Grimório

By RoseaBellator

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Um livro que conta histórias de bruxas. Algumas reais, algumas criadas pelo imaginário daqueles que não as co... More

Noite de Samhain
O Corvo na Floresta
O Nascimento da Deusa do Amor
Musa Feérica
A Neófita
Filha da Lua, Bruxa Ela é
O Segredo
A Eremita
Filha da Lua, Bruxa Ela é
Uma Canção Solitária
Amizade Espiritual
Noite de Hécate
Cada Onda do Mar
A Noite Escura
Sempre ao Seu Lado
Sinais
Oh! Minha Deusa...
Intuição
Halloween
O Oráculo
O Gato Preto
"Sempre Contigo"
Debaixo dos Véus da Noite

O Segredo da Anciã

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By RoseaBellator

Madelina adorava contar histórias de fantasia, fábulas e ensinar seus alunos alguma coisa boa da vida, alguma lição para que não tenham que sofrer tanto. E via-os crescer... e recontar suas histórias. Bem como seus filhos... e netos.

Era agora vovó Madelina. Ou só Vó Lina. Ou ainda só Vovó mesmo. Ela gostava disso.

Mesmo quando alguém menosprezava sua história, ela ria. Mostrava as rugas, marcas das lutas e do tempo que sobreviveu nessa Terra, e dizia "Ih, meu fio, tem muito que ver ainda!".

Chegaram os bisnetos e ela lá, forte, com histórias novas. Sempre.

- Vó Lina, de onde a senhora tira tantas histórias?

Hihihihi...

Ai, como ela gostava dessas perguntinhas!

- Eu conto se você me disser de como você escolhe as cores para pintar os seus desenhos.

As crianças têm seu próprio jeito de responder as coisas difíceis, né?

- Ah, vó... eu tiro do coração.

E lá ia vó Lina contar de onde tirava aquelas histórias... que por acaso resultava em uma fábula, onde algum animal aprendia uma boa lição sobre amor ou confiança. Sorrisos. E depois as crianças iam embora.

Madelina era uma mulher inteligentíssima, de um forte coração, mas estava ficando mesmo muito velha. Os 70 chegaram.... depois vieram os 80... "Caramba, o mundo mudou. E meus netos são adultos e os bisnetos já vão pra escola!" E chegaram os 90.... e 90 e tantos.

Ela precisava usar cadeira de rodas, e as histórias pareciam estar encurtando...Os bisnetos estavam meio grandinhos e só queriam saber de smartphones. Bem, talvez aquele povo todo só quisesse saber de ficar grudado naquilo. Estava se sentindo inútil...

Nem almoçavam mais juntos. Nem mais netos nasciam... nem mais bisnetos...

A família queria seu bem estar, mas cada vez mais se afastavam... e saíam, deixando-a em casa, com sua cuidadora de idosos. Mirna, uma senhora de 50 anos. Um amor de pessoa.

Tímida, se sentindo meio cansada, Madelina pensou que talvez Mirna pudesse conversar, além de trocar suas fraldas...

E para sua surpresa, Mirna sorriu e disse "Será um prazer ouvir as histórias de uma bruxona como você!".

Uma... bruxona?

Na mente poderosa de Madelina, bruxas, que faziam parte de seu repertório de fábulas, podiam ser boas e más...

- E que tipo de bruxa acha que sou, Mirna?

Terminando de dobrar os lençóis, ela respondeu rindo.

- Ué, aquelas bruxas que tiram maldição, que ensinam a fazer remédio em casa, que faz coisa boa, Vó Madelina.

Rindo pra si mesma, ela se imaginou com aqueles chapéus pontudos.

- Eu lembro de umas histórias que contei pros meus netos e bisnetos, sabe? Tinha uma bruxinha, numa casinha de sapê, que vivia estudando a lua. Anos e anos de estudo, sem nunca dizer uma palavra... até o dia que a lua mandou-lhe um beijo e pediu poesias. "Não precisa me estudar, pequena, só me amar", a lua disse, sabe? Contava essa histórias para meus alunos, na minha época de professora... E sei que ensinei sobre amor, sobre poesia muito bem... Você gosta dessas histórias, Mirna? Ou disse que ouviria só para me fazer feliz?

Mirna trazia um café com bolachas macias. E quando colocou, gentilmente, a bandeja no colo da velha senhora, deu um sorriso aconchegante como nunca tinha feito antes.

- Acho mesmo é que a senhora deveria é viver uma dessas histórias qualquer dia desses.

É claro que a senhora, na cadeira de rodas, riu às gargalhadas. Como poderia? Velha, não conseguia nem se por de pé... como poderia? Mas Mirna parecia aqueles namorados adolescentes que provoca a mocinha até que ela o siga de curiosidade.

- A senhora é muito querida, sabia? Tem muitas pessoas que adorariam conhecê-la, e te mostrar um outro mundo. - o sorriso novamente! - De magia.

A risadinha veio mais alta dessa vez.

- Mulher, eu tenho 90 e tantos anos! A minha vida já acabou! Eu só preciso descansar e esperar minha hora.

Mesmo sem tirar o sorriso, Mirna murchou. Era evidente que perdeu a alegria, seja lá do que era, que queria dividir. Terminou o que tinha que fazer e se sentou em um canto. Pegou sua revista e ficou calada, como sempre.

Aconteceu de um jeito tão brusco, que não tinha como notar.

"Mas estou tão velha, meu Deus, por que ela ficou chateada? Será que não é evidente que não posso fazer mais nada nem por mim?".

Quem nunca tentou se enganar? Criar uma desculpa aparentemente plausível e racional para calar os sentimentos? Madelina tinha se acostumado a fazer isso, depois que os bisnetos pararam de ouvir suas histórias...

Naquela noite, ela foi colocada na cama para dormir um pouco mais cedo. Mirna não fez questão de fazer os biscoitos da noite para agrada-la.

A culpa a corroeu...Não que tivesse feito algo grave, mas ficou sensibilizada por ter acabado a conversa daquela maneira. Ainda mais que era a primeira vez que a mulher tinha decidido dar trela para suas asneiras!

Madelina chorou quietinha, com medo de seus filhos, netos e bisnetos ouvirem...

As pessoas idosas ficam assim. Acham que incomodam o tempo todo e acabam se isolando.

Achando que perderam o brilho, acabam cortando qualquer fagulha de alegria num momento um pouco mais triste...

Porém, alguma coisa do outro lado... lá, no plano astral, no céu, ou na força do universo, como preferir chamar, alguma coisa mandou um sonho intrigante para Madelina.

A velha senhora se viu sair do corpo e seguiu até a casa de Mirna...

Sua cuidadora estava nua, de mãos dadas com outras senhoras, dançando e girando em torno de uma vela. Uma vela linda! Dourada! Estava sobre um castiçal antigo...

Espere... aquele castiçal Madelina conhecia!

Enquanto a mente lutava para lembrar, se assustou com Mirna parar de dançar e a olhar nos olhos! Acabou acordando e ela percebeu o sol invadir pelas frestinhas da janela. Mirna já estava chegando. Eram 6 horas da manhã.

E aquela manhã parecia demorar uma eternidade para passar. O filho, demorava para ir para o clube. O neto enrolava para tomar o café e sair. O bisneto se atrasou pra escola... Argh! Sumam todos, caramba! Queria falar apenas com Mirna, sem medo de ser pega falado de seu sonho estranho!

Quando a última pessoa da casa saiu, Madelina foi verificar, olhando pela janela. "Vai logo, vai logo...". E ....pronto!

Ligeirinha, pilotou a cadeira a milhão para o quarto, onde Mirna dobrava os vestidos.

- Mirna! - acabou, sem querer, usando seu velho tom de professora para chamar a atenção de um aluno.

E não é que Mirna nem se assustou?

- Veio falar do seu passeio noturno? Ou quer que eu só chame de sonho, ou melhor, de coincidência? - não tinha sorriso.

Pobre Madelina! Pensou que algo ruim estava acontecendo! Como Mirna sabia? Será... será... será que estava perdendo a lucidez?

Já começava a pensar alto sobre suas preocupações, mas a cuidadora não deixou aquilo prosseguir.

- Não se preocupe. O que você viu, no seu passeio noturno, foi o ritual das bruxas anciãs. Nós dançamos em honra aos nossos deuses e pedimos proteção aos nossos queridos familiares e amigos.

Apesar de apreensiva, apesar de parecer ter feito careta mediante a palavra "bruxas"... Madelina perguntou, curiosa como uma menina:

- E pediu por mim também?

Mirna assentiu.

- Faremos um novo ritual sábado que vem. Quer participar?

Olhou Mirna da cabeça aos pés: uma senhora de 50 e poucos anos, muitas rugas, sem corpo de bailarina... Mas podia ficar de pé...

- Não vou atrapalhar?

Antes que a nova amiga pudesse responder, algumas lágrimas desceram... fugitivas.

- Jamais nos atrapalharia dar as boas vindas a uma nova amiga.

Oh! As lágrimas fugitivas agora saíam em bando!

Aquela noite, e as noites seguintes, foram noites inquietas. Ela continuava amando a todos como sempre amou, no entanto, não conseguia ouvi-los por mais de 2 minutos. Queria sábado! Queria ver essas bruxas! O que será que acontecia em um ritual?

Percebeu seu espírito cansado de reviver décadas! Sentia-se curiosa, ansiosa, com fome de novidade! Há quanto tempo, juventude! Por onde andou que abandonaste meu espírito?

- Vó Lina, a gente vai levar as crianças pro jogo, e acho que vai acabar meio tarde, tá? Divirta-se com a Mirna, viu? Tchauzinho!

O coração quase pulando da boca. Pedia a deus que a conservasse para pelo menos experimentar aquele dia!

Mirna chegou, mais tarde, mas não veio sozinha.

Aneliza, Joana, Marie-Claire, Hilda e Cassandra também vieram. Todas senhorinhas, muito bem vestidas em vestidos pretos.

- Então, será aqui? É uma bela casa, Madelina. - disse Hilda, a senhora com a cabeça totalmente branca, enquanto estendia a mão para a dona da casa.

- Perdão... mas o que será aqui? - olhou para as demais, também ansiosas.

Mirna fechava as janelas devagarinho, enquanto uma puxava o tapete e outra tirava uma vela e o tal candelabro da bolsa.

- Vó Madelina, vamos fazer o ritual aqui, assim não precisa ficar preocupada em sair de casa, nem com medo de estar atrapalhando. Que tal?

E alguém vinha em seu auxílio, de livre e espontânea vontade... Emocionada, apenas apertou os lábios e agradeceu com os olhos, agora tão brilhantes.

- Ainda são 5 horas, porém, não convém perder tempo. Vamos organizar tudo para serem perfeitas as boas vindas.

Em uma hora o local estava sem móveis, apenas o espaço limpo para o tal ritual.

- Eu gostaria de fazer uma pergunta, Mirna...

Prontamente, ela se virou.

- Eu... eu conheço esse candelabro...É aquele que mandei jogar fora, Mirna?

Sabendo a natureza do espírito doce da patroa, Mirna confirmou.

- Se eu soubesse que você o usaria para algo tão interessante, teria dado ainda novo.

Ganhou um abraço carinhoso da senhora, que tentava se controlar para não falar tudo antes da hora.

- Mal sabe o que guardei também!

E o que seria?

Cassandra, a senhora de cabelos de ferrugem, saiu e foi até o carro, buscar uma mala de rodinha. Pesadinha!

Enfim, 7 horas...

O tal jogo deveria ir até umas 9h...

- Senhoras...?

Apagaram a luz. Acenderam a vela e a colocaram no candelabro, no centro da sala.

Formaram um círculo, dando as mãos.

- Respirem fundo, vamos começar...

Cada uma delas vez uma coisa. Chamaram o espírito da terra, do fogo, da água e do ar. Chamaram guardiões astrais, um deus e uma deusa. Pediam proteção e união. Pediam que suas famílias estivessem bem onde quer que estivessem e que seus amigos queridos também ficassem bem. E no final, bem no finalzinho dessas falas e orações, Mirna agradeceu às forças divinas e pedia para dar as boas vindas a mais nova bruxa do círculo: Madelina.

Madelina tomou um susto! Eu, bruxa?

E nesse instante ela teve uma visão...

Era como ver um filme, só que só acontecia na cabeça dela. E ela sabia que era real! Via a si mesma, moça, de mãos dadas àquelas senhoras, também moças, mas diferentes...

Como se fosse uma outra encarnação... em uma data muito distante...

Pedras altas as rodeavam...

Um sol maravilhoso se deitava por trás de um imenso campo de flores...

A grama verdinha cheirava à chuva...

Nuas, elas cantavam a todo pulmão. E quando de fato a chuva caiu, sentiram o calor do corpo ser aliviado. A música era tão perfeita... tão harmoniosa... todas cantavam sem medo...

E quando percebeu, quando a visão se foi... Ela estava de pé, de mãos dadas àquelas senhoras, andando devagar em torno da vela, em círculos...

Naquele momento ela não questionou nada. Não percebeu que estava de pé. Madelina só sentia a emoção de reviver a bruxa que foi em tantas vidas, e que nessa, teve a oportunidade de entender... em plenos 90 e tantos anos.

Ela chorava e cantava, a mesma música. Marie-Claire fez o sinal para o grupo parar. Retirou-se. Abriu a mala e tirou de lá um caldeirão, pequeno. O caldeirão!

Quantas vezes fez sopa naquele caldeirão para seus filhos e netos?

Ficou tão triste de ter que joga-lo fora na época... E olha só! Mirna o havia consertado, estava lindo!

- Esse caldeirão é seu, foi dado por sua mãe, não foi?

Havia tantos anos...

Mas sim, foi a mãe de Madelina quem deu. A Senhora Lívia, que deus a tivesse em paz, fora uma boa mãe, uma contadora de histórias também...

- Ela nos disse que queria que você usasse o caldeirão para a magia pelo menos uma vez.

Pelo menos uma vez...

E pelo menos uma vez, Madelina intuitivamente, retirou a vela do candelabro para colocar dentro do caldeirão... com carinho. Em seguida, as outras senhoras trouxeram folhas de louro.

- Na antiga Grécia, o louro nas tiaras era uma forma de homenagear os campeões. Hoje, você é nossa campeã, mas é bruxa, e por isso, queimaremos o louro em sua homenagem!

Colocando o louro na chama da vela, um cheirinho delicioso subiu.

Voltando a formar um círculo, as senhoras começaram uma nova música...

"Querida Deusa nos Céus

Abra os véus...

Somos anciãs

Amigas, irmãs

Nosso ciclo se finda

Senhora, Misericordiosa, Infinita!

Que o conhecimento seja passado

Que nossa experiência seja como um bordado

Sejam os jovens abençoados por nós

E por vós

E sigamos num fluxo Eterno

Grande Anciã, abençoa nosso círculo materno

E também Fraterno

Abençoa essa Magia

Magia de outras Vidas

Nos curvamos e abraçamos perante o Amor e a Gratidão!"

Um espiral invisível passou por todas, levantando de leve os vestidos, fazendo-as rir. Uma onda de emoções inundou os corações, revigorando... E, novamente, uma visão... Madelina as via nuas, como no sonho!

E logo entendeu: nudez representava a confiança e amor envolvido naquele momento... e no mundo dos sonhos, vemos as coisas mais claramente.

Estava feito.

Sentiu as penas pedindo socorro, e prontamente a ajudaram a sentar-se novamente.

- Meu Deus... Eu estava de pé!

O olhar espantado, somente ao final da proeza, fez as outras rirem novamente.

- Você não faz ideia do que a magia faz!

Animadas, voltaram a ajeitar a sala, como estava antes. Do mesmo jeitinho.

As novas amigas se retiraram, depois de abraços e palavras gentis. Mirna ficou até que os parentes de Madelina chegasse. E a despedida foi dolorosa...

Mirna fechou a porta atrás de si, sentindo que cumprira seu dever... não! Cumprira sua missão naquela vida!

Madelina deitou-se, depois de dar uma beijoca no neto.

- Vó, teve um bom dia?

Ela disse que sim, feliz. De verdade.

- Que bom, vovó! Então amanhã tem mais, tá?

Só de imaginar os sonhos maravilhosos que teria, sabia que teria, ela sorria.

- Boa noite, vó Lina.

Todas aquelas emoções, de tudo que passou na vida... todas as alegrias... todas as lições! Estava tão feliz de ter feito tanto em toda vida. Apenas gostaria de ter conhecido a magia antes...

Lina fechou os olhos... e mergulhou no sonho rumo aos braços da Grande Deusa, que a aguardou despertar, para leva-la com sua vida completa, com todos os deveres cumpridos, todas as alegrias vividas... Levou Lina ainda enquanto sonhava, sem dor, sem trauma, sorrindo... leve.

Como boa menina que sempre foi, ela se foi contando histórias, até a deusa a embalar para descansar, como um bebê... e poder voltar, um dia, com novas histórias... e assim continuar cumprindo sua tarefa, que era passar adiante o conhecimento das eras. Em forma de fábulas, é claro...

<3

"Não importa o quanto caminhou

Nunca é tarde para despertar"

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