Wonderfall

由 mrayssalimaa

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"Se a reta é o caminho mais curto entre dois pontos, a curva é o que faz o concreto buscar o infinito." Os am... 更多

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Wonderfall
Epílogo Parte 1 - Resiliência
Epílogo Parte 2 - Beàrling
Epílogo Parte 3 - Falicius
Finitus

Sophrosyne

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由 mrayssalimaa


Camila's pov

Sophrosyne (n.): um estado de mente saudável caracterizado por auto controle, moderação e uma profunda consciência do seu verdadeiro eu, que resulta em verdadeira felicidade.

O quarto estava quase completamente escuro e não fosse pela luz fraca da luminária de piso, bem ao lado da minha cama, o ambiente estaria um verdadeiro breu e embora o meu espírito estivesse soturno naqueles últimos dias, eu não gostava do escuro.

- O que está fazendo no escuro? - a garota entrou no quarto, deixando a porta aberta, o que fez o quarto ganhar um pouco mais de iluminação e caminhou até mim, dando-me um beijo na testa. - Está trabalhando em algum novo projeto taciturno, gótico, ou...? - perguntou, usando um tom levemente sarcástico.

- Só estava pensando. - respondi, dando-lhe um sorriso e apertando-lhe, levemente, a mão que eu havia segurado assim que ela se aproximou de mim.

- Pensando em que? - perguntou, jogando-se atravessada na cama, bem em cima dos meus pés.

"Lauren", a voz dentro da minha cabeça gritou.

- Em nada demais. - respondi, retirando meus pés de baixo de suas costas.

- Normalmente você já pensa em coisas demais, meu amor, imagine agora, que você parou, literalmente, para pensar em alguma coisa. Não duvido que em uma semana tenhamos um projeto genial saindo dessa cabeça. - ela disse, esticando o corpo preguiçosamente na cama.

"Um projeto genial", isso definia bem Lauren Jauregui. Talvez ela fosse o meu projeto mais genial. Será que era errado considerar um ser humano como um projeto? Quer dizer, eu só queria ajuda-la a ser o que ela queria ser.

- Talvez seja mesmo o meu projeto mais genial. - respondi simplesmente, deixando que as palavras saíssem da minha boca sem antes realmente pensar sobre elas, mais como uma ponderação para mim mesma do que como uma resposta para a garota.

- Está mesmo pensando em algum projeto? - ela se virou de lado na cama, ficando de frente para mim.

- Não exatamente. - disse, tirando os óculos do rosto.

- Odeio quando você fica monossilábica. - a garota bufou e revirou os olhos.

Eu ri e me aproximei dela, deitando com a cabeça na curva de sua cintura.

- Você pergunta demais. - falei, segurando sua mão com carinho.

- E você responde de menos, Camila Cabello. - ela respondeu usando o mesmo tom que eu e colocou a mão em minha cabeça por onde foi, gradativamente, deslizando os dedos pelos meus cabelos.

- Respondo o necessário, Sofia Cabello. - falei, mantendo o tom da conversa e Sofia riu.

Eu não costumava ser tão evasiva em assunto nenhum quando se tratava da minha irmã, mas a realidade era que naquele assunto específico eu não sabia nem por onde começar a falar, não sabia sequer o que falar.

- Tá, mas falando sério aqui, o que você tem? - perguntou, usando um tom mais sério. - Já fazem dias que você está assim...

- Assim como? - perguntei, curiosa para saber que tipo de impressão a minha bagunça interna causava ao mundo externo.

- Não sei... - ela disse pensativa e ajeitou seu corpo, deitando-se de peito para cima, de tal forma que minha cabeça foi parar em cima da barriga dela. - Está estranha, distante, com o pensamento longe. Quer dizer, não que você não esteja sempre com o pensamento longe, porque normalmente você parece estar com a mente em saturno, mas ultimamente a sua mente está em plutão.

Eu ri e mordi sua cintura com carinho.

- Não há nada de estranho comigo, só estou mais cansada que o normal. - falei, usando a justificativa mais óbvia para encerrar o assunto. - Vamos falar de você. Como foi na escola?

- Ah, foi normal, você sabe, as mesmas pessoas, as mesmas aulas, o mesmo tudo. Não aguento mais o ensino médio. Não sei como você gostava de ir pra escola. - minha irmã falou, levantando ligeiramente a cabeça para desprender o rabo de cavalo em seu cabelo.

- Eu gostava de estudar, é diferente. A escola era indiferente pra mim. - respondi, concentrando-me em esticar os pés para me livrar da cãibra por ter ficado muito tempo na mesma posição.

- Ah é, às vezes esqueço que você é um gênio. - Sofia falou em um tom brincalhão.

- Genialidade é uma questão de ponto de vista, Sofi.

- Você tenta ser modesta, mas as coisas que você faz não deixam, Camila. Aceite, você é um gênio. - ela decretou.

Minha irmã tinha todo o jeito da minha mãe. Em tudo o que falava, em tudo o que fazia, Sofia me lembrava nossa mãe. Sempre mandona, sempre cheia de razão. Ter só quinze anos não a impedia de se posicionar diante do mundo e das coisas que queria e nas quais acreditava.

- Tudo bem, tudo bem. - concordei, apenas para encerrar uma discussão que, por mais "gênio" que eu fosse, nunca ganharia, porque a satisfação de Sofia era sempre mais importante do que qualquer coisa para mim.

- Quer comer? Eu estou azul de fome! - minha irmã perguntou, mas já estava me empurrando de cima de si e levantando da cama.

- Eu já comi, Sofi, não estou com fome. - falei, quase me deitando novamente, mas ela me segurou pelo braço, fazendo-me ficar sentada na cama.

- Quando eu perguntei se estava com fome, na verdade estava querendo dizer "vamos pra cozinha comigo, eu não quero ficar sozinha". - ela disse, escancarando um sorriso mais do que convencido no rosto.

Sorri para ela e sua juventude e concordei com um aceno de cabeça.

- Tudo bem, vamos lá.

Eu mal havia acabado de falar e Sofia estava me puxando quarto a fora, segurando-me pela mão.

Sofia e eu éramos tão unidas quanto qualquer pai e mãe gostaria que seus filhos fossem. Ela havia nascido quando eu tinha doze anos e desde o momento em que meus olhos se encontraram com os dela, no exato instante em que meu pai abriu a porta do quarto da maternidade, ela se tornou o meu mundo. Meus sentimentos por ela eram tão intensos e genuínos que com toda facilidade do mundo eu daria a minha vida por ela.

Quando eu tinha quinze anos e estava fazendo os testes para admissão em Harvard, perdemos nosso pai em uma tragédia que Sofia jamais tivera conhecimento e desde então, embora nossa mãe ainda estivesse presente e tentando ser forte em nossas vidas, eu assumira, ainda que internamente, toda a responsabilidade sobre minha irmã.

Sofia nunca soubera a realidade sobre a perda de nosso pai, pensava que ele havia sofrido um acidente de carro, mas a verdade era que...

- Você tem certeza que não quer comer? Eu vou preparar macarrão ao molho de queijos. - Sofia disse, largando a minha mão assim que entramos na cozinha.

- Que golpe baixo o seu, Sofia Cabello! - Falei, indignada. - Você sabe que venero massas demais para me dar ao luxo de não comer.

- Você venera COMIDA demais para se dar ao luxo de não comer qualquer coisa, maninha. - ela falou com um sorriso irônico nos lábios.

Fiz uma careta e sentei-me em um dos bancos de aço escovado que ficavam à beira da ilha, bem no meio da cozinha.

- Não tem lugar nessa casa que eu ame mais do que essa cozinha! - Sofia falou com um ar sonhador, enquanto abria os armários de panelas.

- Não tem lugar no mundo que você ame mais do que qualquer cozinha. - Falei, puxando a fruteira de mesa para perto de mim.

- Essa eu amo mais que todas. Você fez ela pra mim. - respondeu, concentrada em procurar alguma coisa.

Desde cedo minha irmã soube o que queria ser em sua vida. Nunca havia visto tanta convicção quanto à profissão em uma menina de cinco anos. "Quero ser cozinheira", ela dizia enquanto via nossa mãe cozinhando.

O que sempre me chamara atenção no discurso de Sofia e me dava plena certeza de que aquilo jamais mudaria, era o fato de minha pequena irmã usar o verbo "ser" e não o verbo "fazer" quando se referia ao rumo que queria seguir profissionalmente. Foi aí que eu despertei para o fato de que eu deveria "ser" e não simplesmente "fazer" algo em minha vida. Foi assim que eu me tornei a arquitetura. Foi assim que "sendo" a arquitetura eu consegui "fazer" a arquitetura.

Aos quinze anos, Sofia ainda queria "ser" cozinheira.

- Você está mais do que certa. - ela falou, com a cabeça quase enfiada dentro de uma gaveta. - Você viu aquele garfão grandão? - sua voz saiu abafada.

- Um de cabo preto, de três pontas que você comprou em uma loja de antiguidades quando tinha treze anos? - falei, colocando para fora, instantaneamente, todas as informações que meu cérebro conseguiu coletar a respeito daquele garfo.

Sofia levantou a cabeça e me encarou com os olhos levemente arregalados.

- Não sei por que ainda fico impressionada com o seu cérebro. - ela falou, divagando. - Nem eu lembrava que tinha comprado esse garfo aos treze anos. Daqui a pouco você sabe até o preço. - ela falou, voltando a se abaixar para procurar o garfo.

"Vinte dólares e cinquenta e cinco centavos", a voz surgiu na minha mente com a lembrança do preço, que Sofia mencionara com excitação quando o comprou, mas eu tranquei a língua e fiquei calada, olhando para os desenhos aleatórios da bancada de mármore.

- Seu silêncio me contou que você também lembra o preço! - ela exclamou, levantando-se e empurrando a gaveta com a perna. - Desisto de procurar. - declarou.

- Meu silêncio estava querendo lhe dizer para procurar na terceira gaveta do armário ao seu lado esquerdo.

Sofia rapidamente abriu a gaveta que eu havia indicado e me olhou boquiaberta.

- Sério, como você sabia que estava aqui?! - perguntou, retirando o utensílio da gaveta. - É mais uma dessas coisas de gênio?

- É muito simples. Eu sou arquiteta e tudo nessa casa tem o seu devido lugar, exceto quando VOCÊ bagunça. Não é mais uma dessas coisas de gênio. - falei, ocultando a parte em que eu vira Doroteia, a diarista, guardando o garfo ali, meses atrás.

Aos dois anos de idade, eu já sabia ler palavras e eventualmente uma frase ou outra. Foi assim que me intitularam como "prodígio". Aos quatorze anos, quando eu desenvolvi uma solução para aumentar a maleabilidade do concreto em um projeto de ciências da minha escola, me intitularam como "gênio".

Eu não concordava com aqueles rótulos. Eu era uma pessoa normal, meu cérebro era tão capaz de absorver informações e transformá-las em algo maior quanto o cérebro de qualquer outro ser humano. Talvez, a única diferença que havia em mim era o fato de que eu realmente gostava de estudar e não havia nada que eu gostasse de fazer mais do que isso, mas essa era uma característica que podia ser desenvolvida por qualquer pessoa. Era uma questão de prática.

Eu queria poder explicar isso aos psicólogos que me rotulavam como gênio, mas a sua predisposição em separar as pessoas em grupos diferentes era quase doentia, então, eu desisti. Talvez o meu cérebro também tivesse vindo com algum tipo de defeito em que as coisas que parecem muito difíceis para a maioria das pessoas, para mim, eram simples, mas eu não era mais ou menos genial que ninguém.

Eu via genialidade em quase tudo ao meu redor. Nas pessoas, nem tanto, mas haviam lá as suas exceções, como Lauren...

Lauren era o tipo de pessoa que, para mim, facilmente se encaixaria nos conceitos de genialidade que eu considerava como válidos. Seu cérebro e coração eram conectados às suas células e suas células eram conectadas com o mundo, o que me dava a constante percepção de que Lauren sempre se encaixava nos ambientes em que estava.

Ela fazia parte de tudo.

"Desculpe, estou parecendo uma louca, mas... é que... eu queria que as pessoas vissem a arquitetura em mim, algum dia, como eu vejo em você", a voz de Lauren, com todos os tons de timidez que ela usou para falar, ecoaram mais uma vez em minha cabeça, entorpecendo o meu cérebro, pela milionésima vez em dias.

Depois daquela terça feira, não houve um dia em que eu não tivesse, exaustivamente, pensado nela. Havia passado o resto daquela semana inteira pensando em todos os detalhes da minha curta convivência com Lauren Jauregui e quase todas as coisas se encaixavam. Quase.

O seu interesse genuíno pela arquitetura se encaixava na minha decisão de ajuda-la a ser tão "genial" quanto a pessoa que havia construído o edifício da Havard Graduate School of Design. A sua forte personalidade que não a deixava desistir ou se entregar às dificuldades, se encaixava com o fato de eu pressioná-la aos limites de suas habilidades. A sua entrega bruta à arquitetura se encaixava à minha própria entrega bruta à arquitetura. O que não se encaixava era o fato de eu me sentir tão desconsertada com a forma como ela me olhava; o que não se encaixava era o fato de aquele olhar me agradar; o que não se encaixava era o beijo que ela havia me dado repentinamente, dentro do meu carro, quando havia ido deixa-la de volta à Havard, sobretudo, o que menos se encaixava era o fato de aquilo ter me agradado.

Não havia jeito, por mais que eu tentasse não pensar em Lauren Jauregui, ela estava ali, dentro da minha mente, consumindo toda a minha quietude, consumindo todo o meu pensamento racional. No início eu havia tentado afastá-la dos meus pensamentos, mas tudo a respeito dela me arrastava como um mar furioso que não se cansava de me engolir para o fundo.

- Ela está abalando a minha sophrosyne. - falei, concluindo em voz alta os meus pensamentos à respeito de Lauren, com o olhar fixo na única maçã da fruteira.

- O que?! - Sofia perguntou, olhando-me por cima do ombro, enquanto carregava uma panela cheia de água até o fogão.

- Sophrosyne. - repeti a palavra. - o meu estado de mente saudável, o meu auto controle, a minha modera...

- Camila, eu sou sua irmã! - ela exclamou, me interrompendo e ligando o fogo do fogão com o acendedor elétrico. O barulhinho me incomodava, então fechei os olhos rapidamente, tentando me concentrar em outra coisa, para não ouvir. - É claro que eu sei o que é sophrosyne. Eu quero saber quem é "ela"? - minha jovem irmã perguntou, intercalando o olhar entre mim e a panela com água, onde despejava um fio de azeite.

- Lauren Jauregui. - respondi sua pergunta.

"Lauren Jauregui", ouvi em minha cabeça a voz dela dizendo o próprio nome quando se apresentara para a turma em minha aula. Eu costumava lembrar dos detalhes de tudo, era uma das coisas sobre ter uma memória perfeita e "genial", mas sobre ela, eu lembrava até mesmo das falhas roucas de sua voz e aquilo me deixava embaraçada.

- Ah! Agora sim, explicou tudo. - Sofia respondeu ironicamente.

- Minha aluna. - expliquei novamente.

- Sua aluna? - Sofia pareceu interessar-se ainda mais no tema e pulou em cima da bancada, sentando-se.

Respirei fundo ao ver a cena.

- Minha aluna. - falei rapidamente. - Eu sei que eu sou a irmã mais velha mais legal de todo o mundo e que deixo você fazer quase tudo o que quer, mas eu ainda sou a irmã mais velha, arquiteta, de vinte e sete anos que fica horrorizada com você pulando numa bancada de mármore. - falei no tom mais calmo possível.

Sofia riu e pulou para fora da bancada, sentando-se em uma cadeira.

- Fiz de propósito, adoro ver sua cara de desespero quando faço algo do tipo.

- Vou adorar cortar sua mesada da próxima vez que fizer isso. - tentei ser convincente.

Sofia riu outra vez.

- Até parece. - desdenhou de mim e deu aquele sorriso doce de menina enquanto prendia o cabelo, o que me fez sorrir junto. - Tá, mas agora me conta, por que sua aluna está abalando a sua sophrosyne?

"Por que Lauren Jauregui estava abalando a minha sophrosyne?", a pergunta ficou colada na minha mente como um outdoor brilhando, em neon. "Por que?".

- Isso não é assunto pra você. - Desconversei, levantando-me do banco e caminhei até a geladeira. - Quer que eu ajude você? - perguntei, pegando uma garrafa pequena de suco de laranja concentrada.

- Não, tudo bem. Eu estou por dentro do quanto você "adoooooora" cozinhar. - Sofia disse, tamborilando os dedos na bancada.

- Se você tivesse sido um pouco mais irônica, entraria para o livro dos recordes.

Sentei-me outra vez onde estava, tomando um gole do suco enquanto colocava a tampinha em cima da pedra de mármore.

- Mila, um dia eu vou ser chefe do Deuxave. - minha irmã tentou afirmar, mas sua frase saiu cheia de insegurança, quase como uma dúvida.

- É claro que você vai, Sofi. - respondi o óbvio.

- Não, mas não por ser sua irmã. Eu não quero ser chefe de lá porque pertence à você e você pode colocar o chefe que quiser. Eu quero ser chefe de lá por ser realmente boa.

A observei atentamente enquanto falava. Ela era sempre tão impressionante para mim. Não se passava um dia sem que eu me encantasse um pouco mais por minha irmã. Ela tinha uma maturidade precoce, que era reflexo do fato de se espelhar em mim e desejar agir como eu em muitas partes de sua vida e isso era bom, de certa forma, porque ela não se permitia influenciar pelas regalias que eventualmente teria se quisesse ter.

Tomei mais um gole de suco e repousei calmamente a pequena garrafa sobre a bancada.

- Se eu lhe colocasse em um curso de dois meses com um grande chefe, amanhã e depois disso lhe desse o cargo de chefe do Deuxave, você aceitaria? - perguntei, olhando-a firmemente.

Minha irmã me olhou com estranheza, mas ponderou sobre o assunto.

- Um curso de dois meses? E depois o cargo seria meu? - ela perguntou e eu fiz que sim com a cabeça, analisando-a. - Sim, eu aceitaria, com toda certeza do mundo. - respondeu, convicta.

- Mas eu não lhe daria o cargo de chefe do Deuxave, mesmo você sendo minha irmã. - disse-lhe com clareza. - Sabe por que? - ela fez que não com a cabeça. - Porque você não está preparada e nem estaria preparada com dois meses de curso. Você é boa Sofia. Você tem o dom, mas precisa desenvolvê-lo, precisa estudar e ser a melhor no que faz. O cargo de chefe do Deuxave vai ser seu quando você merecê-lo. - completei, tomando mais um pouco do suco.

Sofia veio até mim repentinamente e me abraçou.

- Você é a melhor irmã do mundo, Mila. Obrigada por cuidar de mim. - ela segurou meu rosto e beijou minha bochecha com carinho.

Meu coração derreteu-se como sempre acontecia em cada uma das demonstrações inesperadas de carinho que Sofia me dava. Não eram raras, mas sempre me enchiam o peito de mais amor do que eu podia suportar. Então, meus olhos enchiam de lágrimas.

- Ah, pare! Lá vai você chorar outra vez! - Sofia riu, passando a mão pelos meus olhos.

- Shhhhh. Vá fazer seu macarrão, menina. - falei, dando-lhe um tapa carinhoso no braço.

- Já vou, já vou. - minha irmã falou, rindo e se afastou de mim, indo de volta para a beira do fogão. - Ah... e não deixe essa "ela" atrapalhar a sua sophrosyne. - falou, observando a panela.

"Não deixar?" Eu não me lembrava onde eu havia perdido o controle sobre deixar ou não deixar Lauren atrapalhar a minha sophrosyne, mas o fato era que eu havia perdido e não fazia a menor ideia de como encontrar. Fato é que eu não tinha mais controle sobre as coisas que eu gostaria de pensar ou não, pelo menos não no que dizia respeito à Lauren Jauregui.

Já era a segunda feira depois do ocorrido no meu carro e tudo o que eu estava conseguindo fazer era não agir como uma mulher de vinte e sete anos. Não havia ido ao The Village para o almoço na quinta, mas havia ficado à espreita observando-a não ir para o restaurante, mas sim para o seu dormitório. Eu queria analisa-la, mas quanto mais eu me esforçava para compreender tudo o que envolvia ela e aquele beijo repentino, mais confusa eu ficava e quanto mais confusa eu ficava, menos a situação me agradava e mais eu pensava sobre aquilo. Eu não suportava não ter respostas.

Depois do jantar com Sofia, decidi voltar para o meu quarto para decidir o que fazer e como eu deveria agir em relação ao que havia acontecido e depois de alguns minutos de considerações, a solução mais correta me pareceu ser: chamar Lauren Jauregui para conversar e esclarecer as coisas. Eu tinha perguntas e ela tinha as respostas e a única maneira de eu obtê-las de maneira madura e coerente era perguntando à ela. Eu tinha aula em sua turma no dia seguinte e estava decidida a tomar o seu tempo de almoço para termos a conversa que eu gostaria.

No dia seguinte, como me era habitual, entrei na sala às oito horas em ponto. Fingi que não vi, mas vi, Lauren Jauregui fixar o olhar em mim como se fosse me engolir. Evitei olhar para ela durante todo o tempo da aula, mas como era sua professora, era inevitável em alguns momentos e de toda forma, eu precisava instruí-la caso ela precisasse da minha ajuda para qualquer coisa durante a aula. Não me incomodava ensinar.

- Professora... - ouvi sua voz ao meu lado e meu corpo reagiu a isso travando.

Eu estava atenta demais ao que estava lendo e não havia percebido ela se aproximando. Seu cheiro era leve, como se misturasse água e plantas suaves. Cheiro de mar e verde. Cheiro de cascatas.

"Por que estou prestando atenção ao cheiro dela?", travei a mandíbula quando a dúvida me ocorreu. "Por que é um cheiro tão agradável?"

- Sim? Diga. - Falei simplesmente, mantendo em mente que a garota era minha aluna.

- Como eu faço essa parte aqui? - ela me perguntou, apontando para o papel, em uma pequena parte de seu desenho.

Semicerrei levemente os olhos, intrigada com a pergunta. Era evidente que ela sabia como fazer aquilo. Era tão simples quanto desenhar a letra A.

"Ela está me provocando?", perguntei-me e senti-me incomodada com a ideia.

- É assim. - peguei a lapiseira de sua mão e fiz, ao invés de explicar-lhe como fazer.

Não havia me sentido a vontade com aquela provocação. Ela sabia que eu sabia que ela sabia fazer aquela parte do desenho com mais perfeição do que qualquer outro aluno naquela sala, então, por que ela estava me perguntando aquilo?

- Ah... - ela falou, mas não dei muita atenção, tentando processar a informação anterior.

- Mais alguma dúvida? - perguntei, olhando-a friamente e estendendo-lhe de volta sua lapiseira.

- Não... - ela pegou a lapiseira de volta e antes que pudesse falar outra vez, eu falei.

- Ótimo. Volte a fazer, você não tem todo tempo do mundo. - falei, tentando parecer imparcial.

- Certo, professora Cabello. - a garota respondeu friamente.

"Por que ela estava agindo assim?", perguntei-me mais uma vez.

Olhei para ela e lhe dei o sorriso mais rápido e frio que conseguia, desejando que ela se afastasse o mais rápido possível da minha mesa.

E de repente, toda a minha mente estava consumida pelos pensamentos a respeito de Lauren Jauregui outra vez. Eu não conseguia mais me concentrar nos textos que estava lendo. Tudo o que eu desejava era conversar com a garota e obter "porquês" para as minhas dúvidas.

Lauren's pov

O resto da aula passou a passos de lesma. Cada vez que eu olhava o meu relógio e achava que já havia se passado pelo menos meia hora, na realidade, eram só cinco minutos. Assim, desisti da ideia de esperar a aula acabar e me concentrei em terminar os croquis que a professora Cabello havia pedido.

A minha concentração fez o tempo passar mais rápido e quando eu menos esperava o alarme do fim da aula soou e todos começaram a recolher seus materiais e levar seus croquis até a mesa da professora Cabello.

Eu ainda precisava terminar uma pequena parte do meu último desenho, mas teria tempo suficiente até que todos os alunos tivessem entregado os seus.

- Eu espero você lá fora, ok? - Normani falou, levantando-se com a bolsa pendurada no antebraço e segurando os seus croquis.

- Ok, não vou demorar. - falei, voltando a atenção ao meu desenho, vendo de relance Normani se encaminhar para o final da fila de alunos.

"Só mais um pouco e eu acabo", pensei, enquanto traçava uma das últimas linhas.

- Cara, não dou mais que duas semanas pra professora Cabello tirar sua calcinha com os olhos. - a voz de Keana soou repentinamente, de muito perto.

Virei o rosto para ela, com os olhos arregalados de tão assustada que eu estava por sua presença repentina e pelo que ela havia falado.

- Sério, ela está muito na sua. - A garota declarou outra vez. - E pelo jeito que você está vermelha, está na dela também.

Se eu estava vermelha, naquele momento eu virei a personificação de tudo o que é vermelho.

- Você me assustou. - me defendi.

- Mas só falei verdades. - Keana disse rindo e se afastou da minha mesa, deixando-me de olhos arregalados e rosto vermelho.

Revirei os olhos, tentando fazer parecer que não havia nada de verdadeiro no que ela dizia e embora realmente não houvesse verdade alguma sobre Camila Cabello tirando minha calcinha com os olhos em duas semanas, não era como se meu corpo não tivesse reagido à ideia.

Pisquei com força para tentar afastar o pensamento de minha cabeça e terminei os últimos traços do desenho, à tempo de olhar para a mesa da professora e vê-la falando em particular com Normani que apenas concordava com a cabeça.

Segui para a fila, sendo a última da sala e acompanhei Normani saindo da sala com o olhar. Estava impaciente para entregar de uma vez os meus croquis para Camila Cabello e ir atrás de Normani para saber o que ela havia lhe dito.

Quando chegou a minha vez, Camila focou o olhar no computador outra vez, mexendo em qualquer coisa que eu não conseguia ver.

- Quero entregar meus croquis. - falei e ela nem me olhou.

Seus olhos desviaram-se para a porta, onde ainda haviam dois alunos do lado de dentro, conversando. Eu olhei junto e depois olhei novamente para ela.

- A senhora não vai pegar meus croquis? - perguntei, impaciente com o fato de estar sendo ignorada.

Camila levantou-se e fechou o computador, colocando-o em seguida dentro de sua pasta preta.

- Professora?! - a chamei, um pouco mais impaciente.

Ela se levantou, pegou os croquis da minha mão e os guardou junto com os dos outros alunos. Eu estava estática demais para reagir a tanta frieza. Ela nem sequer olhava mais para mim, era isso?

- Me acompanhe. - ela declarou, tirando a pasta de cima da mesa e dando um passo à minha frente. Olhou-me por cima do ombro. - Eu acredito que nem preciso explicar o por que, não é, senhorita Lauren? - disse impassível e caminhou para fora da sala.

Eu estava congelada e nada disse, apenas a segui em total silêncio e com um certo pavor que eu não sabia de onde havia surgido.

De repente, todo o medo e toda a vontade de fugir que haviam sumido quando eu considerara que Camila estava fugindo de mim, reapareceram e tudo o que eu queria era sair correndo dali.

Caminhamos lado a lado, em total silêncio, até o seu carro e dessa vez ela não precisou me dizer para entrar, simplesmente entrei e cruzei os braços, como uma resposta inconsciente do meu corpo ao meu desejo de me proteger de fosse lá o que fosse que estava me causando medo.

Camila nada dizia, apenas dirigia e eu não tinha coragem nem de olhá-la para analisar o que a sua expressão revelava. Eu estava com medo da conversa que ela provavelmente queria ter. Eu estava com medo das perguntas que ela iria me fazer e das respostas que eu teria que dar, porque eu não fazia a menor ideia de como respondê-la. Já era suficiente ter que lidar com tudo aquilo acontecendo dentro de mim. Falar com a pessoa que me despertara para todas aquelas confusões estava me deixando em pânico.

Seguimos caminhos muito diferentes do que eu estava acostumada e Camila parou o carro no acostamento de uma rua cercada por árvores dos dois lados e sem movimento algum. Desligou a ignição e virou-se de frente para mim.

- Nós precisamos conversar. - ela declarou e eu concordei com a cabeça sem conseguir olhá-la. - Você está abalando a minha sophrosyne.

"Hã? O que?!", exclamei mentalmente. "Estou abalando o que?!".

Olhei para ela sem me preocupar em esconder a minha expressão de quem não havia entendido o que ela havia falado. Levantei a sobrancelha, ao mesmo tempo que as uni, franzindo a boca.

- O que?! - decidi expressar verbalmente, para deixar mais claro que eu não havia entendido.

- Você está abalando a minha sophrosyne. Você está abalando o meu estado de mente saudável, o meu auto controle e a minha moderação.

A minha expressão suavizou-se bem pouco, porque eu ainda estava chocada e processando o que ela havia acabado de dizer.

- Eu estou abalando o seu estado de mente saudável? - perguntei, repetindo o que ela havia dito apenas para ter certeza de que havia escutado corretamente.

Um frio na espinha me subiu congelando-me as costas e depois o corpo inteiro bem no momento em que seus olhos esfomeados grudaram-se aos meus. Meus dentes trancaram minha mandíbula quando seus olhos tornaram-se mais profundos e intensos.

"O que está acontecendo com meu corpo?", pensei, ao me dar conta dos meus músculos se contraindo em resposta ao olhar invasor de Camila.

- Droga. - sua voz soou baixa e fraca. - Você arruinou a minha sophrosyne.

Então, o mundo se calou.

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