O Novo Inquilino

By formuladebhaskara

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Sofia teve um problema no coração e precisou de transplante. Agora, Sofia tem um novo coração e um novo vizin... More

1. MORANGO
3. TORTA DE MORANGO
4. CREME BRULÈE
5. PIQUINIQUE
6. CUPCAKE
7. SUSPIRO - PARTE I
7. SUSPIRO - PARTE II
8. VITAMINA DE MORANGO
9. MARIA MOLE
10. CHOCOLATE QUENTE - PARTE I
10. CHOCOLATE QUENTE - PARTE II
11. SORVETE DE LIMÃO - PARTE I
11. SORVETE DE LIMÃO - PARTE II
12. PASTEL DE QUEIJO - PARTE I
12. PASTEL DE QUEIJO - PARTE II
13. MADONNA
14. AÇÚCAR
15. PIZZA
16. CONFETE - PARTE I
16. CONFETE - PARTE II
17. FLORESTA NEGRA - PARTE I
17. FLORESTA NEGRA - PARTE II
17. FLORESTA NEGRA - PARTE III
17. FLORESTA NEGRA - PARTE IV
18. MAÇÃ
19. BANANA - PARTE I
19. BANANA - PARTE II
20. CHOCOLATE MEIO AMARGO - PARTE I
20. CHOCOLATE MEIO AMARGO - PARTE II
20. CHOCOLATE MEIO AMARGO - PARTE III
20. CHOCOLATE MEIO AMARGO - PARTE IV
21. MAÇÃ DO AMOR
22. PIMENTA - PARTE I
22. PIMENTA - FINAL

2. GELATINA DE MORANGO

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By formuladebhaskara


Respirei fundo.

Conseguia sentir meu coração batendo contra o peito como se fosse um gatinho preso numa caixa de papelão muito pequena, lutando por espaço.

Enquanto meu pai e minha mãe falavam sem parar fechei meus olhos para me tranqüilizar e sem querer voltei no tempo. Minha mente viajou me fazendo voltar para o começo de toda aquela situação. Recordei em detalhes como fui parar ali naquela cama de hospital, revivi cada momento que passei até chegar onde eu estava. Até os cheiros consegui sentir.

Tudo começou com um "click". Não que eu estivesse tendo um vislumbre qualquer ou uma idéia brilhante, não. Longe disso. Faltavam alguns meses para fazer dezessete anos e eu estava sentada em uma maca de um consultório médico, fazendo exames que mudariam pra sempre o mundo ao meu redor, e o mundo dentro de mim também.

- Qual é o problema, mocinha? – perguntou o médico quando me sentei assustada em sua cadeira do consultório. O mesmo médico que tinha me feito ver estrelinhas agora pouco.

- Bom, tenho sentido uma forte palpitação quando subo e desço as escadas de casa com certa rapidez. Sabe como é, né? Escutei meu telefone tocando lá na cozinha, mas eu estava no andar de cima no meu quarto. Depois resolvi que precisava comer, ainda ao telefone, e desci novamente para a cozinha... E assim continuei a saga até que não consegui subir mais nenhum degrau sem sentir meu coração nas amídalas e uma falta de ar insuportável.

Ele apenas ergueu uma das sobrancelhas.

- Vamos dar uma olhada – falou ao me convidar para sentar na maca.

Sentei e ergui minha camiseta como ele pediu. Graças a Deus, tive a sorte de ter colocado um sutiã respeitável. Como se o médico fosse mesmo se importar. Sem cerimônia nenhuma foi logo colocando aquela coisa gelada em mim pra saber o que acontecia com o músculo tão famoso que pulsa involuntariamente.

Enquanto ele mandava que eu inspirasse profundamente eu estava mesmo era entretida com os desenhos que ele tinha espalhados pela parede. Pensei até em roubar alguns, colar todos em alguma parede do meu quarto e fazer meu próprio consultório do coração. Iria sair por aí curando as dores de todo mundo. Já podia ver o slogan, Madame Sofia cura sua dor, a médica do amor.

Bem se vê a atenção que eu dava para a consulta e pros olhares intrigados do senhor que já apresentava indícios de cabelos brancos. A verdade é que, para mim, era exagero ir ao médico por causa disso. Se não fosse a insistência da minha mãe, é provável que não tivesse ido (e então, quem sabe, eu precisasse mesmo é de um legista depois).

De repente, a voz do médico invadiu meus futuros planos e também a minha intriga imaginária com minha mãe.

- Estou desconfiando de algo, garota.

Desconfiando? Como pode? Um médico foi feito para "certezar" e não desconfiar!

- Mas qual é a suspeita? – senti que talvez fosse um pouco mais sério do que eu imaginava.

- Não posso dizer com certeza antes de alguns exames.

- Tudo bem, mas assim é que eu morro do coração. – brinquei, mas não escondi o medo que estava começando a sentir.

Ele sorriu, e com uma calma inabalável me respondeu.

- Seu coração está estalando na sístole.

- To ficando com um pouco de medo – confessei. – Mas, não sei bem ao certo de quê, já que não entendi nada – falei com um sorriso que saia do amarelo e partia para uma careta de mais completo espanto. – Eu sei que deveria saber, é claro que sim, as aulas de biologia deveriam servir para algo, não é? – continuei nervosa. – Só que, no momento, o nervoso está inibindo meus neurônios e a única coisa que eu consigo pensar é que estou com medo.

- Eu te explico, Sofia. Teu coração faz um "click" quando se contrai, provavelmente está com um problema na valva mitral, a sua valva do lado esquerdo do coração.

- O quê? – fiquei apavorada.

Minha imaginação juvenil fazia analogia às palavras de um mecânico. "Problemas na válvula, minha senhora. Vamo dar uma recauchutada na rebimboca, uns apertão na parafuseta que logo vai tinindo!"

Minha imaginação era fértil, mas minha memória nem tanto. Me esforcei para lembrar das aulas de biologia, e de tudo que eu já tinha estudado a respeito. Foi inútil. Eu sabia por onde o sangue entrava venoso e ganhava o corpo novamente limpinho. Mas de que adiantava isso? Mal sabia estalar os dedos, mas o coração, aparentemente, eu sabia. Meu cérebro estava em pane. O sistema estava quase precisando ser reiniciado. Eu só tinha uma certeza: a de que não parecia boa coisa.

Nos dias que se seguiram fiz todos os exames que ele me pediu e, por precaução, passei a subir as escadas de casa e do colégio vagarosamente, parecia uma senhora de sessenta anos poupando as minhas válvulas frouxas. Tudo bem que o médico chamava de valvas e não válvulas, mas eu adorava me comparar com um carro velho meio enferrujado precisando de um mecânico.

Fiquei obcecada pelo meu suposto problema, pesquisei na biblioteca da escola tudo o que pude sobre o assunto. Descobri sintomas que eu não estava muito interessada em saber e acabei descobrindo também que as mulheres normalmente são as mais afetadas pelo caso. Mulheres, sempre predestinadas a sofrer do coração.

Foi nessa mesma época que comecei a andar para cima e para baixo com um exemplar de Coração Fraco do Dostoievski debaixo do braço. Encontrei ele em um sebo no centro da cidade, não entendi muito bem o que dizia, mas adorei. Qualquer coisa que fizesse menção a corações problemáticos me chamava a atenção.

Sempre que eu me distraía durante as aulas, me pegava desenhando corações em todos os cantos. Quando o caderno ficava cheio, eu usava a carteira. Muita subversão pichar coração. Era o máximo de contraversão que eu poderia experimentar.

Sofrer do coração deveria ser uma coisa comum para meninas de dezessete anos, mas não desse jeito. E sim, pelo menino bobo que é popular demais para sair com você, ou por aquele que tem que estudar demais em vez de te ver, ou por qualquer um que prefira sua melhor amiga a você. Assim é o modo certo de sofrer do coração quando você tem só dezessete anos. E sinceramente, comecei a sentir medo de não ter tempo de viver desse mal. O problema cardíaco clínico me fez ter medo do meu coração acabar me tirando a chance de sofrer por desilusões amorosas.

O fato é que não melhorei e os resultados dos exames não foram muito bons, então não demorou muito para que estivesse novamente a caminho do médico.

- Sofia... – resmungou sem vontade a recepcionista com cara de maus amigos depois de abrir abruptamente a porta que dava pros consultórios quando chegou a minha vez.

E lá estava eu sentada em sua sala novamente enquanto o médico avaliava meus exames e eu seus cartazes na parede.

- Realmente, senhorita Sofia, como eu pensei, você está com prolapso da valva mitral.

- Ai meu Deus, eu vou morrer? Eu li tanto a respeito... Tenho quantos dias de vida? – senti minhas bochechas corando. Um calor muito forte tomou meu corpo e senti que estava quente, suando, ainda que minhas mãos estivessem geladas como pedra. Mas novamente, ele tentou me acalmar.

- Não, não Sofia. Esse probleminha, normalmente, é fácil de administrar, e você vai ficar bem.

Aparentemente, "normalmente", não se aplicou ao meu caso e as coisas se agravaram bastante me fazendo precisar de um coração novo. Consegui terminar o último ano escolar com muito custo entre o hospital e a escola porque implorava pros meus pais permitirem.

Os meninos passaram a perder a graça. Eu evitava qualquer coisa que acelerasse meu coração, então acabei banindo o amor. Se minha ideia permanecia fixa em alguém por mais de uma semana, eu começava a evitar qualquer contato com a pessoa, mesmo que fosse visual. Meu coração nunca pirou por alguém, mas não era o momento certo para experimentar.

Parei de discutir com as pessoas, não queria me exaltar por nada. Parei de comer coisas gordurosas demais, salgadas demais... doces. Meio que coloquei a vida na pausa. Meio que parei de viver em nome da vida, pra poder manter o restinho que eu tinha, tive que me privar justamente de viver. Em alguns dias minha cabeça parecia querer dar um nó.

Mas enfim, acabei provando um tipo de desilusão amorosa numa versão bem moderada. Como eu nunca morria de amores por ninguém, não cheguei a sofrer, mas fiquei chateada. Talvez não fosse amor apesar de achar que fosse. Era morno e sem grandes emoções. Ou talvez eu não fosse mais capaz de sentir amor, por puro medo.

Tava um sol radiante no céu quando vi o menino que pensei que casaria e teria um casal de gêmeos esquecer da minha existência e ficar com a menina saudável que jogava vôlei. Eu queria ter o direito de ter desmoronado por isso, mas de novo senti medo de me entregar ao sentimento de perda e tristeza. Quase culpei a coitada por ter saúde. Talvez eu tenha culpado, sabe? Naqueles pensamentos que passam por baixo dos pensamentos permitidos por nós mesmos. Aqueles que a gente sabe que são errados, então soterramos por algo do tipo "não seja ruim" ou "não pense um absurdo desses", mas, quando você chega às vias de se repreender, é porque em algum momento, mesmo que como um relâmpago, o pensamento proibido esteve lá. A gente acaba criando essas leis mentais, mas nós mesmos acabamos burlando o sistema. Como é que se reprime um pensamento, afinal? Como é que a gente para uma guerra interior? Não para... e quando a gente luta com a gente mesmo sempre acaba perdendo.

Minha melhor amiga mudou de cidade para fazer faculdade, e eu fiquei. Eu estava em um processo seletivo um pouco mais complicado. Estava concorrendo a um coração novo... Fazer faculdade estava nos meus planos antes de saber da minha doença, mas agora que eu não podia mais, mesmo que temporariamente, parecia uma coisa maravilhosa e muito longe do meu alcance.

Com a maior parte do meu tempo dedicado a absolutamente nada, o gato se tornou meu melhor amigo. Mesmo que eu não tivesse muita coisa para contar para ele, afinal, eu não fazia nada. Ainda assim, eu enchia o ouvido do bichinho cinza e peludo e de olhos cor de mel. Mesmo que passasse o dia todo fora, toda noite ele voltava e dormia comigo enrolado nas cobertas, bem no meio da cama, bem no meio das minhas costas ou barriga enquanto ouvia sem me julgar todas as minhas lamúrias. Se bem que, vez ou outra, eu podia notar por sua expressão que se ele pudesse falar, dependendo do que eu dizia, ele me condenaria. Fazia isso com o olhar algumas vezes, mas como resposta eu apertava e afofava ele até ele se irritar e ir embora.

Perdi minha formatura. Fingi não dar muita importância para que meus pais não sofressem, mas chorei a noite toda, a manhã seguinte também, mas culpei um filme que nem ao menos eu sabia se era triste ou não. Contei pro meu gato.

Quase não via mais ninguém, a não ser Daniel. Ele foi o único que continuou indo me ver sempre que podia. Conheci Daniel quando éramos criança ainda. Nossas mães sempre foram amigas e ele morava muito perto da minha casa. Nossa amizade começou meio que por conveniência, já que ele passava tardes inteiras na minha casa quando a mãe dele ia lá. E pra falar a verdade, não sei como ele acabou se tornando uma pessoa tão importante pra mim.

No começo minha mãe ficava preocupada de me deixar sozinha em casa com ele e o gato, mas logo percebeu que ele me deixava feliz e que na verdade não oferecia muitos riscos.

Alguns dias ele não abria a boca, ficava comigo em silêncio respeitando meu mau humor. Nos dias em que estava deprimida demais para conversar, levava um livro pra cada um e lia a tarde toda ao meu lado ou me escutava chorar sem perguntar o porquê.

A gente tinha uma lei que proibia filmes, músicas e livros que fossem tristes e fizessem chorar. Certa vez, quando ele me encontrou chorando com um livro na mão, combinou comigo que um dia a gente ia pegar todos os livros mais tristes do mundo pra fazer uma fogueira enorme e dançar em volta. Era uma situação engraçada, mesmo que infinitamente triste.

- Quando foi que você se tornou meu amigo nessa intensidade? – resmunguei um dia em que estávamos sentados no chão, bem na frente do sofá vendo um filme.

- Não sei... acho que minha mãe fez uma lavagem cerebral em mim quando eu era criança – riu.

- Besta... – retruquei.

- Você que é – respondeu como se estivesse no jardim de infância.

- Obrigada...

- Cala essa boca – falou antes que a conversa entrasse na zona proibida do "fazer chorar".

Muitas vezes me perguntava se ele gostava de mim de verdade ou se só sentia pena. Mas eu podia ver nos olhos dele que ele era meu amigo de verdade, e isso confortava demais. Mais que uma cama feita de nuvem com cobertores e travesseiros feitos do mesmo material.

O melhor dia foi quando ele contou que a menina saudável do vôlei bebeu tanto na festa de formatura que foi para casa carregada e finalmente meu pavor dela ter passado a noite com o ex-amor-morno da minha vida passou.

- Você precisava ver. Chegou cheia de pose, mas no final da noite nem o cabelo, e muito menos ela, terminaram de pé.

- Que maldade, Daniel... – repreendi aos risos.

- Maldade? Duvido que você não daria tudo pra ter visto isso.

- Eu não – menti reprimindo e soterrando mais uma vez meus pensamentos maldosos.

Disse que as meninas estavam bonitas, mas que se eu tivesse ido, com certeza seria a mais linda de todas. Desconfiei desse comentário e principalmente das intenções dele, não que fossem ruins, longe disso, mas pior, que fossem amorosas.

Tive certeza quando ele passou não só a freqüentar minha casa, mas também o hospital. Não importava o dia da semana nem se eram dias de sol quentes e convidativos para viver ao ar livre ou onde quer que fosse, menos num hospital. Foi aí que ele ganhou o amor pleno e fascinado da minha mãe e o respeito do meu pai. Todo mundo torcia por ele, mas eu avisei minha mãe que comentários a esse respeito eram terminantemente proibidos, principalmente na presença dele. Mas isso não evitava seus olhares insinuantes enquanto ele não estava vendo, nem os benditos comentários enquanto estávamos sozinhas.

- Sofia, nunca considerou namorar o Daniel?

- Mãe!

- O que é que foi?

- O que foi? Como você pode pensar numa coisa dessas? Quer estragar minha amizade com ele? E, além disso, eu tenho problemas cardíacos.

- E...?

- E que eu tenho que deixar meu coração protegido.

- Não seja ridícula, Sofia – minha mãe respondeu aos risos.

- É sério. Eu estou bem assim. Além do mais, você quer que ele sofra caso eu morra? – me arrependi instantaneamente da besteira que disse.

- Sofia! – Pude ver o desespero em seus olhos.

- Desculpa, mãe...

- Tudo bem, Sofia – me interrompeu. – Só não pense besteiras – falou afagando meu cabelo quando na verdade senti que ela queria mesmo era me dar um safanão.

Claro que não estava tudo bem, e sempre que ela podia me lembrava que Daniel era o garoto perfeito.

Ele até era mesmo. Os cabelos eram castanhos, quase da mesma cor que os meus. Os olhos eram caramelo, parecidos com o do meu gato, pareciam até ter uma luz própria, como se o sol sempre tivesse batendo neles, mesmo que a gente estivesse dentro do meu quarto não muito bem iluminado de hospital. Era mais alto que eu e estava sempre com cheirinho de roupa limpa. Adorava o cheiro dele quando me abraçava. Mas era algo que acolhia meu coração e não despertava ele. E o amor não é o tipo da coisa que deve despertar o coração? E eu queria o meu dormindo, na verdade, o meu só dormia. Parecia um velho de oitenta anos que perde o horário da missa no domingo.

Tomei cuidado de manter uma barreira invisível para que ele não achasse que eu estava concordando com o que ele sentia, mas ele foi o melhor amigo que eu tive desde que tinha perdido quase todos os outros. A amizade dele deixava meu coração calmo, como se vestisse um agasalho, protegido e quentinho. Tudo bem que essa amizade dele era puro interesse, já que o amor pode ser um combustível muito pior do que dinheiro para agir por interesse. Eu sabia muito bem o que ele queria, mas me fazia de boba. E não era por maldade. Quis falar a verdade para ele, que eu não queria me envolver romanticamente com ele, mas tinha medo de perder meu amigo

Até as enfermeiras falavam dele para mim. Eram sempre muito queridas comigo. Sempre achei que era por pena, já que eu era muito nova para estar presa ali o tempo todo. Por incrível que pareça, nunca me senti mal por isso, até tinha afeto por uma em especial, mas elas não eram minhas melhores amigas de faculadade que iriam me ajudar a fumar escondida, ou me ajudar a ficar com um menino que não prestasse, mas que a paixão não me deixaria perceber. Era o trabalho delas, ainda que ser gentil fosse um bônus. Nem sempre tive a sorte de encontrar as do tipo amigáveis, quando elas surgiam, eu aproveitava.

Era solitário, eu sentia saudade do peso do meu gato nas minhas pernas ou na minha barriga, então, eu descontava a solidão hospitalar em livros. Eles são bons amigos. Com eles eu podia correr sem ofegar, viajar e até mesmo amar. Mas parava de ler quando o amor ficava intenso demais ou picante demais porque eu começava a ofegar e os sentimentos, mesmo que fictícios, começavam a pulsar dentro de mim e eu não podia amar de maneira nenhuma.

Meu pai me dava pilhas e pilhas de livro. Era uma das poucas coisas que fazia meu coração acelerar de forma gostosa.

- Chega de ler, Sofia. Coma um pouco – minha mãe dizia muitas vezes inutilmente enquanto eu prometia sempre que só ia ler mais um capítulo.

- Eu prometo que esse é o último, mãe.

- Você já me disse isso nos últimos três capítulos, mocinha. Se não parar agora, eu vou te dar na boquinha, quer?

- Não!

Ver minha mãe rindo era o melhor presente.

Eu notava o empenho das pessoas para me animar, mas ficava muito infeliz quando percebia o esforço de todo mundo em parecer bem mesmo quando não estavam, só para poupar a doentinha (eu) de maiores tristezas. Aprendi a dar valor nisso, mas algumas vezes, sentia raiva da encenação. Eu queria pessoas normais e verdadeiras ao meu redor. Mesmo porque, em alguns dias, por mais que estivesse rodeada de gente, eu parecia estar sozinha numa sala, eu e meu coração defeituoso, só nós dois na companhia amarga um do outro.


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