Lobotomia (Livro II)

By andiiep

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Oi! Primeiro você tem que ler essa daqui: https://www.wattpad.com/story/31808631-psicose, pra depois ler essa... More

Sinopse e Explicação
Epígrafe
Um - O Recomeço
Dois - Psicose
Três - O Retorno
Quatro - Reconciliação
Cinco - Behind Blue Eyes
Seis - Foragido
Sete - Sorte
Oito - Exumar
Nove - Cambridge
Dez - Pistas
Onze - Reencontro Inesperado
Doze - Lembrança de um passado não muito distante
Treze - Strip
Quinze - Estampido
Dezesseis - Destino
Dezessete - Por Um Triz
Dezoito - Destino (parte 2)
Dezenove - Reconciliação (parte 2)
Vinte - O grande reencontro
Vinte e Um - Luto
Vinte e Dois - Funeral
Vinte e Três - Foragidos
Vinte e Quatro - Sensacionalismo
Vinte e Cinco - O Primeiro Encontro
Vinte e Seis - Cativeiro
Vinte e Sete - Sequestrada
Vinte e Oito - Ajuda
Vinte e Nove - Resgate
Trinta - Verdades Secretas
Trinta e Um - Êxodo
Epílogo
AJUDA AÍ, GALERA!

Quatorze - O investigador Josh Bethel

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By andiiep

Corey aparentou demorar um tempo maior do que o necessário para finalmente processar o que Melissa havia dito. Parecia ainda perdido pelo mundo paradisíaco que invadiam sempre que faziam sexo. E então seu olhar excitado se tornou algo turvo entre confusão e descontentamento. Melissa repentinamente se viu tomada por um inesperado e estranho sentimento de... Ódio. Por Kate. Porque havia ligado, mais uma vez, para dar notícias ruins, porque a notícia ruim havia tirado o estado de paz em que finalmente havia levado Corey, aquele que lutara tanto para que ele atingisse. Um balde de água fria aquela ligação, um tanto inconveniente, com certeza. Porém, acima de tudo, providencial. Quando Corey formou com os lábios as palavras "o que aconteceu?" Melissa voltou ao estado normal, ao que tinha a capacidade de se preocupar com a informação que Kate havia lhe dado.

-Melissa? – ela chamou do outro lado da linha.

-Desculpe. Fiquei me perguntando quando você vai ligar para dar uma boa notícia...

-Acredite, não gosto de ser a porta-voz das más notícias, mas ainda bem que tenho acesso a elas, não?

-Bem, sim. Fico pensando num modo de te agradecer.

-Eu gosto de finais felizes, construa um com Corey em minha homenagem.

Melissa riu, e então respondeu:

-Estou tentando, mas seu namorado não quer deixar.

-Ele não é exatamente meu namorado e, bem, quanto a isso não posso fazer nada, a não ser passar informações privilegiadas dos movimentos dele.

-E quando ele pretende fazer essa tal "diligência"?

-Esse é a parte mais problemática do problema... Ele está em Londres essa semana e acabou de me ligar cancelando um jantar nosso que aconteceria hoje por conta desta "diligência". Pode ser a qualquer minuto...

-Você acha que é hoje? – a voz de Melissa se tornou mais urgente.

-Bem, se o jantar era hoje e ele ligou remarcando para amanhã, não tenho muitas dúvidas quanto a isso...

Melissa soltou um longo suspiro, e então respondeu:

-Eu preciso...

-Sim, eu sei. Boa sorte.

-Obrigada. – disse por último, e então desligou o telefone.

Muito embora soubesse que deveria estar correndo contra o tempo naquele momento, pensando em um modo seguro e inteligente de sair daquela peculiar nova situação, Melissa se viu parada no meio da sala, nua, com o celular pendendo na mão e o olhar perdido nas listras de sua cortina. Uma cena ridícula de ser apreciada, tinha plena certeza. Porém não conseguiu se preocupar com o que Corey poderia pensar a respeito. Sua cabeça trabalhava para chegar à única conclusão plausível: as coisas estavam ficando mais sérias do que planejava.

De repente pareceu se dar conta do tipo de consequências que ajudar um condenado a fugir de sua prisão traria. Poderia afirmar que o amor por Corey lhe obrigou a fazer certas coisas que, em sã consciência e bem distante daquele maldito sentimento, jamais passariam por sua antes tão centrada cabeça. Corey virou a Melissa recém-formada psiquiatra de cabeça para baixo, desfez seus conceitos e planos, seus ideais e objetivos. Havia nele algum tipo de encanto sobrenatural, único meio de explicar tal fenômeno. Antes não havia pensado na possibilidade de ser investigada pela polícia, parecia algo muito mais simples de lidar quando o que mais importava era o planejamento de uma fuga de um manicômio judiciário muito bem equipado, obrigada. Ser interrogada pelo investigador Josh Bethel, quando ainda no St. Marcus Institute, quando os ideais ainda pareciam frescos na memória, havia sido mais fácil. Naquele momento, contudo, Melissa se viu paralisada por uma espécie nova de pânico, uma que ainda não conhecia, uma que preferia jamais ter conhecido. Porque tinha certeza que não saberia lidar com o que estava por vir.

Todas as suas repentinas e recentes dúvidas a respeito de toda aquela loucura de fuga, vingança, caça ao verdadeiro assassino, contudo, evanesceram no ar, como uma leve neblina em um dia úmido que só precisava do sol para se dissipar. Já não restaram vestígios, porque Corey entrou em seu campo de visão, tomando de assalto todos os seus pensamentos, como já era de praxe que fizesse.

-O que aconteceu? – ele perguntou, e seu olhar confuso destoava do tom sereno e controlado de sua voz.

Melissa suspirou e arrumou as ideias no lugar antes de responder:

-Parece que a Scotland Yard resolveu investigar por que o seu corpo não está onde deveria estar...

Corey arqueou as duas sobrancelhas, e sua reação foi mais contida do que Melissa esperava.

-Bem, isso não estava nos planos, embora eu já estivesse desconfiado de que pudesse acontecer. Era meio óbvio, na verdade, não? O corpo de um assassino nacionalmente conhecido não está onde deveria estar, o que a polícia faz?

-Com certeza não senta atrás de suas mesas e toma chá enquanto espera ele aparecer. – Melissa rolou os olhos – Acho que nós somos ingênuos demais, não pensamos nas consequências das coisas...

-Tudo estaria muito bem se aquele doutor insuportável não tivesse dado a dica do cemitério.

-Corey, não é minimamente possível que Brian tenha descoberto o nosso plano, Kate jamais o revelaria a ele e eu não quero ter essa conversa novamente. – Melissa levou as mãos à cintura, e seu tom de voz subiu mais do que previa.

Em mais uma reação inesperada, Corey riu, ao invés de continuar a perseguição paranoica a Brian como sempre preferia fazer. Melissa arqueou a sobrancelha confusa, esperando pela explicação que ele deu logo após abrir um sorriso malicioso nos lábios. Ela soube que tipo de comentário viria a seguir antes que ele sequer abrir a boca.

-Se soubesse o quão sexy é você nua, brava e de mãos na cintura, não faria isso. O efeito é completamente reverso.

Melissa rolou os olhos, imediatamente buscando seu sutiã e calcinha que foram jogados pela sala. Quando tinha partes importantes do corpo novamente cobertas, voltou-se para Corey:

-Diante do novo problema, e esquecendo implicâncias desnecessárias com meus ex-colegas de trabalho, temos que encontrar uma solução. Aparentemente o investigador Josh Bethel está vindo para cá hoje e considerando que ele tem poucas horas antes do anoitecer, não acho que esteja muito longe. E não podemos esquecer que ele esteve me vigiando esse tempo todo, então não acho que ele tenha me colocado fora da jogada e eu realmente não consigo pensar em um modo sereno de lidar com essa visita inesperada. – Melissa desabafou.

Corey se aproximou dela cuidadoso, então tomou seu rosto delicadamente entre as mãos, um porto seguro quente e firme.

-Você é mais astuta e inteligente do que pensa, doutora. Já lidou com as perguntas e perseguições dele antes, em um momento de maior tensão que esse. Gostaria que tivesse mais confiança em si mesma, como sempre demonstrou ter nos momentos em que precisou... Há uma doutora Melissa Parker que se revela em momentos cruciais e eu gosto muito de vê-la em ação. – Corey finalizou, e havia um sorriso encorajador em seus lábios que aqueceu o coração de Melissa. – Sem contar que ela é absurdamente sexy.

-Estou esperando pelo dia em que qualquer coisa que eu faça não se torne uma desculpa para você dizer a palavra "sexy".

-Não acho que vá chegar o dia em que você deixará de ser sexy para mim.

-Vai chegar um dia em que isso aqui – Melissa segurou os seios entre as mãos – sofrerá as consequências da força da gravidade.

-E eu pareço o tipo de cara superficial que se importa com isso? Vamos enfrentar juntos as consequências da força da gravidade, nada melhor que uma longa jornada acompanhado da mulher da minha vida.

Melissa abriu um sorriso e rolou os olhos, sempre tentada a apreciar a capacidade que Corey tinha de transformar momentos tensos em momentos românticos clichês. Vinda dele, o bad boy tatuado plenamente apto a aparecer em catálogos de cuecas Calvin Klein, a frase perdia qualquer conotação clichê, era a verdade. Frequentemente a conotação poderia ser a de um bom romance erótico ou um filme pornô de classe. Melissa não tinha qualquer reclamação a fazer a respeito, afinal de contas, apreciava acima de tudo a versatilidade que ele incorporava a tudo.

Não havia monotonia ou tédio quando se tratava de Corey Sanders.

-Acho que aceito enfrentar as consequências da força da gravidade com você, apenas porque não tenho nada mais importante a fazer.

Corey cerrou os olhos e arqueou uma sobrancelha, certamente preparando algum tipo de resposta que deixaria Melissa incapacitada de produzir outra em retorno. A conversa, contudo, foi interrompida pelo som estridente do interfone. O estômago de Melissa deu uma cambalhota em sua barriga e seu sangue pareceu congelar nas veias. Por pura intuição, sabia quem o porteiro avisaria que gostaria de subir a seu apartamento. Corey mordeu os lábios e coçou a cabeça, indeciso sobre o que fazer. Não havia muitas opções. O interfone continuou tocando, e Corey foi quem tomou a iniciativa.

-Atenda, pode não ser o que achamos que é...

-Tenho minhas dúvidas. Quase nunca vi esse interfone tocar desde que cheguei aqui... – ela disse, caminhando na direção do aparelho. Tentou manter uma voz firme quando atendeu: - Pois não?

-Senhorita Parker? – o porteiro questionou, e Melissa tentou não procurar na voz dele qualquer tom de preocupação.

Ele não saberia medir o tamanho do problema em que Melissa estava metida.

-Sim?

-Há aqui um oficial da Scotland Yard interessado em ter uma conversa com a senhorita.

Melissa pigarreou, então respondeu em uma espécie de piloto automático:

-Peça para que suba, por favor? – então desligou o interfone.

-Ele está subindo. – informou com urgência.

Corey mordeu os lábios e coçou a cabeça novamente.

-Fico para conversar ou me escondo? – brincou, porém Melissa não conseguiu rir como ele havia feito, embora o nervosismo estivesse nitidamente impregnado em sua risada.

-Não é hora para gracinhas, Corey. Há... Uma espécie de sótão no meu closet, eu guardei alguns casacos antigos lá, talvez seja...

-Sim, é uma ótima solução. – Corey não esperou que ela terminasse, deixando que o sorriso fosse embora enquanto juntava todas as peças de roupa que estavam espalhadas pelo chão com habilidosa rapidez.

Melissa ainda demorou mais um instante até se lembrar da necessidade de estar vestida para receber o investigador Josh Bethel, então começou a vestir as roupas espalhadas pela sala desajeitadamente, enquanto dava a Corey as instruções de como chegar ao sótão no closet.

-Pegue o banco que está enfiado em algum canto aí dentro, do lado direito do closet, em cima de onde estão essas caixas, há a porta, é bem disfarçada, mas você encontrará. Empurre para cima com bastante força, ela emperra. – dizia Melissa, enquanto se enrolava para vestir sua calça jeans inconvenientemente apertada.

Quando ouviu o barulho da porta do sótão sendo aberta, seu coração diminuiu o ritmo dos batimentos, que quase voltou ao normal quando viu as pernas de Corey sumindo pelo teto de seu closet. Ele fechou a porta no mesmo instante em o investigador Josh Bethel tocou sua campainha.

Melissa respirou fundo, buscando em seu interior aquela Melissa confiante que sabia se portar em momentos de pressão sobre a qual Corey falou a respeito... A que ele disse ser sexy, a que Melissa geralmente não sabia de onde vinha, mal sabia se realmente existia, se era apenas uma invenção de Corey na intenção de fazê-la enfrentar de uma forma menos covarde aquela situação.

Sua mão tremia quando girou a fechadura e abriu a porta, também suava frio e Melissa tinha certeza de que o investigador Josh Bethel era plenamente capaz de enxergar tais fraquezas nela. Ridiculamente, tal constatação a deixou mais nervosa e achou poder entrar em colapso quando a figura dele se revelou parada no batente de sua porta. Quando ele sorriu numa planejada simpatia, contudo, Melissa sentiu que qualquer tipo de insegurança quanto àquela visita foi se dissipando aos poucos.

-Olá, doutora Parker. – foi o que ele disse e estendeu a mão cordialmente na direção dela.

Melissa limpou a mão na calça antes de estender a mão na direção dele. Retribuiu o sorriso no mesmo tom simpático e planejado. Todos os seus gestos, a partir dali, foram planejados a fim de passar a impressão de que ela não tinha nada a esconder e de que gostaria muito de cooperar com as autoridades, como havia feito no St. Marcus Institute. Ou o mais próximo disso a que pudesse chegar, dadas as circunstâncias. O investigador Josh Bethel tinha certo quê de investigador de filmes policiais que sabia sempre farejar na direção certa e tal habilidade passava longe de admirável quando o assunto versava sobre ela ou Corey.

-Olá, investigador.

-Você pode me chamar de Josh, não acho que precisamos de formalidades...

Melissa deu de ombros, sem deixar de lado o sorriso, e abriu caminho:

-Entre, por favor.

O investigador Josh Bethel atendeu ao seu pedido e adentrou o apartamento. Melissa respirou fundo mais uma vez antes de fechar a porta e acompanhá-lo até o meio de sua sala de estar. Ele ficou em pé, de costas para a porta, com as mãos nos bolsos do terno bem alinhado que usava, analisando cuidadosamente a cortina de listras de Melissa, como se fosse um objeto de investigação muito importante. Melissa também ficou em pé, de frente para ele, esperando que tomasse a iniciativa.

-Essa é apenas uma visita de rotina, tenho apenas perguntas de rotina.

-Qual rotina, exatamente? – ela perguntou, enquanto ponderava em sua cabeça se oferecia ou não a ele uma xícara de chá.

Talvez fosse educado demais, talvez fosse educado de menos, e não tinha exatamente ideia de qual impressão isso passaria, afinal.

-Bem, você deve ter visto nos noticiários, não? – ele perguntou, sem ainda olhar para Melissa, passando os olhos pela sala de jantar e então pela cozinha.

Ele estava procurando alguma coisa. Ou alguém. E Melissa não gostou do fato de ele nem ao menos tentar esconder suas reais intenções. Como se ela fosse estúpida o suficiente para esconder um agora suposto fugitivo em seu apartamento e não apagar todos os vestígios de que esteve ali. Muito embora a única ação de eliminação de vestígios tenha sido a busca rápida de roupas feita por Corey, Melissa achou não ter motivos para se preocupar com mais nada. Corey tinha poucas roupas, todas guardadas na mochila estrategicamente escondida sob a cama de Melissa, onde já havia excesso de sapatos jogados. Não havia nada para ser encontrado ali.

-Não, não vi... – Melissa desconversou, desconfortável o bastante para analisar os arredores de seu apartamento também, uma vez que ainda não havia obtido total atenção de Josh Bethel.

Quando seus olhos passaram pelo sofá, seu coração deu um salto no peito. Ali, entre as almofadas, estava uma infeliz meia de Corey.

Ela bem poderia explicar o uso de uma meia masculina por ser mais quente, mais confortável, mais qualquer coisa, porém de repente sentiu a necessidade de não explicar por que havia uma meia jogada em seu sofá. Não em um apartamento aparentemente impecável sem absolutamente nada fora do lugar, com exceção daquela maldita meia.

-O que houve? – Melissa perguntou, quando percebeu que Josh Bethel estava mais interessado em analisar seu quarto do que em respondê-la.

E antes que ele resolvesse pousar os olhos na sala e em seu sofá, sentou entre as almofadas, com a mão direita buscando a meia e cuidadosamente a enfiando no bolso de trás de sua calça. O movimento, contudo, foi mais brusco do que Melissa planejava, e poderia culpar o resquício de nervosismo que ainda estava por ali, lhe atormentando. Nesse momento finalmente chamou a atenção de Josh Bethel, que desviou o olhar atento de seu quarto, pousando-o nela.

-Gostaria de sentar? – Melissa indicou a outra extremidade do sofá, abrindo novamente o sorriso planejado nos lábios.

Josh Bethel a encarou por um momento, olhos nos olhos, e Melissa manteve o contato, se perguntando o que ele estava procurando nela ao fazer aquilo. Não vacilou, contudo, e Josh Bethel pareceu se convencer de que era seguro sentar no sofá, de que não havia uma bomba ali esperando por ele e para resolver todos os problemas de Melissa e Corey.

-Obrigada. – ele agradeceu, então sentou de frente para Melissa e cruzou as pernas.

Melissa se ajeitou entre as almofadas e engoliu em seco, esperando pelo início do que seria um disfarçado interrogatório.

-Onde esteve nos últimos dias, doutora Parker?

-Em casa... – Melissa deu de ombros – Estive doente, pedi alguns dias de afastamento do hospital. Por quê?

-E não ligou a televisão nenhuma vez?

-Eu não tenho o costume de assistir televisão. – Melissa torceu os lábios – Não vejo por que isso é relevante, investigador.

-Josh. – ele a corrigiu com um sorriso nos lábios.

-Josh... Não vejo por que eu assistir ou não televisão é relevante.

-Bem, esteve em todos os noticiários, imaginei que o país inteiro já estivesse sabendo, mas, como você disse, esteve doente em casa todos esses dias, não é mesmo?

-Sim, estive.

-E o que você teve?

-Uma crise de sinusite.

-E já está melhor?

-Sim, obrigada.

-Ótimo. – ele sorriu outra vez – Serei eu então a te dar a notícia...

-Por favor, está me deixando curiosa.

Josh Bethel pigarreou e se acomodou no sofá novamente. Seu rosto se contorceu em uma expressão desconfortável, e então ele disse:

-Você tem um copo de água para me oferecer?

Melissa deu um tapa na testa e um sorriso sem graça antes de responder:

-É claro, que falta de educação a minha! Não estou acostumada a receber visitas e, bem, tecnicamente essa é a minha primeira casa, então perdoe minha falta de modos... – justificou – Gostaria de tomar um chá? Um café?

-Não, tudo bem, um copo de água é tudo o que preciso.

-Um copo de água, então. – Melissa assentiu e foi até a cozinha.

Havia decidido pela falta de educação apenas para não dar a ele o prazer de ficar sozinho por poucos minutos em sua casa. A estratégia, obviamente, havia sido falha. Ele daria um jeito de ficar sozinho em sua casa por poucos minutos que fosse, era muito mais esperto e experiente nesse tipo de situação do que ela.

Melissa então apressou seu passo. Quando chegou à cozinha, abriu o forno e jogou a meia de Corey lá dentro. Duvidava que dali ela lhe trouxesse algum problema. Na geladeira buscou a garrafa de água e encheu o copo, controlando os passos na volta para não parecerem ridiculamente desesperados. Encontrou Josh Bethel em pé em frente à sua estante de livros, analisando com interesse os títulos ali dispostos. Não entendia como livros técnicos de Medicina psiquiátrica poderiam ser interessantes a um investigador da Scotland Yard, então ficou se perguntando o que ele procurava ali... Uma passagem secreta para o esconderijo de Corey?

Frio.

-Você tem muitos livros. – observou ele, quando Melissa se aproximou e esticou o copo de água em sua direção.

-Um médico precisa de muitos livros... – ela deu de ombros, e voltou a se sentar no sofá.

Parecia mais fácil manter aquela conversa sentada. Josh Bethel entendeu a deixa e voltou a se sentar também.

-E você já leu todos eles?

-Sim, já li. – Melissa suspirou, já impaciente com aquela estranha necessidade dele de ficar dando voltas e não ir diretamente ao assunto – Josh, como disse, estou curiosa a respeito de sua visita...

-Ah, sim. – ele deu um gole na água – Há alguns dias o departamento recebeu uma ligação anônima com uma dica a respeito do túmulo de Corey Sanders no cemitério de Londres.

Melissa franziu o cenho, contudo sem achar ter perdido a curiosidade em sua expressão. De fato, estava curiosa a respeito do modo com que ele abordaria aquele assunto com ela.

-É mesmo? Que dica?

-De que o corpo dele não estaria lá...

Melissa abriu um sorriso sarcástico a seguir:

-Isso não seria possível, não é mesmo? As pessoas foram ao enterro dele, o viram ser enterrado...

-Bem, está aí um ponto bastante interessante de toda essa história de Corey Sanders. Aliás, não há nada nesse caso que não seja bastante interessante... – ele abriu um pequeno sorriso maldoso no canto dos lábios e o olhar dele pareceu queimar Melissa que, contudo, achou não ter deixado transparecer o que lhe havia causado – Veja, eu sei que não esteve no enterro de Corey Sanders, sei que estava no St. Marcus Institute nesse dia, portanto quanto a esse detalhe não tenho qualquer questionamento para você...

-De que detalhe está falando?

-O caixão esteve fechado durante todo o cerimonial, ninguém se lembra de exatamente ter visto o corpo dele em qualquer momento.

-As famílias às vezes preferem manter a integridade do corpo, não expor a ninguém...

-A família de Sanders me pareceu bastante tentada a manter qualquer tipo de integridade do corpo dele, não é mesmo?

-Essa uma decisão da família, não vejo como eu poderia saber a respeito disso... – Melissa deu de ombros, um leve sorriso irônico nos lábios.

Ela percebeu que Josh Bethel não apreciou sua reação, porém ele continuou:

-É curioso, no mínimo. Mas a questão é que não temos relatos das pessoas que estiveram no enterro de que o corpo de Sanders estava, de fato, naquele caixão. E bem, sem essa certeza e diante daquela estranha ligação você pode imaginar que tivemos que exumar o túmulo. – ele tomou outro gole da água antes de continuar: - E qual não foi a nossa surpresa ao perceber que no lugar no corpo dele havia um monte de pedras que, mais uma vez, curiosamente, simulavam com precisão o peso dele.

-Pedras? – Melissa arqueou as sobrancelhas, na já planejada expressão de curiosidade e incredulidade.

-Sim, pedras. O que deixou a Scotland Yard muito intrigada. Por que o corpo de Sanders teria sido substituído por pedras?

-Vocês já conversaram com a funerária que preparou o corpo dele?

-Ah, foi a primeira coisa que fizemos. – Josh Bethel abriu outro daqueles sorrisos de canto de lábios maldosos – De repente todos os funcionários ficaram com amnésia e mal se lembram de Corey Sanders.

-Já não se encontram mais profissionais como antigamente, não é mesmo?

-Talvez... – ele deu de ombros – E isso só nos deixou mais curiosos a respeito de tudo.

-E quanto à dica anônima? Não tentaram rastrear a pessoa? Talvez ela tenha algo mais a dizer.

-Não foi possível, a ligação veio de um telefone celular descartável...

-E quanto à família de Sanders?

-Não conseguimos contatar nenhum deles. A irmã vem fugindo de nossos radares, o pai e a mãe estão em Dubai tratando de negócios...

-Sinto muito por isso.

-Bem, é por conta dessas dificuldades que encontramos em esclarecer o que aconteceu com o corpo de Sanders que resolvemos abrir uma investigação oficial. E é aí que você entra, doutora Parker. – ele sorriu novamente.

Melissa evitou engolir em seco ou deixar transparecer qualquer outra reação que demonstrasse o quanto aquelas palavras a incomodaram. Não gostaria de ser incluída em qualquer parte daquela maldita investigação, essa era a óbvia verdade.

-Fiquei tão chocada ao descobrir que o corpo dele sumiu quanto a Scotland Yard, pode ter certeza...

-Eu imagino. Especialmente sabendo da proximidade que vocês tiveram enquanto paciente e médico.

-Em uma relação estritamente profissional, gostaria de relembrá-lo, caso nossas conversas no St. Marcus Institute tenham sido esquecidas.

-Eu não me esqueci de nenhuma de nossas conversas no St. Marcus Institute, doutora Parker. De fato, em parte é sobre elas que vim aqui hoje tratar com você.

-No que eu puder ajudar...

-Sim, eu só gostaria de repassar alguns detalhes do dia da fuga de Corey Sanders. Você e Kate costumavam passear pelos jardins do St. Marcus todas as noites?

-Não todas as noites, mas tínhamos esse costume, sim. Você pode imaginar o quanto era necessário tomar um ar puro quando as coisas por ali estavam mais calmas.

-Ainda assim, um hábito curioso.

-As pessoas têm manias curiosas. Especialmente quando trabalham no meio de um bando de loucos.

-Isso pode transformar as pessoas, de fato.

-Você não conversou com Kate sobre isso?

-Sim, fiz a mesma pergunta.

-E está com dificuldades em acreditar na sua própria namorada? – Melissa questionou, e soube no momento em que terminou a frase que seu tom foi mais agressivo do que deveria. E que, definitivamente, não deveria ter dito aquilo. Talvez demonstrasse que ela sabia coisas demais, talvez tivesse entregado tudo o que Josh Bethel queria desde o início.

A resposta dele, contudo, demonstrou certa confusão:

-Eu não... Sabia que você e Kate continuam amigas...

-Por que não continuaríamos?

Josh Bethel não respondeu à pergunta de Melissa, apenas umedeceu os lábios e disse:

-Eu só gostaria de confirmar se a versão de vocês duas continuava a mesma.

-Como eu disse antes, não vejo motivos para desconfiar de um passeio noturno que, infelizmente, calhou de acontecer em um fatídico dia para o St. Marcus Institute. Se o helvete entrou em pane, se incêndios inexplicáveis aconteceram pelo jardim, não temos nada a ver com isso. E acho que você conhece Kate o suficiente para dizer se ela seria ou não capaz de ajudar um criminoso tão perigoso a fugir...

-Não a Kate que eu conheço, não. – ele negou com a cabeça, e de certa forma a certeza que colocou em suas palavras tranquilizou Melissa. – Mas as circunstâncias da fuga dele continuam a me intrigar, você deve entender. Não conseguimos chegar a lugar nenhum, não conseguimos encontrar qualquer suspeito, as câmeras não nos foram úteis... Já era difícil de explicar aos meus superiores como o caso havia ficado sem solução, especialmente com a morte misteriosa de Sanders. As coisas pioraram quando o corpo dele sumiu.

-Eu compreendo, mas, como disse, quanto à noite da fuga, não posso contribuir com mais nada além do que já contribuí.

-Quanto a isso... Bem, não me recordo, você disse que voltou imediatamente para os dormitórios quando o incêndio começou?

-Eu... Bem, aquela noite é um borrão na minha mente, o que é compreensível quando passamos por situações de elevado stress como aquela, então só posso dizer que me lembro de ter ficado no jardim para ajudar os guardas com os prisioneiros e o incêndio. Não havia condições de voltar para o prédio administrativo. Especialmente quando todos estavam saindo de lá para ver o que estava acontecendo.

-Então você não viu quando Sanders saiu do prédio C?

-Bem, não... O prédio C tem várias saídas, se não me engano, ele pode ter saído por qualquer uma delas.

Josh Bethel tomou mais um gole de água antes de continuar:

-E você consegue dizer como foi que ele passou pelos muros do St. Marcus?

-Bem, acho que o chefe de segurança ou o zelador do St. Marcus podem te informar melhor a respeito disso. Trabalhei ali poucos meses, não conhecia bem toda a propriedade. – Melissa deu de ombros – Por que a fuga de Sanders é importante para investigar o sumiço do corpo dele?

-É só uma curiosidade minha. – ele maneou com a cabeça – O que importa e o que vim realmente questioná-la é a respeito da autópsia... Sabe por que a família se recusou a fazer a autópsia no corpo dele?

-Eu mesma questionei isso à irmã de Sanders, Josh, e ela não quis me dizer o motivo, apenas que não deixariam fazer aquilo com o corpo do irmão dela. Tentei inclusive explicar que era necessário para saber a causa da morte dele, mas a irmã negou prontamente.

-Não achou isso estranho?

-Sim, muito. Mas se a família não autoriza, não há nada que possamos fazer, não é mesmo?

-Parece muito mais estranho agora que o corpo dele não está onde deveria estar...

-Bem, sim. Mas... Não pode simplesmente achar que ele ressuscitou, não é?

Josh Bethel torceu os lábios e finalizou seu copo de água, colocando-o sobre a mesinha de canto, ao lado do abajur de Melissa.

-Talvez ele não estivesse morto.

Melissa soltou uma risada nervosa, talvez mais alta e exagerada do que deveria, contudo não havia meios de se controlar quando aquele tipo de coisa era dita em voz alta.

-Você estava lá quando encontraram o corpo dele, você o viu sem vida, sem respirar.

-Bem, talvez eu tenha me enganado a respeito disso, é possível.

-Pessoalmente, acho que não seja possível, mas caso queira desperdiçar dinheiro público e tempo da Scotland Yard para investigar isso, quem sou eu para discordar?

Josh Bethel sorriu e Melissa sentiu seu olhar cortá-la.

-Vou ficar com a minha intuição por enquanto, doutora Parker, sem querer desmerecer a sua.

-Estranho seria se não fizesse isso. – Melissa assentiu, sorrindo assim como ele. – Bem, quanto à autópsia, como disse, também não posso ajudá-lo... Espero que consiga conversar em breve com a irmã de Corey Sanders.

-Eu também. De qualquer modo, caso se recorde de algum detalhe importante ou tenha alguma nova informação, por favor, me ligue. – ele tirou do bolso do terno um cartão simples com seu nome e telefone e o estendeu para Melissa.

Ela pegou com o cartão e o analisou cuidadosamente, antes de responder:

-Farei isso. – e sorriu.

-Continuarei as investigações, então... - Josh Bethel se levantou do sofá.

Melissa se levantou também, e, sem realmente pensar nas consequências, disse:

-Está pensando em ficar me vigiando outra vez, Josh?

Josh Bethel, pela primeira vez, demonstrou algum tipo de fraqueza e surpresa quando arregalou os olhos e coçou a cabeça sem jeito.

-Sim, eu notei. – Melissa disse e sorriu, quando notou que ele não diria nada - E não gostei. Gostaria que não se repetisse porque, como já deu para notar, não há motivo algum para desconfiar de mim, assim como não havia antes. E eu gosto da minha privacidade.

Ele riu e deu de ombros:

-Não vai se repetir, não se preocupe. Só estive curioso a seu respeito por um tempo.

-Espero que essa curiosidade já tenha passado.

-Sim, passou. – disse, e então caminhou na direção da saída.

Melissa o acompanhou e abriu a porta.

-Tenha uma boa noite, doutora Parker. – ele estendeu a mão para cumprimentá-la, e Melissa correspondeu ao seu gesto.

-Você também, Josh. – disse, e quando ele deu as costas, ela fechou a porta, girando a chave na fechadura duas vezes, para ter certeza de que estava muito bem trancada.

A primeira coisa que fez quando se viu livre do investigador Josh Bethel foi respirar profundamente algumas vezes. Quando achou que suas ideias já estavam no lugar novamente, foi ao sótão em seu closet.

Melissa subiu no banquinho e bateu três vezes na porta que levava ao sótão. Com alguma dificuldade, Corey conseguiu abri-la e Melissa o ajudou a descer. Ele estava coberto de poeira e teias de aranha quando parou à frente dela.

-Você precisa fazer uma faxina ali em cima. – reclamou depois de tossir.

-Desculpe se tenho coisas mais importantes com que me preocupar...

-Eu sei, eu consegui ouvir a conversa. – Corey rolou os olhos, tentando sem muito sucesso se livrar da poeira que se acumulou em sua roupa.

-E agora? O que faremos?

-Vamos a Chelmsford. Precisamos mais do que nunca encontrar Danny Langdon.

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Zoe é apaixonada por um mafioso,ela é possessiva e totalmente obcecada e vai fazer de tudo para ter esse mafioso para si mesmo ele sendo completament...