"Por que você traz ainda mais tormentos a uma mente já atormentada?"
Senhor do Anéis – As Duas Torres
Entramos na mansão, é ainda mais linda. Uma escada enorme, de mármore, e um lustre gigante. O piso também de mármore, dá para dançar e escorregar de um lado para o outro, vários quadros espalhados pelas paredes, vasos sem flores. Uma casa elegante e chique. Quando percebo tem três mulheres me olhando, vestidas iguais, e um homem com um terno formal.
- Esses são os empregados da casa. Gilberto, o mordomo.
- Essa é Grazielle, a cozinheira, muito querida por todos nós - Grazielle dá um sorriso amigável e eu retribuo.
- Essa é Celina, irá te ajudar com tudo o que precisar – César aponta para ela, que por sua vez também dá um sorriso meigo.
- E, por último, essa é Sílvia, a governanta da casa - César termina as apresentações.
Logo depois descem quatro mulheres e duas jovens meninas, mais ou menos da minha idade, junto com um garoto que parece ter a idade de Peter.
- Essas são Cristina, minha irmã, tia de sua mãe e sua tia - aponta para uma mulher que aparenta ter 40 e tantos anos. Ela não me cumprimenta, apenas olha de cima a baixo e dá um sorriso forçado.
- E Marcela, minha outra irmã, sua tia - uma mulher que parece ser a mais rígida e a mais velha de todas elas, até mesmo de César. Aperta minha mão em um gesto bem nobre e sorri gentilmente.
- Rozangela, minha prima – essa mais amigável, sorri e estende a mão acariciando uma mecha do meu cabelo.
- Rose, filha de Marcela, a irmã mais nova de Margarida, sua prima de segundo grau - uma mulher bonita, como Margarida, aparenta ser bem mais nova do que as outras duas. Sorri simpaticamente e me abraça. Sinto cheiro de bebida alcoólica, mas disfarço.
Depois César se dirige às mais novas, provavelmente são minhas primas.
- Essa é Maria, filha de Rozangela, sua prima de quarto grau - uma loira tingida aparentando ser mais velha do que eu. Olhos castanhos, pele bronzeada e sardas ao redor do rosto.
– Carlota, filha de Cristina, também sua prima – Carlota faz o mesmo que a mãe, olha de cima a baixo e sem se dar ao trabalho de cumprimentar apenas mostra um sorriso falso. Muda a atenção para Peter deixando-me levemente irritada.
– E seu primo de terceiro grau, Márcio, filho de Rose - ele dá grande sorriso e me abraça, o que assusta um pouco. É bonito, alto, olhos castanhos, como a mãe, pele bronzeada e cabelos escuros na altura dos ombros.
Depois das apresentações Margarida me leva ao "meu quarto". Tem uma cama de casal bem no centro encostada à parede, uma porta de vidro grande coberta por uma cortina branca lisa que vai até o chão. O quarto é todo branco com uma parede pintada de azul, uma prateleira cheia de livros, um bidê com um abajur do lado da cama e um armário grande. O chão é liso, de um mármore quase branco. Vou até a varanda que tem uma vista linda. Adorei, apenas por alguns dias, não para morar. Respiro fundo e vou ver os livros.
Margarida me deixou a sós. Alguém entra no quarto tentando não fazer barulho e fecha a porta lentamente. Carlota, a garota dos cabelos castanhos lisos, alta e bronzeada. Tenho que admitir que ela é bonita.
- Oi Carlota!
- Oi coisinha – ela diz desviando o olhar de mim para o quarto.
- Como é? – pergunto cruzando os braços.
- Vim te dizer algumas coisas. Primeiro: não tente roubar nada do que é meu, como o lugar de preferida, por exemplo. Segundo: não se meta comigo ou pagará caro por isso. Terceiro: não sou tola como os outros, sei que você quer o dinheiro do César só porque é dá família dele – ela diz tudo calmamente, tentando parecer ameaçadora.
- Hahaha. Primeiro: garota, não estou aqui porque quero, e nem para roubar nada de ninguém. Segundo: você não me conhece, não sabe do que sou capaz. Terceiro: não quero conquistar ninguém, o que eu quero é que todos me deixem em paz! Então, se não se importa, porque não me importo, a porta é ali. Agora sai da minha frente! – enfrento com a voz firme e mais alta do que gostaria. Se tinha alguém por perto ouviu tudo.
Ela sai do quarto e me jogo na cama. Já vi que serão bem complicadas as coisas por aqui...
Depois de ter dormido, não sei exatamente por quanto tempo, acordo com alguém gritando e batendo na minha porta. A pergunta é: Quantas horas dormi? Pulo da cama para abrir a porta antes que a arranquem do lugar. Deparo com meu primo, esqueci seu nome... Márcio, esse é o seu nome! Deixo a porta aberta e volto a sentar na cama sem a mínima vontade de conversar. Ele me segue.
- Todos estão te esperando para o almoço – ele fala sem tirar os olhos das paredes onde colei alguns pôsteres antes de deitar.
- Almoço? A gente nem tomou café da manhã!
- Você não tomou, a Celina veio te chamar, mas resolveram te deixar dormir.
- Hum, ok, daqui a pouco desço, tenho que fazer algumas coisas antes.
- Certo, nos vemos depois.
Ele sai do quarto. Fecho a porta de novo. Prendo o cabelo num coque frouxo e passo lápis nos olhos, batom cor vinho. Para vestir escolho um blusão comprido azul escuro larguinho, uma meia calça preta rasgada e o mesmo All Star de antes. Desço a enorme escada, procuro a sala de estar. Esqueceram de mostrar os cômodos, principalmente a cozinha, onde possivelmente passarei mais tempo quando estiver fora do quarto. Encontro Celina pelo corredor. Ela sorri docemente e eu a puxo pela manga do vestido quadriculado.
- Celina, pode-me dizer onde tenho que ir? Estou perdida aqui dentro. Até agora o único lugar que conheço dessa mansão é meu quarto. Você precisa me ajudar – sorrio na última frase e ela solta uma risada curta.
Celina é jovem.
- Claro! Senhorita, me siga.
- Por favor, não me chame de senhorita, me chame de Amora – ela apenas assente.
Passamos por umas três portas principais e por um salão imenso, onde tive uma tremenda vontade de dançar. Não que eu saiba dançar. Chegamos à sala com uma mesa terrivelmente grande, todas aquelas pessoas que não conheço sentadas em volta. Avisto Peter e fico mais calma. Ele ouve sem nenhum interesse os assuntos de Cristina e de sua filha, Carlota.
- Amora. Sente-se. Você está um pouco diferente ou é impressão minha? Demorou a acordar, pedi para que Márcio fosse te buscar, ele disse que você estava vindo, mas demorou – César levanta do seu lugar vindo até mim.
Surpreendi-me com a sua tão formidável educação, tão falsa quanto meu sorriso.
- Pois é, passei batom forte, vesti uma meia calça, é o meu visual, gosto de coisas um tanto exóticas como você pode ver - eu digo dando de ombros - Dormi para ver se acordava desse pesadelo, pelo jeito não deu certo – sento na cadeira ao lado de Peter que diz baixinho:
- Olá garota bonita, você vem sempre aqui? Ou só quando está revoltada? – essas palavras me fazem relaxar.
- Olá garoto que nunca vi na vida. Não, essa é a primeira vez que venho, para a sua sorte não estou a fim de voltar – sorrio e ele ri fazendo-me sentir muito melhor.
- Amora, lembro muito bem de seu pai e sua mãe e nenhum deles tinha cabelo ruivo – insinua Cristina como se eu tivesse feito algo errado.
- Pintei meu cabelo... Ele era preto, meio avermelhado, então resolvi pintar, o que foi muito inteligente porque agora está bem mais bonito – todos me olham de forma estranha.
Corto um pedaço do bife e como saboreando a carne, estava morta de fome.
- Onde foi que você comprou essas roupas? – pergunta Carlota.
- Por que quer saber?
- Para não ir lá comprar, são horríveis! Essa sua meia calça então...
- Não se preocupe, não vendem saias de frufru nem nada tão estravagante e brega como suas roupas – respondo irônica.
- Por que está com esse tom na voz? Não seja hipócrita.
- Querida, hipócrita é você que se acha a rainha do mundo. Por favor, eu pelo menos falo as coisas na cara e não critico como os outros se vestem. Não vou ao quarto das pessoas ameaçá-las. Por que você não faz algo de bom, como por exemplo, não se meter na vida de ninguém? - dou ênfase na última frase e todos ficam mudos.
Carlota me olha incrédula. Como o último pedaço de bife e tomo o suco de laranja. Sem dar explicações saio da mesa. Ao abrir a porta para sair da sala vejo as empregadas me olhando assustadas pensando que levariam uma bronca por estarem escutando atrás da porta. Subo as escadas pisando firme. Entro no quarto e me jogo na cama. Poucos minutos depois alguém bate na porta...