Águas de Março

By gisscabeyo

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Rio de Janeiro, berço do samba, das poesias de Drummond, da Boemia de Chico Buarque, das noites na Lapa, da G... More

Prólogo.
1 - Goodbye, USA. Olá, Brasil.
2 - Coisas que eu sei.
3 - Mais do que oculta.
4 - Não era pra ser tão fatal.
5- Oblíqua e Dissimulada
6 - Ano novo, desejo antigo.
8 - Infinito particular.
9 - Boemia Carioca
10 - Quebrando tabus.
11 - Bom dia.
12 - Canto de Oxum
13 - Agradável e lento.
14 - Tempo ao tempo.
15 - Menina veneno.
16 - Contrapartida
17 - O que é meu, é seu.
18 - Colo de menina.
19 - Meu Pavilhão.
20 - Rua Santa Clara, 33.
21 - Sensações extremas.
22 - Aos pés do Redentor.
23 - Codinome Beija-flor.
24 - Cuida bem dela.
25 - Luz em todo morro.
26 - Queime.
27 - Azul da cor do mar.
28 - Revival
29 - Desague.
30 - Axé!
31 - Vamos nos permitir - part1.
Vamos nos permitir - part2.
32 - Idas e Vindas.
33 - A lua e o sol - part1.
34 - A lua e o sol - part2.
Bônus - Part. 1
Bônus - Part. 2
Spin off - part 1.
AVISO - LIVRO

7 - Nosso jogo é perigoso, menina.

163K 6.9K 12.5K
By gisscabeyo

N/A: Hey, guys, Hannah aqui.

Não demoramos muito pra atualizar, viu só?

Espero que tenham curtido o último de Skyfall!

Temos uma playlist de Águas de Março no Spotify (https://open.spotify.com/user/aguasdemar%C3%A7ofic/playlist/6yVz3plbIHdO8EiVTBXXDM)

Qualquer erro, conserto depois.

Enjoy(:

_________________________________________________

LAUREN POV


"Acho que devemos fazer coisa proibida – senão sufocamos.

Mas sem sentimento de culpa e sim como aviso de que somos livres".

- Clarice Lispector


Resistir. Resistir. Resistir. Resistir. Não, é impossível. A língua dela implorava cada vez mais e meu corpo, impulsionado pelo desejo, dava o que ela pedia. Minhas mãos percorreram as curvas, sentiram a pele, tocaram a bunda. O aroma dela me fazia delirar enquanto o som abafado de gemidos escapava de nós, impossibilitado de ser freado. Camila estava tão entregue, que não reclamou quando ergui seu corpo e a carreguei até a bancada central da cozinha. As pernas dela estavam entrelaçadas na minha cintura e respirei fundo quando ela rebolou de leve, pedindo por contato. Senti as unhas dela passeando na minha nuca e meus pelos arrepiaram, me fazendo sorrir. Ela me acompanhou, soltando uma risada gostosa enquanto mordia meu lábio inferior. Na minha cabeça vinham tantos pensamentos ao mesmo tempo, pensando que aquilo era errado, mas ao mesmo tempo, certo. "Deus, ela é a melhor amiga da minha irmã, tem só vinte anos. O que estou fazendo?". Mas não conseguia parar. O gosto dela era como experimentar uma coisa nova e se viciar. Por mais que ela fosse mais nova, tinha uma cabeça madura e que me atraía. Talvez fosse melhor frear antes que ultrapasse as nossas barreiras, aquela não era a hora certa. Dei um último beijo e me afastei, tentando manter a calma.

- Lauren, o que aconteceu?!

- Eu.. eu.. isso não podia acontecer. – estava falando com pausas, recuperando o fôlego. – Holy fuck, what the fuck just happened?!

- Desculpa, eu não pensei que você não fosse gostar, isso também é muito novo pra mim, nunca fiz nada parecido. Só que com você parece tão certo e..

- Fuck.. fuck! – passei a mão pelos cabelos, caminhando até a sala. Camila pulou da bancada e me deu um olhar curioso antes de caminhar com pressa até a porta. – Wait! I mean.. espera! Onde você vai, menina?

- Pra lugar nenhum, só estou tirando o chinelo pra ficar descalça. Por quê? Pensou mesmo que eu fosse ir embora? Já tinha falado que não sairia daqui nem que mandasse.

- Você é inacreditável, sabia?!

Como eu já esperava, sorriu e veio na minha direção. Revirei os olhos e ri enquanto aquela garota se aproximava com uma feição juvenil de quem acaba de pregar uma peça. Ela segurou meu rosto e notei que estava corada, com a respiração à mil. De fora vinha o barulho do mar de Copacabana e fechei os olhos para sentir uma brisa gelada que entrou pela porta da varanda. Abracei Camila com força e lhe dei um beijo na ponta do nariz, ouvindo um suspiro calmo lhe escapar. Quando nos separamos, começamos a rir como duas crianças. Foi tão inesperado o que tinha acabado de acontecer, que não tivemos reação alguma a não ser gargalhar. Camila saltitou até a vitrola e tateou alguns dos meus vinis com os dedos, cantarolando alguma coisa. Reparei seus traços, a maneira que mordia os lábios enquanto se concentrava em achar o que estava procurando, a tornozeleira brilhando em contraste com a pele morena e o cabelo caindo em cascata pelo ombro esquerdo. Depois de alguns segundos, ela soltou um gritinho animado e puxou o vinil com o nome "Tim Maia".

- Sabia que tinha deixado aqui. – Camila puxou o disco, colocou na vitrola e esperou até que uma música animada invadisse o apartamento. – Essa música se chama 'Descobridor dos Sete Mares', é maravilhosa! Não precisa me olhar assim, não vou colocar muito alto. Aliás, você mora praticamente sozinha nesse andar, ninguém vai ligar se a gente se divertir um pouco, não é?

- Não, acho que não.

Ela segurou minhas mãos e me puxou para a varanda, onde começamos a dançar. A orla de Copacabana estava bastante movimentada apesar da hora, mas pela primeira vez, não me senti envergonhada de estar dançando como uma doida, com Joker correndo à nossa volta. Camila se movimentava de um lado para o outro, me fazendo rodar e rebolar como nunca tinha feito na vida. Ela se aproximou e quando seus lábios buscaram os meus, lhe dei um beijo rápido, não pretendendo avançar nenhum sinal. Camila pelo visto entendeu, porque parecia lutar contra a mesma coisa. "Quero beijá-la até perder o fôlego, mas não posso. Essa menina é nova, melhor amiga de Taylor, o que minha irmã vai pensar? Depois de Valerie não fui capaz de embarcar em nada assim, não sei se posso levar adiante qualquer relacionamento, é assustador demais", meu constante monólogo só era quebrado pela risada dela, que parecia estar presenciando o melhor momento de sua vida.

- Pois bem cheguei, quero ficar bem à vontade, na verdade eu sou assim.. – ela começou a cantar a plenos pulmões, pouco se importando se alguém na rua fosse ouvir. Puxei Camila pela cintura e ela começou a gargalhar. – O que foi? Você deveria tentar, é muito bom berrar para o vento, leva as energias negativas embora, relaxa o corpo.

- Queria te pedir desculpa. – seu olhar fixou no meu rosto e abaixei a cabeça, encarando os pés. – Não tinha a intenção de te chamar de mimada, sei que você é tudo, menos isso. A questão é que têm certas coisas que eu não concordo, como não acharia certo se Taylor fizesse o mesmo. Entende?

- Aceito suas desculpas, gringa, sei que não tinha intenção, não se preocupe. É por isso que eu gosto de você, sabe assumir quando está errada e eu também tenho que pedir desculpa por ter sido meio.. sabe.. cabeça quente.

- Meio?!

- Ah, por favor, você não tem um pai que fica no seu pé o tempo todo, já tem sua própria vida e tudo mais.

- Olha, não se esqueça que meu pai era militar, como já deve saber. Não foi fácil ter uma adolescência com o senhor Michael Jauregui, só me livrei quando fui pra faculdade. Quanto a minha irmã, sei que meus pais são mais mão aberta do que eram comigo, as coisas mudaram daquela época pra cá. Não os culpo, muito menos minha irmã. Te falo exatamente o que disse a ela; você um dia vai sair de casa, ter sua própria vida e não vai precisar mais esquentar a cabeça com seu pai. Por enquanto, tente esquecer as brigas, faz parte. Ele deve sentir falta da sua mãe, por isso te prende tanto, não quer te perder também. Portanto, paciência, menina.

- Obrigada por isso, Lauren, de verdade. – ela me deu um beijo no canto da boca e se afastou para dentro do apartamento, girando nos calcanhares para me encarar. – O que acha de vermos um filme? Tem um ótimo na Netflix.

- Vou colocar a pipoca no microondas. Pode me fazer um favor? – Camila me encarou e me aproximei dela, lhe dando um beijo rápido. – Feche a porta, liga o ar-condicionado e pega os cobertores no armário do quarto do meio. Vou procurar um pijama pra você.

Me afastei dela e percebi que Camila ficou alguns segundos travada no meio da sala antes de começar a se mexer. "É muito errado, não posso deixar nada mais sério acontecer. Não estou pronta e ela também não.. mas hoje nada pode nos impedir de ver um filme juntas". Nada mesmo nos impediu naquela noite, não fizemos nada demais, mas trocamos muitos beijos enquanto tentávamos dar atenção ao filme. Por volta das quatro da manhã, Camila já estava dormindo no meu colo. Levantei com cuidado e carreguei a menina até o quarto de hóspedes. Ela torceu o nariz quando a coloquei na cama e não me deitei ao seu lado, mas não bateu muito o pé, sabia que tínhamos que manter um limite.

Depois de deixá-la à vontade, fui deitar sozinha no meu quarto com a cabeça à mil. A linha tênue entre o querer e o poder estava vacilando tanto, que me forcei a pensar em outras coisas para não correr até ela por impulso. "É uma sensação que não tinha há muito tempo, um calor que percorre meu corpo que até então estava bem frio. Desde Valerie eu não sentia meu sangue correr tão rápido, mas meu medo de quebrar a cara é maior que isso. Não sei o que pode acontecer agora que o primeiro passo já foi dado. Bom, seja o que a Oxum dela quiser".


4 de Janeiro.

Levantei com os primeiros raios de Sol de um dia com céu azul e sem nuvens. A inauguração da Microsoft estava marcada para as dez da manhã, mas eu precisava chegar na empresa às oito para conhecer os principais funcionários, como presidentes de setor e coordenadores. Chequei o celular depois de tomar um banho e quatro mensagens piscavam na tela, que comecei a ler enquanto caminhava até a cozinha para tomar um iogurte. Uma de Helena, CEO nos Estados Unidos. Duas de Joana, grande amiga e dona da mãe de Joker e uma de.. Camila. Ver o nome dela na tela do celular me fez lembrar da noite em que passamos aos beijos. Dali em diante estávamos nos vendo com frequência pra fazer de tudo um pouco; como ela me ensinar a sambar, comprar vinis, almoçar fora. Taylor também saía conosco, mas sempre acabava se encontrando com um rapaz que ela estava de caso. Minha irmã volta e meia soltava uma indireta para Camila e eu, provavelmente já estava desconfiada, mas não tinha começado a pressionar. Isso seria um problema quando ela soubesse do que aconteceu no dia primeiro de janeiro.

"Esperamos uma excelente abertura hoje, Jauregui, nos encha de orgulho, estaremos acompanhando tudo pela live stream. – Helena"

"Você ficou de mandar fotos do Joker no natal, estou decepcionada! Quanto a nossa vaga para passar carnaval com você? Não pense que só porque mudou de país que seus amigos te esqueceram. Estamos com saudade, mande noticias. – Joana"

"Ah, esqueci. Feliz natal e ano novo atrasado! Tenha muito sucesso na sede brasileira da Microsoft, sei que vai arrasar! Todos mandam beijos! PS: Quero fotos do Joker! – Joana"

"Não se esqueça que ficamos de dar uma volta com o Joker na praia, já falei com sua irmã e ela pareceu um pouco desconfiada que você não mencionou nada. Bem, essa bola agora é sua. Nos vemos mais tarde, break a leg! – Camila"

Larguei o celular em um canto sem responder nenhuma das mensagens e foquei no meu iogurte com granola. Li algumas matérias dos jornais locais e parei em uma especial que falava sobre um tiroteio no morro que Normani morava com Andrea. "Cristo, gostaria de fazer alguma coisa por elas". O quão desesperador pode ser não conseguir ajudar do jeito que quer? Ambas eram muito orgulhosas e duvido muito que aceitariam caso eu chegasse até elas com uma chave de uma casa em qualquer lugar. Admirava isso, na verdade, era o que mais me encantava naquelas duas. Entre trancos e barrancos, sabiam levar a vida com uma simplicidade e bom humor que me deixavam sorrindo à toa quando via uma interação delas. Tinham um coração enorme e mereciam tudo. Normani seria capaz de aceitar uma oportunidade na Microsoft? Quem sabe.. quem sabe..


Meus olhos encolheram quando fiquei de frente para a fachada da Microsoft. O logotipo prateado brilhava com os raios de sol que refletiam nele e meu coração deu uma virada. Estava me sentindo a melhor pessoa do mundo. Vários carros de emissoras de televisão e jornal estavam estacionados em frente, se preparando para a pequena conferência de imprensa. Senti minhas pernas chacoalharem quando abri a porta e todos os olhares viraram na minha direção. Sorrisos entusiasmados, caras simpáticas. Parecia ser uma equipe perfeita para começarmos. Não tinham cara de "gringos", como Camila costuma me chamar, pelo contrário, tinham a essência dos brasileiros e cariocas. Uma mulher alta, com curvas muitas bonitas, se aproximou de mim com um sorriso enorme. O cabelo dela estava amarrado no alto da cabeça e ajeitou os óculos de grau antes de estender a mão pra mim.

- Lauren Jauregui, nossa CEO, certo?

- Certo, você é..

- Dinah Jane, presidente do setor de produção e desenvolvimento do Xbox. Soube que essa era a sua função nos Estados Unidos.

- Fez a pesquisa completa. Sim, essa era a minha função e espero que você faça tão bem quanto eu.

- Ah, não se preocupe, tenho vários irmãos que me ajudam nisso. Existe uma equipe melhor que crianças viciadas em consoles e que sabem o que podemos incluir ou excluir?! É fantástico! Essa semana minha irmã de dez anos estava jogando Halo e achou que poderíamos criar um modo de jogo que você conversa com o Chief, sabe? É meio parecido com um jogo de celular chamado Lifeline e.. ai, meu Deus, desculpa, estou falando sem parar e fora de hora.

- Acho que você começou com o pé direito e, pelo visto, contratei a pessoa certa para o meu setor favorito. Bem-vinda, Dinah Jane.

A mulher apertou minha mão e fiz sinal para que todos me acompanhassem até o auditório. O prédio da Microsoft não era muito grande, mas elegante em seus muitos detalhes. Se tinha uma coisa que os donos da empresa prezavam, era de que os funcionários tivessem um espaço para liberar a criatividade e não ser tão massante. Quando todos sentaram no auditório, caminhei até a frente, encarando todas aquelas pessoas. Notei em quantos rostos jovens estavam ali, cheios de expectativa e motivação. A imprensa estava no fundo do auditório, gravando com suas câmeras tudo que acontecia na primeira sede brasileira da Microsoft. Não estava interessada em fazer um discurso grande, me limitei em dar as boas-vindas, indiquei o que cada setor precisava saber e prometi bons preços e novidades. Quando saí da cova de leões depois de responder várias perguntas e me tranquei na minha sala, peguei o celular para ligar pra Camila. Um. Dois. Três. Quatro toques e nada dela atender. Acabei largando o aparelho em cima da mesa e me afundei no trabalho, sendo interrompida cinco minutos depois por uma ligação.

- Olha, vou evitar te ligar a essa hora, estava dormindo?

- Dormindo?! Claro que não, Lauren, estou na praia. A hora que você me ligou eu estava entrando no mar.

- Queria ter essa moleza, mas nada nessa vida é fácil.

- Você reclama demais, isso te envelhece. - ela soltou uma risada e ouvi a voz da minha irmã de fundo. - É, sua irmã está com a cara amarrada porque você ligou pra mim e não pra ela.

- Invente que tentei falar com ela e não consegui, por isso te liguei.

- Não sei mentir para as minhas amigas, gringa, especialmente para a Taylor. Não se preocupe, Normani conseguiu desviar o assunto mostrando um carinha andando perto da água. - Camila pareceu abafar a ligação e falou baixo. - Quanto a nossa saída hoje? Está de pé?

- Claro, mas se eu estiver com muito trabalho, vamos ter que remarcar. - antes de ela começar a reclamar, alguém bateu na porta. - Tenho que receber uma pessoa na minha sala, nos falamos mais tarde. Boa praia.

Quando dei permissão para entrar, Dinah ofereceu um sorriso e colocou um pen-drive no computador. O projetor mostrou a imagem do Chief, personagem principal do jogo exclusivo Halo e ela começou a falar em um novo modo. Parecia que Dinah já estava com aquilo pronto há meses. Fiquei impressionada enquanto ela falava, passando diferentes imagens do que seria um jogo de sucesso. "Essa mulher é incrível! Queria que Helena visse isso", pensei comigo mesma no segundo em que Dinah me entregou um controle do Xbox e sorriu.

- Sei que pode parecer loucura, mas desenvolvi uma demo.

- O que?! Abrimos hoje e você já tem uma demo desse modo novo?

- Andei trabalhando em casa. - ela corou e a imagem do jogo apareceu. - Me diga o que acha com toda sinceridade, afinal, você é a chefe aqui.

Não tinha como não aprovar. Boa jogabilidade, escolha certa de fundo musical. Dinah era uma mina de ouro dentro do setor dela e dei carta branca para ela começar a produção total do modo de Halo, os fãs com certeza vão pirar. Quando Dinah saiu da minha sala, me deixando sozinha, voltei a pensar em Camila. Na verdade, foi Sofi que chegou voando na minha cabeça e tamborilei o pen-drive com a demo. "Acho que essa baixinha pode me ajudar". Me espreguicei, ajeitei os óculos no rosto e voltei ao trabalho com um sorriso satisfeito no rosto. Hoje o dia vai ser bom.


Quando cheguei em casa, senti as costas doendo e os olhos cansados. Conferi o relógio e suspirei de alívio ao notar que Camila só chegaria em duas horas. Joker estava deitado no sofá e me juntei a ele, distribuindo carinhos na barriguinha peluda do cachorro. Desabotoei a camisa social e liguei a televisão, soltando um gritinho de entusiasmo ao ver que o Patriots estava jogando. Minha sorte hoje estava no ponto. Coloquei comida para Joker e fui tranquila para o chuveiro, deixando a água quente bater no meu corpo, relaxando meus músculos. Quanto mais tempo eu passava aproveitando aquele momento de calma, mais eu pensava no que tinha acontecido com Camila e eu no primeiro dia do ano. Jamais esperava que começaria o ano novo beijando a melhor amiga da minha irmã, pior que isso, gostando. Algo nela me atraía de uma maneira que eu não sabia explicar, como se Camila possuísse uma alma magnética. Lembrei das coisas que ela me disse sobre sua religião e os orixás, nas energias que eles representavam. Fiz minha pesquisa, é claro. Tudo que ela falava me instigava a procurar para poder conversar, ter assunto, não deixar que ela me explicasse tudo. A verdade é que desde que cheguei ao Rio de Janeiro e tive o primeiro contato com Camila, quis saber de cada coisa relacionada ao que ela gostava. Religião, vinis.. Era tão fácil se encantar.

Quando saí do chuveiro, escutei o latido escandaloso de Joker, o que não me agradou nem um pouco. Estávamos em um apartamento, então ele não poderia latir para uma gaivota ou sei lá. Peguei o secador de cabelo e caminhei pé ante pé até a sala sem fazer muito barulho. No instante em que ergui minha "arma" em direção ao hall, fiquei com uma cara de idiota e a gargalhada de Camila se expandiu pelo apartamento. Ela e Joker rolavam pelo tapete e lhes dei as costas, pisando firme no chão. Estava envergonhada, não esperava que ela fosse aparecer tão cedo.

- Ei, volta aqui, não achei que você estivesse no banho! Desculpa por entrar sem avisar, Lauren. – a voz dela se aproximou da porta do quarto e me tranquei no banheiro. – Aquele jogo esquisito está passando na televisão, mas vou colocar no mudo e ouvir um pouco de música enquanto você se arruma. Não demora!

Não demorou muito para o apartamento ser inundado por 'Mania de Você' da cantora Rita Lee, uma das favoritas da minha mãe. Escolhi uma roupa levinha, o calor do Rio de Janeiro estava começando a me dar nos nervos. O ar-condicionado ficava ligado quase vinte e quatro horas, nem o pobre Joker aguentava a alta temperatura. Nós dois estávamos acostumados com temperaturas abaixo de zero, mas tive a consciência em poucos dias de Brasil que jamais veria algo assim de novo. Depois de ajeitar meu cabelo em um rabo de cavalo, caminhei para a sala e soltei uma risada ao ver Camila com cara de paisagem tentando entender o jogo que passava na televisão.

- Você olha tudo como se fosse algo impossível de se entender.

- Não é nada fácil, gringa, esse esporte é meio doido. Que sentido faz um monte de homem correndo e se jogando um em cima do outro?! Quer dizer, o futebol também é idiota, onze caras correndo atrás de uma bola não é nada diferente. O que faz esse esporte doido de bola oval ser melhor que o nosso futebol?

- Vou te resumir pra que possa entender, não tenho como explicar exatamente as regras ou ficaremos aqui uns dois dias.

- Não me importo em ficar dois dias com você. – Camila sorriu e lhe dei um beijo na testa, apontando para a televisão. – Você é tão corta clima, puta que pariu.

- Não fale muitas palavras que eu não entendo. Então, basicamente um time tem que levar a bola para o fim do campo do outro.

- Está falando sério?! Esse jogo todo, essa gente toda no estádio, está ali só pra assistir um pique bandeirinha level asiático?! – olhei pra ela com o cenho franzido e ela deu de ombros, sorrindo. – Deixa pra lá, você não vai entender. De qualquer maneira, parece ser legal de ver.. entendendo, é claro.

- Um dia eu te ensino. – Camila sorriu e eu chequei o relógio, tomando um susto por ver que desde a hora que eu cheguei, até aquele momento, já tinha passado uma hora e meia. – Temos que ir, o Joker já deve estar nervoso por ficar dentro de casa tanto tempo e ainda vamos jantar. Já escolheu o lugar?

- É aqui em Copacabana mesmo e não vamos jantar. – escutava Camila com atenção enquanto tentava colocar a coleira em um Joker hiperativo. – O Mud Bug não é um restaurante, está mais para um bar. Achei que seria legal que nós pudéssemos curtir uma coisa diferente, sabe? Não é muito caro, é um ambiente legal e fica perto da sua casa, nem precisamos pegar o carro.

- Mas vou ter que voltar aqui para deixar o Joker de qualquer maneira.

- Teremos muito tempo pra isso, não se preocupe. Agora me passa a coleira dessa coisa fofa e vamos de uma vez.

Camila agarrou Joker e os dois foram rebolativos em direção ao elevador. Observei aquela garota, seus traços, o sorriso enquanto brincava com meu cachorro, os lábios se movendo, lançando beijos ao filhote e quis que fossem direcionados a mim. "Vamos lá, Lauren, segure seus instintos. Lembre-se, ela é mais nova e melhor amiga da Taylor. O que sua irmã diria se soubesse que você ficou com a Camila?", martelei meus pensamentos e segui meus dois acompanhantes para o elevador, que não demorou muito para chegar ao térreo. Quando alcançamos a orla, ela deu uma corridinha com Joker e sorri ao ver o cachorro com a língua para fora, provavelmente tendo o momento de sua vida morando em um lugar como o Rio.

- Não corra tanto, menina, trabalhei o dia todo e minhas costas estão me matando.

- Quer que eu alugue uma cadeira de rodas elétrica pra você? Pode pilotar enquanto eu corro com o Joker. – lhe dei uma trombada no ombro e ela sorriu, mordendo o lábio inferior. – Então, como foi o trabalho hoje? Muita gente puxando o seu saco?

- O que é puxar o saco?

- Ah.. às vezes eu esqueço que você não entende muitas das nossas expressões. – Camila fez uma cara pensativa, deu uns pulinhos divertidos e estendeu o dedo na minha direção. – Puxar o saco é o mesmo que tentar chamar sua atenção, fazer de tudo pra te agradar, entende?

- Faz um pouco de sentido e sim, tiveram muitas pessoas que.. puxaram meu saco. – falei com um sotaque carregado e ela gargalhou. – Odeio quando você ri da minha dificuldade de pronunciar algumas falas em português.

- Eu acho muito fofo, se quer saber a verdade. Você não precisa ter vergonha, seu português é melhor que o de muitas pessoas que nasceram e se criaram no Brasil. O que está achando até agora? Valeu à pena sair da geladeira americana e curtir o inferno carioca?

- Ainda estou colocando na balança, menina, mas tem sido muito bom.

Queria dizer a ela que sair dos Estados Unidos foi a melhor coisa que me aconteceu em trinta e três anos de vida, mas não podia. Minha consciência implorava pra que eu me freasse, Camila podia ser uma garota maravilhosa, mas meu medo era bem maior que a vontade de abrir espaço. Paramos em frente a um quiosque e pedi duas águas, dando quase metade da minha para um Joker ofegante. Ele não estava acostumado com o ar abafado do Rio, mas a brisa que vinha do mar refrescava tudo. Camila me puxou para a areia e correu um pouco com o cachorro, me deixando um pouco para trás. Olhei de longe ela se divertir com o filhote e achei aquela imagem digna de fotografia. A camisa dela era aberta atrás, mas tinha um corte perfeito que mostrava só o necessário para deixar qualquer um louco. As pernas de Camila eram torneadas e a bunda.. bem, quem não conseguia reparar? Se com vinte anos ela já estava assim, perdia meu fôlego só de imaginá-la dentro dos trinta.

Sentamos lado a lado na areia e observamos Joker começar sua famosa escavação, nos deixando à vontade para conversar e ficar de olho nele ao mesmo tempo, mas não falamos nada. Camila e eu ficamos em silêncio, apenas observando as ondas do mar batendo tranquilas, enquanto um céu estrelado nos brindava com uma beleza estonteante. Nos olhamos ao mesmo tempo e ela mordeu o lábio, me fazendo inclinar a cabeça um pouco para frente, mas mudando de ideia logo depois. Ouvi quando ela bufou e colocou o cotovelo sob o joelho, apoiando a cabeça na mão.

- Pode me responder uma coisa? – ela estava olhando Joker se divertir e fiz um som nasal de aprovação. – Como foi sua primeira vez com uma menina? O que você sentiu?

- Nossa, não esperava uma pergunta dessas. – Camila virou sua atenção para mim e eu sorri, negando com a cabeça. – Acho que eu já sabia desde pequena que sentia atração por garotas, mas não podia falar com ninguém. Pensei que quando meu irmão crescesse poderia compartilhar, mas Chris morreu muito novinho e, por favor, não pergunte dele, não gosto de falar sobre isso.

- Não ia, acho que só pergunto quando sinto que você pode me falar.. Mentira, sou intrometida com alguns assuntos, mas com isso eu não passo barreiras.

- Obrigada, menina. Bem, respondendo a sua intrigante pergunta, minha primeira vez com uma menina foi inacreditável. Ela era mais velha que eu, tinha dezessete anos e era da equipe de teatro da escola. Minha turma ficou responsável de montar os cenários, figurinos e iluminação por causa de uma detenção e acabamos nos conhecendo. Todo dia, mesmo sem ter que cumprir meu castigo, eu entrava naquele auditório só pra vê-la ensaiando. Gostava da maneira que seu corpo se movimentava pelo palco, parecia flutuar. Eu nunca entendia o porquê daquele interesse, mas mesmo assim voltava para observá-la. Um belo dia, depois que cumpri minha detenção, ela me chamou até os bastidores e disse que precisava de ajuda. Não esperava que fosse acontecer ali, no meio daquelas roupas descartadas do figurino, mas não podemos escolher certas coisas. Eu já tinha ficado com outras meninas, mas o sentimento que eu nutria por aquela garota era muito diferente. Então, quando você me pergunta o que eu senti, só posso te dizer que teve um gosto de liberdade. No ano seguinte ela saiu da escola e nunca mais trocamos uma palavra sequer, mas foi especial.

Camila ficou me observando como uma criança encantada e eu bati em seu ombro, tirando-a de seu transe parcial. Antes que ela pudesse me dizer alguma coisa, notamos que Joker já tinha cavado um buraco que cabia metade de seu corpinho. Revirei os olhos e tentei tirar o cachorro de lá, afinal, eu teria que lhe dar um bom banho antes de sair mais tarde. Camila não me deixou impedir, ao invés disso, se juntou a ele para terminar de cavar, puxando o que parecia uma estátua pequeninha. Ela soltou um gritinho entusiasmado e pegou o cachorro no colo, girando-o no ar. Olhei os dois com curiosidade e Camila me estendeu a mão para que eu levantasse.

- Essa é minha mãe.

- Como?! Sua mãe?

- Oxum, Lauren. Acho que alguém acabou perdendo no ano novo e a areia soterrou. O quão incrível isso pode ser?! É uma espécie de lembrancinha, olha só, cabe na palma da minha mão. – ela estendeu a miniatura e seu olhar estava brilhando, me fazendo admirá-la ainda mais. – Não pense que ignorei o que me contou, pelo contrário, guardei cada palavra. Acho que essa menina que veio até você serviu para te mostrar sua verdadeira essência, o que existe de verdade por baixo da sua pele. Às vezes as pessoas chegam na sua vida para te ensinar uma lição e por mais que a gente queira que elas fiquem, isso não acontece. Faz parte da vida, Lauren, o ir e vir constante de visitantes no nosso coração.

- Isso é muito bonito, sabia? Você deveria escrever em algum lugar.

- Basta conseguir dizer pra alguém. O poder da palavra é tão maravilhoso, você não faz ideia. – Camila me deu um beijo no canto da boca e me mostrou a língua. – Acho que vou ter que passar em casa pra tomar um banho, não foi uma boa ideia sentar na areia e ajudar o Joker a cavar.

- O que sugere? Nos encontramos no Mud Bug?

- É melhor, você vai ter tempo para tomar banho e limpar o Joker. Vamos andando, já são nove horas, temos até onze para chegar lá.

Caminhamos juntas em direção à minha casa e durante o percurso vi Camila admirar a miniatura de Oxum, encantada com os pequenos detalhes dourados na peça. Como Joker foi capaz de achar algo assim?! "Sua fé me encanta, menina, você não faz ideia", falei para mim mesma enquanto ela cantarolava uma música que deveria ser de seu orixá, enquanto nos aproximávamos do meu prédio. Era maravilhoso vê-la dançar com Joker no colo como se ele fosse uma pessoa, o que gerou alguns olhares intrigados de pessoas que passavam por nós. Gargalhei quando ela desejou boa noite para um casal de idosos e eles mandaram beijo no ar para nós. Paramos em frente à portaria e ela me passou Joker, enquanto buscava a chave do carro dentro da bolsa.

- Nos vemos daqui a pouco, menina?

- Você ainda duvida?! Preciso tomar um pouco de álcool com você, gringa, descobrir um pouco mais dos seus segredos.

- Vai ter que se esforçar muito pra isso.

- Sou paciente, não se preocupe. – Camila me deu um beijo rápido e gargalhou quando Joker latiu. – Não se preocupe, peludo, nos vemos em breve e obrigada por cavar minha mamãe da areia. Até daqui a pouco, Lauren.

Me despedi dela e fiquei na portaria até ver o carro sumir na curva, me fazendo soltar a respiração que estava presa há um tempo. Hoje seria uma noite diferente de todas as outras que tive com Camila, não que eu tivesse tido a chance de vê-la em muitas. Passei pelo portão do prédio e cumprimentei o porteiro, que sorriu ao ver a cara de Joker cheia de areia. Só precisava de uma hora para ficar pronta pra ela.. quer dizer, para a nossa saída. "God help me".

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