Calina Sartori
Dias atuais...
Me virei no mesmo instante me deparando com a cena mais bizarra que meus olhos poderiam ver. Grecov Lykaios, que até então parecia um moribundo agora estava de pé, apoiando seu corpo decrépito na bengala dourada. Os seus olhos castanhos estavam vidrados em Eros e mesmo com o corpo magro eu podia enxergar o homem imponente que ele foi um dia. Mesmo magro, a sua altura ainda era assustadora e o sorriso macabro ainda dançava em seus lábios. Eu poderia facilmente compará-lo a todos aqueles velhos de filmes de terror perturbadores, mas por me lembrar de sua aparência mais jovem, isso era quase impossível. E mesmo ele sendo um filho da puta assustadoramente subversivo, Eros havia puxado toda a sua beleza gregoriana de algum lugar e definitivamente seria do velho.
Balancei minha cabeça no mesmo instante, afastando os meus pensamentos intrusivos e querendo dar um soco em mim mesma. Qual é Calina? Ele é o filho da puta que matou aquela pobre garota. Não interessa a porra da sua aparencia ou a do seu filho, sao frutas podres que jamais mereciam ter sido desejadas um dia.
E me repreendendo de todas as formas possíveis que só então eu percebi que o primeiro anúncio de prisão, era ele... Seus pulsos estavam com as algemas apertando sua pele pálida, o seu rosto confuso e o vinco entre suas sobrancelhas era quase um abismo, mas ainda tinha os cantos de sua boca erguidos. O policial parado ao seu lado arqueava as sobrancelhas, talvez esperando uma reação como a de Hailey, mas os olhos castanhos avelã apenas encarava o metalizado das algemas.
— O que? Espera... O Eros? — Minha voz soou mais esganiçada do que deveria e com um sussurro escutei a voz de Hunter próxima.
— Nos livramos de dois, com apenas um truque, pequena Bunny. — Seu dedo indicador se ergueu em minha visão periférica e uma risada rouca passou por seus lábios.
Era o plano desde o início? Por Deus, por que eles nunca me contam nada?
Se eu soubesse não teria ficado tão nervosa ao ponto de quase sentir minha alma ser puxada para fora do meu corpo e todas as minhas entranhas se torcerem ao ponto de me dar dor de barriga. Convenhamos, o que eu faria para sobreviver dentro de uma prisão?
Posso ter diversos atributos, mas sobreviver dentro de uma jaula trancada não seria mais um deles, principalmente após ter sido libertada. Um calafrio correu por toda a minha pele apenas por pensar nessa possibilidade.
No mesmo instante afastei meus pensamentos, não é isso que eu deveria estar pensando, mas sim o que significam essas palavras de Grecov para Eros. A forma como seu corpo está rígido e os seus olhos esbulhados, me assusta.
— Pai... — O homem algemado tentou dizer algo, mas foi em vão no instante em que o velho ergueu a bengala, prestes a acertar sua face.
— MORRA! MORRA! VOCÊ MERECE MORRER! — Meus olhos vacilaram por um instante no momento em que o estrondo ecoou.
Minhas mãos instantaneamente cobriram minha face e meus olhos arregalaram-se. Aiken se posicionou à minha frente e os braços de Hunter passaram ao meu redor, quase prestes a me puxar para longe e só então eu percebi todos os cacos do espelho — que estava posicionado na parte de trás do altar — se estilhaçando no chão.
— Que porra de velho maluco... Você está bem, Bunny? — Aiken praticamente berrou e eu balancei a cabeça concordando, tocando seu braço e o afastando da minha frente.
Eros havia se afastado e o policial cobriu seu corpo, mas a bengala de Grecov parecia não ter sido jogada em sua direção, mas propositalmente para quebrar o espelho em suas costas. E no instante em que o velho moribundo começou a virar em nossa direção, eu finalmente percebi que sua atenção não estava em Eros, mas devido a sua mente falha, estava no reflexo de Trevor no espelho.
Pois no instante em que seus olhos encontraram-o, seu corpo congelou e sua respiração se tornou ainda mais pesada. Como se estivesse vendo uma assombração diante seus olhos. Seu rosto ficou branco, os olhos comprimiram e os lábios se tornaram trêmulos.
— Por que... Por que você ainda está aqui? — Seus joelhos cederam e imediatamente ele foi ao chão. — Por favor... Me perdoe, por favor.
— Perdoar? Por que? — A voz de Trevor soou tão calma, mesmo que suas mãos estivessem cerradas ao ponto de se tornarem brancas com a falta de circulação de sangue. — Você já me deu tudo que eu queria, Grecov. Não tenho mais nada a desejar da sua vida moribunda.
Um ponto de interrogação estava quase se formando em minha testa, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, a gargalhada de Eros ecoou pela igreja. Tão alta que parecia sair do mais profundo da sua alma, como se esse lugar fosse um parque de diversões e ele estivesse no melhor brinquedo de todos.
— É por isso que o tirou da casa de repouso? Para que o papai pudesse vê-lo? — O olhar entre os dois era intenso, como se estivessem batalhando internamente em algo muito mais profundo. — Bem que eu estranhei quando o Baker me aconselhou que era um ótimo momento para o meu pai aparecer.
— O que está acontecendo? — Sussurrei uma pergunta para os outros dois rapazes ao meu lado, mas ambos apenas encaravam Eros com fúria evidente nos seus olhares.
— Porra, você não aprendeu absolutamente nada nos últimos 6 anos, não é? — Trevor arrastou o olhar entediado até ele e as minhas sobrancelhas se estreitaram. Os últimos 6 anos... — Você é engraçado. Isso é um plano seu? Foi você que fez o assalto, não é?
— Eu? Por que eu faria uma coisa tão idiota? — A voz carregada em deboche, como se quisesse deixar claro que realmente era um plano. — Deixe claro para ele policial. Quais são as provas?
— Encontramos DNA no carro deixado para trás, juntamente com vídeos e roupas íntimas da senhorita Maldovas. — Os dentes de Eros cerraram e sua mandíbula travou enquanto ele era arrastado pelo corredor.
— O que você quer, Trevor? Não foi o bastante para você esse tempo todo? Quer mesmo que eu jogue-o dentro daquele maldito manicômio mais uma vez? — Meus olhos se arregalaram no mesmo instante, mas isso apenas tirou uma risada bufada do homem que se posicionou ao meu lado. — Foi a Calina, não é? Ela te ajudou a assaltar a porra do banco.
— Você acha mesmo que eu faria isso, Eros? Que eu permitiria à minha mulher segurar um fuzil e disparar contra a polícia? — Mordi meu lábio, logo em seguida cobrindo minha boca, disfarçando o sorriso. — Oh, claro que eu permitiria. Você que deveria ter se cuidado e tomado conta da pobre garota que colocou no carro. Não me culpe pela sua falta de inteligência.
Uma veia saltou para fora do pescoço de Eros, seus pés cravaram no chão e sua testa enrugou. A fúria era emanada por cada canto de sua pele, era evidente cada um dos seus nervos se contraindo sob a camisa social. E dentro de segundos, ele se soltou do policial, correndo na direção de Bugsy que permaneceu parado exatamente no mesmo lugar. As mãos de Eros agarraram o terno e quando eu achei que sua garganta iria berrar o mais extremo possível, a única coisa que aconteceu foi o silêncio. E após alguns segundos com a respiração pesada, um sorriso nasceu em seus lábios, mas tão forçado ao ponto de não chegar aos seus olhos.
— Acha que é diferente de mim, Trevor? O que te faz ser melhor? — Suas palavras saiam como sussurros tentando atingir o mais profundo do homem que o encarava completamente indiferente. — Você acha mesmo que isso acabou? Contou a ela ou me colocou como o grande vilão da sua histórinha?
Eu não tinha ideia de que merda estava acontecendo, mas aquilo parecia uma guerra, onde Eros parecia a cada segundo perder o controle, mas com a sua máscara, enganava a todos fingindo estar pleno. E Trevor, porra, como ele se mantinha imparcial mesmo com as palavras profundas carregadas de ódio? E como se eu já estivesse adivinhando tudo que estava acontecendo, as peças se encaixavam mais uma vez.
Eles definitivamente tem uma história, além do fato de Trevor ter me usado para atingir a empresa. Vazamento de dados? Isso não faria sentido algum nos seus planos, já que não teve escândalo algum, apenas dados de pessoas que são insignificantes. Talvez, apenas talvez eles possam ter usado esse pretexto para procurar o banco certo para atingir, mas se fosse a razão certa, eles teriam feito isso desde o início e não teriam feito dois roubos antes. Porque com os dois roubos, sobrava apenas mais um banco. Então porque eles roubariam esses dados?
Não faz sentido algum. A não ser que a tríade pesadelo estivesse brincando com Eros, fodendo com a sua cabeça e Bugsy avisando que estava voltando. Isso significa que Eros tem algo haver com o fato dele ter desaparecido por 6 anos. Eu posso pensar em mil possibilidades, mas apenas uma delas vibrava em meu interior.
— Já que você não fez o favor de contar, talvez eu deva estragar a sua historinha de amor... — Ele estava prestes a se virar, mas Bugsy o segurou e pela sua feição eu já imaginava o quanto ele queria matá-lo.
— Solte-o. — Seu olhar virou em minha direção no mesmo instante e o seu maxilar ficou rígido. — Eu mandei você soltá-lo, Bugsy.
Eu sequer tinha ideia do que estava fazendo ou se isso mudaria completamente a minha visão sobre tudo, mas a única coisa que eu queria nesse exato momento era ouvir as palavras de Eros e tomar uma decisão. Por mais difícil que ela fosse ou se ela estragaria tudo. Porque uma única coisa passava em minha mente, todos viram meu pior lado, todos me destruíram e a única coisa que eu vi e me agarrei com todas as minhas forças foram seus "melhores" lados.
Ou qualquer outra merda que eles sejam. Eu posso estar apaixonada, cada parte do meu corpo pode desejar Trevor, cada respiração minha pode ser puxada por causa da tríade pesadelo, mas uma única coisa não mudou em todos esses anos.
Eu jamais confiaria neles, jamais me entregaria com toda a minha. Porque pela primeira vez em toda a minha fodida vida, eu não preciso deles, mas eles precisam de mim. Afinal, tudo foi por mim, não é?
— É por isso que você é divertida, Calina. Consegue colocar até mesmo um monstro na coleira. — Enquanto ele o soltava, os lábios levemente grossos se abriam falando ainda mais merda. — Tudo bem, o que quer saber primeiro?
— Me poupe de todo o discurso e vá direto ao ponto. — Com a negação evidente em sua face, ele balançou a cabeça de um lado para o outro e se aproximou abaixando seu rosto em direção ao meu ouvido sussurrando.
— Você é tão impaciente, boneca. — Meus olhos poderiam facilmente desaparecer se eu continuasse tão irritada com suas palavras. — Calma, se calma... Ele te disse que o irmãozinho tentou matá-lo? Que eu causei a cicatriz em seu rosto? — De relance seu rosto tombou em direção a Trevor e uma gargalhada rouca passou por seus lábios. — Ah que hilário... Estava com medo de que a bonequinha corresse, Trevor? Por isso não disse a ela que você mesmo causou a porra da sua cicatriz seu filho da puta pertubado de merda?
Minhas sobrancelhas se uniram no mesmo instante com um arrepio cruzando toda a minha dorsal. Que merda é essa? Levei meu olhar para Trevor, analisando toda a sua cicatriz como se ela fosse me contar o que de fato teria acontecido, como se eu pudesse adentrar suas lembranças.
Eu não me sentiria nenhum pouco balançada pelas palavras de Eros, se não fosse pelo olhar e sorriso medonho nos lábios de Bugsy. Engoli em seco no mesmo segundo, percebendo os arrepios serem substituídos por calafrios. A sensação quente e conhecida invadiu cada um dos meus poros, como se mais uma vez meu cérebro gritasse no mais profundo do meu interior.
Corra, Calina... Apenas corra e se afaste de todos esses fodidos da cabeça.
Não me assusta ele ser um Lykaios, mas sim ser tão mentiroso ao ponto de criar uma história perturbadora apenas para se aproximar. Porque no momento em que eu ouvisse que realmente foi uma mentira, eu estaria amando um traidor. E isso é o que me deixa mais fodida. Estava assustada comigo mesma, porque mesmo sabendo que a história é uma mentira, eu ainda seria capaz de continuar ao seu lado.
Merda. Correr? Eu sou ainda pior do que eles.
— Você acha que isso vai assustá-la? — Sua voz soou grossa e profunda, carregando escárnio escondido nas entrelinhas, chamando minha atenção. — O que você vai fazer, Calina? — E de repente virou-se para mim. — Vai sair correndo, Bunny? Está com medo de mim?
E nesse instante eu tinha a minha confirmação, juntamente com o olhar castanho me encarando profundamente com curiosidade. Trevor causou sua própria cicatriz... Mas o quão terrível foi o que ele passou para causar isso em si mesmo? Ele é um psicopata? Um sociopata? Um ser humano desprezível?
Não. Ele é apenas o Trevor, Calina. Não importa se ele causou suas próprias cicatrizes ou quão perturbada seja sua mente. É apenas ele. O cara que me desvirtuou, me libertou e me amou.
Abaixei a cabeça sorrindo em descrença comigo mesma. Eu realmente vacilei por um instante ao pensar em me afastar dele? Como eu conseguiria fazer isso? Tão previsível...
— Quem de nós não cometeu pecados irreversíveis? — Levei meu olhar até o homem algemado, escutando a risada abafada de Hunter. Me aproximei tocando seus braços, deslizando até alcançar suas algemas, apertando-as ainda mais ao ponto de fazê-lo gemer. — Você assaltou um banco, Eros... Colocou explosivos nas ruas, feriu dezenas de pessoas... O seu peso é muito maior do que uma simples cicatriz.
— Ele realmente te manipulou direitinho... — Balancei a cabeça negando e um sorriso travesso cruzou meus lábios.
— Não, não me manipulou. Ele apenas me encontrou e abriu ainda mais os meus olhos sobre o quão podre você é. — Joguei minha cabeça para trás por um instante e puxei o ar com força, tossindo levemente para chamar atenção das pessoas. E quando percebi as câmeras focadas, voltei a olhá-lo sorrindo. — Não deveria ofender o seu irmão mais velho que está apenas tentando te proteger.
— O que? — As sobrancelhas unidas quase me fizeram gargalhar.
— Seja um bom irmãozinho e nós iremos cuidar de tudo. Não é, Trevor? — Virei meu rosto encarando-o com o sorriso mais inocente possível.
— Como você quiser, amor.
— O que você quer dizer com isso? — Me afastei no instante em que percebi seus músculos do ombro contraindo. — CALINA!
— Por favor, levem-no. — Liberei espaço para os policiais que começaram a puxá-lo para o corredor de pessoas. — Não se preocupe, cuidaremos muito bem da nossa empresa, Eros.
Em questão de segundos seus gritos eram abafados pela distância. Não me importa o que vai acontecer com ele ou com Hailey, pagaram o preço por suas merdas. E exatamente como Hunter disse, eles derrubaram dois com apenas um movimento. Eu gostaria que tivessem me dito antes para que eu não ficasse tão surpresa, mas tudo bem, eles nunca me contam nada mesmo.
Acho que com o tempo eu realmente estou aprendendo a apenas esperar o tempo deles. Digamos que eu entendi na nossa conversa que eles tem seu tempo e por mais que eu insista, vão me contar apenas quando for o momento certo. E eu já estou de saco cheio de ficar formulando tantas perguntas na minha cabeça e nunca obter respostas.
— O que está acontecendo, Calina? — Pisquei algumas vezes saindo do meu devaneio, levando minha atenção até Heitor que já estava se aproximando. — O que você está fazendo?
— Eu? — Perguntei abaixando meu tom. — Eu não fiz nada, papai. Você não viu quem saiu algemado?
— Justamente. Então me diga o porquê de você estar fazendo isso. — Balancei a cabeça em negação fingindo estar confusa. — Acha que esses garotos vão continuar ao seu lado?
— Estamos ao lado dela há mais de sete anos, acha mesmo que nós a deixamos para trás? — Dessa vez Aiken se aproximou, com seu olhar tão frio encarando Heitor que seria capaz de congelá-lo. — Acha que somos igual a sua família?
— Eles já fizeram isso uma vez. Quer que eu relembre qual foi o resultado dessa atitude, Calina? — Mais uma vez ele iria usar o meu ponto fraco, que na verdade deixou de ser no momento em que assisti aquele vídeo.
— Ah, claro... Relembre ela, Heitor. — Hunter também se aproximou parando ao meu lado. — Não se esqueça de contar detalhe por detalhe sobre como Eleanor acabou dentro do casarão Sartori.
A frieza era tão evidente que sequer com as indiretas ele vacilava, muito pelo contrário, o sorriso crescia em seus lábios. Como se estivesse pensando: "Nossa, até que enfim descobriram".
O diabo estava naqueles olhos, tenho certeza absoluta disso. A cada vez que Heitor arrastava seu olhar, meu corpo inteiro se tornava pesado, como se eu estivesse com tanto medo dele voltar a se tornar aquele monstro da floresta. E como se combinasse com sua aparência, a sua risada também parecia exatamente como a de um vilão. Pensei por um instante que ele ia continuar dizendo, mas apenas estendeu seus braços o balançando.
— Já que estamos aqui... Continuem. — Meus olhos estreitaram-se no mesmo instante. O que ele está planejando dessa vez? — Paguei centenas de libras para que eu pudesse te dar um casamento digno, então se for com esse rapaz que você deseja se casar, aproveitem essa chance.
Definitivamente algo estava errado. Talvez Heitor nesse momento estivesse fazendo a continuidade de me casar por Trevor também ser um Lykaios, principalmente por achar que talvez teria controle sobre ele da mesma forma que com Eros.
Meus lábios curvaram-se em um sorriso travesso e eu me virei para o homem impecavelmente lindo, segurando sua mão e o puxando para ficar em minha frente.
— Podemos adiantar o casamento, não é?
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