Convergência Sombria | Bonkai...

By Dark_Siren4

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Depois de fugir do Mundo Prisão de 1994, Bonnie acha que pode ter uma vida normal ao lado de seus antigos am... More

1. Eu me caso com um sociopata
2. O Ritual de União das Almas
3. Enfrento a fúria da minha esposa
4. Deixo Kai me tocar
5. Bonnie me dá um perdido
6. Acordando com Kai
7. Meu novo emprego e um cadáver
8. Canção de Ninar
9. Meus sentimentos e Minha sogra
10. Meu novo colega de quarto
11. Incêndeio um Espectro folgado
12. Um coração partido
13. O meu e o seu coração
14. Entre dois idiotas e minhas descobertas
15. Eu? Apaixonado? Quem diria
16. E o tiro saiu pela culatra
17. Um velho me ataca
18. Sou dele
19. Sem ele
20. Visito o cemitério
21. Sou flagrado
22. Ela me domina
24. A Revanche
25. Amigos e Respostas
26. A Flora e o Mar
27. Um lago de verdades
28. Para Sempre
29. Reunião de família
30. Nas Sombras
31.Conhecendo o inimigo
32. Possessão
33. Supernova
34. Em casa
35. O que falta em mim
36. Nós dois
37. Um pedaço de mim
Capítulo 38: Minhas Prioridades
Capítulo 39: O homem em chamas
Epílogo:
Antes que eu me vá...
Capítulo Bônus: Linhas de Sangue
Livro Novo!

23. Férias forçadas

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By Dark_Siren4

Abotoei minha calça, enquanto Kai se levantava e vestia a camisa, que alguns minutos antes, eu havia arrancado.

Ele não havia me dito muitas coisas, apenas o que soube por Damon: Theodora havia sido encontrada. Mas sob quais condições não sabíamos.

Kai parecia muito nervoso e preocupado.

Estranhei aquilo. Pelo pouco que sabia, tia e sobrinho não se davam bem, porém, era muito difícil ficar sabendo algo de sua família, pois Kai era muito fechado com esse tipo de coisa.

Ele vestiu a camisa, cobrindo aquele corpo maravilhoso. Claro que as circunstâncias não eram boas, mas não conseguia parar de pensar que por pelo menos alguns minutos ele foi meu, só meu. E não sei o que deu em mim para fazer aquilo, dominá-lo daquela forma. Eu nem sabia que tinha tanto poder nas mãos, apenas havia me deixado levar pelo instinto e pelo prazer.

Meu corpo vibrou em protesto, querendo mais dos beijos e carícias de Kai. Me sentei em sua cama, enquanto ele calçava as botas. Ele se virou, olhando para mim e seus olhos cinzentos ardiam com o mesmo desejo que os meus.

— Vamos resolver esse problema — disse de forma intensa — E quando voltarmos, vamos terminar nossa conversa.

Revirei os olhos, mas não conseguia esconder o sorrisinho bobo que surgiu em meus lábios. Eu queria mais. Queria cada parte dele.

Tudo em mim, era um mar de confusão. Ainda estava irritada com Kai, queria muito acreditar em suas palavras, mas a imagem daquela vagabunda em cima dele, não saía da minha cabeça. Uma parte de mim dava sorrisos de satisfação, só de pensar no quanto bati na Piranha Cross. E o segundo motivo, para eu ainda estar irritada com Kai, era porque ele não me deixou acabar com aquela garota.

Obviamente, os dois motivos eram irracionais e movidos por puro ciúme. Eu sabia que deveria acreditar em Kai. Ele não seria capaz de mentir para mim. Pelo menos, queria acreditar que não.

— Você vem? — perguntou Kai, parado na minha frente com a mão estendida. Não tinha nem percebido o quanto estava imersa em pensamentos.

Segurei sua mão, sentindo o calor gostoso que irradiava dela. Kai ajudou- me a levantar e quando já estava de pé, ele me puxou subitamente para seu corpo. Seus braços envolveram minha cintura. Ele se inclinou, querendo me beijar. Coloquei um dedo em seus lábios, os impedindo de tocar os meus.

Ele franziu as sobrancelhas escuras, magoado. Continuei firme, apesar de querer aquele beijo loucamente.

— Não — disse eu, seriamente — Tem que fazer por merecer.

E revirou os olhos e rapidamente beijou meu pescoço. 

— E eu não fiz? — sussurrou, contra minha pele.

Tentei controlar a forma como o ar entrava e saía dos meus pulmões.

— Definitivamente, eu a deixo muito nervosa, BonBon — murmurou, me soltando carinhosamente.

Eu estava ofegante, mas tentei manter o que restava da minha dignidade. Revirei os olhos, passando por ele, indo em direção a porta de seu quarto.

— Cala a boca, Parker.

Ao entrarmos na garagem, Kai parou em frente a porta do meu carro, encostou- se nela de braços cruzados e ficou me encarando. Já sabia o que ele queria.

— Nem pensar — neguei, escondendo a chave do veículo no bolso de trás da calça.

Kai ergueu uma sobrancelha.

— O que você disse mesmo quando eu estava no meu leito de morte? — perguntou, de maneira sugestiva.

Cruzei os braços, trocando o mesmo olhar sério.

— Isso não importa agora, Kai.

— Para mim, sim. E além de tudo, você prometeu. E pelo que sei de vocês, Bennetts, sempre levam suas promessas muito a sério.

Olhei enviesado para ele, sem saber o que dizer. Desgraçado esperto!, pensei, com raiva.

— Mas posso quebrar uma promessa, vez ou outra — falei, querendo afastá- lo da porta do carro, mas ele foi mais rápido me puxando contra seu corpo.

Senti sua mão quente descendo por minha coluna e entrando no bolso da minha calça, enquanto ele pegava a chave do carro, porém, não antes de apalpar meu bumbum sob o jeans.

— Você sabe — disse ele, me mirando com seus olhos cinzentos e lindos — que o que não consigo de uma maneira fácil, eu pego a força, não sabe?

Comecei a ofegar, pois não sabia se ele estava falando das chaves do carro ou de mim.

— Anda, Bonnie... Seja uma boa menina — disse ele, brincalhão, mas ainda assim de uma forma intensamente avassaladora.

Acho que eu não estava respirando.

— Tudo… bem — assenti, completamente hipnotizada por aqueles olhos tempestuosos.

Ele se inclinou dando um beijo no alto de minha cabeça, carinhoso.

— Agora vá para o banco do carona — cantarolou, me afastando — Porque hoje esse carro me pertence. E a dona dele, se quiser, também.

Revirei os olhos, indo para o outro lado do carro, mas, claro, eu sorria feito uma boba.

O que está acontecendo comigo?, me perguntei, confusa.

Não conseguia entender o que havia comigo e Kai, estávamos tão diferentes de quando nos conhecemos. Eu, principalmente, estava muito mudada. Antes, não suportava a ideia de ficar perto dele. Agora, não conseguia nem dormir sem seus braços calorosos e protetores em volta de mim. Sem contar aquele perfume que era apenas dele. Tinha algo de familiar e reconfortante naquele cheiro.

Eu ficava me revirando a noite toda em minha cama, como se o colchão e tudo parecesse tão desconfortável. E nessas horas engolia todo o meu orgulho e ia para o quarto de Kai. Ele estava capotado e eu o acordava para perguntar se poderia dormir com ele. Kai nunca dizia não. Ele me abraçava e me deixava muito confortável com o calor de seu corpo. Eu suspirava, satisfeita, pois meu corpo parecia ter sido feito para se encaixar no abraço dele.

***

À medida que nos aproximávamos mais do lugar que Damon nos indicou, Kai parecia mais preocupado. Não sei porque cismava tanto com o fato dele dirigir meu carro. Ele parecia muito paciente e calmo ao volante.

Ele franziu os lábios, olhando para a estrada. Um carro andava em uma velocidade muito mais lenta do que a nossa e estava nos fechando.

— Vai logo — disse Kai, começando a se irritar. Mas o carro continuava na mesma velocidade.

Vi os punhos de Kai se fecharem em volta do volante. Subitamente, a velocidade do nosso automóvel aumentou. E Kai estava chegando ameaçadoramente perto da traseira do outro veículo.

— Kai — avisei.

— O quê? — murmurou, com a voz mais inocente do mundo.

— Não estrague o meu carro — ameacei.

Ele revirou os olhos, mas reduziu a velocidade significativamente. 

— Eu não ia estragar o nosso carro, apenas ia dar um empurrãozinho naquela lesma — explicou ele, como se causar um acidente de carro fosse algo muito normal.

— Você é louco, sabia?

Ele riu, mas foi um riso nervoso.

— Agora que você percebeu isso?

Suspirei e coloquei a mão sobre sua perna, afagando.

— Ela vai ficar bem — tentei confortá-lo.

Ele olhou para mim, muito nervoso e indefeso. Comecei a imaginar se aquela não era sua expressão de quando era criança. Quando era ainda muito inofensivo.

— Você… Você acha?— questionou, parecendo precisar muito daquilo.

Eu não sabia o que dizer. Não tinha ideia de como Theodora estava e não queria prometer algo de que não tivesse certeza.

— Não se preocupe, vai ficar tudo bem — murmurei e toquei sua bochecha, acariciando. Kai se inclinou em direção ao meu toque, com um pequeno sorriso de satisfação.

Estacionamos o carro no meio fio. Desci dele sentindo o ar gelado da manhã. Uma nevasca leve caía por toda a cidade. Olhei para Kai, que havia descido também. Suas bochechas estavam coradas por causa do frio e seus olhos pareciam profundamente azuis com o leve fulgor da neve ao fundo.

Tive que admitir que ele era lindo.

Ele colocou as mãos nos bolsos do casaco, compenetrado. Aquilo era a preocupação com sua tia transparecendo.

Era estranho imaginar Kai se preocupando com alguém que não fosse ele mesmo.

— Vamos? — murmurou ele, me olhando.

— Claro — saí de meus devaneios.

Fomos até o endereço que Damon nos indicou.

Eu já estava preocupada, mas quando vi a multidão de pessoas e as viaturas de polícia em volta da grande praça, percebi que a situação era realmente séria. Olhei para Kai, que observava a cena resignado, não deixando nada transparecer em suas feições. Ele começou a caminhar por entre as pessoas, enquanto eu corria para acompanhar suas passadas. Percebi que seus ombros estavam muito tensos. 

Kai passava pelas pessoas sem pedir licença, esbarrando nelas de forma brusca. Ele realmente estava preocupado. E parou em frente a grande construção gótica com torres altas. Kai a olhava desafiadoramente.

Coloquei a mão em seu braço, tentando deixá- lo mais calmo.

— Tem certeza de que quer entrar? — perguntei, olhando intensamente em seus olhos azuis.

Ele assentiu.

— Tudo bem— suspirei.

Ao passarmos pelo portal da igreja, vi uma leve movimentação no escuro. E Damon surgiu dali. Ele caminhou até nós, bloqueando a entrada. 

Sua expressão era muito séria e preocupada.

— Se eu fosse você não entraria aí, garoto — avisou Damon.

— E se eu fosse você sairia da minha frente — rosnou Kai.

Damon suspirou, dando passagem para nós dois.

— Não digam que eu não avisei.

Lembro que aquela igreja sempre foi muito vazia, a menos que tivesse um culto no domingo ou alguma festividade, mas tirando isso, normalmente ela ficava às moscas.

Mas não naquela manhã.

Havia um caos de médicos e policiais andando por todos os lados. Eles conversam seriamente. E todos tinham a mesma expressão horrorizada e assustada. As cores escuras como o marrom escuro e o negro dominavam toda a Igreja. E a pouca luz que entrava ali, era filtrada pelos vitrais altos e coloridos, deixando tudo ali dentro com um ar fantasmagórico.

Kai caminhou até o centro da igreja, parecendo ser atraído por algo perto do altar. Segui seus olhos, que miravam algo no alto.

E vi com horror, algo grande pendendo do teto. Não consegui distinguir o que era. Cheguei mais perto, tentando ver, parando praticamente embaixo, mas aquilo estava encoberto por um grande lençol, porém, pude notar algo escapando por debaixo do tecido.

Era muito pequeno, como o de uma criança, mas aquilo com certeza era um pé. Estava de um tom doentio de pálido-azulado.

— Meu Deus… — sussurrei.

Kai fez um leve movimento de mão, fazendo o lençol cair, revelando uma pessoa.

Senti uma vertigem horrível se abater sobre mim. Cambaleei, pensando que fosse desmaiar. E senti meu corpo se chocar contra o de Kai. Suas mãos pousaram em meus ombros, dando sustentação.

— É a... a… — tentei dizer, mas os sons não saíam direito.

— Theodora — disse ele, e sua voz era inflexível, totalmente sem emoção nenhuma.

Aquilo passava muito longe de ser a Theodora que conheci.

Seu corpo pendia de uma grande altura, preso apenas pelos pulsos, por longas cordas de arames farpados. Entretanto, o que realmente nos deixou abismados era seu pescoço quebrado. Torcido em uma posição totalmente impossível para um ser humano. Pude ver grandes manchas vermelhas sobre o tecido da camisola branca e comprida. Seus olhos cinzentos e sem vida ficaram com o horror ainda estampado neles.

Voltei-me para Kai que observava tudo de uma forma fria, sem demonstrar uma única nesga de emoção.

— Kai, vamos embora daqui — murmurei, tentando tirá-lo dali, mas ele parecia estar preso ao assoalho, apenas olhando para uma Theodora morta — Kai.

Ele me deixou de lado, indo em direção ao corpo de Theodora. 

— Kai — chamei, mas ele não me deu nenhuma atenção.

O vi parar perto de onde o corpo de sua tia estava.  Ele olhou para cima. 

E com um acenar de mão, fez o corpo de Theodora se desprender de um dos arames farpados, fazendo-o descer até o altar.

Olhei para trás, alarmada, achando que algum dos médicos e policiais tivessem visto aquilo, mas estavam tão focados em resolver o caso, que nem prestavam atenção na vítima. Prestei atenção em Kai que se aproximou do corpo pálido e morto da tia. Ele se ajoelhou diante dela, pegando sua mão de uma forma que eu nunca pensei que fosse ver: com carinho.

Ele se aproximou do rosto e deu um beijo suave. E sussurrou algo parecido com "obrigado".

O que ele está agradecendo?, me perguntei, ficando confusa com aquilo.

Kai colocou a mão no bolso da calça e tirou algo dele. Era pequena e dourada, com duas pérolas pendendo dela. Uma branca e a outra negra. A pulseira de Theodora. A prendeu no pulso fino de sua tia, ajeitando-a.

E depois se levantou.

E sua expressão não era desolada e fria. Pelo contrário, mostrava um ódio que nunca vi em seus olhos. Ele passou por mim, sem dizer uma palavra.

Depois de passarmos duas horas dando depoimentos para os investigadores do caso, fomos liberados e voltamos para casa. Eu queria dirigir, mas a forma como Kai estava— mortalmente silencioso —, me deixava assustada, então resolvi deixá-lo ficar no volante.

Ao chegarmos em casa, Kai foi diretamente para seu quarto. Resolvi deixá-lo em paz, apesar de saber que havia algo errado com ele.

***

Eram sete e meia e o sol de inverno já havia se posto há muito. 

Eu havia passado a tarde toda na sala de estar, esperando Kai se entediar e descer, mas não o vi o dia todo. Larguei a manta que me cobria em cima do sofá, com um suspiro resignado. Fui até a porta do quarto dele, esperando que ele não tivesse trancado.

Adentrei seu quarto escuro.

Não dava para distinguir muita coisa, mas pude ver a bagunça que havia se formado ali. Foi como se um furacão tivesse passado naquelas poucas horas. Haviam objetos quebrados e espalhados por todos os cantos. Tudo estava revirado.

Procurei por Kai, mas estava escuro demais. Fui até o criado mudo, tencionando acender o abajur.

— Deixe assim — disse Kai.

Tive um sobressalto com meu coração acelerando. Vasculhei o quarto com os olhos, o procurando. E o vi perto da janela, sentado na poltrona, olhando para o céu noturno, mas não parecia interessado naquilo, estava apenas perdido em pensamentos.

Não consegui ver muito de seu rosto, pois a escuridão o encobria.

— Como você está..? — tentei dizer, não sabendo como entrar em um assunto tão delicado como aquele.

Ele não disse nada, continuava olhando para a janela, para o céu.

— Sabe qual o nome da galáxia mais próxima da nossa? — perguntou ele, de uma forma estranha.

— Não — respondi, confusa.

— Andrômeda — disse ele — Um nome bonito. Queria entender porque dão nomes tão antiquados para estrelas e cometas. Imagine um cometa chamado Malachai?

E riu, mas foi um riso triste e amargurado.

Sabia o que ele estava fazendo, tentando me distrair com sua tagarelice, desviando a atenção para algo que não fosse referente ao que aconteceu naquela manhã.

— Kai...

— Imagine uma estrela chamada Bonnie — e riu de novo — Claro que ela teria que ser uma estrela-anã para combinar com a dona.

Não me importei nem um pouco com aquilo, já estava me acostumando com as piadinhas de Kai em relação a minha altura.

Tinha algo errado com ele.

Ele parecia estar… sofrendo?

Caminhei até a poltrona em que ele estava sentado. Kai parou de olhar para a janela, desviando o rosto do meu. Vi sua mão, pousada sobre o braço da poltrona. Coloquei minha mão sobre a sua, pressionando levemente.

Ele não retribuiu o aperto, afastando seu toque do meu.

— Você está triste por ela, não é? — murmurei.

Aquilo soava loucura pura, pois Kai nunca sentiu nada por ninguém. Até nossa relação, não passava de uma mentira, com o feitiço que nos confundia e aquela atração que não nos deixava. Mas, estranhamente... aquilo parecia tão exato. Ele realmente parecia estar muito triste.

Kai não respondeu minha pergunta.

Seus olhos cinzentos não encontraram os meus.

— Kai, olhe para mim — disse eu, tocando seu rosto, tentando fazê-lo voltar para mim, mas ele continuava inflexível.

— Sai daqui, Bonnie — disse de forma fria — Estou de saco cheio de você querendo bancar a minha mãe.

Não me deixei abalar por aquilo.

— Sei que está sofrendo — murmurei, ainda séria.

Ele riu outra vez.

— Não seja ridícula — murmurou desdenhosamente.

— Por que não admite que realmente está sentindo algo — murmurei, ficando irritada com sua teimosia — Você está mal pela Theodora...

— Não diga o nome dela!— gritou ele.

Tive um sobressalto de susto.

O fitei, sentindo aquelas lágrimas idiotas, tentando sair. Estarmos mais próximos, não mudava o fato de que Kai era um sociopata. E ele ainda me assustava, mesmo que eu não admitisse.

Ele suspirou pesadamente.

— Vá para o seu quarto, Bonnie — e sua voz parecia muito cansada.

Respirei fundo, me virei, querendo sair dali. Mas, subitamente, voltei para ele, fui até a frente de sua poltrona e me sentei em seu colo. Ele teria que me empurrar no chão para me afastar dele. Esperava que ele não fizesse isso 

— O que você está fazendo? —  perguntou ele, surpreso.

O abracei com carinho, afundando meu rosto em seus cabelos escuros e macios. Inspirei aquele aroma maravilhoso de almíscar.

— Ninguém deve ficar sozinho em um momento como esse — murmurei, acariciando sua bochecha e mirando seus olhos azuis — Nem mesmo você, Kai.

Ele tentou me tirar de cima dele.

— Me deixa em paz, Bonnie… — disse, mas sua voz parecia muito frágil, como se ele pudesse quebrar a qualquer momento.

O abracei mais forte ainda.

— Droga, Bonnie, sai daqui...

— Shhh —fiz eu, acariciando seus cabelos — Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui com você.

Minha voz saía embargada. E percebi que eu estava chorando. Mesmo que eu e Theodora tivéssemos nossas diferenças, não achava que ela merecesse morrer daquela forma tão brutal.

Acariciei a bochecha de Kai, mais uma vez, e senti a umidade em seu rosto. Ele estava chorando. Ainda era muito estranho para mim ver Kai demonstrando esse tipo de emoção.

E seja lá o que ele estivesse contendo, rompeu-se como uma represa. E ele começou a chorar desesperadamente. Ele apertou seus braços em volta do meu corpo, como se precisasse muito daquilo.

O abracei também, chorando com ele. Sua dor, era minha dor.

***

Kai não falou por três dias.

Ele só se levantava para comer, tomar banho e dormir. Era tudo tão automático que assustava.

Tive que insistir muito para que ele se alimentasse, mas ele não ligava muito para a comida.

Aquilo realmente estava me preocupando. Eu nunca o tinha visto naquele estado. Ele estava mais pálido e com grandes olheiras sob os olhos, pois não dormia à noite.  Seus pesadelos só pioraram com o tempo.

E eu não sabia o que fazer para que ele ficasse melhor. Tentava consolá-lo e ficar perto dele.

Na tarde do quarto dia, ouvi o som da campainha tocando.

Kai estava sentado no outro sofá assistindo a um seriado bobo dos anos noventa, que ele havia encontrado, mas não parecia interessado naquilo realmente.

Me levantei, fui atender a porta e quase enfartei com o susto.

Ele vestia um casaco cinza, com um cachecol preto, jeans e botas. 

Seus olhos castanhos miraram os meus e ele parecia feliz em me ver.

— Jeremy? O que… que faz aqui?— gaguejei, olhando por cima do ombro, com medo de Kai aparecer. Não queria vê-los brigando outra vez. Ainda mais, porque Kai estava extremamente instável naqueles poucos dias.

Fitei Jeremy outra vez.

— Ele está aí, não é? — murmurou acusadoramente.

Assenti.

— Kai não está muito bem depois de… — dei de ombros — Você sabe.

Ele assentiu.

— Posso entrar? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.

Coloquei as mãos nos quadris.

— Depende — murmurei desafiando — Vocês vão tentar se matar outra vez?

— Só o farei, se ele fizer — deu de ombros.

Apesar de Kai estar mais controlado, ainda não confiava em suas reações. Ele era muito imprevisível.

— O que você quer aqui? — perguntei, estranhando sua visita.

Ele colocou as mãos nos bolsos do casaco, parecendo um pouco nervoso. 

— Preciso falar com você, Bonnie — disse ele — É importante.

Fiquei o encarando por alguns segundos, indecisa sobre falar com ele ou não.  Suspirei.

— Ok. Eu falo com você, mas aqui em casa não — murmurei, me voltando para dentro — Vou pegar meu casaco…

E dei de cara com Kai.

É. Eu tomei um susto daqueles.

Seus olhos azuis estavam me atravessando com uma raiva contida. Ele se aproximou de mim e eu dei um passo para trás, com medo de seu olhar. Ele olhou para Jeremy, parado na varanda, que retribuía o mesmo olhar de ódio.

E eu estava no meio deles e, provavelmente, seria achatada caso eles resolvessem se atracar ali.

A tensão era tão forte que quase chegava a ser física.

Kai se inclinou, apoiando um braço na porta e com outro, transpassou minha cintura, me puxando para seu corpo de forma possessiva.

Eu adorei seu toque, pois ele estava me ignorando desde a morte de Theodora. Mas fiquei completamente rubra ao perceber que Jeremy, ainda estava parado ali, observando tudo.

Seus olhos cor de chocolate iam da mão de Kai em minha cintura, para meu rosto vermelho. Tentei afastar o braço do bruxo de meu corpo, mas ele não deixava, segurando com firmeza.

— O que faz aqui, fedelho? — perguntou com a voz cheia de ironia e veneno.

Jeremy o encarava com ódio.

— Não é da sua conta, doente — alfinetou ele — Meus assuntos são com Bonnie e não você.

Vi o sorrisinho debochado que Kai deu.

— Sou o marido dela. Tudo que tiver para falar com ela, tem que dizer na minha frente.

Jeremy riu.

— Não venha com esse papo, cara. Você a forçou a se casar. 

Kai sorriu daquele modo diabólico.

— Pode até estar certo sobre isso, mas não quer dizer que ela não goste disso, não é, BonBon? — murmurou e deu um beijo suave em meu pescoço, fazendo minha pele se arrepiar toda.

Mordi o lábio, tentando conter o suspiro de prazer que ameaçava escapar de meus lábios. E olhei para Jeremy, ficando ruborizada outra vez.

Sua expressão era furiosa, seu maxilar estava trincado com força e seus lábios em uma linha rígida.

Eu conhecia aquela expressão. Ele estava com ciúmes.

Senti a respiração de Kai em meu cabelo, enquanto ele inspirava meu cheiro. Ele até podia estar na fossa, mas com certeza, não perdia a oportunidade de tentar brigar com Jeremy.

— Me solta, Kai — disse eu, o encarando.

Ele não pareceu muito feliz com meu pedido. Seus olhos azuis miravam os meus, me desafiando a tirar seu braço de minha cintura. Ficamos assim por alguns segundos.

Ele suspirou, derrotado.

— Ok, meu amor — disse ele, acariciando minha bochecha com aquele sorriso canalha e irritante.

Ele fez isso para irritar Jeremy. E não gostei nada disso. Eu não serviria de bucha de canhão para suas emoções conturbadas.

Kai tirou o braço que envolvia minha cintura de má vontade. Aproveitei para pegar meu casaco e sair de casa, antes que aqueles dois começassem a se estranhar. Puxei Jeremy comigo, pois ele estava paralisado de raiva, com o punho cerrado, louco para bater em Kai. Este que continuou parado na varanda de braços cruzados, nos encarando enquanto nos afastamos.

— Então, você me chamou aqui para conversar, não? — perguntei, olhando para um Jeremy carrancudo.

— Sim.

—E por que não está falando nada?— perguntei.

— Você sabe o porquê — respondeu de forma ríspida.

Suspirei pesadamente.

Fiquei quieta, tentando me concentrar no som de nossos passos na calçada com neve.

— Você está com ciúmes do Kai? — perguntei, hesitante.

Ele suspirou.

— Eu realmente preciso responder isso? — resmungou. Eu não disse mais nada.

Ficamos durante um bom tempo, apenas caminhando pela cidade, enquanto uma brisa suave e invernal nos acertava o rosto.

— Vocês parecem estar se entendendo — ele quebrou o silêncio — Nunca pensei que isso, um dia, pudesse acontecer entre vocês.

Engoli em seco.

— Aprendemos a conviver, não quer dizer que eu e Kai concordamos em tudo — expliquei.

Vi a forma como os ombros de Jeremy estavam tensos.

— É — disse ele, amargo — Como um casal.

Revirei os olhos.

— Não somos um casal...

Jeremy parou de caminhar, me encarando. Eu também parei.

— O jeito como vocês agem um com o outro… Vocês são um casal— disse ele, magoado.

Franzi os lábios, tentando não olhar para ele. Não queria ter que discutir isso.

— O que quer falar de tão importante, Jeremy? — perguntei, mirando seus olhos quentes.

Sua expressão tornou-se mais sombria. Ele olhou para o cimento na calçada, remexendo a neve com o pé.

— Bonnie, eu… — Esperei, em expectativa — Eu vou voltar para Duke — disse com pesar.

Senti meu estômago afundar.

Jeremy está indo embora?, pensei, desesperada. De novo?

— Mas… você acabou de chegar… — murmurei, debilmente.

— Eu sei — assentiu — Mas eu só voltei por você. E agora...

Agora, eu e Kai estávamos presos um ao outro, completei em minha mente. Senti meus olhos arderem.

— Você… não pode ficar mais um pouco?— perguntei, com a voz embargada.

Ele olhou para mim, com tristeza e soube a resposta: não. Ele não podia ficar. Eu sei que estava sendo egoísta, não podia ter Kai e Jeremy para sempre. Teria que escolher.

Durante muito tempo, reprovei a atitude de Elena, por não se decidir em relação a Stefan e Damon. Agora, entendi. 

Como eu podia dividir meu coração? 

Eu amava Jeremy demais. Mas, definitivamente sentia algo forte e arrebatador por Kai. Porém, não conseguia me imaginar sem nenhum dos dois.

Senti uma lágrima escorrer pela minha face.

— Quando… Quando você vai embora? — perguntei, hesitante.

Jeremy me encarava tristemente, como se aquilo, também, estivesse acabando com ele.

— Vou embora amanhã cedo.

Arfei. 

— Mas… já?

Ele assentiu.

— Bonnie, eu não posso ficar mais — explicou, parecendo sentir uma dor enorme — Não posso ver você com aquele… aquele cara, tá? É demais para mim.

— Eu sei, eu sei... Você tem razão— funguei — Eu não estou pensando em você. Me desculpe… — E comecei a chorar.

Jeremy veio até mim e me puxou em um abraço apertado e carinhoso. Gostei da sensação de seus braços quentes em volta de mim. Ele deixou que eu chorasse e quando fiquei mais calma, me afastou um pouco, olhando para mim intensamente.

Havia uma pequena luz em seu olhar.

— Bonnie — murmurou, parecendo ansioso — Por que você não vem comigo, hum? Deixe tudo para trás. Deixe o Kai e fique comigo. Eu amo você e sei que sente o mesmo por mim. Por favor, seja minha.

O olhei alarmada.

— Você está falando sério? — perguntei, energicamente.

Ele sorriu.

— E eu brincaria com algo tão sério, Bon?

Meu coração acelerou drasticamente.

A possibilidade de ter uma vida inteira com Jeremy. Ficaríamos sempre juntos, como deveria ter sido. E novamente, comecei a devanear sobre a possibilidade de envelhecermos juntos, com nossos filhos, que teriam seus lindos olhos castanhos.

— Seríamos apenas eu e você — disse ele, acariciando minha bochecha — Para sempre.

Me inclinei em direção ao seu toque, querendo mais. Eu poderia deixar tudo para trás. Toda essa dor e sofrimento, todas as coisas ruins que aconteciam nessa cidade. Poderia esquecer essa vida louca em que eu vivia. E meu mundo seria Jeremy, meu amor...

Respirei fundo, tentando conter as lágrimas.

— Não posso, Jeremy — disse eu, de forma decidida.

Ele sorriu, mas foi um sorriso triste.

— Eu já sabia que você responderia isso — disse ele, parecendo muito mal com aquilo — Você não consegue deixá- lo, não é?

—Não, é só por causa de Kai — murmurei, tentando convencer a mim e Jeremy — Eu tenho minha vida aqui. Não posso abandonar tudo assim...

— Bonnie — interrompeu — Nós dois sabemos que você não vai embora de Mystic Falls, porque Kai está aqui e você não consegue deixá-lo, porque está apaixonada por ele, não é?

Ele dizia aquilo sem nenhuma ponta de arrogância ou raiva, só citava como se fosse um fato muito contundente. Fiquei embasbacada, olhando para ele, sem acreditar no que ele dizia.

— Do que está falando, Jeremy? Eu não estou apaixonada pelo Kai — disse eu, irritada.

Ele suspirou, pacientemente.

— Naquele dia em que encontramos você e Kai naquela igreja abandonada, no meio da floresta — murmurou, seriamente — O modo como você o estava abraçando, como se estivesse pronta para morrer por ele. Nunca vi você tão determinada em proteger alguém. E quando fomos para o carro, eu vi o jeito como você olhava para ele. Você nunca olhou desse jeito para mim.

Culpa era um sentimento muito fraco para descrever o que eu estava sentindo, não queria que Jeremy se magoasse.  Eu sempre pensei que meu amor por ele fosse o suficiente, mas não era.

— Não diga isso Jeremy, eu amo você — tentei me explicar.

Ele sorriu e vi uma lágrima escapando de seu olho. 

— Você nunca me amou, só amava a ideia de ter alguém tão quebrado, que pudesse ser consertado por você. Você ama a idéia de me amar. 

Eu solucei, começando a chorar de novo.

— Jeremy, por favor… — murmurei, não suportando aquela dor — Não pode acabar assim...

Ele veio até mim, segurando meu rosto entre suas mãos grandes e quentes.

— E quem disse que acabou? — murmurou, dando um pequeno sorriso — Você sempre vai ser minha namorada e acima de tudo, minha melhor amiga. Ninguém nunca me amou como você, Bonnie Bennett.

Solucei outra vez.

Tentei sorrir, ele não merecia me ver assim.

— E você sempre vai ser meu melhor amigo e meu primeiro amor, Jeremy Gilbert — sussurrei, olhando intensamente dentro daquele castanho profundo — Eu amo você.

— Eu também amo você — disse ele, sorrindo para mim.

E o que ele fez, me pegou totalmente de surpresa. Jeremy encostou seus lábios nos meus de forma carinhosa, me beijando suavemente. 

E acabou rapidamente.

Ele sorriu parecendo satisfeito.

— Vem — disse ele me puxando pela mão de forma gentil — Eu a levo pra casa.

Eu sorri, indo com ele pelo mesmo caminho, pelo qual viemos.

— Ei, não existe uma espécie de "divórcio sobrenatural" para você e o Kai? — perguntou ele, sorrindo de forma brincalhona.

Eu sorri.

— Infelizmente, não — murmurei, não conseguindo conter um sorriso ao vê-lo um pouco melhor — Vamos nos aturar até um de nós dois morrermos. Isso se não nos matarmos até lá.

Jeremy riu.

Durante todo o caminho fomos conversando.  E eu senti falta de falar com ele. Acho que depois de nosso término, ficamos menos tensos perto um do outro. É claro que durante nossa pequena caminhada, eu sorria e ria de suas piadas, mas por dentro, eu só queria chorar sem parar.

Ao entrar em casa, vi Kai, sentado no sofá da sala, parecendo tenso com alguma coisa. E quando me viu, se levantou pronto para dizer algo, mas não dei atenção nenhuma. Corri escada acima e entrei no meu quarto, completamente aos prantos.

Ainda não consegui acreditar que não havia mais eu e Jeremy.

Ele foi maravilhoso e amigável, me trazendo até em casa.  E antes de ir, me abraçou. 

Ainda podia sentir o calor de seu corpo contra o meu. Outro soluço escapou de meus lábios. Me encolhi no colchão, pegando um travesseiro para abafar meu choro.

E ouvi o familiar rangido da porta sendo aberto lentamente.

— Bonnie?— chamou Kai, com a voz baixa, parecendo preocupado.

— Sai daqui! — ordenei, não querendo que ele me visse daquele jeito.

— O que aconteceu? — me perguntou — O Gilbert a machucou? Disse alguma coisa que a magoou? Pode me dizer, eu juro que mato ele! 

Tirei o travesseiro do rosto, olhando para ele.  Seus olhos azuis-cinzentos miravam os meus cheios de preocupação. 

— Ele não fez nada, Kai... Sai daqui, anda...— recoloquei o travesseiro em meu rosto, chorando mais ainda.

Ouvi o som da porta se fechando. E respirei aliviada, pois poderia chorar sozinha e em paz. Porém, ouvi o som de passos no piso de meu quarto. 

Continuei quieta.

Bastardo teimoso!, pensei, ficando irritada.

Senti o leve movimento do colchão, quando Kai sentou ao meu lado. Ele ergueu meu pé direito.

— O que você está fazendo..? — perguntei, confusa, o vendo desamarrar minhas botas e as tirando. Kai se deitou ao meu lado, descendo o zíper do casaco que eu vestia e o tirou com cuidado.

Senti seus braços, envolvendo minha cintura e me puxando devagar contra seu corpo.  Ele tirou o travesseiro do meu rosto. 

— Ei, BonBon… — murmurou, tirando alguns fios de cabelo que haviam se espalhado por meu rosto — Me diga o que aconteceu. 

Solucei mais uma vez, chorando descontroladamente. Kai esperou até que eu pudesse falar com clareza.

— O Jeremy… foi… — solucei outra vez — O Jeremy foi embora!

Pensei que ele fosse fazer alguma piadinha ou até que fosse sorrir, ficando feliz da vida, mas ele não o fez. Kai me deu um beijo carinhoso na bochecha e me abraçou mais forte ainda, sendo muito carinhoso, pois eu precisava daquilo.

Eu chorava sem parar, encharcando sua camisa branca com as minhas lágrimas, mas ele não disse nada. Apenas, me deixou sofrer pelo tempo que fosse preciso. 

Esse era um lado de Kai que eu não conhecia.

Como podem existir tantas facetas em um só homem?, me perguntei.

Kai conseguia ir de um extremo ao outro. Desde o sociopata louco e descontrolado ao rapaz carinhoso e atormentado.

Como eu posso estar apaixonada por Kai? Como eu posso amar alguém tão cruel e mau?, perguntei, tentando entender meu coração sem sentido.

***

Passaram-se dois dias. E Kai e eu parecíamos dois trapos humanos. Ele por estar de luto e eu por ter sido abandonada por meu namorado.

Eu já estava no meu quarto pote de sorvete, quando ouvi o som da campainha. Saí da cozinha, passando pela sala, onde Kai fazia feitiços e pesquisas para localizar o bruxo que matou Theodora.

Nos últimos dias, ele ficou obcecado com aquilo. 

Antes, ele não dormia muito bem, agora já nem se dava ao trabalho de tentar. Eu tinha que insistir muito para que ele fosse dormir, pelo menos, um pouco. E eu detestava dormir sem ele por perto. Adorava seu cheiro e o calor de seu corpo.

Kai havia se tornado meu vício.

Ainda tentava compreender porque estava sentindo aquilo por ele. Eu sabia que havia algo errado comigo, desde a nossa festa de noivado, quando ele me beijou pela primeira vez, mas associava aquilo ao feitiço que nos prendia e não ao fato de estar apaixonada por ele.

— Você não vai atender a porta? — perguntei, olhando para um Kai muito ocupado, sentado no chão da sala, com o cabelo desgrenhado, a barba por fazer e de camiseta e calça de moletom.

Ele nem olhou para mim, com um grimório no colo, anotando coisas que achava importantes.

— Tô ocupado… — disse ele, com uma caneta entre os dentes — Atende você.

Revirei os olhos, deixando ele e suas obsessões. Ouvi o som da campainha outra vez.

Abri a porta.

— Dá para você ser mais paciente, Damon..? — e parei, não acreditando em quem estava parada na minha varanda — Anyra?

Ela vestia roupas de tons mais escuros, bem diferente de quando a vi pela primeira vez. Seus olhos negros, encontraram os meus de forma séria.

— Olá, querida — murmurou, calmamente.

— O que faz, aqui? — perguntei, não querendo ser rude, mas algo me dizia que aquela não era apenas uma visita amigável.

— Tenho assuntos sérios a tratar com você, menina — disse de forma sombria.

Ainda sem compreender o que estava acontecendo, dei passagem para a mulher.  Anyra passou pelo batente da porta, avaliando todo o ambiente.

— Vejo que manteve as coisas do jeito que sua avó gostava, não é? — murmurou ela, sorrindo.

Assenti.

— Bonnie, pega um refrigerante para mim? — pediu Kai, ainda olhando para o grimório, sem perceber a presença de Anyra.

Cruzei os braços, revirando os olhos.

— Eu não vou pegar nada, seu folgado — murmurei de mau humor — E não sei se você reparou, mas temos visitas.

Kai levantou os olhos do livro, me encarando.

— Chata — disse e seus olhos recaíram sobre Anyra — Quem é ela?

Pois é. Educação não era o ponto forte de Kai.

— Essa é Anyra Jones. Àquela sobre a qual lhe falei — expliquei e olhei para Anyra — E esse folgado aí, é Malachai Parker, meu… meu...

Parei, enrubescendo um pouco, ainda achava muito estranho apresentar Kai como meu marido.

Ele suspirou pesadamente.

— Eu sou o marido dessa garota que nunca busca o que eu peço — resmungou ele, se levantando.

Anyra franziu as sobrancelhas.

— Peraí... — murmurou ela, confusa — Você é o Malachai Parker, líder da Convenção Gemini?

Ele cruzou os braços musculosos, sorrindo daquele modo convencido.

— O próprio — respondeu — Em carne, osso, sangue Parker e charme.

Revirei os olhos.

— Ele é assim o tempo todo? — perguntou ela.

—Só durante as vinte horas do dia — respondi — nas quatro restantes ele dorme. Acho que é por isso que tem um parafuso a menos.

— Haha… muito engraçadinha, você é, não, Bonnie?— resmungou, Kai.

— É um dom — respondi.

Kai revirou os olhos azuis.

— E já que mencionou. Como sabe quem eu sou, Anne? — perguntou ele.

Anyra sorriu de uma maneira misteriosa.

— É Anyra e não Anne — murmurou — E quem você acha que ajudou a avó de Bonnie a elaborar o feitiço que prendia você naquela prisão dimensional?

Vi o modo como o queixo de Kai ficou trincado de raiva.

— Você fez aquilo comigo? — questionou, ameaçador.

Anyra não pareceu se importar com aquilo.

— Eu e toda sua Convenção — disse ela, como se estivesse lidando com uma criança malcriada — E não aja como se não tivesse merecido aquilo.

Kai suspirou pesadamente, fazendo algo que agora ele fazia com mais frequência: se acalmar.

— Então, Anne… — deu ênfase ao nome — O que veio fazer aqui? Aposto que não foi para matar a saudade do meu rostinho bonito.

Ela riu.

— Não, não foi, querido — murmurou, indo sentar em uma poltrona.

Estranhamente, Anyra era uma das poucas pessoas que não se sentiam incomodadas com a presença de Kai. 

Assim como minha mãe.

Fui sentar-me em um sofá próximo. E mais estranho ainda, foi o fato de Kai vir sentar- se bem ao meu lado.

Ele colocou o braço por cima dos meus ombros, enquanto mexia em meu cabelo, com a mão sob minha nuca. E nem preciso dizer que fiquei toda arrepiada com aquele simples toque.

Me remexi, envergonhada com o fato de Anyra estar sentada, observando tudo com um sorriso compreensivo.

— Vocês lembram a mim e meu marido — disse ela, calmamente.

Franzi o cenho.

— Você é casada? — perguntei, tentando me lembrar de ter visto seu marido pela cidade.

— Eu fui — deu de ombros — Mas ele se foi há muito tempo.

— Eu sinto muito — murmurei.

E tentei me imaginar no lugar dela, sem Kai e a sensação foi horrível.

— Já faz tanto tempo, não dói mais — disse apenas — Mas, não vim aqui para falar do meu marido. Temos coisas mais urgentes a tratar.

— Classifique a urgência, já que temos tido problemas muito maiores desde que  nos casamos — murmurou Kai, daquele jeito irritante. Ele ainda não havia superado aquele lance do Mundo Prisão.

Anyra olhou desafiadoramente para ele.

— Problemas relacionados a tudo que vem acontecendo ao seu clã e com vocês — respondeu ela — E creio que queira estar preparado para tudo, ainda mais depois da morte de sua tia, não é, Kai?

Senti o leve acariciar os dedos de Kai em minha nuca parar. Anyra havia conseguido fisgar sua atenção. Durante aqueles dois dias, evitei tocar no nome de Theodora para não deixá-lo perturbardo. Queria entender sua relação com ela, mas preferi não mencionar algo relacionado a sua tia.

Anyra suspirou, tensa.

— Depois de nossa conversa, na biblioteca, Bonnie — disse ela seriamente — Decidi que estava na hora de me aprofundar mais em minhas pesquisas sobre aqueles estranhos símbolos, mas não consegui achar nada referente a aquilo. Então, resolvi visitar a terra de meus antepassados, a Etiópia. 

"Durante, muitos dias procurei pela tribo de minha avó, mas não encontrei nenhum vestígio deles. Fiquei sabendo que haviam se tornado nômades, pois não queriam mais viver em suas terras, acreditando que estivesse amaldiçoada pelo mal que vivia na montanha." 

"Vaguei perto daquela montanha, durante dias, tentando achar ao menos um deles, mas não encontrei ninguém. Acabei desistindo e fui embora por uma estrada de terra, quando encontrei com um homem."

"Ele era velho, muito velho e por suas pinturas corporais e por suas vestes, percebi que ele fazia parte da tribo de minha avó. Quando me viu, não ficou assustado e desconfiado, como outros ficariam. Apenas sorriu e me perguntou, porque eu havia demorado tanto. Ele já me esperava há muito tempo."

"Fui convidada para cear em sua tenda. O que em sua cultura é uma grande honra. E me contou que depois que a terra começou a tornar-se infértil e árida, toda a tribo deslocou-se e ele foi o único que permaneceu."

"Perguntei se ele não tinha medo de viver perto de onde viviam as trevas. E ele me respondeu: 'Já estou muito velho. O mal que residia naquela montanha, já não habita mais em suas profundezas. E onde há trevas, sempre haverá a luz.' "

"Ele me perguntou, porque eu estava ali e expliquei a ele que o mesmo estava acontecendo com a terra em que eu vivia. Ele me disse para ser cautelosa, pois as trevas tramavam uma dança mortal, para todos os que rodeava e que isso sempre acabava em tragédia."

Aquilo me deixou muito assustada. Senti a mão de Kai, acariciando minha nuca, outra vez, tentando me confortar.

— Uau, definitivamente, você tem um dom — disse ele, sorrindo daquele modo irritante — Agora entendo porque Bonnie voltou para casa, assustada depois de falar com você, Anne.

Olhei para ele seriamente.

— Isso não é hora para brincadeiras, Kai— avisei, ficando irritada.

Ele parou de sorrir, mostrando uma expressão preocupada.

— Eu sei, amor... É que tô nervoso, com tudo isso — explicou.

Não sabia de onde Kai havia tirado aquilo. Daqueles dois dias para cá, ele vinha me chamando de amor e outros apelidos carinhosos.

Claro, que não sou hipócrita, dizendo que não gostava daquilo. Eu gostava. E mais do que eu deveria...

— É normal se sentir dessa forma — explicou ela, porém sua expressão se tornou mais sombria — Ele me disse mais uma coisa.

— O que? — questionou Kai.

— Ele me disse para tomar cuidado com o mensageiro, pois ele trás o mal consigo.

Kai franziu o cenho.

— Que mensageiro? — perguntou, confuso.

Eu havia entendido.

— O bruxo — murmurei.

— Sim — assentiu Anyra— Ele pode causar um grande estrago.

Kai bufou, irritado.

— Eu posso causar um grande estrago — rosnou — E na cara dele de preferência.

— Não brinque com forças que desconhece, garoto — avisou Anyra.

Kai sorriu, a desafiando.

— E eu diria o mesmo para você — murmurou.

Anyra retribuiu o sorriso.

— Quando percebeu?

— No momento em que passou por aquela porta — respondeu ele.

Olhei de um para o outro, confusa.

— Do que estão falando? — perguntei, sem entender o que estava acontecendo ali.

Kai sorriu ainda mais.

— A garota da qual você fala em suas histórias, não era sua avó — disse ele olhando para Anyra — Era você.

Choque era um termo muito leve para explicar o que se passava dentro de mim. Olhei para Anyra, completamente embasbacada.

— Isso… Isso é verdade? — perguntei.

Ela assentiu, calmamente.

— Quantos anos você tem? — questionei, olhando-a de cima a baixo. Ela aparentava ter no máximo trinta e cinco anos.

Anyra sorriu maliciosamente.

— Não lhe disseram que nunca se deve perguntar a idade de uma dama?

Engoli em seco, fitando Kai.

— Como percebeu isso? — perguntei, tentando compreender.

Seus olhos cinzentos miravam os meus com diversão. 

— Não sei se percebeu, mas eu também não aparento a idade que deveria ter.

Isso era verdade. Kai deveria ter quarenta anos agora, mas o Mundo Prisão, retardou seu envelhecimento, deixando-o por quase duas décadas com vinte e dois anos.

— Acontece — disse ele — Que eu e nossa amiguinha, Anne, aqui, somos duas anomalias do tempo. Conseguimos nos reconhecer porque simplesmente exalamos essa aura. Pois conseguimos enganar o tempo e a morte.

Anyra balançou a cabeça em afirmação.

— E você mesma é uma anomalia Bonnie — explicou — Pois conseguiu voltar da morte. 

Ok. Informação demais.

— A parte ruim de ser uma anomalia — disse a mulher — É que estamos sempre lutando contra o destino, que sempre está tentando nos eliminar para colocar tudo nos eixos. Nós desafiamos a natureza e por isso coisas ruins estão sempre acontecendo conosco.

Kai revirou os olhos.

— Como um castigo.

E lá se foram minhas esperanças de ter uma vida normal.

Depois de nossa conversa, levamos Anyra até a porta. Ela estava quase, indo embora quando se virou, olhando-nos seriamente.

— Ah, quase me esqueci de dizer… — murmurou ela.

Ela suspirou pesadamente.

— Essa entidade se alimenta do ambiente.

— Como uma sanguessuga? — interrompeu Kai.

— Sim — afirmou Anyra — Como em minha tribo, ela matou a terra aos poucos e não será diferente com essa cidade. Aquilo só trás desgraça.

Arqueei uma sobrancelha.

— E o que quer dizer com isso? — questionei.

— Quero dizer que se isso está rondando vocês dois, não é um bom sinal. 

— E o que sugere que façamos? — perguntou Kai de forma irônica.

A mulher nos deu as costas, descendo os degraus da varanda.

— Sugiro que vão embora dessa cidade — declarou ela, por cima do ombro, seguindo seu caminho.

***

Os dois dias que se seguiram foram infernais.

Após nossa conversa com Anyra, recebemos a visita de Caroline. E claro, que eu acabei contando tudo a ela. E foi só uma questão de tempo para que ela contasse tudo para Damon e Elena, que surgiram mais tarde naquele mesmo dia, juntamente com Stefan e formou-se uma assembleia. 

Todos eram a favor da ideia de que Kai e eu deveríamos sair da cidade para nos mantermos seguros. Eles estavam preocupados com o que poderia acontecer conosco.

O que era bem estranho, pois nenhum deles se importava com Kai. Mas como agora éramos um pacote completo de líderes Gemini "leve dois, pague um", ele meio que havia se tornado parte de nossa família louca e sobrenatural. E mais esquisito ainda, era que eu começasse a considerar Kai parte de minha família. Eu simplesmente, sentia que ele o era e ponto.

Depois de muito tentarem, conseguiram me fazer considerar a ideia de sair da cidade por um tempo. Mas com Kai foi completamente diferente. Ele era mais teimoso do que qualquer pessoa que eu tenha conhecido. Não queria dar o braço a torcer para aquele bruxo. E percebi que após a morte de Theodora, a coisa realmente ficou pessoal. Ele estava com aquele olhar vingativo e sabia que disso não sairia nada de bom. E isso me deixava mais preocupada com ele. Kai parecia exaurido.

Eu sabia que nada iria fazer aquela mula de olhos azuis mudar de idéia, então, resolvi partir para o seu ponto fraco mais recente: a empatia.

Eu usava todo tipo de chantagem emocional com ele, torcendo para que ele ao menos mudasse de ideia. Usei todo tipo de argumento, mas o vencedor foi: " Já parou para pensar que se você morrer eu vou junto com você, idiota?"

Ele não teve escapatória; insisti tanto que Kai acabou cedendo. E o que nos restava era arrumar as malas.

***

— Não sei porque precisamos de guarda-costas — resmungou Kai, esparramado no sofá e de braços cruzados, fazendo um beicinho como um menininho de cinco anos.

Terminei de fechar minha última mala, olhando para ele.

— Você precisa cuidar de mim — murmurei, colocando as mãos nos quadris — E alguém precisa tomar conta de você.

Kai me deu um olhar diabólico.

— E você não pode fazer isso? — disse com aquele sorriso com covinhas agindo como o canalha que ele era.

Revirei os olhos.

— No dia em que eu quiser cuidar de uma criança — lancei — Terei meus próprios filhos.

Kai sorriu ainda mais.

— Não seja por isso — disse — Podemos providenciar os nossos agora mesmo. Acho que dez minutos é suficiente, amor.

— Cala a boca — resmunguei, corando violentamente.

E pensar que nós realmente quase chegamos a esse ponto a alguns dias atrás. Senti meus joelhos fraquejarem só de pensar na forma como ele me beijou. Na maneira como suas mãos delinearam meu corpo...

— Caham! — fez Kai, me fazendo levar um susto — Você está fazendo aquela cara.

Arqueei as sobrancelhas.

— Que cara?

— A de pervertida — riu ele — Eu sei que sou um pedaço de mau caminho, mas você poderia tentar se controlar mais, não é, BonBon?

— Você é um...! Seu..! — tentei dizer, porém só conseguia me atrapalhar mais.

Kai tremia de tanto rir.

— Babaca! — exclamei, marchando furiosamente para a cozinha. Ainda podia ouvi-lo rindo.

Sentei-me perto da bancada, bufando de raiva.

Eu estava irritada com Kai, mas estava com mais raiva de mim, mesma, pois eu sempre bancava a idiota na frente dele. E ainda mais agora, que estava apaixonada por ele.

Tudo nele me provocava. Eu o queria de uma maneira louca e avassaladora, porém, lutava bravamente contra esse sentimento dentro de mim.

Kai nunca vai saber o que sinto por ele, pensei, me agarrando ferreamente aquele pensamento.

Passaram-se alguns minutos até que ouvi o som da campainha. Eles chegaram, pensei.

Eu não fazia ideia de quem eram eles, pois meus amigos foram bem objetivos dizendo que Kai e eu, não poderíamos saber quem eram, pois aquilo poderia botar tudo a perder. 

Passei pela sala, indo até a porta da frente. Senti Kai em minhas costas.

Abri a porta.

— Você? — perguntei, incrédula, vendo a pessoa parada em frente a mim.

♡♡♡♡♡

Nota da Autora:

Oi bebês, 

Bonnie e Kai deprimidos com os acontecimentos, o bicho perseguindo eles e sem falar nessa visita misteriosa… E vamos ao próximo capítulo!

Beijinhos xxx. Até mais o/

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