*Anna
Saio do quarto atônita e olho para os auxiliares de forma séria, os três me encaravam assustados. Não por ser um caso difícil e sim pela pessoa que estava internada.
- Eu não quero ouvir sobre ela e ninguém desse hospital pode saber quem é que está nesse quarto, me ouviram? - pergunto e eles assentem. - Jorge e Suzana, vocês ficam no quarto acompanhando a mesma e eu vou ligar para os familiares.
- Desculpa a pergunta, mas como? - Suzana pergunta. - Estamos falando da irmã de um dos Mamonas Assassinas, como vai conseguir falar com eles?
- Eu dou um jeito, só permaneçam aqui e não deixem ninguém entrar além do doutor Jair e da doutora Lídia. - mando e eles assentem, ligo até a recepção e puxo o telefone, disco 190 e suspiro, após finalizar a ligação, disco para outro número.
- Alô? - a voz de Paula se faz presente.
- Paula, é a Anna, irmã do Gabriel.
- Oi, Anna. - a garota fala confusa.
- Eu preciso de um favor, mas você precisa confiar em mim.
- Claro, pode falar.
- Eu preciso que me passe o telefone do Dinho.
- Dinho?
- Isso, Dinho dos Mamonas.
- Eu sei, mas pra quê você quer o telefone dele? - ela pergunta confusa.
- Eu prometo que explico tudo depois, aliás, ele mesmo te explica, mas preciso falar com ele e com urgência. - respondo e a garota permanece em silêncio por alguns segundos. - Por favor.
- Meu irmão me mata se souber que estou passando o número do Dinho por aí. - ela suspira. - Não passa pra ninguém.
- Eu não vou. - falo e ela começa a ditar o número. - Obrigada, Paulinha.
Desligo e a recepcionista me olha, ignoro a mesma e disco o número que Paula havia me passado.
*Narrador
01 de outubro de 1995 - 07h35 A.M
O rapaz acorda assustado e olha para o lado vendo a namorada dormir tranquilamente. Ele controla a respiração e se levanta com cuidado para não acordar a mulher ao seu lado, o mesmo segue até o banheiro e lava o rosto com água fria, tentando espantar o pesadelo.
"Tem dias que a gente se sente, como quem partiu ou morreu."
Mas ao levantar o rosto e se olhar no espelho, um flash de Diana gritando por socorro invade sua mente e o faz suspirar.
Dinho então resolve sair do quarto, desce as escadas e segue até a cozinha, ele olha para Samuel que estava sentado à beira da mesa e olha para o relógio na parede que marcava sete e quarenta da manhã.
- O que está fazendo acordado? - ele pergunta seguindo até o amigo e colocando a mão em seu ombro, Samuel levanta o rosto e Dinho se assusta ao ver a expressão do amigo.
- Eu não me sinto bem. - ele fala e Dinho assente. Samuel estava em prantos e não conseguia respirar direito, seu peito subia e descia em uma velocidade que fez com que Dinho se assustasse.
- O que você tem? - Dinho pergunta se abaixando em frente ao amigo e por um segundo conseguiu ver Diana ali, com seus treze anos e no mesmo estado depois de uma briga na escola. Era ansiedade. - Vem. - Dinho segura o amigo pelos braços o ajudando a levantar e o guia até a sala e o sentando no sofá.
Ele volta até a cozinha e enche um copo com água, segue para a sala e entrega para o amigo.
- Eu não consigo pensar... - Samuel segura o copo de água com as mãos trêmulas. - Meu peito tá doendo tanto, Deus, dói tanto.
- Você precisa se acalmar. - Dinho fala e observa o amigo tomar água, ele fica em silêncio e observa Samuel respirar fundo.
Após alguns minutos o Reoli estava mais calmo e se vira para o amigo.
- Obrigado, eu não sei o que deu em mim. - ele fala constrangido.
- Crise de ansiedade. - Dinho explica e Samuel o encara confuso. - Diana teve muitas quando criança. - ele aperta o ombro do amigo. - Acho que ter visto ela pode ter sido um gatilho pra você.
"A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu."
- Eu sinto falta dela, Dinho. - ele confessa e o amigo sorri.
- Eu também, Sam... Eu também.
- O que está fazendo acordado?
- Não consegui dormir, tive um pesadelo. - Dinho responde e Samuel assente, ele abre a boca para falar algo, mas Sérgio desce as escadas e os encara confuso.
- O que estão fazendo acordados?
- Longa história. - Dinho responde. - E você?
- Cláudia está passando mal. - Sérgio responde e suspira.
- É... Ter visto a Diana mexeu com todo mundo. - Dinho fala e Sérgio o encara confuso.
"A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar."
O telefone começa a tocar e assusta os três rapazes. Dinho segue até o aparelho e exita para atender, mas após o terceiro toque cria coragem e atende.
- Alô?
- Com quem eu falo? - uma voz feminina se faz presente do outro lado da linha.
- Alecsander.
- Eu preciso falar com o Dinho.
- Sou eu. - ele fala e encara Samuel e Sérgio.
- Dinho, eu me chamo Anna e sou enfermeira do hospital municipal vereador José Storopolli. - ela fala e Dinho sente o coração acelerar. - Eu estou ligando pois Diana Alves deu entrada hoje às seis e meia da manhã e precisamos conversar com os familiares.
Dinho deixa o telefone cair e Sérgio se aproxima do amigo, ele falava com Dinho, mas o rapaz não conseguia escutar.
Seu pesadelo era real.
"Mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá."
...
Dinho, Samuel, Sérgio e Cláudia corriam desesperados pelo corredor no enorme hospital e ao se aproximarem do quarto indicado, dão de cara com uma enfermeira loira.
- Cadê? Cadê ela? - Dinho pergunta desesperado.
- Dinho? Eu sou a Anna e... - ela é interrompida por Samuel.
- Cadê a Diana? - ele pergunta de forma angustiada.
- Eu sei que vocês estão nervosos, mas eu não posso deixar que entrem para ver ela... Não agora.
- O quê? - Cláudia pergunta incrédula. - O que aconteceu?
Anna olha para os dois policiais a alguns metros e eles se aproximam.
- Vocês vão poder ver ela assim que conversarem com os policiais. - Anna explica e Dinho nega.
- Eu quero ver a minha irmã, o que a policia tem haver com isso? Me fala que porra que aconteceu. - ele fala nervoso e Anna suspira.
- Onde vocês estavam essa noite, senhor? - o policial pergunta e Dinho o encara.
- Em casa, com meus amigos e família... O que isso tem haver com a Diana? - ele questiona. - Pelo amor de Deus, eu só quero saber se minha irmã está bem.
- Ela está estável por hora.
- Por hora? - Samuel pergunta, ele passa pela enfermeira e abre a porta do quarto, ao ver Diana foi como se levasse um murro na boca do estômago.
Sérgio segura o irmão antes que o mesmo caia e os policiais se aproximam e puxam os dois para fora do quarto, Dinho ao ver o estado de Samuel tenta avançar no quarto e é impedido por um dos policiais.
- Que porra! Me deixem entrar. - ele fala alterado e a enfermeira o encara.
- A sua irmã deu entrada no hospital hoje às seis e quarenta da manhã após moradores encontrarem ela caída nas escadas do prédio onde mora, tudo indicava ser um acidente, mas... - Cláudia interrompe Anna.
- Não foi um acidente. - ela fala e sente uma fraqueza súbita, Dinho a segura antes que ela caia no chão e a guia até uma cadeira.
- O que está acontecendo? - ele pergunta assustado. - Samuel, o que você viu? Fala alguma coisa!
Samuel não conseguia responder, estava perdido nos próprios pensamentos e sentiu aquela mesma sensação de desespero e pressão no peito voltar.
- Jorge! - Anna chama o auxiliar. - Coloca ela no soro. - ela aponta para Cláudia. - Suzana da suporte para ele, é ansiedade. - Anna aponta para Samuel. - E você vem comigo.
Dinho apenas assente e segue a enfermeira e um dos policiais até uma sala.
- Vai me falar o que está acontecendo? - ele pergunta irritado ao ver a loira fechar a porta.
Anna troca olhares com o policial e o homem fardado encara Dinho.
- Sua irmã mora sozinha... - ele deixa a frase no ar, esperando que o rapaz fale seu nome.
- Eu me chamo Alecsander e não, minha irmã mora com o... Namorado. - ele sente o estômago revirar ao pronunciar a palavra.
- Como a Anna informou, sua irmã deu entrada após ser encontrada nas escadas por duas moradoras e deu entrada como queda. - ele continua e Dinho o encara. - Mas não foi apenas uma queda, senhor Alecsander.
- Eu não estou entendendo.
- Sua irmã é vítima de violência doméstica, Dinho. - Anna fala e Dinho a encara.
- O quê? Não, eu estava com ela ontem e... - ele deixa a frase no ar quando flashs invadem sua mente, Diana se encolhendo na cadeira quando o garçom se aproximou rapidamente, dela se afastando quando alguém a abraçava ou do moletom que não tirou por um segundo. - Não, eu não... - ele olha para os dois com os olhos marejados. - Eu preciso ver a minha irmã.
"Roda mundo, roda-gigante, rodamoinho, roda pião.
Anna assente e o policial abre a porta da sala, eles saem e seguem em direção ao quarto novamente.
- Ela está inconsciente. - a loira explica e Dinho assente, a mesma abre a porta e dá espaço para o rapaz entrar.
Ele não consegue segurar o choro ao ver o estado da irmã.
Diana tinha diversos hematomas pelo corpo, uns já sumindo e outros recentes, ela tinha um corte na sobrancelha, o rosto estava inchado, o lábio cortado e um o olho esquerdo começava a escurecer. Ele faz menção de acariciar seu rosto, mas se afasta antes de seus dedos encostarem no rosto da mais nova.
Ele sentia seu coração acelerado e o peito doía tanto que ele sentia que poderia morrer, sua irmãzinha estava ali, metade do seu coração estava deitado naquela cama e ele se sentia insuficiente.
"O tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração."
Dinho se sentou na poltrona ao lado da cama e fixou o olhar no braço da irmã, no roxo que se formava acima de seu pulso, imaginou o quão forte foi a pancada para criar um hematoma e fechou os olhos com força ao imaginar a irmã sendo agredida.
"A gente vai contra a corrente, até não poder resistir."
A porta do quarto é aberta e Sérgio entra no mesmo, ele olha assustado para Diana, mas logo desvia o seu olhar para Dinho.
- Eu estou aqui. - o mais velho fala se aproximando do amigo e apertando seu ombro. - O que precisa que eu faça?
- Eu preciso que fale com meus pais... Eu não vou conseguir falar com eles, não vou conseguir olhar na cara deles sabendo que eu deixei isso acontecer.
A culpa tomou conta do seu coração, Dinho protegeu a irmã por vinte e um anos e quando se afastou a machucaram e ele não iria se perdoar tão cedo por isso.
"Na volta do barco é que sente, o quanto deixou de cumprir."
Algumas horas se passam e Dinho não saiu do lado da irmã em nenhum momento, seus pais chegaram e dona Maria precisou ser atendida após ver a filha, já que sua pressão subiu demais e ela passou mal.
Em uma sala separa estava Júlio, Bento, Aninha, Valéria e Simone. Não poderiam ficar na recepção comum para não causar alvoroço, mas se recusaram a sair do hospital.
No quarto estava Dinho, Sérgio e Cláudia, Samuel estava sentado do lado de fora e se recusava a entrar no quarto.
Ele não conseguia ver a mulher que ama daquela forma, não teve coragem. Nenhum deles sabia o que tinha acontecido, Dinho não contou pra ninguém e nem para os pais a conversa que teve com os policiais, não demorou muito para João chegar e ir conversar com Dinho e com o policial.
Decidiram que não iriam contar nada pra ninguém até tudo ser resolvido e eles conseguissem capturar Diogo.
Diogo por sua vez acordava com a luz do sol batendo contra seu rosto, ele sentia tanta dor na cabeça que poderia jurar que ela explodiria a qualquer momento. Com muito esforço ele se levanta e olha ao redor vendo que estava na sala de sua casa, no chão uma garrafa de rum vazia, várias latas de cerveja e as cartas de Diana que ele tinha encontrado.
- Mas que porra... - ele resmunga sozinho e se levanta, não conseguia lembrar da noite anterior e antes que conseguisse raciocinar alguma coisa, escuta seu telefone tocar. - Porra. - ele resmunga ao sentir a cabeça doer graças ao toque do telefone, segue até o mesmo e atende.
- Diogo? - a voz de João se faz presente do outro lado da linha.
- João?! Bom dia. - Diogo responde e repassa a agenda em sua mente, tentando se lembrar de algum compromisso.
- Estou te ligando para te informar que estamos no hospital.
- No hospital? O que aconteceu? - ele pergunta e estranha o silêncio do outro lado da linha.
- Como assim o que aconteceu? Viemos ver a Diana, ela caiu das escadas e duas moradoras do seu prédio a trouxeram para o hospital, Diana está internada.
Diogo olha em volta e vê a mesa de vidro rachada e sobre ela o seguro de vida assinado, ele se aproxima e flashes da noite anterior invadem sua mente de forma confusa.
- E ela está bem? - ele pergunta e pega o seguro de vida, vendo a assinatura de Diana.
Agora era só reconhecer a assinatura da garota e entregar para a seguradora, a qual ele já tinha contato com um funcionário e já estava definido que o funcionário ganharia trinta por cento do valor do seguro.
- Está estável. - João responde e Diogo fecha os olhos com força, não era a resposta que ele esperava.
- Eu estou indo. - ele pega as chaves. - Em que hospital estão?
- Vermelhinho. - João responde e Diogo suspira.
- Chego em vinte minutos.
Ele desliga o telefone e sai do apartamento rapidamente, ele precisava chegar no hospital e terminar o que havia começado ou a chance de Diana contar para alguém era enorme.
Ao sair do prédio, segue até seu carro e em menos de meia hora já estava em frente ao hospital. Diogo viu Samuel sentado em uma cadeira no corredor e se aproximou, o rapaz o encarou em silêncio e Diogo viu João sair do quarto.
- Como ela está? - a falsa preocupação em sua voz fez com que João se irritasse, mas o mesmo soube disfarçar.
- Diana está inconsciente. - ele responde e Diogo suspira aliviado. - Não é motivo de alívio, Diogo, ou para você seria?
O homem franze o cenho com o comentário de João, mas antes que pudesse responder algo, ele sente um empurrão.
- TIRA ESSE FILHO DA PUTA DAQUI, TIRA ELE DAQUI. - Cláudia gritava desesperada enquanto batia, chutava e tentava acertar Diogo. Sérgio consegue segurar a namorada com muito esforço, enquanto os demais encaravam a cena confusos.
Samuel se levanta e só entende o surto da cunhada quando Diogo leva a mão até o rosto, local onde Cláudia tinha o arranhado e Samuel vê o anel em seu dedo.
- Eu via uma mão atingindo meu rosto, mas eu não conseguia ver a pessoa, só um anel estranho.
- Anel?
- É, um anel prata de tigre.
Diogo não conseguiu se defender quando um soco acertou seu rosto o derrubando no chão, assim como não conseguiu se defender no segundo e no terceiro. Bento e Júlio correm em direção a Samuel e tentam o segurar, mas o garoto estava com uma força descomunal e só saiu de cima de Diogo quando os dois policiais o puxaram.
- EU VOU MATAR ESSE FILHO DA PUTA. - seu grito ecoou pelo hospital.
Os amigos o encaravam assustados, menos Dinho e Cláudia.
- É ele? - Anna pergunta para Dinho e ele assente.
- QUE PORRA DEU EM VOCÊ, SAMUEL? - Sérgio pergunta assustado e segura o irmão pelos ombros, em toda a sua vida ele nunca tinha visto o mais novo daquele jeito.
- Foi ele, Sérgio... Ele é o motivo da Diana estar aqui.
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Capítulo escrito: 28.04.2024
Capítulo postado: 28.04.2024