Voltando à Viver

By FireboltVioleta

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Sinopse: Qual é o limite entre a bestialidade e a humanidade? "Eu podia ter me livrado dela. Podia ter dado u... More

Morta-viva
Por que abaixei a arma? Ah, sim, porque sou um mané...
Mas quem diabos eu achava que era?
Divagando
Uma questão de cérebro... só que não
Quando o certo parece errado... é por que você pirou
E o Comitê praticamente me manda mata-la...
Uma bomba que queria explodir...
Tudo bem... fiquei maluca... só isso
Conciliação
Procura-se alguém que NÃO mate zumbis
Clínica de Reabilitação
É agora que a bodega ficou séria!
Lembranças e dor
O novo cafofo dos zumbis
Quando um zumbi dorme... é porque a coisa ficou séria!
Diário dos mortos-vivos - parte 1
Diário dos mortos-vivos - parte 2
Diário dos mortos-vivos - parte 3
Implosão
Visita inesperada
Esse instinto maternal
Espiral
Ataque
A Fênix
Cinzas
Artérias e neurônios
Conclusões
Renascença
Epílogo - voltando á viver

Uma morta quase viva

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By FireboltVioleta


RYAN


Era difícil acreditar que um quase-assassinato, um beijo, uma invasão, um banho e uma discussão tinham acontecido em menos de duas horas.

No início, achei que ia demorar uns dois dias só para Gail se recuperar do susto. Mas ela me surpreendeu com um discurso "pró-humanitário-zumbi" que eu não esperava nem um pouco.

Ainda achava a ideia insana, mas com Chloë me bafejando a nuca, era impossível discordar de qualquer coisa na cara dela. Desde minha defensiva, ela ficara um tantinho agressiva. Tipo, realmente estava agindo como uma zumbi outra vez. Não animalesca, e sim uma zumbi chata que não desgrudaria do meu pé até eu resolver ajuda-las naquele "programa de cura".bizarro.

O primeiro passo foi Gail e eu sairmos numa incursão para procurarmos um local adequado, tão seguro, adaptável e discreto quanto o shopping.

Para nossa sorte, uma antiga loja de conveniências á duas quadras dali era perfeito para nossa "clínica". Era um bocado escuro, tão encardido que se disfarçava facilmente na paisagem destruída do bairro. Já tinha tábuas que poderíamos utilizar para vedar janelas e portas. E tinha uma entrada quase impossível de se adivinhar aonde era: um buraco na laje, provavelmente uma antiga claraboia que dava direto para o centro da loja. A saída era um duto de ventilação que, por uma estranha razão, possuía uma pequena escadinha de ferro sem-vergonha que moía todos os dedos na subida. Para a alegria insana de Gail, ali também havia um chuveirinho vagabundo e roupas abandonadas.

– Perfeito - Gail disse, depois de darmos uma arrumada em tudo - é quase impossível de ser suspeito...

– Desde que os zumbis que entrarem aqui não façam barulho - resmunguei.

Gail me deu uma tapa de leve na nuca.

– Deixe de ser pessimista, garoto! Se não está fazendo isso para o bem da humanidade, faça mela sua namorada!

Suspirei. Eu precisava era ir para casa e ficar na companhia da minha namorada-zumbi maluca. Mas Gail deixara claro que, para o meu bem e o de Chloë, era melhor que eu a trouxesse para o novo abrigo, bem longe dos olhares assassinos do Comitê. Ali ela ficaria mais segura.

Mas outro problema que eu não via como Gail ia resolver era o abastecimento de comida dos "pacientes". Aonde ela estava pensando que ia arrumar tantos cadáveres? No Instituto Médico Legal?

Gail parecia tão animada com a iminente recuperação da humanidade que não pude estragar sua felicidade com essas perguntas.

O segundo passo, terrivelmente arriscado, insano e o escambau, foi tirar Chloë de casa e trazê-la para a Clínica. Para evitar olhares, saímos pela cratera da loja; enquanto Gail tampava-a com a tábua e a escrivaninha por dentro e saía dando a volta pelo interior do shopping. Cobri o rosto de Chloë com minha jaqueta e a levei pela cintura, guiando-a. Ela espirrou tanto com aquela roupa que lhe tampava a boca que chegou tremendo no abrigo.

Fazer aquela zumbi subir na laje é que foi osso. Chloë, desde que morrera - até onde eu sabia - só sabia ir para frente, para trás e para os lados, igualzinha a um Uno Mille. Ensinar aquela criatura á subir foi como ensinar um bebê de cinco meses á andar.

Gail ficou tão agoniada que empurrou Chloë sem cerimônia nos últimos dois degraus, fazendo-a rolar pela laje feito uma bola de gude. Fiquei paralisado, dividido entre rir e falar para Gail correr pela própria vida, mas Chloë reapareceu pela jaqueta com um olhar dividido entre raiva e humor. Parecia ter achado a queda tão engraçada quanto nós.

– Tudo bem, Choë? - perguntei ao levanta-la.

Ela só piscou, balançando a cabeça.

– Doeu.

– Doeu? Você... também sente dor agora? - indagou Gail, curiosa.

Chloë afirmou com a cabeça, massageando o bumbum. Comecei á rir.

Gail ergueu as sobrancelhas para mim.

– Cara, você é um antibiótico pra essa menina. Se continuarmos assim, ela vai ser a primeira zumbi á se tornar humana, sem nenhuma intervenção, do mundo.

Olhei para Gail, enquanto ensinava Chloë á descer pela claraboia. "Como assim sem intervenção?", arfou meu inconsciente zangado. Pelo menos para mim, teve um intervenção desgraçada.

Meus lábios concordavam, ainda inchados pelo beijo de Chloë.

Ouvi um baque desagradável depois que Chloë saltou.

Gail olhou para dentro da claraboia.

– Tá viva, Chloë?

Um rosnado agressivo indicou que Chloë estava bem, mas que não achara graça nenhuma da piada.

– Você é uma idiota de primeira - murmurei para Gail antes de saltar. Ri da careta dela enquanto caía.

Caí confortavelmente na pilha de almofadas que havíamos colocado ali mais cedo. Chloë olhou ao redor da loja, e seu queixo desceu em queda livre até o pescoço.

Ela olhava chocada para as coisas que eu colocara ali para ela. Tentando descontrair o ambiente, eu improvisara uma cama com outra pilha de almofadas, trouxera um dos meus cobertores, o pôster do Final Fantasy e, dentro na geladeira da loja - que por algum milagre ainda funcionava - tinha deixado sua refeição inacabada, os restos do corpo que eu trouxera. Um bilhetinho bem-humorado de Gail na porta dizia Bom Apetite.

Chloë estreitou os olhos, parecendo confusa e aflita. O que estava acontecendo?

– Você... - ela engasgou, mas não mais como os zumbis faziam - fez isso... pra mim?

– Ah, fiz - murmurei, estranhando aquela expressão dela. Era algo entre a dor e a gratidão.

– Eu... - ela passou as mãos no cabelo - ... obrigada.

Eu não era muito inteligente, mas sabia somar dois mais dois. Gail tinha me contado, durante nossa arrumação da Clínica, sobre a família de Chloë. O como sua prima morreu, e como seu pai havia desaparecido.

Ver um quarto improvisado feito só para ela devia ter feito Chloë se lembrar de sua família.

– Chloë - me aproximei dela, tocando seu ombro.

Ela se virou para mim e enfiou o rosto no meu peito. Seu corpo se sacudia nos meus braços.

Definitivamente meu mundo caiu quando ela levantou a cabeça para mim.

Ela estava chorando. Sangue.

Eu fiquei chocado ao ver dois filetes escarlates brotarem de seus olhos e escorrerem pelo rosto pálido, deixando uma trilha cor-de-rosa em suas bochechas.

Eu nunca tinha visto ou sequer imaginado Chloë chorando. A imagem já era aflitiva e angustiante só de imaginar.

Mas ver ela chorar sangue era ainda pior. Era literalmente desumano.

Meus braços tremeram... eu não sabia como reagir. Apenas apertei ainda mais o nosso abraço, aninhando sua cabeça em meu ombro.

Gail também ficara perdida, com as mãos na boca.

Chloë se afastou de mim, tremendo, tentando enxugar em vão as manchas de suas lágrimas sangrentas.

– Me... desculpe, Ryan - soluçou ela.

– Por que está se desculpando, Chloë?

O rosto dela era o retrato da tristeza. Tudo aquilo parecia demais para aquele pobre coração forçado á bater depois de cinco anos. Como não devia estar a mente dela agora...

– Por... chorar feito uma menininha - ela tentou brincar, mas a aflição distorceu - ainda mais do que já era - a sua voz.

Gail também abraçou Chloë, que deu uma risada fraca e sofrida com mais aquele consolo.

Minha pobre zumbi confusa. Não pude deixar de ficar triste com sua angústia.

Gail levou Chloë até um nova banquetinha, parecidíssima com a que eu tinha em casa. Chloë pareceu perceber isso, pois sentou ali um tantinho mais animada.

Um piado no canto assustou-a. Ela se virou, perplexa, e deu de cara com Skype.

– Você trouxe... a calopsita! - ela gesticulou sobressaltada para Skype, que não demorou para saltar e pousar em sua mão.

Fiquei feliz por ela estar menos aflita. Junto com os cobertores, eu havia aninhado uma gaiola com minha calopsita e trazido-a para a Clínica. Achei que Chloë se sentiria mais á vontade com um amiga enquanto nós não estivéssemos ali.

Chloë acariciou a cabecinha de Skype, sorrindo.

– Bom... Chloë, tem o resto daquele cara que você não terminou de, ahn, comer... - detestei a risada idiota de Gail nessa hora - na geladeira... ainda está fresco... e, bom, não preciso falar pra você ficar aqui, se não alguém te mete a bala, não é?

Chloë assentiu, ainda olhando para Skype.

– A gente vai... procurar um "paciente".

– "Paciente"? - riu Gail - você está levando á sério o conceito de "clínica de reabilitação", hein?

– Gail, já disse uma vez, e vou falar de novo. Cala a boca.

Chloë deu uma risadinha asmática.

– Cara, eu não consigo pegar um zumbi sozinha. Vai vir comigo ou não?

– Tá, tá, já vou - resmunguei outra vez, seguindo Gail e subindo pelo duto de ventilação -eu volto logo, Chloë.

Ela me deu um adeusinho fraco com a mão antes de desaparecer da minha visão.

O corpo do zumbi amarrado que se retorcia entre eu e Gail era um tanto pesado.

Era um cara provavelmente na meia-idade. Não devia ter mais de quarenta e cinco anos quando foi infectado. Estava caçando por um beco, e, curiosamente, estacou e recuou com a mesma confusão reflexiva de Chloë ao me ver pela primeira vez. Um bom ponto de partida começar com um zumbi um tanto parecido com Chloë... pelo menos nas "apresentações". Imobiliza-lo sem que ele percebesse e sem machuca-lo foi o cão.

Graças á Divina Providência, não encontramos nenhum humano incursionista no caminho. Explicar por que nós estávamos carregando um zumbi amordaçado, sem uma dosezinha de mentira na história, simplesmente não dava.

– Taca ele logo, Ryan! - disse Gail, posicionando o zumbi na claraboia. Para evitar mais raiva do nosso "paciente", saltei junto com ele. Caímos no chão fofo de almofadas. Gail veio logo em seguida.

Choë virou-se com um ar interessado para nós. Tinha feito Skype dormir em seu colo, e estava colocando-a na gaiola com uma delicadeza incrível quando eu me aproximei.

– Muito bem , mamãe - brinquei.

Ela deu um sorrisinho encabulado, dando de ombros.

Gail agora estava soltando as amarras dos pés e a mordaça do zumbi. Por precaução, mantinha os braços dele amarrados.

Também por precaução, mirei a espingarda nele para mante-lo naquele canto. O rosto do zumbi não possuía nenhum tique. Exibia uma expressão de raiva e confusão... muito parecia com a de Chloë no começo.

Parecida até demais.

Por que eu estava estranhando aquilo daquele jeito? Mesmo que ele fosse um zumbi humano, ou até um futuro e promissor "reabilitado", eu estava vendo muitas semelhanças, além daquelas, com a zumbi que eu conheci no início.

E minhas dúvidas quanto a isso foram sanadas quando Chloë encarou o novo zumbi com uma assombração no olhar. Ela saltou da banquetinha, tremendo, e uma expressão agoniada e chocada cortou seu rosto.

Seus olhos se turvaram com uma camada de lágrimas cor-de-rosa prontas para escorrerem. O sussurro tremido dela parecia conter toda a tristeza e alegria do mundo, juntas numa única fonte homogênea.

– Papai?


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