Pereira, só vou te pedir mais uma vez — Maria aparece próximo aos dois garotos,e continua insistindo — Nós precisamos que você corra. 

É o suficiente para intrigar Antônio. 

— O que está acontecendo? — ele pergunta, agitado — Por que é que vocês nuncame falam as coisas? Eu continuo escutando, só para avisar. 

Ele dá um sorriso de canto, pela própria brincadeira. É o garoto mais bem humoradoda sala, sem dúvidas. 

— O Pedro Henrique disse que vai faltar a corrida dos cem metros, e a gente precisado Pereira para substituir ele. Mas pelo visto, não vai rolar. 

O olhar decepcionado do amigo dói. Antônio soltou o ar, como se toda a sua positividadeacumulada ao longo dos anos se esvaísse naquele momento. Pereira finge que nãose importa, e dá de ombros. 

— Como assim você não vai correr? Você não pode, faltam só mais esses pontos paraa gente ganhar — Ele veio com o mesmo discurso de todos os outros garotos, mas dessavez causou mais impacto. Pereira olhava para os sapatos, seu rosto levemente vermelho. 

— Sei lá, é que... Faz tanto tempo que eu não corro, sabe? 

— Mas é os pontos que a gente precisa para ganhar. Você é o único que consegueisso pra gente. Você tem que ir correr. 

Ele não consegue pensar em uma resposta à altura. 

— Não quero saber — Antônio balança a cabeça, determinado — Você vai sair daquiagora, vai correr no lugar daquele lerdo do Pedro Henrique e vai ganhar a medalha paranós. Vamos, cara, eu sei que você consegue. 

Seus olhos brilham um pouco. 

— Vou não, já decidi. Além do mais, eu nem vim preparado — Pereira puxa a pontada camisa por baixo do moletom — Nem vim com a camiseta das olimpíadas. 

Ele ergue a cabeça quando ouve o amigo se remexer na cadeira, e depois puxar a camisetapor baixo do próprio moletom. 

— Vai lá e se inscreve no meu nome. 

— Mas e o seu jogo de xadrez? — Pereira se sente desarmado. 

— Não ligo. Agora vai lá, a gente precisa dessa medalha — Ele dá dois tapinhas nascostas do garoto, que hesita por um momento. Logo depois, coloca a camisa, alguns números a mais do que a dele, e fala: 

— Então tá. Eu vou correr. 

Todos vibram, e a espinha de Pereira gela de cima a baixo. 

* * * 

O apito se prepara junto aos corredores. Pereira ajeita os tênis acolchoados na pistade corrida. A camisa larga solta-se no tronco, subindo um pouco nas costas. 

Olha primeiro para o chão, a areia subindo um pouco em cima dos sapatos e se misturandonos dedos suados. Depois, observa o trajeto. A pista parece muito maior do quecostuma ser. Os gritos dos seus amigos são levados até ele, todos procurando um lugarpara ver o campeão correr. 

Seu corpo parece mais pesado, e sua respiração acelera mais a cada segundo. Euposso fazer isso, repetiu em sua mente. Não acredita muito no que dizia. 

— Preparados? — O juiz passa pela frente dos corredores, que acenam com a cabe-ça, confirmando. 

Os últimos momentos são os mais tensos. Uma tentativa falha de impedir o tremornas mãos. Ele não queria estar correndo de novo. Não devia. Além do mais, já fazia anosque não pisava em uma pista. E se ele não acelerasse o suficiente, ou cansasse no meio dacorrida? Iria decepcionar todos os amigos, principalmente Antônio. Tinha que ganhar essamedalha para ele. É por isso que veio, afinal. 

— No meu apito. 

Ele respira uma última vez, baixando a cabeça. 

Limpa seus pensamentos. Imagina o barulho das buzinas e motores, da brisa vindada Beira-mar, que sempre estava ali, gelando de leve a ponta de seu nariz. Como se sentisseela novamente. O ritmo da respiração diminui um pouco. 

Um barulho estridente soa ao seu lado. 

E todos os seus músculos se esforçaram para sair em disparada. 

Ao começar a correr, é como se ele não estivesse mais na pista do Campão. Passa pelosgarotos de uniforme vermelho, como borrões compondo a paisagem. Pelas pessoas, nafila da loteria, que sabiam que não ganhariam, mas sempre estavam lá jogando. Sente seustênis com alguns grãos de areia. 

Vê a linha de chegada se aproximando, com dois garotos logo ao seu lado. Colocaum pouco mais de força nos músculos, o pulmão quente e ardendo. Os músculos estãoexaustos. Ele ouve o grito da torcida, chamando pelo seu nome, mas algo está misturadoentre eles. O barulho de rodas de skate batendo no chão anuncia que ele está chegandoao fim. Pelo menos é isso que ele percebe. 

Ao lado de apenas mais um garoto, força um pouquinho mais os músculos. Até nãodar mais. Se esforça um pouquinho mais, e quando ele não consegue mais passar pelo ar àsua frente, toda a arquibancada vibra. 

É uma última corrida perfeita. 

A linha de pó branca está logo atrás dele, com os outros competidores, chutada pelossapatos acolchoados. Deixará marcas na ponta do tecido. Olhou estupefato para a plateia.Depois, olha diretamente para Antônio, que o vê lá de cima também. 

— O ouro é nosso! — Ele gritou, balançando a camisa e pulando, enquanto Antôniolança o punho no ar em resposta, com o maior sorriso que já teve em toda sua vida.  

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