11 anos atrás...
Era calor e só no calor que eu conseguia tomar banho com água fria. Era até bom, para falar a verdade. Refrescante. Eu lavava o cabelo e cantava músicas até alguém gritar mandando eu parar de cantar.
O orfanato tinha apenas dois banheiros, um no andar de cima e um no andar debaixo. Nos dias de verão, ninguém poderia levar maus que dez minutos no banho, pois sempre tinha alguém na fila para tomar também.
Eu colocava um ridículo cronômetro no meu celular para não perder a hora e não levar bronca quando sair do banheiro.
Aquele dia era mais um dia normal. Eu cheguei da escola e estava um calor infernal. Eu precisava estar no teatro em uma hora, então fui correndo tomar um banho antes que alguém pegasse o banheiro e isso me atrasasse. Geralmente eu me atrasava porque demoro muito a me arrumar pro ballet. Não sou nada boa em fazer coque.
Eu sempre tomei banho de costas para a porta, olhando para o cronômetro ou as vezes ensaiando uma sequência de barra, vendo os vídeos no celular. A porta estava sempre trancada, então eu não ligava.
Estava enxaguando o shampoo do cabelo quando me virei para pegar o condicionador e vi a porta entre aberta. Meu coração parou no instante em que percebi que tinha alguém na porta. Alguém que fechou a porta rapidamente quando viu que eu tinha percebido.
Eu não gritei, eu não chorei, eu não consegui reagir. Fiquei congelada embaixo do chuveiro desacreditada que o jardineiro de quarenta anos do orfanato estava me espiando tomar banho.
•••
Continua...