Musa Feérica

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Homens fazem tolas associações.

Desde o mais antigo ao mais moderno, e até o pós-algum-título.

Meu amor, porém, permanece. Tola eu, você deve pensar. Eu não sei, mas espero por sua opinião ao final do meu relato.

Esse foi apenas um período, nem de perto o começo. Lembro ser uma fria tarde de outono. As folhas pareciam ainda mais secas, as árvores mais débeis, e os homens... tão, tão homens.

Permiti-me sentar à janela e observa-lo pintar o tal quadro da Baronesa. Eu sabia o quanto ele precisava de mim, mas ele não sabia ainda. Então ousei escrever--lhe uma carta e deixar sobre sua mesa de trabalho, durante a madrugada.

Pela manhã, ele leu e logo jogou a carta na lareira... depois andou de um lado a outro. Enfim, entendeu meu carinho. Bebeu um gole da minha bebida e logo eu vim, sorridente, para o meu amor.

Com toda inspiração, ele voltou à obra. Terminou em grande estilo e a Baronesa lhe pagou gordos sacos de moedas de ouro. Fios de cabelo branco surgiram logo depois desse feito. Eu deveria imaginar que conquistar um amante com seus 40 e tantos anos resultaria nisso.

A cada quadro, mais rugas, mais fios brancos.

Ele se ajoelhava diante mim e implorava por meu carinho, pela minha pele sedosa, minha voz macia. Tinha sede de mim, tinha sede de vida.

O tempo passava rápido demais para seu corpo franzino. Ninguém entendia um rapaz tão rico, tão doente. A decadência veio ainda mais feroz. Um dia ele deu uma tremenda festa. Falou de mim, pela primeira vez. Prometeu a Dorian Gray que o faria ainda mais belo em seus quadros.

Nunca mais o vi desde a festa, depois que Gray aceitou um gole da bebida verde. Fiquei com meu novo amante, que parecia saber me acompanhar. Gray faria amor com as paredes se isso me agradasse. Infelizmente, não usou minha influência para as artes, apesar de, porém, ter influenciado outros a escreverem sobre si. Deixei Gray quando percebi estar em seu pior momento, já sem capacidade de produzir beleza.

Entrei na vida de outros. Anos após anos. Fluí entre sonhos e camas, quadros e livros.

Raramente alguém sabe dizer quem sou, ou sabe reconhecer meu poder...

Nesses tempos modernos, onde o homem já consegue fazer amor com as máquinas, não é diferente. Ainda recorrem à mim quando sofrem, e querem transformar o sofrimento em Arte.

Meu amor é abstrato, cheio de palavras quentes. Meu beijo alucina de inspiração. Meu corpo exala um doce perfume de cores exóticas. Reviro mentes, e tiro o melhor deles.

... e assim nos tornamos amantes, ainda que eles não me compreendam.

...

Então eu lhe pergunto, ser que me lê: Sou tola, por ser como sou? Por amar os homens e fazer deles meus escravos? Eu nada peço, apenas ofereço. Eles me entregam tudo que têm. Esta é minha natureza. Sou uma tola criatura? Leonardo da Vinci, Portinari, Michelangelo, Picasso, Van Gogh... posso ficar aqui, dizendo os nomes dos homens que algum dia foram meus prisioneiros, e que receberam toda inspiração antes de terem sugada sua essência vital. Eu os amo, amo infinitamente e nunca esqueço nenhum deles, pois todos vivem em mim, ainda que em parte. Sou-lhes uma eterna amante, e eles meus eternos... Eternos homens cheios de fantasia.

A propósito... Já que se importou de ler até aqui... saiba que espero seu carinho também. Apenas beba um gole da garrafa com líquido verde, que está na cozinha, atrás do vinho suave. Não ponha gelo, nem misture com qualquer outra coisa. Apenas um gole... e eu estarei aí.

Carinhosamente,

Leanan Sidhe

***

<3


GrimórioWhere stories live. Discover now